Cabo Frio, Itapemirim, Macaé, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra na Memória e Vida de seus Moradores
Depoimento de Valmir Rocha de Freitas
Entrevistado por Marcia Trezza
Itapemirim, 23/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_ITA_HV05 - Valmir Rocha de Freitas
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Seu Valmir, nós vamos começar a entrevista. O senhor pode falar o seu nome completo?
R – Valmir Rocha de Freitas.
P/1 – O senhor nasceu onde?
R – Nasci em Itapemirim.
P/1 – Em que data?
R – 1953.
P/1 – E que dia?
R – 22 de fevereiro.
P/1 – O senhor sempre morou aqui em Itapemirim ou o senhor teve alguma mudança?
R – Não, sempre morei aqui mesmo, toda vida.
P/1 – O senhor tem que lembranças aqui da sua infância em Itapemirim, seu Valmir?
R – Ah, minha infância na época era difícil, né? Trabalhava, ajudava minha mãe a descarregar lenha, depois pescava, não existia fogão a gás, tudo difícil pra caramba. Eu, minha mãe e meus irmãos sofremos muito na época, era muito difícil. A gente era muito pobre na época.
P/1 – Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho cinco irmãos.
P/1 – Vocês eram em seis?
R – Cinco irmãos e duas irmãs, homens são cinco e duas irmãs. Uma faleceu, são seis.
P/1 – O seu pai trabalhava em que, seu Valmir?
R – Meu pai trabalhava de empregado em uma fábrica de gelo antigamente, do meu tio. Naquela época não era gelo, era gelo em barra, botava um pó de serra, conservava o gelo no pó de serra. E a gente levava o gelo pra fora, aquelas pedras de 25 quilos, e lá era socado numa tina. Levava as barras de gelo, jogava o pó de serra em cima e lá a gente lavava o gelo na água do mar na hora que pegava o peixe, socava o gelo lá, no próprio barco mesmo, socava com o pilão, e depois gelava o peixe.
P/1 – E o pó de serra era bom pra conservar?
R – É, o pó de serra conservava o gelo.
P/1...
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Depoimento de Valmir Rocha de Freitas
Entrevistado por Marcia Trezza
Itapemirim, 23/03/2013
Realização Museu da Pessoa
AECOM_ITA_HV05 - Valmir Rocha de Freitas
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Seu Valmir, nós vamos começar a entrevista. O senhor pode falar o seu nome completo?
R – Valmir Rocha de Freitas.
P/1 – O senhor nasceu onde?
R – Nasci em Itapemirim.
P/1 – Em que data?
R – 1953.
P/1 – E que dia?
R – 22 de fevereiro.
P/1 – O senhor sempre morou aqui em Itapemirim ou o senhor teve alguma mudança?
R – Não, sempre morei aqui mesmo, toda vida.
P/1 – O senhor tem que lembranças aqui da sua infância em Itapemirim, seu Valmir?
R – Ah, minha infância na época era difícil, né? Trabalhava, ajudava minha mãe a descarregar lenha, depois pescava, não existia fogão a gás, tudo difícil pra caramba. Eu, minha mãe e meus irmãos sofremos muito na época, era muito difícil. A gente era muito pobre na época.
P/1 – Quantos irmãos o senhor tem?
R – Eu tenho cinco irmãos.
P/1 – Vocês eram em seis?
R – Cinco irmãos e duas irmãs, homens são cinco e duas irmãs. Uma faleceu, são seis.
P/1 – O seu pai trabalhava em que, seu Valmir?
R – Meu pai trabalhava de empregado em uma fábrica de gelo antigamente, do meu tio. Naquela época não era gelo, era gelo em barra, botava um pó de serra, conservava o gelo no pó de serra. E a gente levava o gelo pra fora, aquelas pedras de 25 quilos, e lá era socado numa tina. Levava as barras de gelo, jogava o pó de serra em cima e lá a gente lavava o gelo na água do mar na hora que pegava o peixe, socava o gelo lá, no próprio barco mesmo, socava com o pilão, e depois gelava o peixe.
P/1 – E o pó de serra era bom pra conservar?
R – É, o pó de serra conservava o gelo.
P/1 – E sua mãe também trabalhava com a pesca?
R – Não, minha mãe foi sempre dona de casa.
P/1 – E o senhor pegava lenha junto com ela?
R – Nós buscávamos lenha lá no mato, carregava lenha pra semana toda pra cozinhar na época, era longe pra caramba (risos). Trazia lenha nas costas, uns dois quilômetros quase daqui até lá. Eu, ela e meu irmão botávamos o feixe de lenha nas costas e trazia para a semana toda. Pescava, pegava lenha, estudava, era assim. Ia pescar, mas pescaria era aqui na beirada, nós éramos crianças ainda, quase 12 anos. Era uma vida muito difícil.
P/1 – E seu pai sempre foi pescador?
R – Não, meu pai pescou pouco, ele pescava de arraste na praia, mas em alto mar ele nunca pescou, não, ele puxava arrastão na praia.
P/1 – E ele vendia os peixes quando ele puxava?
R – Naquela época vendia pro pessoal daqui mesmo. Eu tinha um tio que tinha uns caminhões velhos, aí levava pro mercado de Vitória, mas era tudo em cima de carroceria. Os peixes eram todos gelados naquelas caixas de madeira e levava pro mercado de Vitória uma época.
P/1 – Os peixes chegavam a ficar congelados?
R – Não, não, o peixe era fresco, nós levávamos com gelo.
P/1 – E dava pra sustentar a família com venda de peixe?
R – Era difícil, trabalhava no pescado e trabalhava na roça também. A gente tinha roça também, meu avô tinha muito terreno aqui, era dono disso aqui nessa época. Meu avô foi dono de Itaipava aqui todinho, pai da minha mãe.
P/1 – Qual o nome do seu avô?
R – Era Leopoldino Rocha de Freitas, né?
R2 – Fernandes. Leopoldino Fernandes Rocha.
R – Ele era dono de Itaipava todinha.
P/1 – Então tinha muita plantação.
R – Tinha coisa na roça, mas era difícil, né? Plantava, colhia pra comer, pra vender era difícil.
P/1 – Era mais pra própria família?
R – Pra sustentar a família.
P/1 – Seu Valmir, tinha alguma plantação aqui nessa época que o senhor era menino, que dava pra sustentar Itapemirim, assim, uma produção de alguma coisa assim?
R – Não, aqui sempre sobreviveu mais da pesca, né, Ana? Plantação na época nossa, isso aqui tudo era mato, onde era mato hoje é tudo casa. Mas na época da nossa infância, era tudo mato. Aqui mesmo, onde nós estamos, tinha muito troço plantado, era melancia, cana, laranja, a gente tinha muita plantação aqui no quintal mesmo. Laranja, tinha banana, tinha tudo plantado que nem um quintal mesmo, e a gente mora aqui.
P/1 – E vendia para alguém ou era pra ter?
R – Não, só pra gente comer mesmo, só pra despesa de casa. Pro pessoal, os parentes.
P/1 – E o que aconteceu que foi ficando cada vez menos mato?
R – Porque aí foi chegando gente de fora, foi comprando, construindo, a família vai crescendo, aí um faz uma casa ali. Desenvolveu um pouco mais rápido depois que começou a crescer, aí começou a desenvolver aqui, começou a vender lote. Meu avô naquela época vendia um lote pra uma pessoa, mas ele não vendia com a trena, vendia com a braçada, batia o pé lá e não media com uma trena, media com o pé, uma pernada era um metro.
P/1 – E essa época que plantava tudo isso...
R – Muita gente também chegava aqui e não tinha condições de comprar um terreno, vendia e o cara pagava pra pessoa morar.
P/1 – Seu Valmir, e essa época que plantava pra comer, depois foi mudando isso.
R – É, depois foi mudando.
P/1 – O senhor acha que mudou por quê?
R – Mudou porque o pessoal foi ficando mais assim, foi se entrosando mais com a pesca, a pesca começou a desenvolver mais, começou a aparecer um barco a motor aqui. O primeiro barquinho a motor que apareceu aqui, na época, era um motorzinho pequeno, de dez cavalos, era o barco que a gente trabalhava. E lá no alto mar aquele barquinho, naquela época a gente não ia muito longe porque perto tinha muito peixe também, né? Na época tinha muito peixe. Aqui na beirada você matava peixe, vendia, o peixe era baratinho, mas vendia. O pessoal foi desenvolvendo, depois começou a aparecer um barco maior, começou a desenvolver a pesca em barco maior e começou a aparecer. A maior força aqui era tudo barco a vela na época.
P/1 – Seu Valmir, e quando o pessoal começou a se envolver mais na pesca, como as pessoas conseguiam o alimento?
R – Como assim você quer dizer?
P/1 – Porque antes plantava pra comer.
R – É.
P/1 – E depois, que começaram a deixar um pouco de plantar?
R – Aí já começava a comprar, né? Dividia o peixe e comprava. Quem não tinha mais roça comprava, começou a aparecer um pessoal, botava uma vendinha aí nos quiosques, aí compravam. Sempre tinha arroz, feijão. Nós também, nós plantamos arroz, tinha arroz no meio do brejo aí, colhia arroz pra comer. Naquela época era tudo mais... Depois começou a desenvolver, né? Depois começou a crescer, foi desenvolvendo, e a pesca também desenvolveu, porque a sobrevivência aqui em Itaipava mesmo é a pesca. Se acabar a pesca... Hoje tem um supermercado, desenvolve uns empregos, mas na época era só pesca mesmo, todo mundo, o pessoal da nossa idade foi tudo criado com pesca, né? E eu criei meus filhos todos na pesca, meus irmãos. Só tenho um irmão que não pesca, os outros são todos pescadores, um é caminhoneiro. E criaram os filhos deles tudo pescando, somos sustentados pela pesca, não tem outro emprego.
P/1 – E o senhor tem quantos filhos?
R – Eu tenho quatro filhas.
P/1 – Filhas.
R – É, não tenho filho homem, tenho quatro filhas mulher.
P/1 – E o senhor ensinou alguma coisa da pesca pra elas?
R – Elas trabalham tudo com peixe. Elas aprenderam a trabalhar tudo com peixe, hoje trabalham naquela firma lá, Atum do Brasil, outra trabalha em outra, pessoal trabalha tudo com peixe.
P/1 – Que tipo de trabalho?
R – Elas trabalham com peixe de exportação, a firma exporta. Elas trabalham dissecando, limpando o peixe, fazem filé. São cobra criada nesse negócio, pra fazer filé de peixe.
P/1 – As quatro trabalham em empresas...
R – É, tem uma que hoje não trabalha, não. Ela foi pro Rio.
P/1 – Rio de Janeiro?
R – É, Rio de Janeiro. Ela foi morar lá, trabalha com negócio de barraca. Tem um tempo que ela mora no Rio, foi pra lá e ficou.
P/1 – E as três filhas trabalham...
R – Agora as outras trabalham com peixe. Umas estão até encostadas, porque uma deu problema por acidente de moto, a mais nova teve um acidente de moto trabalhando com peixe mesmo. Ela trabalhava lá em Macaé, com peixe também. O carro pegou ela e ela está aleijada, anda de muleta, né? Ela está com a perna toda quebrada, então está andando de muleta.
P/1 – E a outra...
R – A outra trabalha com peixe, todo mundo aprendeu a mexer com peixe.
P/1 – Essas empresas de peixe, seu Valmir, elas fazem o que aqui?
R – Elas compram, a gente vende o peixe pra ele e distribui pros mercados, leva pra São Paulo, pro Rio, Vitória, Bahia, o povo distribui peixe pra todo lugar. Aqui em Itaipava mesmo, só tem uma firma que exporta, que é o Atum do Brasil, que trabalha com exportação. É interno e externo.
P/1 – Essas empresas apareceram aqui quando, seu Valmir?
R – Ah, essa Atum do Brasil é muito antiga, mas com exportação mesmo, tem pouco tempo, porque ela toda vida mexeu com peixe, eles sempre compraram peixe. Hoje é uma firma muito grande, trabalha com bastante empregado, deve trabalhar com mais de cem empregados.
P/1 – Fica aqui em Itapemirim?
R – Fica aqui entre Itaipava e Itaoca.
P/1 – E as outras empresas, são quais?
R – As outras são todas assim, compram peixe, mas não exportam. Outro que compra muito peixe aqui é de Piúma. Pessoal do Rio vem buscar peixe aqui. Aqui mesmo, o mais forte que compra é o Atum do Brasil, sempre comprou.
P/1 – Então, vamos voltar um pouquinho pra sua infância e o senhor vai contar pra gente a sua história de pescador. O senhor disse que a infância era de trabalhar muito, né?
R – É.
P/1 – Mas tinha algumas brincadeiras que vocês faziam?
R – Nós brincávamos (risos). Sobrava um tempinho pra brincar na época. Naquela época não tinha luz, era tudo difícil. Brincava com a turma aí de pica-esconde (risos), aquele negócio todo. Brincava, se divertia, só não tinha luz, né? Quando era lua clara brincava muito, juntava a turma toda pra brincar. Nossa infância foi assim, infância difícil. Nunca passamos fome porque tinha roça, tinha tudo, mas não tinha dinheiro. Não passava fome porque trabalhava muito, meu pai trabalhava, minha mãe trabalhava muito. A gente trabalhava pra sobreviver, né?
P/1 – E na época que não tinha lua clara, como que era?
R – (risos) Aí ficava mais difícil de brincar, esperava dar lua clara pra brincar. Aí, dormia cedo, quando escurecia ia pra cama dormir (risos). As mães botavam a gente pra dormir cedo.
P/1 – Tinha muitas histórias, lendas, visagens?
R – Pra dizer a verdade, eu nunca vi essa tal de visagem, não. O pessoal contava de lobisomem, parece que era lenda. Meu pai falava que uma vez ele viu pescar um peixe, um troço branco, cachorrão, dizia que era lobisomem. Ele falava lobisomem e a gente ficava com um medo desgramado (risos), ficava todo mundo escondido com medo. Acho que era cachorro, não lobisomem.
P/1 – E no mar, tem histórias assim do mar, tipo alguma lenda, alguma crença que os pescadores têm no mar?
R – No mar tem muito peixe grande, a gente vê baleia, igual eles falaram, aqui no nosso mar não, mas no Sul, onde a gente trabalhava. Eu não vi, não, mas os pescadores contaram que eles viram um fantasma, um fantasma chegava embaixo do bote, levantava o bote pra cima, muito grande. Mas nunca matou ninguém, disse que era um bicho muito grande, chegava embaixo do barco, levantava o botinho, porque pescavam no botinho, né, no barco. A gente trabalhava naqueles caiaquezinhos pequenos. Mas, eu mesmo nunca vi esse troço. O pessoal contava, mas eu não cheguei a ver não esse negócio.
P/1 – E como era sua rotina, seu Valmir, o dia inteiro quando o senhor era mais novo, mais criança?
R – Chegava da escola, às vezes que estudava. Eu comecei a pescar, era novinho. Pescava, estudava, nós saíamos pra buscar lenha com mamãe na roça, a rotina nossa foi assim até completar 16 anos. Quando fiz 16 pra 17 anos eu fui lá e tirei minha primeira matrícula de pescador, aí que eu comecei a trabalhar lá no alto mar. Aqui pescava em barco a vela, naquela época.
P/1 – Vou perguntar uma outra coisa pro senhor antes de entrar na pesca. Seu Valmir, o senhor tava falando um pouco das crenças, das brincadeiras. Aqui tinha alguma festa que acontecia todo ano, que vocês iam, alguma tradição?
R – Festa sempre teve. Tinha as festas das canoas, festa do barco, a gente ia. Mas festa mesmo na nossa infância, quando pequeno, eu nunca fui, não.
P/1 – Que festas são essas, dos barcos?
R – Às vezes, o pessoal saía daqui pra ir pro Convento da Penha, assim, mas eu nunca fui, não. Minha mãe ia sempre, levava a minha irmã, mas eu nunca fui, não.
P/1 – Ia de barco?
R – Não, ia de carro pro Convento da Penha, lá em Vitória. Mas aqui mesmo, festa na nossa infância, era difícil.
P/1 – E agora tem alguma festa dos pescadores, alguma festa tradicional aqui?
R – Alguns anos atrás, fazia uma festa muito bonita aqui, Festa dos Pescadores. Aí, enfeitava os barcos todos, saía fazendo a festa. Era muito bonita, uma das melhores festas que se fazia aqui. Depois, o pessoal parou de fazer. Hoje fazem uma festinha, mas é com frutos do mar, na praia, mas a festa mesmo, com as canoas, os barcos enfeitados, hoje já não fazem mais.
P/1 – Que dia do ano era, que santo era?
R – São Pedro, 29 de junho, né?
P/1 – É, de junho.
R – É, festa de São Pedro.
P/1 – Era bonita essa festa?
R – Muito linda. Fazia uma festa muito, botava muita gente... Eu cheguei a carregar muita gente no barco, trabalhava, né? Enchia de gente, saía passeando, muito barco, tudo assim, o barco tudo cheio de gente, era tudo muito lindo, uma festa muito bonita. Depois acabou, os organizadores que faziam a festa pararam de fazer, né?
P/1 – Seu Valmir, quem organizava, você falou que os organizadores foram parando, mas o senhor lembra quem organizava?
R – Quem organizava festa aqui era um pescador também, Chico, seu Paulinho, um pessoal aí que ajudava, fazia festa, atraía gente. Hoje é Jorge Viana, fazia.
P/1 – Pescadores?
R – É. Tudo pescador.
P/1 – E esses barcos saíam e ficavam só no mar ou iam pra algum outro lugar?
R – Saía no mar. E quando era dia de festa, os barcos vinham quase todos pra perto, todo mundo vinha pra festa, pra enfeitar os barcos. Aí os barcos que tinham motor puxavam os que não tinham motor, que eram a vela. Era muito barco, ia puxando devagarzinho, entrava na beira da ilha, passava pela ilha lá e voltava, rodava pela beira da oca ali. Mas os barcos ficavam tudo cheio de gente, cheio de gente mesmo.
P/1 – O senhor lembra da imagem, se pudesse descrever pra gente a imagem que o senhor tem dessa época?
R – Era organizado pela Capitania dos Portos, né? Então, quem organizava o pessoal todo era o marinheiro, um tenente que organizava tudo. O tanto de gente que podia ir no barco, não podia ultrapassar aquele limite, organizava assim certinho. A gente lembra de uma imagem bonita, era um troço muito bonito, os barcos enfeitados, aquelas bandeirinhas. Aí, ficava mais ou menos uma hora, uma hora e meia, mais ou menos, dentro da água passeando ali, depois encostava o barco na praia e tinha festa. E começava, tinha cantor sertanejo na época.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Seu Valmir, e quando o senhor era criança, ficava sempre perto do mar?
R – Sempre fiquei perto do mar.
P/1 – O que as crianças faziam na época?
R – A gente pescava de barquinho a remo, pescar siri na praia ali, dava muito siri ali, colocava uma isquinha lá e pegava siri, sempre na beira da praia, toda vida.
P/1 – O que vocês faziam com o siri depois?
R – (risos) Nós cozinhávamos, comíamos, sirizinho cozido era bom.
P/1 – E no mar, como era no mar? O senhor entrava na água, como que era?
R – Ah, entrava no mar, tomava banho direto, aprendi nadar quando eu era novinho, nadava bem pra caramba, mergulhava, nadava.
P/1 – Teve alguma arte que o senhor fez, que até hoje a sua mãe lembra? O senhor aprontou alguma quando era criança?
R – Dentro da água não (risos).
P/1 – E fora d’água?
R – (risos) Fora da água, uma vez. Quando éramos crianças, nós botamos fogo no mato, uma vez aqui, que queimou a roça do pessoal todo aí (risos). Eu e um primo meu caçando passarinho, naquela época a gente caçava de gaiola, era época de seca. Meu primo riscou um fósforo, aquele capim sequinho pegou fogo, queimou um monte de roça, lavoura. Essa vez meu pai me bateu, foi a única vez. Foi uma coça danada, meu irmão correu e eu apanhei (risos).
P/1 – Que lembranças o senhor tem do seu pai quando era criança?
R – Eu saía muito junto com ele, à noite saía, ele gostava de sair à noite pra jogar um joguinho e eu ia junto com ele, mas ficava lá fora sentado, esperando ele. Saía sempre junto com meu pai, levava a gente pra sair. Mas, saía pouco também, naquela época não saía muito, muito pouco.
P/1 – Seu Valmir, e quando foi ficando mais mocinho assim, qual era a diversão?
R – Quando foi ficando rapazinho já saía. Aqui em Itaipava era muito parado, a gente saía pra se divertir fora. Ia com a rapaziada, arrumava um carro e saía pra se divertir em outros lugares. Aqui não tinha coisa nenhuma, aí ia pra cidade, pra vila. Lá tinha uns clubezinhos, tinha uns bares e a gente ia. Aqui era difícil, não tinha quase nada, né? Ia pra cidadezinha mais próxima, juntava com a rapaziada, aí saía naquela turma.
P/1 – E a sua esposa, quando o senhor conheceu ela? Como?
R – Minha esposa não morava aqui em Itaipava, não. Depois de muito tempo, vieram morar aqui, o pai dela tinha venda, era negociante, tinha uma vendinha aí em cima. E depois, ela foi trabalhar com uma prima minha, conheci ela com uma prima minha. Aí começamos a namorar, namoramos, depois casamos e estamos até hoje casados.
P/1 – Como ela chama?
R – Maria José Aguiar de Freitas. Casamos e estamos até hoje, vai pra 40 anos de casado.
P/1 – O senhor não falou o nome do seu pai.
R – Meu pai era Cecílio Correia de Freitas.
P/1 – E sua mãe?
R – Laurita Rocha de Freitas.
P/1 – Seu Valmir, e na pesca? O senhor falou que pesca desde menino, conta como foi esse começo.
R – O começo, eu comecei a pescar, eu tinha um primo que pescava. Eu queria pescar e a minha mãe não queria que eu pescasse, não, era criança, né? Aí, a vontade de pescar era doida, mas naquela época, o pessoal não gostava de levar a gente, não, a gente era pequeno, né? Eu tinha um primo que pescava, ele é morto hoje. Eu pedi para ele me levar, ele falou: “Eu levo você, mas é perto da ilha, não é longe”. Era um barquinho a remo. “Eu vou levar você”. Naquela noite eu não dormi, não, fiquei esperando, ele ia sair de madrugada, três horas da madrugada. Ele chegou de madrugada, pensei: “Acho que ele não vai me chamar, não”. Ele passou, me chamou: “Vamos, rapaz! Vamos embora”. Peguei a linhazinha que eu tinha feito e fui pra lá. Cheguei lá, naquela época, pertinho assim, você jogava linha, tinha muito peixinho, dava muito pescadinho perto da pedra aqui, comecei a pescar e gostei de pescar. Não enjoei na água, nunca enjoei no mar, nem nada. Aí, comecei a pescar e já fui treinando mais. Depois, o meu avô tinha barquinho, quando pegava o barquinho do meu avô, eu ia sozinho, comecei sozinho. Aí, depois que comecei a pescar, ia mais longe, mais fora. Até os 12, 14 anos, fiquei pescando mais perto, porque pra pescar lá fora, tinha que ter documento e era difícil, tinha que tirar caderneta pra pescar. E na época, os capatazes da Marinha eram meio bravos, se pescasse, ele multava a gente, o barco, pra não deixar a gente pescar. Então, quando foi em 69, eu tirei a minha matrícula de pescador.
P/1 – Seu Valmir, voltando ainda quando o senhor começou. Quantos anos o senhor tinha quando o senhor foi com ele, essa primeira vez?
R – Tinha 11 pra 12 anos.
P/1 – E por que o senhor tinha tanta vontade de sair pro mar?
R – Ah, minha vontade era, sei lá, todo mundo que é filho de pescador, a vontade dele é pescar. A vontade, parece que você ganha mais dinheiro. Porque a pescaria sempre foi um troço que dava um dinheirinho a mais, então parece que é a vontade de ganhar um dinheirinho a mais. Pegava o dinheirinho do peixe e dava tudo pra mamãe mesmo.
P/1 – Na primeira vez que o senhor foi, o senhor pescou algum peixe?
R – Peguei muito peixe, peguei bastante peixe na primeira vez que eu fui, eu já sabia. Já tinha mais ou menos a noção de como era.
P/1 – Essa noção vocês aprendiam onde?
R – A gente via os mais velhos contando, a gente ficava prestando atenção neles contando. Via meu avô, meu primo contando, aí botava aquilo na cabeça, ensinava, às vezes fazia o aparelho pra pescar e ficava prestando atenção, a parte que faz o anzol, né? Depois de tudo, já aprendia a fazer o anzol, era mais fácil, não era tão difícil. Você vê a pessoa empatando o anzol e ia pescar lá. Lá matava 30, 40, 50 tipos de peixe. Assim, três horas da manhã, 10 horas vinha, daí ia pro colégio estudar, estudava no primário. Aí, chegava de tarde, ia buscar a lenha na roça com mamãe. Uma vez entrou um caco de vidro no meu pé e quase morri (risos)
P/1 – O que?
R – Pisei em cima de um caco de vidro e trabalhando assim mesmo, com aquele caco de vidro no pé, depois o pé tava todo roxo, quando eu cheguei, eu vi que o pé tava todo roxo, fui ver, era um caco de vidro que estava dentro do pé (risos). Mês de janeiro, aquele sol quente, mamãe cortava lenha, fazia um feixão, botava na cabeça aqui, e vem trazendo pra cá, quase dois quilômetros no meio da restinga, lá pra dentro da restinga.
P/1 – E não percebeu o vidro?
R – Doía, mas como era obrigado fazer, botava nós pra ir, não tinha jeito, tinha que ir (risos).
P/1 – E como é que cuidou depois do pé?
R – Ah, depois fiquei deitado no chão, tomei, acho que nem injeção antitetânica eu tomei, não tinha pra tomar, não. Lavou com mato, esses troços, daí melhorei.
P/1 – Com mato? Planta?
R – Planta. Lavava, água e sal (risos). Negócio tudo complicado, era difícil, né?
P/1 – Seu Valmir, quando o senhor começou a pescar, o senhor falou que ia de barquinho a remo, né? Que peixe pescava?
R – Dava muita pescada naquela época, pescada grande, pescadinha. Dava muita pescada também. O peixe que dava mais na beirada era pescada, pescadinha, farda, peroá que dava muito. E aqui na pedra pegava peroá.
P/1 – O que é peroá? É um peixe ou é um marisco?
R – É um peixe que dava muito e hoje tá difícil, sumiu o peixe.
P/1 – Ele é grande?
R – Não, peixinho pequeno, um quilo, dois quilos. É um peixe que vende muito em quiosque, não sei se... No verão vende muito, mineiro gosta muito.
P/1 – E o senhor pescava com linha?
R – É, com linha. Linha e anzol.
P/1 – Até há pouco tempo só com linha?
R – Só com linha. Trabalhava de rede também, já pesquei com camarão, já pesquei com rede de cais, boiera, já pesquei em muitos lugares.
P/1 – E depois o senhor falou que começou a ir sozinho pescar.
R – É, depois sozinho.
P/1 – Era barco de que tamanho?
R – Era barquinho de dois metros e meio, barquinho a vela, a remo. Aí já tinha um horário pra ir, já tinha uma velazinha, um paninho, botava aquele paninho e já ia mais longe, umas cinco, seis milhas.
P/1 – Mas o senhor ia sozinho?
R – Ia sozinho.
P/1 – E como era essa viagem a vela? Conta pra gente.
R – A gente saía de madrugada aqui, pegava o barquinho, não tinha aquele cais ali. Saía remando, e sempre de manhã cedo tinha um ventinho e botava, içava o paninho, ia até de manhã cedo com o vento levando a gente. A gente parava, ancorava o barco, jogava âncora pro fundo, aí começava a pescar, né?
P/1 – Com linha?
R – É, com linha. Naquela época dava muito corvina, pescada. Quando chegava mais ou menos dez horas, dez e pouco, aí retornava. O vento já vinha de fora, a gente botava o paninho e vinha andando. Quando não tinha vento voltava remando também, ajudando no remo. Quando batia o vento você descansava um pouquinho que o vento trazia o barco, quando não tinha, você tinha que vir forçando, remando. A mão ficava grossa de calo (risos).
P/1 – O senhor tinha que idade, mais ou menos, quando o senhor começou a ir nesse barco a vela.
R – Sozinho?
P/1 – É, sozinho.
R – Tinha uns 13, 14 anos, já ia pescar sozinho.
P/1 – O senhor passou algum medo alguma vez nesse barco?
R – Barquinho a vela? Já, já. O barco afundou comigo, foi pro fundo, e eu fiquei em cima d’água nadando sozinho. De domingo ainda. Saí pra pescar, quando cheguei lá, estava sozinho. Ia arriar o pano, eu pisei no fundo do barco, o barco afundou, foi pro fundo e tinha um vento de nordeste, fresco, e eu fiquei nadando em cima d’água. Aí fiquei, mais ou menos, das quatro e meia da manhã até às dez horas do dia nadando. Teve uma certa hora que meu braço não esticava, o corpo começava a congelar, né? A sorte é que veio um amigo meu, que era pescador também, estava pescando no mesmo lugar, aí quando eu vi aquele barquinho a vela, de cá eu to olhando, ele veio na minha direção certinho e quando ele chegou perto de mim ele fez sinal pra mim, aí o barco parou, me levou pra dentro, eu tava com o braço tudo duro, não estava aguentando mais nem esticar o braço pra nadar, não. O frio, né, a friagem foi congelando o corpo. Aí, graças a Deus eu não morri, não (risos).
P/1 – Mas ele nem tinha visto você, viu quando chegou perto?
R – É, só quando chegou perto de mim ele viu e passou pertinho na minha direção, mas não aguentava mais muito tempo, não, se ele não passasse, eu não aguentava mais uma hora, meia hora não aguentava mais também, não. O corpo vai endurecendo todinho.
P/1 – Eu perguntei se ele só viu o senhor quando chegou perto.
R – É, quando chegou pertinho de mim, que ele arriou a vela e acabou remando, me pegou pelo braço, me jogou pra dentro.
P/1 – Mas o barco afundou com tudo, não dava pra ver nada?
R – Afundou com tudo. O barco afundou porque soltou a tábua, encheu de água e soltou de repente, a tábua soltou, o barco estava com o fundo podre, e quando eu pisei em cima, a tábua soltou pelo peso do meu pé, e encheu de água de repente. E naquilo, a âncora que tava saiu, o barco virou pra cima, aí pega no fundo lá e a força d’água leva pro fundo. O mar tem correnteza, né? Então a correnteza do mar, a maré, ele fica no fundo. Só que a gente sabia certinho e depois ele foi lá e pegou o barquinho, trouxe o barquinho de volta. Tinha marcado pela serra, a gente faz a marca pela serra. Como tem uma serra lá e outra cá, a gente marca a posição certinha pela serra. Hoje não, hoje tem GPS, mas naquela época não, marcava pela serra (risos). A serra, o pé de mato, daí via a posição certinha.
P/1 – O que o senhor acha desse GPS?
R – Rapaz, GPS acho que é a melhor coisa pra pesca. Muito bom, um aparelho muito importante pra pesca.
P/1 – Tem outra tecnologia que ajudou também? Que o senhor acha que ajudou de verdade?
R – Logo que começou a vir, primeiro veio a sonda, hoje chama sonar, mas na época era sonda. Quando veio a primeira sonda pra gente aqui, ela veio de papel, né? Fazia um rolinho de papel assim, botava ela, mais no fundo do barco e ligado na bateria e ela vai riscando o fundo do mar. Aí, quando passa numa pedra ela desenhava um risquinho no papel ali, você sabia que no fundo tinha uma pedra. E você olhava assim, realmente tinha uma pedra no fundo, marcava a pedra, aí você ancorava pra pescar na pedra. Depois foi vindo a sonda já de vídeo, hoje já desenha até o peixe na sonda, você vê na tela dela.
P/1 – Seu Valmir, a gente sabe que vocês conhecem muito da natureza pra marcar o lugar e outras coisas. E com essa tecnologia como ficam esses conhecimentos?
R – Hoje é o seguinte, o GPS ajuda muito, mas também é um troço que você, por exemplo, você ancorou algum barco aqui, topou um peixe ali, você vem, pesca, e você pode voltar ao lado seu, você acaba com ele todinho. Hoje a pesca acabou mais ou menos por causa disso, hoje você chega num lugar você tira o peixe todinho dali por causa do GPS. Na época você pegava ali, não tinha GPS, você não voltava naquele lugar, aí o peixe ficava se reproduzindo, era difícil você achar o lugar de novo. Hoje com o GPS, se você acha um cardume de peixe aqui hoje, de um peixe, do cabeço com bastante peixe, você faz uma pescaria aqui, vai em terra, depois você vai lá e faz outra até acabar tudo, então acaba o peixe todo. Naquela época não tinha essa vantagem. Quer dizer, hoje é bom, mas se torna ruim porque acaba que tira tudo o que está ali. Então antes pegava aqui, mas na outra viagem você não vinha naquele lugar mais, era difícil você ir naquele lugar. No alto mar, você só vê céu e mar mesmo lá fora.
P/1 – Seu Valmir, depois do barco a vela como é que o senhor passou pra outro tipo de barco?
R – Desse barquinho pequeno, depois passei a pescar em barco grande, em barco a vela.
P/1 – O que aconteceu que o senhor mudou?
R – Aí nós iniciamos pra pescar em alto mar e aí já é barco grande, ia longe, 40, 50 milhas já em barco a vela, grande. Já levava gelo, aquelas barras de gelo grandonas no pó de serra. Dentro da urna botava uma camada de gelo e uma camada de pó de serra. E em cima do barco a gente tinha um desses barris de vinho, no meio, fazia duas tinas pra socar o gelo. Aí, socava, ia pescando, aí ia tirando o gelo e batia e socava no pilão como soca num pilão, aí socava o gelo em pedacinhos e gelava o peixe.
P/1 – Quando o senhor tinha o barco pequeno, o senhor já vendia o peixe?
R – Já vendia também.
P/1 – Pra quem vendia?
R – Vendia pro meu tio.
P/1 – Seu tio trabalhava onde?
R – Ele tinha comércio de peixe aqui. Onde que é essa fábrica ali, era dele. Ele passou a vida comprando peixe, todo mundo vendia peixe pra ele. Tinha ele, mas tinha pouco, ele era o maior comprador aqui. Depois ele acabou com tudo, morreu, os filhos não quiseram cuidar. Aí passaram pra outras pessoas. Eu era criança, ele já comprava peixe.
P/1 – E ele vendia pra quem?
R – Ele vendia em Vitória, no mercado de Vitória. Ele só vendia lá, nessa época. Tinha uns caminhões velhos. Antigamente, os peixes iam nas caixas de madeira, aquelas caixonas de madeira, e ele levava todo dia pra Vitória. Meu pai trabalhava com ele, nessa época já, meu pai trabalhou muito tempo com ele.
P/1 – Seu Valmir, e como o senhor conseguiu um barco maior?
R – Aí, quando o meu cunhado casou com minha irmã, ele comprou um barquinho maior e eu fui pescar com ele. Nessa época já fui pescar com meu cunhado, um barco maior. Aí já tinha tirado minha primeira matrícula e fui pescar com meu cunhado em barco a vela.
P/1 – Ele era mais velho do que você?
R – Era mais velho.
P/1 – O senhor tinha quantos anos mesmo?
R – Nessa época já tinha 17 anos, 16 pra 17 anos, eu já pescava em alto mar mesmo, quando tirei minha carteira. Eu ainda não tinha 18 anos, precisou meu pai dar autorização para eu poder tirar. Eu tirei aprendiz pra depois trocar pra de maior.
P/1 – E os seus irmãos também começaram a ir pro mar?
R – Quando meus irmãos começaram a trabalhar já tinha barco a motor.
P/1 – Eles eram mais novos.
R – Mais novos.
P/1 – Você foi o primeiro filho a ir pro mar.
R – O primeiro filho a ir pro mar.
P/1 – E a sua mãe, falou o quê?
R – Minha mãe não queria que eu fosse, mas não tinha jeito, né? (risos)
P/1 – O que ela falava pra você?
R – Ficava com medo. “Não, mãe, eu vou pescar”. Você era obrigado a pescar aqui, ou pescar, ou sair fora e trabalhar em outro lugar porque opção aqui, na nossa época, era pescar mesmo. Você não tinha assim um emprego fixo, não achava. Estudar, eu estudei até a quarta série, depois não estudei, não, fui pescar direto.
P/1 – Tinha escola aqui se quisesse continuar?
R – Não, só tinha até a quarta série, aí tinha que estudar em outra cidade.
P/1 – Onde que tinha?
R – Marataízes, lá tinha uma escola que dava até a oitava série, já. Meus irmãos mais novos, meu irmão e minha irmã, estudaram lá nessa escola.
P/1 – Seu Valmir, o senhor disse que uma das opções, a principal, era ir pra pesca. Mas o senhor foi porque era a única opção, a melhor, ou porque também gostava?
R – Eu gostava e era a melhor opção que tinha pra trabalho. Pra quem não tinha vontade de sair daqui, a melhor opção aqui, era pesca.
P/1 – E tinha que gostar ou quando precisava, tinha que ir forçado? Tinha gente que ia forçado.
R – Tinha gente que ia forçado pra ir, porque muita gente vai no mar e enjoa pra caramba, passa mal, fica três, quatro dias sem comer. Depois chega em terra, volta e passa mal de novo, até se acostumar. Mas, na época, era a melhor opção, tinha que fazer isso, senão, não tinha outra opção. Pra sair fora e trabalhar em outro lugar é difícil, pessoa sem estudo não conhece quase nada. O negócio que entrou na gente foi a pesca mesmo. Filho de pescador vai tudo quase, assim, filho homem que eu conheci aqui, quase tudo largou o estudo pra pescar. O novo mesmo largou, muita gente largou estudo aqui, estudando, quase formado, largou pra pescar.
P/1 – E por que o senhor acha?
R – Acho que ele acha que ele ganhava mais na pesca do que no emprego. Então, acho que a pesca influi muito.
P/1 – Seu Valmir, e tem coisas boas na pesca, assim, quando o senhor está no mar?
R – Hoje os barcos são muito confortáveis, na minha época a gente dormia molhado. Hoje o pessoal pesca, tem muito conforto, tem coisa ruim, mas tem coisa boa, né? Hoje nos barcos têm televisão, DVD, ventilador. Esses barcos grandes hoje têm tudo. Tem sonar, tem piloto automático, o barco tem tudo hoje. Na nossa época, não tinha nada disso, na época que nós começamos.
P/1 – Dormia onde, seu Valmir?
R – A gente dormia embaixo do convés do barco, em um belichezinho, uma esteira. Hoje tem colchão. Aquela esteira molhada, o barco não era bem feito, molhava, a gente dormia todo molhado, prensado. Ih, sofrimento naquela época, a pesca era sofrida, mas, graças a Deus estamos vivos.
P/1 – E nesse barco maior, a vela, tinha mais conforto, como era? Ou era assim mesmo?
R – Barco a vela, a gente cozinhava no fogão a lenha, naquela época, era fogão a lenha, aquele fumaceiro danado, já levava os pedacinhos de pau cortados de casa, então levava aquele monte de lenha, e um latão de coisa assim era fogão. A gente tinha aqueles paus ali, cozinhava feijão, cozinhava tudo naquele fogão a lenha fumaçado. E ia lá embaixo, porque no convés não podia, fazia embaixo, onde tinha o fogão. Quando o cozinheiro acordava de manhã cedo e jogava querosene dentro pra botar fogo ali, chegava aquela fumaça na cara da gente, no convés (risos) e subia pra cima ali, que era difícil pra caramba.
P/1 – Por que não podia por no convés?
R – Porque o vento não deixava. Lá fora sempre tem vento, no mar é difícil faltar vento. E no convés não dava pra cozinhar o negócio, tinha que ser embaixo do barco.
P/1 – E lá, quando o senhor ia mais fundo, mais longe, que peixe que tinha lá?
R – Aí já é outro peixe, lá já matava o vermelho, badejo, dourado, atum, peixe de mais qualidade. Pargo, cherne, namorado, esses peixes que aqui na beira não dá.
P/1 – E iam só vocês dois?
R – Não, aí já ia em cinco, seis homens num barco maior. Seis pessoas.
P/1 – À vela ainda?
R – À vela ainda. Eram seis pessoas.
P/1 – E como é que fica um barco a vela? A quantas milhas daqui da costa?
R – Ah, barco a vela ia longe.
P/1 – Quantos?
R – Mais de 50 milhas, 60, até 150 milhas a gente ia. Até na Bacia de Campos a gente ia. Quando eu conheci aquelas plataformas lá, era barco a vela ainda. Quando a gente viu aquele negócio: “Oxe, uma casa no mar?”. A gente bobo, não sabia, naquela época, quase nada, trabalhava, nunca tinha ouvido falar em Petrobrás. O negócio construindo, vão fazer uma casa iluminada. A gente tudo cismado. Eles estavam botando a plataforma na Bacia de Campos ali. A gente tava fazendo a armação, aí colocando a plataforma lá, botando rebocador e colocando lá, parecia uma casa, um apartamento, mas é um apartamento, né? Aquelas que são fixas, são muitos apartamentos um em cima do outro, é muito grande, né? Uma plataforma daquela é muito conforto, né? Uma aparelhagem muito grande mesmo. Aquelas que são fixas ali, eles colocam os pés dela e elas ficam fixa. É fazer um apartamento, com 10, 12, 14, 15 andares, um em cima do outro.
P/1 – E o que significou isso pros pescadores, pra vocês que estavam com barco a vela?
R – Na época era barco a vela, nem perto chegava porque não tinha condições. Aí começou a aparecer os barcos a motor, aí já pescava lá. Aí começou a botar uma, e outra, e veio muita plataforma, mexeu tudo. Botou mais fora, uma mais perto, outra mais longe, começou a botar já no profundo, já numa altura de 400, 800 metros. Aí, o pessoal começou a descobrir que no pé da plataforma dava muito peixe, porque joga muita luz, a luz influi muito o peixe.
P/1 – O que atrai o peixe?
R – A luz. A luz atrai o peixe, então aquele troço é tudo clarão. Então, começaram a descobrir que na beira dela o peixe ficava vivo, aí começaram a juntar barco ali. Hoje já não deixa mais pescar perto, o pescador ainda pesca, mas não deixam, é proibido.
P/1 – Por que é proibido?
R – Porque tem muita aparelhagem no fundo, tem mergulhador, não pode o anzol pegar, e você tem que trabalhar no máximo a 500 metros fora dela. E o peixe está embaixo dela, perto, embaixo, então, o pescador vai lá perto dela pra pescar, porque o atum principalmente fica mais na beira da plataforma. Então, a luz dela e porque jogam muita comida, muito negócio, o peixe engorda.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Seu Valmir, tentando lembrar, foi interessante o senhor contar da primeira plataforma. O que foi mudando, vocês ainda com essa primeira construção no mar?
R – É, quando a gente viu a gente ficou todo cismado (risos). Aquela casa no meio do mar, não tinha a informação que iam botar plataforma ali, não sabia de nada. Quando a gente viu aquele troço lá a gente ficou tudo... “Vão fazer uma casa lá no mar” (risos). Depois falaram que era plataforma que estavam colocando.
P/1 – E em relação aos peixes, mudou alguma coisa na época?
R – Não, na época não, porque a gente pescava ali, aí começamos a pegar mais peixe ainda porque em volta da plataforma eles botavam as boias, umas oito boias redondas, grandes, e o dourado gosta muito, quando ele topa um negócio pra roer, um pedaço de pau, coisa assim ele encosta. Então, encostava muito dourado naquelas boias. A gente passava com a linha ali e ficava assim de dourado perto das boias, então as boias ajudavam muito o dourado.
P/1 – Minha pergunta, eu não entendo disso, mas se vão todos os peixes pra lá, os outros lugares vão esvaziando?
R – Não, esse é o peixe boiero, peixe fundo é diferente, não sai do lugar. O peixe boiero, que a gente sabe que é de superfície, é o que encosta ali nas plataformas, é o peixe que vai aproveitar a luz.
P/1 – Quais são os boieros?
R – Atum, a sarda, o dourado, taquara, então esses peixes ai, são os peixes mais boieros. Esses peixes são peixes de superfície. Já o badejo não vai, cherne, _____, garoupa, esses peixes não boiam, eles vão no fundo da água do mar. É um peixe que fica em pedra, peixe de cabeça, que a gente fala, peixe de beira de barranco, esses peixes não vêm pela luz. O peixe boiero é mais influenciado pela luz.
P/1 – E o senhor acha que pode acabar esses peixes?
R – Acredito que não, porque tem muita opção, uma ova do peixe, quando desova ali, é muito filhote, apesar que não fica 10% daquilo tudo, mas 10% da ova daquele peixe, 10 ou 5%, uma ova daquela dá para carregar quase um navio de peixe (risos). É muito ovinho. Então, acredito que não acaba, não. Diminuiu um pouco. Por exemplo, o peixe de fundo, hoje, não tem, mas hoje o pessoal não tá pescando muito, quer pescar mais o peixe boiero. Ninguém quer mais ir pescar peixe de fundo.
P/1 – Por quê?
R – Porque é uma pescaria muito difícil, a de fundo. É uma pescaria mais pesada. Então, hoje, se você falar assim: “Eu vou carregar um barco aqui e vamos pescar de fundo”. Pra puxar linha na mão, o pescador não quer, quer pescar boiero que é mais fácil, é uma pescaria mais rápida. Então, eles não querem mais pescar de fundo, que é uma pescaria pesada, que arrebenta o cara, que tem que puxar linha, peso. E atum, dourado, sarda, esse peixe boiero, eu boto uma linhazinha boiada com anzol e pesco o dia todo, pesco com a isca viva, levo a isca viva pro mar. Eles vão lá em terra, carregam as traineiras, as iscas vivas, já levam sardinha viva, então a pescaria é rápida, fácil. A pescaria de fundo é uma pescaria difícil, hoje tá difícil. Já na nossa época, era tudo de fundo.
P/1 – Então, era isso que eu queria entender, seu Valmir. Na época de vocês, vocês pescavam de fundo.
R – É.
P/1 – Tanto a de fundo quanto a de boiada. O que fazia vocês também pescarem a de fundo?
R – Porque lá sempre foi um lugar que vem muito peixe, então, a gente escolhia o lugar melhor com mais peixe, né? E o peixe daqui da beira foi fracassando mais. E o mar você sabe, o barranco, peixe de fundo é mais mansinho. O cherne, o namorado, a batata da lama é um peixe que só dá em profundidade de duzentos metros pra fora, assim, 200 metros, 400 metros. Esse peixe é no berço do barranco, é um barranco fundo, você vai andando no barco no seco aqui e cai no fundo. É como você descer uma pirambeira assim, jogar na pirambeira abaixo, vale profundo. Então, os peixes encostam naquelas beiradas de pedra, do lado do barranco, onde tem pedra, os peixes ficam mais encostados no barranco, então a gente trabalha mais em lugar que tem barranco, é mais tranquilo. Já no boiero, boiero, a gente passa na beira das plataformas, que os peixes ficam mais encostados nela.
P/1 – Eu to perguntando isso pra entender se teve alguma mudança no tipo de pesca com as plataformas, é isso que eu to querendo entender.
R – Mudou muito porque hoje o pessoal só quer trabalhar com peixe na beira da plataforma, porque o atum é um dos peixes mais caros, tem dia que está barato e tem dia que está caro. E o dourado é um peixinho que sempre tá um preço bom. A taquara. Então, são os peixes que mais mata. Tem uma variedade de peixe, tem o bonito, tem o pula-pula, tudo peixinho boiero. Então lá, mata dourado, mata atum, mata cavala, tudo misturado, então, em poucos dias, eles estão com dez toneladas, oito toneladas, cinco toneladas, depende do tamanho do barco, né? Pra pescaria rápida e menos despesa, menos aparelho, não gasta muito com anzol, e a despesa fica menor, é uma viagem mais rápida.
P/1 – O senhor, com seu conhecimento todo, o senhor falou assim, eu tô tentando entender, que quando tem o GPS é bom, porque todo mundo se orienta, mas aí todo mundo vai no mesmo lugar pescar e isso pode diminuir o peixe.
R – É, diminui.
P/1 – No caso das plataformas, pelo que o senhor está falando, vai muita gente pescar nesse mesmo lugar, e os peixes também estão indo tudo pra lá. Não tem risco de acabar?
R – Não, porque tem muita plataforma, no pedacinho de Campos, aqui no nosso mar de Guarapari, aqui até Aracaju, tudo tem plataforma. Então, os barcos não trabalham em uma, um trabalha em uma, outro trabalha em outra. Todas elas têm peixe, quando às vezes tem dois, três barcos em uma, o que tá em outra, que tem mais peixe, chama no rádio e fala: “Aqui tem peixe”, um chama o outro, tem muita opção de plataforma pra eles trabalharem, não trabalham tudo em uma. Então, você trabalhando nessa daqui hoje, o peixe encosta naquela ali, fica naquela ali, aí você vai pra outra, e o peixe boiero anda, ele não fica num lugar, ele vem do profundo pra perto. De noite, eles deixam aquele fogaréu, porque a plataforma parece uma cidade à noite, tudo iluminado, aí aquele clarão, e o peixinho vai pra aquela luz e encosta ali. Então, tem muito peixe em plataforma. E, os barcos daqui, a maior parte dos barcos não trabalha só aqui, vai espalhado, vai em Aracaju, Belém, o pescador anda de um lado pro outro, não tem lugar pra ele ficar não, onde ele vê que tá melhor ele vai. Eu principalmente, quando eu trabalhava, trabalhava em Rio Grande, Santa Catarina, Rio, Santos, Vitória, Bahia, trabalhava por aí tudo, o mar todinho. Trabalhava no Chuí. A gente vai pra divisa do Oiapoque, hoje eles andam muito. Hoje tem muito barco, mas também tem muita opção de pescaria.
P/1 – O senhor falou que antes o senhor ficava mais perto da costa.
R – É, antes o barco não tinha condições de andar pra longe.
P/1 – E agora tem?
R – Hoje tem barco de 20 metros, naquele tempo, o barco maior que tínhamos era nove, dez metros. Hoje tem barco de 17, 18 metros, alto, com capacidade pra 40 toneladas. Nosso barquinho, naquela época, era duas, três toneladas, o máximo era cinco toneladas.
P/1 – E além do tamanho, o que mudou também?
R – Mudou o conforto, hoje o barco é bem feito, a casaria é bem feitinha, tudo bem em forma de uma casa, e hoje, os motores são maiores, tem um porão muito bom, tudo poliuretano.
P/1 – Tem o quê?
R – Hoje os porões são feitos de poliuretano, naquela época era de isopor, hoje é tudo poliuretano, um troço bem feito. Hoje a tecnologia mudou muito, o pessoal tá fazendo tudo bonitinho, no capricho. Tem muito rancho, leva um rancho pra muitos dias. Um barquinho desse maiorzinho hoje, leva dois mil reais de comida, pra passar oito dias, dez dias, dá um mil e 500, dois mil contos só de comida, carne, arroz, feijão.
P/1 – Quantas pessoas trabalham?
R – Seis pessoas, no máximo sete, cinco. Leva dois mil, um mil e quinhentos. Você vai no supermercado fazer uma compra cara aí, você vai ver o quanto você compra, compra um danado pra família comer quase um mês. Mas lá, o barco tem muito conforto, lá você come bem. Na hora de dormir tem uns beliches bons, tudo colchãozinho de espuma, forrado. Tem uma televisão pra ficar olhando, tem um DVD pra você ver um filme.
P/1 – Quantos dias um barco desses fica no mar?
R – Olha, esse que pesca peixe boiero, peixe de superfície, o máximo são dez dias. Já, esses que vão pra trabalhar de fundo leva até 20 dias, pescaria mais difícil. De fundo, a pescaria é mais difícil, por isso que eu falo, o pessoal quer a pescaria mais fácil, boiero, então, vai mais no peixe boiero.
P/1 – Seu Valmir, quem tá pescando nesses barcos e nesses lugares vende o peixe pra quem?
R – Ah, tem muito comprador.
P/1 – Aqui em Itapemirim?
R – Aqui não. Aqui em Piúma e Guarapari, os barcos vêm tudo de gente daqui mesmo, do Estado do Espírito Santo. Só que o pessoal que compra não vende, já exporta, leva pra Bahia, pro Nordeste, São Paulo. A maior parte do atum é vendida aqui em São Paulo, Belo Horizonte, estado de Minas. Eu conheço mais São Paulo e Belo Horizonte. Já pro Nordeste é o peixe mais congelado, e o Atum do Brasil que exporta, Meca Exportação exporta atum também, dourado, exporta muito peixe.
P/1 – Seu Valmir, o senhor disse que os barcos agora são assim, desse jeito. Quem tem esses barcos agora?
R – Olha, a maior parte são os pescadores mesmos os donos. Tem pescador aí que tem três, dois, quatro barcos. Os caras, às vezes, faz um barco, dá pro pescador pescar, depois passa o barco pro cara ser sócio dele. Porque hoje, a maior parte dos barcos, os pescadores são os donos.
P/1 – O senhor acha que a maior parte?
R – É, a maior parte dos pescadores aqui tem barco. Os que eu conheço muito, de situação boa, são donos de barco. O que tem pouco, é barco do patrão.
P/1 – Os pescadores da sua época, que situação era?
R – Naquela época, a gente pescava no barco dos outros, eu principalmente, trabalhei no barco dos outros, depois eu consegui comprar um barquinho pra mim, pequeno, um barquinho a motor, mas pequeno. Aí, esse barco, eu levei pra Bahia, eu trabalhava na Bahia, na época, lá dava muito camarão e eu fui pescar na Bahia, comprei um barquinho pra mim, botei em cima do caminhão e levei pra Bahia. Trabalhei uns quatro anos, mais ou menos, na Bahia.
P/1 – Só com camarão?
R – Camarão e rede de superfície. Trabalhava lá.
P/1 – Rede?
R – É.
P/1 – O que pega nessa rede?
R – É sarda, é cação, peixe boiero, xerelete, é o peixe que vem mais na rede, cação, sarda, xerelete.
P/1 – E vendia lá mesmo?
R – É. Vendia lá. Meu tio, que comprava peixe aqui, tinha uma firma lá também, montou uma firma lá no sul da Bahia, Mucuri. Eu trabalhei lá uns quatro anos, mais ou menos.
P/1 – Ia mais gente com o senhor?
R – Eu e o meu irmão.
P/1 – Só os dois no barco.
R – É, só os dois. Pescava pertinho da praia, um quilômetro e pouco, dois quilômetros fora da praia. Camarão.
P/1 – Camarão era bom de pescar?
R – Dava muito camarão lá, na época fazia 300, 400 quilos de camarão.
P/1 – E por que o senhor parou?
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – E porque o senhor parou de pescar camarão e voltou?
R – Nessa época, eu troquei esse barquinho menor meu por um maior, aí eu dei minha rede, meu barco, nesse barco maior pra trazer pra trabalhar aqui. Porque a família morava aqui, eu trabalhava lá, e trabalhar aqui com um barco maior seria melhor, né? Pra pescar dourado. E esse barco maior, que eu peguei, que foi minha derrota (risos). Na época, eu viajei de lá pra cá, tava uma época de carnaval assim, eu peguei o barco e falei: “Nós vamos viajar amanhã”, falei pro meu irmão. Então, nós ficamos na farra do carnaval e esquecemos de fazer rancho pro barco, e botamos só o óleo no barco, 20 litros de água. Eu calculei assim, são 24 horas de viagem, vou comprar pouquinha coisa pra nós viajarmos. Mas, não contamos com o que podia acontecer no caminho, né? Nessa que nós viemos, na época de uma enchente muito grande aqui, então eu passei por fora, mas a safada, o Rio Doce tava muito, muito pé de pau, passar de noite é perigoso bater no pau e quebrar. Aí passei por fora, mais longe. Aí, quando eu to passando por fora, meu barco quebra o eixo. Naquela época não tinha rádio, não tinha sonda, não tinha nada. Só tinha mesmo o motor. E na hora que eu saí de lá, eu comprei duas latinhas de feijoada pra comer no caminho (risos), latinha de meio quilo de feijoada, eu e meu irmão. E agora, o barco quebrou de madrugada, três pra quatro horas da manhã. Só que o mar estava calminho, não tinha vento, calminho mesmo, muito manso, e ficamos à deriva ali. Aí, como é que fica? O barco não andava porque quebrou o eixo da caixa, o principal comando do motor é a hélice, sem rodar, o motor não toca. É barco a motor, não tinha vela. Ficamos à deriva em cima d’água, já no profundo, a mais de 300 metros, não tinha âncora pra ancorar. Aí, naquela época, não tinha rádio, nessa região quase não passava barco, já era profundo, né? Aí, ficamos à deriva e fomos caindo, porque no mar a força de água só puxa pra fora, né? A gente vai pra alto mar, muito difícil ela jogar pra terra, sempre puxa pro sul, vai só afundando, e vai cada vez afundando mais.
P/1 – Afundando é indo mais pra trás?
R – É, mais pro fundo, mais pra fora. Passou um primeiro dia, nós ficamos o dia todo, mar mansinho, não tinha vento, não. Comemos a latinha de feijoada pra matar a fome (risos). A água, eu gastei pra botar no motor, né? Um pouquinho de água. Eu sei que podia aparecer um socorro, porque o pessoal aqui sabia que nós estávamos viajando, eu tinha falado que íamos viajar, se não chegasse, iam mandar um barco atrás da gente. Aí, passou um dia, passou outro, foi passando o dia, acabou o nosso negócio, acabou nossa água, não tinha nada. Ficamos à deriva. Passou três, quatro, cinco dias. Os barcos foram nos procurar, mas quando chegaram no profundo falavam: “Mas não podem ir” e não iam pra onde nós estávamos. Depois de cinco, seis dias, minha mãe, meu pai, o prefeito de Itapemirim pagou um avião pra procurar nós. Meu tio foi lá, ele comprava o peixe, foi lá, falou com o senhor prefeito.
TROCA DE ÁUDIO
R – Cinco irmãos e duas irmãs.
P/1 – É, duas irmãs, isso. Seu Valmir, o senhor ficou sem comer nada?
R – É, ficamos sem comer. Aí, o barco à deriva, não tinha como ancorar, porque não tinha corda que dava pra ir no fundo, deixamos e o mar e a corrente foram levando, não tinha vento, um vento mansinho, calminho. Anoitecia e amanhecia ali. Não tinha, não passava nada, um navio. À noite, passava um navio, mas passava longe. Eu tinha luz no barco, o motor funcionava, mas não tinha hélice pra nadar. Fazia sinal com a luz pros caras, mas navio não põe ninguém. Passava longe.
P/1 – Não tinha rádio nessa época?
R – Não tinha, não.
P/1 – Não existia?
R – Aqui não. Se tivesse rádio aqui era bem pouco, algum barco tinha, não lembro se tinha, não.
P/1 – Não era comum.
R – Não era comum. Não tinha sala de rádio, não tinha nada. Hoje tem duas salas de rádio, aqui e ali. Hoje é muito fácil: “Você sabe onde você estava trabalhando, a posição que você tava?”. Mas naquela época não tinha nada disso.
P/1 – E o que vocês pensavam lá na hora?
R – Pensava: ‘o que vai ser de nós?’ Se não nos encontrar, a gente vai morrer de fome e sede e o barco vai estar... O barco certinho, mas não andava, o motor quebrado. Aí quebrou o eixo, acabou o motor. Ficamos ali no primeiro dia, segundo, terceiro, quarto, quinto dia. Aí meu tio foi e eles arrumaram o avião aqui, na Vitória. Depois daqui foi pra Vitória. Aí andaram, sobrevoaram duas horas de avião, eu, nem zuada de avião eu ouvi. O avião passou aqui por cima, foi lá no Abrolhos. O avião passou por onde nós passamos, mas não foi mais pra fora, aí voltou.
P/1 – Não viu vocês?
R – Não. Aí, ‘já tá tudo morto mesmo, não tem jeito’. Deus é grande. Nós ficamos... (Pausa para trocar a bateria).
P/2 – Estava na parte que o avião não achou.
P/1 – Eu perguntei se não dava medo muito grande.
R – Medo não, medo não pode, se você ficar com medo é pior, né? Então, eu tinha que dar exemplo pro meu irmão, né, porque ele era um garoto novo, nessa época era novinho. Aí, pegamos um negocinho de chumbo, chumbo pra dar saliva na boca, não tinha água, mastigava chumbo, pra dar saliva na boca, pra dar um pouquinho de água na boca, porque a boca ficava seca e o chumbo dá uma saliva. Fomos pro beliche e os olhos dele começaram a afundar, desidratação.
P/1 – Quantos anos ele tinha?
R – Ele era novinho. Ele tinha uns 16 anos, mais ou menos.
P/1 – E você tinha quantos?
R – Eu tava com uns 30 já, 30 e pouco, uns 40 já, vai. Faz uns 20 e poucos anos.
P/1 – E aí?
R – Depois, ‘aqui só Deus mesmo, tem que ficar com Deus porque não tem mais jeito.’ Aí, meu irmão não levantava mais do beliche. Do sétimo pro oitavo dia, eu fui, levantei mais cedo, peguei, nós tínhamos uns pedaços de umas cobertas, eu tinha uma coberta, ele tinha outra, o barco tinha uma cortinha assim, eu tirei. Fui lá, comecei a fazer aquilo.
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Seu Valmir, aí o seu irmão já estava desidratando, aí o senhor levantou...
R – É, ele começou a desidratar, ele tava no beliche, não queria levantar mais e os olhos dele estavam fundos pra dentro, vermelhos. Isso foi do sexto pro sétimo dia, e quando foi do sétimo pro oitavo dia, eu levantei de manhã, foi Deus mesmo que deu aquela noção. Eu peguei o meu cobertor, o cobertor dele, comecei a costurar o cobertor, colar um no outro assim, fazer tipo uma vela, né? Eu vou deixar uma vela, que se der um vento aqui, nós fazemos uma armação e pra onde o vento levar tá bom, bota em cima do barco. (Pausa, barulho).
P/2 – Conta a partir de quando você acordou e começou a fazer a vela.
R – Comecei a costurar com os dois cobertores e um cortinado que eu tinha no barco. Aí peguei aquilo e lá pelas nove horas eu tô fazendo aquele negócio ali. Depois, acabei e fui no fundo do barco, peguei umas tábuas, lasquei e fiz tipo uma viga, amarrava uma na outra, como um pau assim comprido, tipo uma vela. Aí fui lá arrumar, fiz tipo uma vela e deixei amarrada ali, deixei tudo preparado, se der um vento aqui, esse negócio vai levar nós pra algum lugar. Quando chegou umas três horas da tarde, o tempo mudou, eu olhei pra fora assim, lá de leste, no barco tinha a bússola.
P/1 – Tinha bússola?
R – Bússola tinha. Aí eu olhei pro lado de leste assim, quando o mar escureceu assim, ficou escuro, preto. Eu pensei comigo: “Vai dar um vento bom ali, se der um vento bom, vai jogar nós longe”. Eu pensava comigo (risos). Tô lá sentadinho, quietinho. Eu ainda estava forte, mas meu irmão tava fraco. Quando deu três horas pra três e meia, o mar foi ficando branco, vem muito vento ali. Aí corri, fui lá, peguei o pano, preparei todo, fui lá na rosa de ventos, o leme no barco a motor, ele só governa se a hélice estiver funcionando, mas se não, ele não tem governo. O barco estava meio de lado assim, eu corri lá na popa, peguei uma tábua na posição certinha. Quando o vento chegou perto do barco, o vento chegou perto, eu peguei as cordas, amarrei, fiz tipo uma vela, né? Eu amarrei tudinho as cordas, tudo certinho. Aí o vento começou refrescando, refrescando, aí o barco começou a andar, começou a andar. E eu fui lá atrás e soltei, o eixo tava quebrado, eu fui lá e soltei, com o barco andando, o eixo solto roda sozinho. Aí, deixei o eixo solto, e o vento começou a chegar fresco, e o barco começou a andar. Eu olhando assim, o barco tava andando. Aí, botei o barco, a proa no rumo de terra, 340 graus.
P/1 – Que é o que? Ir pra terra?
R – Ir pra terra. E o barco começou andando, e o vento refrescando um pouco. Quando foi de cinco horas da tarde pra seis horas, o mar ficou bravo mesmo, aí tinha muito vento mesmo, aquele pedacinho de pano já não... Parecia que tombava. E foi andando, andando. Quando foi mais ou menos meia-noite, eu vi o clarão de Vitória, deixa andar, deixa andar. Quando foi quatro pra cinco horas da manhã, eu vi as luzes de Guarapari boiando. Quando deu seis e meia, sete horas, tava vendo a ilha de Guarapari, o vento parou tudinho.
P/1 – Como o senhor amarrou o pedaço de pano?
R – A gente vai pegando a cordinha, faz o furinho em um e em outro, vai colando no outro, amarrando, certinho.
P/1 – Aí o senhor estava chegando.
Pausa
P/1 – Aí o senhor de repente avistou as luzes.
R – Avistei as luzes de Guarapari, aí o vento foi parando, foi parando e começou a jogar nós pra fora de novo, aí eu joguei a âncora, aí a âncora já bateu no fundo e era seco. Aí o dia clareou, e eu avistei dois barquinhos saindo de Guarapari.
Pausa
P/1 – Eu vou pedir pro senhor contar de novo quando o senhor viu as luzes.
R – O dia estava amanhecendo, aí paramos, jogamos a âncora, ela batia no fundo, aí era seco, né? Ela bateu no fundo e ficamos ali ancorados, já tava vendo as casas, os prédios, apartamentos em Guarapari, tava vendo tudo. De manhã cedo, o dia clareando, eu avistei dois barquinhos que vinham sair pra pescar. Aí fizemos sinal pra eles, eles vieram em cima de nós. Nós falamos da nossa situação pra eles, ele falou: “Então pera aí que eu vou dar um negócio pra vocês comerem” (risos). Aí deram um pão grandão assim, uma garrafa de café e falou assim: “Nós vamos ali tirar a nossa rede, depois nós botamos vocês pra dentro”. Eu falei: “Tá bom”. Tomamos café, comemos um pedacinho de pão, chamei meu irmão, eu não deixei ele comer, fiquei com medo dele comer, passar mal e morrer, né? Porque pessoa fraca assim comendo alguma coisa. Aí dei um pedaço de pão assim, pra comer devagarzinho, molhando no café e comendo. A gente deitou no corredor do barco, quando chegou mais tarde eles vieram, aí rebocaram pra Guarapari. Aí o cara falou: “Vou fazer almoço pra vocês almoçarem aqui”. Eu falei: “Rapaz, nós não vamos almoçar, não, porque se a gente almoçar, a gente não vai aguentar comer essa comida brava não, do jeito que estamos fracos” (risos). Aí viemos em Guarapari. Chegamos em Guarapari, nós fomos no médico (barulho de cachorro).
P/2 – Seu Valmir, o senhor pode contar só um pequeno trechinho quando encontraram vocês, o primeiro contato, que eles deram a garrafa de café e o pão, essa parte.
R – É, deram um pão e uma garrafa de café a nós e falaram: “Nós vamos lá tirar a nossa rede”.
P/2 – Só fala como foi o contato, quando eles chegaram, como foi?
R – Quando chegaram perto de nós, nós falamos há quanto tempo nós estávamos quebrado, o número de dias. Ele falou: “Vocês querem comer alguma coisa? Nós temos café, pão, temos tudo aqui. Nós somos lá de Marataízes, tem um carro que vai levar nós, nós levamos vocês junto com nós”. Ele perguntou se poderíamos esperar ele tirar a rede. Eu falei: “Não, pode tirar a rede. Quem aguentou isso tudo, aguenta meia hora” “Daqui meia hora”. Eles foram tirar a rede de lagosta, puxaram a rede e chegaram: “Vocês querem almoçar? Vamos almoçar com nós. Fizemos comida, uma peixada, feijão, arroz”. E nos chamaram pra comer. Eu falei: “Nós não vamos comer não. Essa comida é forte aí, se comermos essa comida, não vamos aguentar, não, porque estamos fracos”. Tomamos o cafezinho, chegamos em Guarapari, encontramos um rapaz que falou: “Não, vou mandar vocês no médico ali”. Nos levou lá, deu soro, aí falou pro meu irmão: “Comida forte assim, do jeito que estão fracos não é bom, não”. Aí, eles trouxeram nós, chegamos aqui, o pessoal achando que tínhamos morrido, todo mundo chorando já, minha mãe chorando, minha esposa chorando. Aí eu vim até Piúma com eles. Eu falei pro meu irmão: “Nós vamos saltar aqui, eu vou pegar um táxi pra gente ir embora”. Aí o cara: “Não, eu levo vocês até lá”. Eu falei: “Não, eu vou ficar aqui, porque eu tenho um parente aqui que está preocupado e depois me leva lá”. Eles vinham de caminhão, eles vinham no mesmo caminhão e nós viemos de caminhão com eles. Quando chegasse, caminhão, ia ficar ruim pra caramba.
P/1 – Por que vocês acharam?
R – Sabia que o pessoal tava tudo preocupado aqui. Então, eu vim de caminhão, fui lá, saltei em Piúma, quando cheguei lá: “Pega o táxi mais novo que tiver lá, você escolhe, o mais novo”. Tava morrendo de fome e com dinheiro, que nós tínhamos feito conta, recebido dinheiro pra vir embora. Peguei um táxi novinho mesmo. Quando cheguei, minha esposa tava chorando, minha mãe sentada chorando. Mas deu um susto quando o carro chegou ali, foi uma festa que fizeram aqui. Aí depois, todo mundo aqui, conversando com a gente.
P/2 – Valmir, só uma coisa que eu perdi, é o seguinte. Você estava contando a história que vocês ancoraram o barco, viram as luzes, esperaram clarear o dia. Como é que foi esse contato, como eles te resgataram? Passou o barco?
R – Sim, dois barcos vinham saindo de terra pra fora, né, vinham no rumo, na direção que a gente tava ancorado. Nós ancoramos lá, aí eles vinham tirar a rede perto de onde nós estávamos. A gente fez um sinal pra eles com a mão e eles foram. Aí, a gente contou a situação que a gente tava. Ele falou: “Não rapaz, eu tô sabendo mesmo que tem um barco desaparecido, tá falando na rádio, anuncia na rádio. A Capitania dos Portos já sabia já, em Guarapari. A gente vai botar a rede e vamos pra Guarapari, se você quiser, nós levamos você agora, se você puder esperar um pouquinho, nós vamos tirar a rede e você vai junto com nós” “Não, pode tirar a rede de vocês”
P/1 – Eles tinham que recolher a rede?
R – É, recolher a rede deles. Foi rapidinho lá, recolheram a rede, e os dois barcos rebocaram nós, puxou nós pra terra, deixou no cais de Guarapari.
P/1 – Nossa, que história hein, seu Valmir?
TROCA DE ÁUDIO
P/1 – Nossa, seu Valmir, e quando o senhor chegou foi aquela festa.
R – Nossa, uma festa, que não parava de tocar foguete, pessoal abraçando a gente, minha mãe quase desmaiou. Eles pensaram que nós tínhamos morrido, porque saía carro daqui procurando à beira das praias, um dia vai se achar uma pessoa morta na praia. Aí meu tio e meu pai foram de carro pela beira-praia aqui, Guarapari, Meaípe. Por ali, parece que acharam um homem morto lá, achavam que fossemos nós, mas não, a gente estava bem vivo (risos).
P/1 – Seu Valmir, e depois dessa história, o que vocês fizeram com o barco?
R – Depois, eu cheguei aqui, consertei o barco, mas esse barco me deu muito problema. O barco só andava com problema, andava quebrado. Eu comprei esse barco barato e ele ficou caro pra mim. Eu falei: “Quer saber de uma coisa? Eu vou vender esse barco”. Quando eu fui vender o barco, o dinheiro do barco quase não dava pra pagar as dívidas, de tanto problema que esse barco me deu. Pra dizer a verdade, a mulher falou que o barco tava macumbado. E você acredita que eu vendi esse barco pra um cara, com ele não deu certo, o barco se acabou na praia, deixaram o barco pra cima, mas não trabalhou mais, desmanchou aí na praia. Aí também, nunca mais comprei barco pra mim, fiquei trabalhando no barco dos outros.
P/1 – Seu Valmir, isso o senhor tinha uns 30 e poucos, 40 anos, né?
R – É, mais ou menos.
P/1 – E o senhor continuou trabalhando na pesca.
R – Ó, tem um tempinho que eu parei por problema de varizes, eu não posso mais trabalhar muito em pé, né? Aí, hoje eu não posso nem trabalhar. Também não estou aposentado aqui não, trabalho aqui em terra. Trabalho com peixe também, em peixaria.
P/1 – O senhor trabalha em alguma peixaria?
R – Agora eu saí, mas eu trabalhava na peixaria do meu irmão, ali. Agora não estou trabalhando com peixaria, porque eu vou operar essas varizes, vamos ver se eu consigo operar. Estou fazendo tratamento, porque se estiver lá fora e cortar uma veia dessa, não dá tempo de chegar em terra, não.
P/1 – Seu Valmir, o senhor trabalhou mais uns dez anos com a pesca depois desse acidente?
R – Trabalhei mais... Depois desse acidente, trabalhei quase uns 15 anos. Faz uns 20 anos isso, né?
P/1 – E daí, não aconteceu mais nenhum incidente?
R – Da pesca, não. Graças a Deus, comecei trabalhando, pescando.
P/1 – Que peixe o senhor mais pescava, que tipo de peixe?
R – Na época, nós pescávamos mais peixe do fundo, muito badejo, garoupa, namorado, os peixes que a gente mais pescava eram esses.
P/1 – Qual época que o senhor fala?
R – A época que eu trabalhei até que eu parei.
P/1 – Depois do acidente.
R – Depois do acidente pescava mais esses peixes mesmo, badejo, garoupa, pescava peixe de fundo. E dourado, porque dourado é safra, aí quando chegava a safra do dourado, a gente ia trabalhar com dourado. O dourado hoje, só dá no verão, dezembro, janeiro e fevereiro, três meses, depois ele some. Dourado é peixe de época, não é contínuo. Na época dele dá muito, depois ele some. Aí, no ano que vem, que vai ter pesca do dourado de novo.
P/1 – Seu Valmir, o senhor disse que fica mais fácil pescar os que boiam, mas o senhor continuou pescando o peixe de fundo. Por que o senhor preferia?
R – Porque na minha época, até uns cinco anos atrás, entrava na água e tinha muito peixe de fundo. Porque os barcos que eu sempre trabalhei, eu nunca gostei de trabalhar em barco grandão, sabe? Gostei sempre de trabalhar em menor, porque é menos trabalho, menos barbudo comendo a gente, então, eu sempre maestrei barco médio, eu sou patrão de pesca há muito tempo, eu tenho curso de patrão de pesca, tudo.
P/1 – Patrão de pesca o que é? É o mestre?
R – É o mestre. Então, você tem que ter curso, eu tenho carta, diploma, tudo de patrão de pesca. Isso em 82, tem 30 e poucos anos que eu sou mestre de barco. Pra ser patrão de pesca, tem que ter curso, eu fiz curso, então, eu sempre gostei de trabalhar em barco menor porque é menos despesa, você trabalha com menos homens, três, quatro. E o barco maior, você tem que trabalhar com mais gente, mais material, mais despesa. Só que hoje, o barco pequeno tá ficando pra trás, o pessoal tá querendo mais o barco grande, porque vai pra longe, vai lá longe, chega em Itajaí, chega no Rio Grande, no Rio. Os barquinhos pequenos chegam mais aqui, então aí pra baixo, já vende mais isca viva, o barco trabalha com isca viva, já chega lá e leva a isca viva dentro do barco. O peixe de superfície, é mais fácil de pescar por isso.
P/1 – Sim, mas o senhor continuou a fazer a pesca do peixe.
R – Mais de fundo.
P/1 – E aí, por que? Isso que eu queria entender, é porque o barco menor que faz essa pesca?
R – Barco menor, é. Barco grande, hoje. Naquela época, barco grande trabalhava com bote, caiaque, hoje não trabalha mais. Por exemplo, num barco grande levava 20 caiaques, caiaque é um barquinho de dois metros por três metros, um dentro do outro, encaixando dentro do outro. Chegava no mar, cada um daquele jogava um homem pra dentro d’água, 20 homens dentro d’água, pescando o dia todo. Aí, o barco vinha dar almoço, café, o motorista vinha, jogava a corda, puxava o botinho e dava um café, uma comida pra eles. Quando chegava à noite, recolhia tudo pra dentro do barco outra vez. Eu trabalhei em barco dos outros, lá no Rio, e em Itajaí, aí a água no botinho, mas lá no Sul. Aqui o pessoal trabalha mais de barco, em cima do convés, lá pra baixo é no caiaque. Então, eu trabalhei muito nesse caiaque no Rio, trabalhei muito tempo lá no Sul. Aí era no caiaque mesmo, só ficava dentro do barco grande à noite, pra dormir. O dia todo ficava dentro d’água, naquele botinho pescando. Aí, você puxava peixe de fundo, namorado, cherne... São 21 pescando, puxando a linha dentro do barco, meio-dia o barco vem e recolhe o peixe que você pegou, depois pega outra vez, pega duas ou três vezes.
P/1 – E é difícil?
R – Não, porque o barco a motor vem, joga uma corda pra você, você puxa e encosta no barco grande. Aí você joga o peixe pra dentro do barco.
P/1 – É difícil pescar assim?
R – É difícil, pescaria arriscada. Já morreu muita gente assim no bote, que vai lá pro fundo, perdeu muita gente.
P/1 – O bote, acontece o quê?
R – Porque o bote é pequeno, dá um temporal de repente, não dá tempo de apanhar tudo, afunda, vira. Porque lá no Sul, os temporais são muito bravos, vem um temporal, até você apanhar os botes todos, pra colher 20 botes, são três, quatro horas pra você embarcar 20 botes, então não dá tempo, vira, morre um, dois.
P/1 – O senhor já passou por isso?
R – Assim de virar, graças a Deus não. Trabalhei com muito cuidado.
P/1 – A gente já está terminando, seu Valmir.
R – Eu fui lá pro Sul e trabalhei pouco lá, trabalhei mais de motorista no barco, que o motorista e o mestre não arreiam. Aí, eu comecei a tomar conta do motor e o mestre era um parente nosso, ele me botou pra trabalhar de motorista, tomar conta do motor, então não precisava arriar. Quem toma conta do motor não precisa ficar dentro d’água, fica o dia todo dentro do barco, só ajuda a puxar os barcos pra dentro, embarcar os caiaques.
P/1 – Seu Valmir, só mais duas coisas que eu queria perguntar pro senhor. Primeiro, se o senhor puder resumir, o que mudou na pesca aqui em Itapemirim?
R – Olha, aqui no nosso lugar, mudou muito esse cais que fizeram aí, acabou com o nosso porto, né? Por enquanto, não temos porto, então, aqui fracassou muito pra quem é dono de peixaria, pra quem tem comércio. Porque os barcos daqui mesmo não estão mais abastecendo aqui, estão saindo fora, porque não tem condições, os barcos só vêm aqui pra pintar, reformar, mas pra descarregar o peixe, não descarrega mais aqui o produto.
P/1 – Por quê? O que acontece?
R – Fizeram aquele cais ali, então a maré do porto secou e barco grande não tem como entrar aqui, ele não chega perto da praia. Não fizeram o cais direito pra descarregar o barco, e secou o porto, acabou com o porto. Então, está uma polêmica danada isso, porque fracassou o comércio, fracassou a pesca aqui, duas já fecharam, só tem uma aqui funcionando, porque ninguém mais quer carregar o barco aqui de gelo, não quer mais descarregar o peixe, porque não tem mais condições, aí vai pra Piúma, Guarapari, vai pra outro porto descarregar. Quer dizer, o porto pra nós aqui mudou muito a pescaria pra nós, está muito fraca mesmo. E enquanto não melhorar o nosso porto aqui, a pescaria vai ficando mais difícil ainda.
P/1 – Seu Valmir, o senhor falou também que diminuíram os peixes aqui, os que ficam na costa.
R – É, isso é porque o pessoal hoje trabalha muito com rede, e a rede acaba muito com o peixe. Se fosse pescaria de anzol não acaba com o peixe, porque peixe só come a hora que ele tem fome. Na rede ele cai obrigado, eles pegam ele, ele queira ou não, ele passa ali, pega na rede. Já no anzol não, na pesca de anzol ia ter peixe pra toda vida, nunca ia acabar o peixe. É capaz de acabar o peixe aqui, porque hoje em dia é muita rede que bota aí.
P/1 – Quem bota essas redes?
R – São os pescadores de Piúma, gente que quer trabalhar com rede, porque é pescaria mais fácil, bota, quando vai puxar, está cheio de peixe. Mas sabe que vai acabar o peixe algum dia.
P/1 – Mas são daqui mesmo, esses pescadores?
R – É daqui, de fora, de Piúma. O peixe não passa mais, passando fica na rede. E o que não for, vai sair fora porque vê aquele monte de rede ali. Então, quer dizer, a pesca de anzol não acaba o peixe, quem acaba é a rede. Igual traineira, aquele balão, arrastão, pega tudo, o pequenininho, o grande, pega tudo. Aí, os pequenininhos jogam fora e o grande aproveita. Então, vai cada vez acabando, de onde não tira, _______, não tem condições, né? Então, quer dizer, a pesca ficou fraca, muito pela rede, a rede prejudica muito o nosso pesqueiro, aqui na beira da costa.
P/1 – Seu Valmir, o senhor estava falando que antes podia pescar perto das plataformas. E agora, ainda pode? O senhor falou que tem que ser a 500 metros.
R – Quinhentos metros, pode trabalhar ainda.
P/1 – Mas, a 500 metros vai ter peixe?
R – É difícil, quase não tem. Eles botaram essa lei de 500 metros, mas, às vezes, muito barco não respeita a lei, não trabalha a 500 metros, trabalha perto dela. Porque, por exemplo, se o mergulhador estiver no fundo, mergulhando, não atrapalha nada o barco de pescado porque o anzol, a linha fica em cima d’água, não fica no fundo, ele pensa que fica no fundo, mas não fica. O mergulhador fica lá no fundo, não atrapalha em nada, mas eles acham que atrapalha.
P/1 – Pela sua experiência, os pescadores não correm risco se ficarem muito perto?
R – Não. Pois é, por isso que ele não gosta de ficar muito perto, de repente, pode dar um vazamento, um troço qualquer de gás, já pegou fogo em algumas plataformas, é mais prevenção, previne o pessoal de ir perto. Também pode cair um troço lá de cima, pegar no barco. Mas o peixe mesmo, tá perto da plataforma, a 500 metros é difícil encontrar o peixe, o peixe fica embaixo dela aí.
P/1 – E como é que está? Está resolvendo isso de algum jeito?
R – Eles estão resolvendo. A Associação de Pescadores com a Capitania de Portos lá com a Petrobrás.
P/1 – Qual seria a solução? Tem alguma?
R – Se encostar, multa o barco se pegarem, a solução que tem é, ou trabalhar ou não trabalhar, porque toda vez que chegar ali, se tiver um rebocador perto, ou se tiver... Porque de cima, eles filmam tudo, e se filmar, já vem a multa pro dono do barco. Aí vai pra associação pra recorrer e fica um jogo de empurra. Não sei se vai resolver isso. O pescador recebe a multa, recorre, fica aquele negócio, tem como recorrer também.
P/1 – Dá pra pescar atum e esses peixes em outro lugar que não lá, agora, atualmente?
R – Tem lugar que dá sim, mas não é perto, é longe daqui. Tem que andar 25, 30 horas mar adentro pra ir pro fundo, pra pegar um banco que tem, chama-se banco da Vitória. Porque no mar tem muito banco, né? É um sequeiro que tem no meio do mar. Então, na carta tem, no GPS, em cima desses bancos dá atum. Mas, não é sempre, tem vez que dá, tem vez que não dá.
P/1 – Mas antes das plataformas precisava ir pra lá?
R – Pra pegar atum? Não. Pegava aqui pertinho, mas era só na isca viva. Estava pescando, caía um peixinho lá. O atum tem valor de uns anos pra cá, de uns 10, 12 anos que o pessoal começou a pescar atum. Antes, nem compensava pegar atum, hoje ele é mais caro do que o badejo. Tem vez que você paga no barco do pescador 30 contos o quilo. Traz duas, três toneladas de atum, faz 80, 90 mil. Como você vai usar pescada de fundo pra fazer? Peixe de fundo é muito difícil. Então, a pesca de atum, dourado está muito mais fácil, então o pessoal só quer ir mais nessa pescaria.
Pausa
P/1 – Seu Valmir, o turismo interfere alguma coisa na pesca?
R – Não, turismo, não.
P/1 – Nunca interferiu?
R – Não, o turismo não. O turismo é até bom pra quem faz pesca, porque na época do turismo vende mais peixe, então o turismo ajuda muito. Nós já fomos a melhor praia de turismo e hoje não tem mais nada, porque a nossa praia acabou, né? Pelo cais que fizeram aí, essas pedras que puseram aí. O nosso turismo hoje é fraco, mas já foi muito bom. A nossa praia enchia muito de gente, tinha uma praia muito bonita aqui. Hoje a praia está uma porcaria, uma sujeira. Enquanto não tomarem providência, o prefeito ou o governador do estado não melhorarem esse troço aí, o turismo vai se acabando aqui. Em dois, três anos, não tem mais turista aqui, o pessoal vai pras outras praias. O pessoal que tem casa aqui vai pra outras praias, vai pra Praia de Itaoca principalmente, que aqui não tem mais turismo aqui. O turismo nosso foi bom, mas depois que fizeram isso, acabou.
P/1 – Seu Valmir, e pro jovem? Como o senhor vê a pesca pro jovem?
R – Olha, eu digo pra você, hoje o jovem está procurando outra, não quer mais pesca. Principalmente o jovem de hoje, quer mais estudar outro tipo de atividade, porque a pesca pra jovem, hoje, acho que é meio difícil. Hoje, tem muita opção de emprego, muitos pescadores estão trabalhando na plataforma, estão largando a pesca e indo pra plataforma, estão tudo embarcados nas plataformas, é rebocador, navio, gera muito emprego. Lá eles trabalham 15 dias e têm 15 de descanso. A pescaria não dá vantagem, principalmente aqui, é uma classe muito desvalorizada, a classe de pescador não tem muito valor, aqui no nosso município e no Espírito Santo. Então, o pescador hoje está correndo atrás de emprego pra melhorar, né? Lá tem plano de saúde, tem tíquete-alimentação, tem um salário, que às vezes ganha mil, mil e duzentos, mil e trezentos contos por mês, mas vai trabalhar só 15 dias, se precisar trabalhar mais, ganha o dobro. Então, quer dizer, e as vantagens que tem? Os melhores planos de saúde, carteira assinada, é muito mais fácil hoje.
P/1 – O senhor tem algum neto pescador?
R – Neto? Só tenho um que tentou pescar mas não deu certo, não.
P/1 – Por quê? O que aconteceu?
R – Enjoou, 17 dias lá, chegou magrinho, chegou quase voando (risos), de tão magro.
P/1 – Seu Valmir, do jeito que o senhor falou, como o senhor vê a pesca daqui pra frente? A pesca artesanal?
R – Eu acredito que daqui pra frente, a pescaria, o negócio vai cada vez ficar pior, né?
P/1 – Por que, seu Valmir?
R – Porque cada vez vai fazendo mais barco e fica difícil, sabe por quê? Porque hoje em dia tá difícil pra achar gente pra trabalhar na pesca. Aqui em Itaipava mesmo, vou dizer pra vocês, tem barco que não está saindo pro mar porque não tem gente pra trabalhar, tá ficando pior por isso. Vai chegar um tempo que vai ter muito barco e não vai achar gente pra trabalhar, pescar, porque o pessoal arrumou outro emprego. Estão saindo da pesca e trabalhando em outro emprego.
P/1 – Por que o senhor acha, além de todas essas vantagens, mas assim, se a pesca também tivesse seguro saúde...
R – Hoje tem embarque que tem carteira assinada, estão assinando as carteiras aí, mas bem pouco, aqui no nosso lugar, principalmente, é bem pouco. Mas, só assina a carteira com um salário de 600, 700 reais, mas não ganha, ele ganha pela produção dele. Aí chega no fim do ano, ele vai receber um décimo terceiro, mas não vem plano de saúde, não tem nada.
P/1 – O que precisaria fazer pra pesca não acabar desse jeito?
R – O Governo tinha que tomar uma providência. Governo do Estado com Ministro da Pesca pra arrumar um negócio melhor, pro pescador poder ter uma vantagem melhor. Porque nesse ponto o pescador não tem nada, se quiser uma aposentadoria tem que pagar um INSS por fora, ou aposentar por idade, tempo de trabalho. É uma classe muito desvalorizada.
P/1 – Então pra última pergunta agora, seu Valmir, não sei se vai ser possível responder, mas se o senhor tivesse todos os benefícios que tem o outro trabalhador que trabalha na Petrobrás, na plataforma. Como jovem, o senhor ficaria na pesca ou mesmo assim, com benefícios na pesca, o senhor preferiria alguma coisa?
R – Eu vou dizer. Se fosse na minha idade de novo, eu preferiria outro serviço, porque a pesca, o pescador é muito sofrido.
P/1 – Mesmo se tivesse plano de saúde e tudo isso?
R – Mesmo assim. Você pode trabalhar, pescar até num barco grande, num navio, mas você trabalha muito e você sofre muito no mar também. Você olha o mar ali, você tá vendo ele mansinho, mas você chega lá no mar, um barco desses parece uma caixa de fósforo, o mar joga ele pra lá, pra cá, faz dele gato e sapato. Então de noite, se tem um temporal e você vai dormir num barco desse aí, se você não for acostumado, tem horas que parece que vai virar. Quando dá um vento no mar, o mar fica igual a um leão, fica muito bravo, então o barco sofre muito, pula, a água entra dentro, o mar joga água dentro dele. A vida de pescador é muito sofrida.
P/1 – O que no mar é bom? Tem alguma coisa que é bom no mar?
R – Quando você tá trabalhando no mar é tranquilo, não tem ladrão pra te roubar (risos), não tem acidente, só se aparecer um navio à noite, mas não perigou de bater no barco da gente, sempre tem o vigia. Mas, quando o mar tá calminho, se o mar fosse um troço calminho, era coisa boa, mas o mar não é, é difícil ficar calmo. Quando o mar fica calmo é tranquilidade, mas de repente ele fica bravo. Ele é bravo mesmo, ele não é fácil, não. Porque, quem olha o mar assim, lá no profundo as ondas são muito altas. Às vezes, você tá com um barco lá, quando o barco desce numa onda, aqui, sobe, você não vê nenhuma.
Pausa
P/1 – O senhor tava falando que o mar aqui é manso mas lá dentro.
R – É, lá dentro é feio quando bate um tempo, dá um mal tempo, dá um vento, o mar fica feio mesmo. Aí, o barco pode ser grande, pode ser pequeno, ele balança de todo jeito.
P/1 – Mas o senhor tem bastante intimidade com ele, né, 50 anos pescando.
R – É, bastante intimidade (risos).
P/1 – O senhor quer encerrar com alguma coisa, falando alguma coisa seu Valmir? Até sobre a sua relação com o mar?
R – Não, pra dizer que gostei da entrevista, foi boa e vamos ver como vai ficar. Isso vai pro Museu, você falou, né?
P/1 – É.
R – Museu da...
P/1 – Museu da Pessoa.
R – Museu da Pessoa. Só sei que todo mundo gosta, vai ficar boa a entrevista, mas obrigado (risos).
P/1 – Obrigada! Foi ótimo ouvir a sua história. Parabéns por todos esses anos aí!
R – Obrigado vocês (risos).
FINAL DA ENTREVISTA
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