P/1 – A gente vai começar o depoimento da senhora e eu gostaria que a senhora começasse falando seu nome completo.R – Maria da Silva Nery, nome artístico Nery Rezende.P/1 – E quando foi que a senhora nasceu?R – 13 de maio de 1930.P/1 – E em que cidade?R – São José do Rio Preto. P/1 – E o nome de seus pais?R – Florentino José da Silva e Maria Helena Rezende da Silva. P/1 – O que eles faziam?R - Papai trabalhava na roça e mamãe, como já disse, era do lar. Prendas domésticas.P /1 – A senhora teve irmãos?R – Sim, tive. Eu sou a primeira, depois tive um irmão, depois uma irmã. O rapaz faleceu quando tinha nove meses e depois de anos, quando já tinha 20 anos, vinte e poucos anos, aí mamãe pegou um menino para criar, foi a menina dos nossos olhos. (risos). É a menina dos olhos. Porque a gente era adulta, depois entrou uma criança, é uma vida nova diferente.P/1 – O nome de seus irmãos, desse que faleceu com nove meses? A senhora se lembra?R – Era Nestor da Silva.P/1 – E sua irmã?R – Era Alice Rezende da Silva e Jackson Rezende da Silva.P/1 – Tirando o Nestor, os outros estão vivos?R – Só o Jackson. São só dois agora. Dois foram. Minha irmã faleceu com vinte anos, infelizmente, com um tumor no cérebro.P/1 – Novinha.R – Novinha. Estava noiva, ia casar. Para nós foi uma perda enorme. Minha mãe... Pensei que ia perdê-la naquela ocasião. P/1 – Dona Nery, a senhora nasceu em Rio Preto, não?R – São José do Rio Preto.P/1 – E a senhora se lembra de lá?R – Não lembro, porque saí pequena de lá, meu bem. Por isso falei para você, que não conheço. Sei que todo mundo fala que é uma beleza, mas... Espero ir. Visitar antes de ir para o outro lado.P/1 – A senhora saiu de lá com...R – Eu saí novinha. Nós saímos pequenos de lá, saímos de lá pequenos. Depois mamãe veio para são Paulo e eu...
Continuar leituraP/1 – A gente vai começar o depoimento da senhora e eu gostaria que a senhora começasse falando seu nome completo.R – Maria da Silva Nery, nome artístico Nery Rezende.P/1 – E quando foi que a senhora nasceu?R – 13 de maio de 1930.P/1 – E em que cidade?R – São José do Rio Preto. P/1 – E o nome de seus pais?R – Florentino José da Silva e Maria Helena Rezende da Silva. P/1 – O que eles faziam?R - Papai trabalhava na roça e mamãe, como já disse, era do lar. Prendas domésticas.P /1 – A senhora teve irmãos?R – Sim, tive. Eu sou a primeira, depois tive um irmão, depois uma irmã. O rapaz faleceu quando tinha nove meses e depois de anos, quando já tinha 20 anos, vinte e poucos anos, aí mamãe pegou um menino para criar, foi a menina dos nossos olhos. (risos). É a menina dos olhos. Porque a gente era adulta, depois entrou uma criança, é uma vida nova diferente.P/1 – O nome de seus irmãos, desse que faleceu com nove meses? A senhora se lembra?R – Era Nestor da Silva.P/1 – E sua irmã?R – Era Alice Rezende da Silva e Jackson Rezende da Silva.P/1 – Tirando o Nestor, os outros estão vivos?R – Só o Jackson. São só dois agora. Dois foram. Minha irmã faleceu com vinte anos, infelizmente, com um tumor no cérebro.P/1 – Novinha.R – Novinha. Estava noiva, ia casar. Para nós foi uma perda enorme. Minha mãe... Pensei que ia perdê-la naquela ocasião. P/1 – Dona Nery, a senhora nasceu em Rio Preto, não?R – São José do Rio Preto.P/1 – E a senhora se lembra de lá?R – Não lembro, porque saí pequena de lá, meu bem. Por isso falei para você, que não conheço. Sei que todo mundo fala que é uma beleza, mas... Espero ir. Visitar antes de ir para o outro lado.P/1 – A senhora saiu de lá com...R – Eu saí novinha. Nós saímos pequenos de lá, saímos de lá pequenos. Depois mamãe veio para são Paulo e eu fiquei em Catanduva com os meus padrinhos, que era juiz de Catanduva, juiz de Direito. P/1 – Como é o nome dele?R- Dr. Sebastião de Vasconcelos Leme.P/1 – Foi ele que criou a senhora, então?R – Foi ele e a esposa, que era minha madrinha.P/1 – Qual o nome dela?R – Eunice Vale Leme.P/1 – A senhora sabe porque vocês saíram de Rio Preto?R – Porque mamãe... Vovó foi lá, mamãe estava em situação precária. Papai era da roça, estava com o problema de perna, que amputou uma perna, na Revolução de 32. Então, mamãe estava em situação precária, vovó já morava em São Paulo, com os outros irmãos de mamãe, meus tios, e achou por bem trazer mamãe. Quer dizer, mamãe veio, com minha irmã, que acabou sendo até registrada aqui em São Paulo. Eu fiquei em Catanduva, com os meus padrinhos. Depois ele foi promovido, veio para Santos. Ficamos dois anos. Depois ele foi nomeado já Desembargador. Aí, viemos para São Paulo. P/1 – Durante a Revolução, quando seu pai participou, a senhora tinha dois anos...R – Dois aninhosP/1 – A sua irmã nem tinha nascido ainda?R – Não, porque nasceu o Nestor primeiro. Depois veio a Alice.P/1 – Como seu pai participou da Revolução?R – Eu era muito pequena e mamãe também... Tenho muito pouca coisa para falar. Depois, aquela vida de caipira, não se entrosavam nessas coisas, particularidades, se falava muito pouco disso. Depois...P/1 – Seu pai e sua mãe vieram juntos para São Paulo?R – Vieram. Papai logo faleceu, porque deu gangrena, deu coisa assim. Então, minha mãe, minha avó, meus tios, criaram a gente... A Alice, por exemplo, porque eu já fiquei com meus padrinhos. Eu já não fui problema para mamãe, até os 18 anos. P/1 – Esses padrinhos eram parentes?R – Não, não tinha nada a ver. Mamãe conheceu... Eram conhecidos da minha avó. Minha avó que fazia serviço, lavava roupa para eles, coisa assim, em Catanduva. Depois vovó veio para São Paulo, ficou aqui, e eu fiquei lá em Catanduva com eles. Como mamãe estava em situação precária, então, madrinha achou por bem pegar... “Deixa ela comigo que...” Madrinha já tinha seis filhos. (risos). Éramos sete.P/1 – E a senhora lembra-se deles?R – Nossa como me lembro deles.P/1 – Tinham a mesma idade?R – Tinha dois da mesma idade quase, que era o Pedro e a Maria Inês. Depois vem a Maria Eunice, a Evangelina... Encerrou na Evangelina. Então foi uma época ótima, tive uma criação maravilhosa.P/1 – E como é que era esse contato, como é que era a casa?R - Era grande, porque ele morava... Em Catanduva ele passou a morar no Fórum. Tinha a parte da casa dele, e do lado era o Fórum onde se davam audiências, e de vez quando a gente botava os olhinhos lá para assistir. (risos). Era no largo da Igreja, bem no centro de Catanduva. Parece que era a Av. Brasil. Depois também nunca mais voltei para Catanduva. Também, a lembrança é assim.P/1 – E a senhora tem contato até hoje, com os irmãos adotivos?R – Tenho com as meninas que eu ajudei a criar, que era da parte do Perella, da irmã da madrinha. Tanto que eu fui madrinha de uma, Perella achou por bem... A menina se apegou muito a mim e eu fiquei como babá dela, fiquei como madrinha, e na hora de batizar era a minha madrinha que foi batizar. Mas quando foi para passar para madrinha, a menina chorou, não quis ir. E o padre disse; “Então deixa com ela, que ela representa.” Quer dizer, que fui madrinha de representação e depois crismei. É uma gracinha.P/1 – Como ela chama?R – Cecília. Maria Cecília Perella. P/1 - Esses anos que a senhora ficou em Catanduva, vocês moraram só nessa casa?R – Só. P/1 – A senhora ficou até os nove anos lá?R – Em Catanduva ficamos até os nove anos.P/1 – E o que vocês faziam? A senhora brincava?R – Escola. Nós tínhamos escola, nós tínhamos lazer, a gente brincava muito. Nós éramos muito amigas de um médico de lá de Catanduva, Octacílio Lopes, e os filhos dele, também tinha bastante filhos... Então à noite, era aquela brincadeirada de correria na praça, brincar de esconde, de passar anel, de tudo o que a criança brinca. Nós tínhamos bastante lazer.P/1 – Toda noite?R – Ah isso era toda noite. E chegava o domingo... Todo domingo, um vestidinho e um sapatinho novo.P/1 – Ah é?R – Todo domingo a gente aprumadinha, nós íamos à missa com vestidinho... À tarde íamos para o cinema, porque ele tinha frisa no cinema, porque ele era uma coisa importante na cidade. Era Juiz de Direito. P/1 - Ele que dava o vestidinho?R – Ah. Vestia a meninada toda. A filharada toda. E eu junto. Eu fazia parte (risos) P/1 – Então, todo domingo a senhora tinha um vestidinho novo?R – Todo domingo nós tínhamos um vestidinho novo, nem que fosse coisinha...Mas era um vestidinho novo.P/1 – E o cinema era à tarde?R – Era à tarde. Matinê para criançada. Era ótimo essa época. Por isso que eu digo que eu tive uma infância maravilhosa, fui muito bem criada, por gente muito muito boa. Essa foi uma fase muito boa. Depois a gente vai se tornando mocinha, completei 18 anos e aí a gente já quer outro caminho, já quer namorar... aí madrinha achou por bem ....”Só com a mamãe agora...”P/1 - Mas com quantos anos a senhora saiu da casa da madrinha da senhora?R – Da madrinha? 18. 18 anos. P/1 – E como é que foi essa saída?R – Eu fui, porque a mamãe sempre vinha me ver. Quando chegamos aqui para São Paulo, mamãe já começou a ter mais contato com a gente. P/1 – Eles já estavam em São Paulo?R – Já estavam em São Paulo e ela começou ter contato comigo, a vir me ver...P/1 – Ela ia ver lá?R – Ia me ver e as vezes eu saía também, ia à matinê com a minha irmã, saíamos... Uma mocinha também, e nós saíamos muito juntas. Mas aí começou a namorar e madrinha disse: “ Agora, a responsabilidade é da mãe.”(risos). Aí eu fui morar com mamãe. Aí já comecei a trabalhar fora. Foi quando entrei no Matarazzo, aí na Água Branca, que hoje já está desativado. No Matarazzo fiquei três anos. Depois aí fui para o comércio. P/1 –Mas a senhora começou a estudar logo no início, em Catanduva?R – Em Catanduva. Foi o meu primário, coisa assim. P/1 – Depois a senhora passou______R – Aí, quando eu cheguei na adolescência...P/1 – Entre Catanduva e São Paulo________R – Dei uma parada. Fiz corte e costura, essas coisas de doméstica. Aí depois que eu entrei para o comércio é que eu fui fazer o curso de Comércio para me especializar um pouquinho mais por causa do serviço.P/1 – E o curso de Comércio já era aqui em São Paulo?R – Era. Era na rua 15 de novembro. Bem pertinho. Porque eu trabalhava numa loja na esquina da rua Direita com a Praça da Sé. Comecei alí. E aí fui me especializando no comércio. Depois o meu patrão abriu uma outra loja mais acima, na Sé, perto da Catedral, e eu já fui para lá como gerente, já me colocou como gerente. Daí, não parei mais. Fui para outra loja, na Av. São João. Aí na Av. São João trabalhei mais oito anos, como gerente, compradora. Praticamente tomava conta de tudo.P/1 – Eram lojas do que?R – Artigos femininos. Roupas de criança. Geral. Foi muito bom. Eu ganhei muita prática, porque eu tive logo de início eu peguei um patrão excelente, que achou que eu tinha tino para o comércio e me ajudou muito. P/1 – E esse patrão era daquela loja...R – Isso. Daquela loja da rua Direita Então ele me ajudou muito, muito, muito mesmo. Ele que me incentivou a ... Dava todas as dicas todas. Tanto que eu tinha plena liberdade de fazer tudo na loja. Tinha colega que dizia : “Porque que a Nery pode fazer isso e a gente não pode.” “A Nery é outra coisa.” (risos) Isso causa ciúme entre colegas. Tinha um gerente da Marcel Modas, que era a época da Sloper, da casa Henrique, da... Lojas Garbo. Tinha lojas boas lá A rua Direita era o foco de lojas boas. Então o gerente da Marcel dizia que não me chamava para trabalhar lá porque eu era uma funcionária cara. (risos) Que eu trabalhava à base de uma ajuda de custo e comissão sobre venda total. P/1 – A senhora cobrava bem?R – É, porque o comércio era muito bom. Agora que... Eu acho muito diferente agora. Você não... Eu vejo a turma trabalhar e penso: “ Precisavam uma boa aula de balconista.P/1 – Nessa época a senhora já estava morando com sua mãe?R – Já estava com mamãe.P/1 - A senhora trabalhava, ajudava em casa?R – Ah, sim, a gente era muito ativa. Éramos só nós três: eu, mamãe e Alice. Depois é que veio o Jackson, o Jackson veio para gente em 1952. Nessa época a gente tinha muita responsabilidade, principalmente com ele. Então a gente era ativa, nós trabalhávamos e chegava para mamãe aquele dinheirinho. Ela comprava nossas roupas, ela dava um dinheirinho para gente ir ao cinema. Fazia tudo para gente, mas a gente chegava e sentava o dinheiro na mão dela. P/1 – Dona Nery, e o Jackson, como foi que sua mãe decidiu adota-lo? R - O Jackson era um menininho conhecido de uma tia minha, que teve nenê. Aliás acho que ela fazia nenê para dar, que ele não era o primeiro. Ela já tinha uns dois ou três já dados. Então, como era conhecida da família da minha tia, ela correu a família inteira para ver quem queria. Ninguém quis. Aí uma das minhas tias disse: “Ah, eu sei de uma pessoa que eu sei que se você levar lá, eu tenho certeza que fica.” Aí, mandou para mamãe. Quando mamãe viu, ficou assim... Porque ela já estava sossegada, com eu e Alice adultas, trabalhando...P/1 – A senhora já tinha 22 anos?R – Já. Aí eu falei: “Ah, mãe fica.” A mãe disse: “Vocês querem?” Falei: “Eu quero.’ E aí nós embarcamos nessa. Mas deu muito trabalho. P/1 – As três trabalhavam?R – As três trabalhavam. Quer dizer, depois a mamãe passou a trabalhar só meio dia para ter tempo, porque eu também trabalhava, como era época do Matarazzo, eu tinha dois horários: um dia trabalhava das cinco e meia até as duas. E a outra semana, das duas às dez. Então a gente revezava. E ele foi uma criança muito muito doentinha.P/1 – Porque? O que ele tinha?R – Porque ele chegou muito doentinho, muito inflamado. Tinha todo ele, o organismo dele todo inflamado. Você punha a mãozinha assim nele, a pele saia. Ele tinha 15 dias quando veio para casa. Era muito pequenininho. Muito coisinha assim. Aí eu levei para o doutro Cardim. Ele era professor aqui da Pediatria, aqui das Clínicas. Porque ele já era médico de minha família lá de.. Perella. Era amigo, tomava conta das crianças de lá, da saúde das crianças. E eu pedi para ele. Tanto que ele disse, quando ele viu o menino naquele estado, ele disse que era bonito o que nós tínhamos feito, mas era uma responsabilidade muito grande. E foi mesmo. “Mas, nós vamos encarar e nós vamos levar isso à frente.” E graças a Deus, conseguimos por ele de pé. Só que depois teve osteomielite. Ele previu mesmo.P/1 - O médico?R - O médico, Dr. Cardim. E ele previu a doencinha do menino, mas ele nos ajudou muito também. Ele fez os primeiros tratamentos do Jackson, foi ele que correu para gente, arrumou lugar no pavilhão Fernandinho na Santa Casa,P/1 – Na Ortopedia?R – Isso. Foi ótimo. Chegou lá muito mal.P/1 – Que idade ele tinha?R – O Jackson estava essa época com seis anos, seis para sete anos. E ficou muito mal. A gente levou ele para o hospital amarrado em um lençol, cada um segurando numa ponta, que não podia tocar no corpo dele, inflamado. P/1 – E ele ficou internado lá?R - Ficou internado, e aí passou por uma junta médica, e o médico deu 48 horas. “Se ele superar essas 48 horas, ele está salvo.” Então nós fizemos mutirão dentro do hospital. Eles permitiram e arrumaram uma cama para mamãe la no outro quarto para poder descansar, a gente ali de pé até...P/1 – Até ele melhorar?R – Até ele melhorar. Depois deu aquela coisa nele, os médicos correram, fizeram sangria. Depois disso ele superou. 48 horas. Aí foi o hospital todo. Movimento do hospital todo. Foi graças de Deus. Nós passamos esses pedaços apertados. Eu sai de um lugar sossegado, de uma vida mansa, nem roupa minha tomava conta, para depois ter... Mas são fases que a gente tem que passar. E graças a Deus nós superamos, foi muito bom. Foram novas experiências também, de outro lado. E a gente continuou até que depois, minha irmã foi também. Um tumor no cérebro. Minha mãe foi uma heroína. P/1 – Dona Nery, a gente pulou um pedacinho aqui. Foi a sua mudança para Santos, que a senhora tinha contado para gente.R – De Catanduva, mas como a gente era criança, tudo era novidade. Criança, tudo é alegria... Então a gente não sente muito. Quer dizer, de Catanduva, eu tinha nove anos quando eu fui para Santos. Era a época da guerra. A gente como criança queria sair para rua. As casa tudo com aquelas janelas, com aquelas cortinas pretas, aqueles rolos de papel preto para não... Era Black out. Não podia do lado de fora ver que estava com luz acesa. E a criançada queria brincar na casa de vizinho e tudo. Então a criançada fazia aquela fila e ia tudo encostadinho assim no muro. A gente ouvia barulho de avião, então a criançada... Coisas assim. P/1 – Vocês abaixavam?R – Abaixávamos (risos) . Abaixávamos de medo. A gente só andava segurando no mundo. P/1 – Mas tinha que sair fugido ou não?R – Não. A gente que era vizinho, sempre tudo perto. Nós morávamos ali em Santos, na rua Pernambuco. Então, ali, toda vizinhança tinha criança. Saía da casa de um, a gente ia para casa de outro, tudo assim para brincar. E mais para fazer folia porque nessa de poder sair na rua porque aquela coisa de black out, de ter que andar em fila... Mas uma piadasinha.P/1 – E a senhora foi com seus padrinhos para lá? Ele foi transferido?R – Fui. Aí ele foi nomeado Desembargador. Vieram para São Paulo eu vim. Depois aí, como a irmã da madrinha, estava esperando nenê, Iolanda Perella, da família Perella, já tinha as duas mais velhas e estava esperando um filho. Não parava pajem com ela, criança para tomar conta, então ela pediu para madrinha se madrinha me deixava ir. Eu não quis ir não, primeiro relutei, não queria que madrinha pedisse.P/1 – Quantos anos?R – Aí já estava com 12 anos, com 12 para treze. Para treze porque logo veio a infância. Então a madrinha disse: “Faz isso para madrinha. Você vai, experimenta, se você não gostar, não quiser, então você vem para casa. É só me falar, que eu te trago.” Aí fui experimentar, mas era muito apegada à criança. Chegou lá me apeguei às crianças, logo nasceu a Cecilinha que não era uma criança. Era um estouro, era um bebê enorme, quatro quilos e pouco. Aquele bebezão, branquinha, aqueles olhos azuis que pareciam duas contas. Ela não tinha cabelo, careca, só uns fiozinhos, assim. Eu passava sabonete, usava aquele sabonete... Fazia aquele xuquinha assim. O pai dela esperava um menino, que ele já tinha duas meninas... Ele disse até esqueceu. Nem lembrava mais que queria filho homem (risos) Ficaram doidos com a menina, linda e essa que é minha afilhada. P/1 – Essa que a senhora batizou?R – Que representei e crismei, ele achava por direito crismar.P/1 – Dona Nery, quando vocês foram para Santos a senhora já tinha visto o mar alguma vez, ou foi a primeira vez?R – Foi a primeira vez. P/1 – Como é que foi? R – Ah! Acho que toda criança... Não lembro muito porque para criança, tudo era festa. Eu conhecia a piscina, coisa assim, nós íamos para o clube que tinha piscina, mas o mar não. O mar foi uma... Acho que todos nós, naquela época, criança, era a primeira vez que tínhamos visto o mar.P/1 – Ah. Todas as irmãs?R – Todas nós e para nós era uma alegria. Nós queríamos só porque era água. P/1 – E iam sempre?R – Nós íamos sempre, íamos sempre sim, mas madrinha não deixava, principalmente muito porque era um pouco longe a rua Pernambuco da praia do Gonzaga. Da Rua Pernambuco era o Gonzaga e tinha que atravessar, tinha que caminhar, mas a gente quando ia, ia a turma toda, os mais velhos, tudo, então gente...P/1 - Madrinha ia junto?R – Não, madrinha não. Ia à criançada, porque os outros eram já mais velhos que a gente. Ela tinha a Carmem, o Pedro e o Júlio Cezar. Os três mais velhos, então eles comandavam os outros pequenos.P/1 – Eles tomavam conta?R – Tomavam conta e a gente ia, mas era uma fase muito boa. Depois viemos para São Paulo...P/1 – Dois anos vocês ficaram lá?R – Dois anos ficaram lá, depois viemos para cá. Foi quando vim para casa do Perella...P/1 – A senhora já conhecia São Paulo, então. Já tinha vindo visitar sua mãe?R – Não.P/1 – Primeira vez também. R – Foi, mamãe... Não... Lá, aqui, vim ver mamãe aqui em São Paulo. Aqui, lá não. P/1 – O que a senhora achou da cidade, quando chegou aqui? R – Era um monumento e Santos também não ficava atrás. Quer dizer, a gente já tinha uma ideia assim, porque Santos também já era bem adiantada, também. Competia quase com São Paulo, então a gente não estranhou muito aquela coisa, mas era diferente, era lindo. Parque da Aclimação, que a gente ia muito ao parque da Aclimação. P/1 – Vocês moravam perto?R – É, na Rua Safira.P/1 – Na Aclimação?R – Na Aclimação, quase perto do parque da Aclimação. Então a gente ia muito para o parque. P/1 – Na Aclimação a senhora estava com seus padrinhos ainda? Depois a senhora mudou...R – Quando vim para... Nós viemos para São Paulo, já fui para casa do Perella que a minha comadre ia ter nenê. Eu já vim para ficar com ela mesma. Madrinha disse: “Quer voltar? Vamos embora?” Eu disse: “Ah. agora não vou.”P/1 – A senhora voltou? A senhora morava com ela então?R – (risos) Morava, depois passei a morar com o Perella, a Iolanda e a Cecilinha. Era uma gracinha, mamava só comigo. Só eu dava... Qualquer pessoa ia dar mamadeira para ela, ela mamava metade e não queria. Eu ia dar, ela mamava, Iolanda dizia: “Não é possível, que eu mãe, não consiga dar mamadeira para...” Então um dia ela foi espiar, para ver... Eu era garota, para ver o que ela está fazendo. Estava lá dando mamar para ela, conversando com ela e aí ela viu ela mamar tudo aquilo. Descer e falou para o Perella: “Não é que ela mamou tudo e eu olhando, mas que sem vergonhinha." (risos) P/1 - A senhora conseguia e a mãe não conseguia.R – A mãe não conseguia, ela ficava doentinha, era eu que cuidava, era eu... Eles viajavam e eu ficava com as crianças. Ficava eu e a empregada que era cozinheira e tomava conta da casa e eu só com as crianças. P/1 – Quanto tempo a senhora ficou tomando conta delas?R – Eu fiquei até quando eu fui para casa da mamãe. Ela já estava com uns sete ou oito anos e foi difícil, porque ela ia à escola só comigo. Ela ia à escola, podia ir ao ônibus, onde fosse, eu tinha que ir junto. Se ela fosse para aula de balé eu ficava sentada lá, estava até aprendendo balé de tanto... (risos) Ela ia para o balé, eu ficava junto...P/1 – Tudo na Aclimação?R – Tudo. Tudo na Aclimação.P/1 – Nessa época a senhora falou que tinha acabado a guerra, e vocês foram ver os...R – Os Expedicionários chegar. São coisas sabe, que a criança vai... Que levam... Não tinha aquela coisa de... A gente ficou assistindo, achava tudo muito lindo...P/1 – Onde foi?R – Isso já foi em São Paulo, mas eu estava...P/1 – Mas em que lugar da cidade aconteceu isso?R – Eles apareceram... Quando chegaram, desfilaram no Anhangabaú e nós ficamos numa travessinha, em cima do carro. Perella desceu assim uma travessinha, que dava para o Anhangabaú e pôs todos nós, todo mundo sentado em cima do carro, para ver eles chegarem. Porque ficou assim... Ninguém conseguia entrar com... Ainda mais com criança, tudo. Então, ele conseguiu colocar o carro bem na frente e todo mundo em cima do carro. Foi uma coisa que não marcou muito isso, foi uma parte que passou. Chegou, a gente via aquela turma chorar de alegria, coisa assim. Nós não tínhamos ninguém na guerra. (risos) Nós fomos por patriotismo, todo mundo foi, eu também queria ver, foi isso.P/1 – Dona Nery, a senhora tinha contado, lá em Catanduva, vocês iam a Igreja. Então, a família de seus padrinhos era católica?R – Católica. P/1 – Aqui em São Paulo a senhora continuou...R – Ah, sim, até hoje, graças a Deus.P/1 - E ia constantemente à igreja?R – Ah. sim. Até hoje, qualquer coisa, eu bato o joelho lá pras minhas... Continuação de minha mãe, para Cidinha, como ela chamava... Ela tinha uma intimidade muito grande com a Cidinha, às vezes ela falava: “Ah. A Cidinha me ajuda.” Mas quem é essa Cidinha que ajuda? (risos) Eu dizia: “é NossaSenhora.” “e ela chama assim de Cidinha?”, “É, elas são íntimas.” (risos) A gente continua, é a criação, desde a primeira comunhão, a primeira comunhão fiz em Santos. Já estava em Santos quando eu fiz, então, a gente foi criada no catolicismo, mas não condeno nenhuma. Se tiver que ir eu vou. Minha filha, por exemplo, optou: messiânica. Não condeno nenhuma, se tiver que ir eu vou, se me convidar eu vou. São todas... São um único Deus, então, onde você for... Mas o meu mesmo, aqui é a Cidinha mesmo.P/1 – Dona Nery, na casa de sua madrinha e do seu padrinho, como eles eram no tratamento com a senhora? Eles eram muito bravos?R – Não, era a mesma coisa. Se um apanhava, apanhavam todos, porque fazia arte em conjunto, era em conjunto. “Quem fez?” Não sabia quem.P/1 – Ninguém dedava?R - Eram todos junto, a madrinha fazia assim: no salão, era varanda que chamava a salona grande de jantar, então ela punha um lá, outro aqui, outro aqui... Cada um num canto, de costa um para o outro, para não olhar um para cara do outro. De castigo, nós ficávamos, era ótimo.P/1 – Não podia virar o rosto?R – Não, não podia. P/1 – Ela ficava lá olhando?R – De vez em quando ela passava lá para ver se a gente estava quietinho. (risos). Aí ela libertava, ela deixava sair do castigo.P/2 – Vocês aprontavam junto?R – A gente aprontava junto e a turma sabia que eu... Eu sempre fui mais abelhuda. “Vai lá e pede para mamãe deixar a gente fazer isso.” Eu fingia que ia e não ia nada, falava: “Ah madrinha deixou. Madrinha deixou”, não tinha deixado nada. Não tinha tomado partido. “Mas ela disse que você deixou.” “Eu não deixei coisa nenhuma, ninguém falou comigo.” Então todo mundo de castigo porque todo mundo participou. (risos) Acho que era arte de criança mesmo, que era coisa de criança. Gostávamos muito de rolar no chão, de brincar no gramado, tinha aquele gramado no jardim, a gente rolava muito ali naquele gramado. Brincava muito, eu brinquei muito, por isso que digo: “A criançada agora não tem mais... não sabe o que é brincar. Não brincaram o suficiente para desenvolver. “ Foi uma infância muito boa, muito sadia.P/1 – A autoridade da casa era sua madrinha?R – Ah, madrinha falava...P/1 – Ou o padrinho também?R – Ele não tomava muito conhecimento. Deixava por conta da madrinha e a madrinha era linha dura, (risos) mas com carinho. Nada de muito bater, de muito surrar, nada disso.P/1 - Ela ficou muito brava com a senhora, quando a senhora arrumou um namorado?R – Não. Não, porque nessa ocasião, a madrinha achou que eu já devia... Porque eu estava com a Iolanda, eu estava com o Perella, com a irmã dela, ela achou que por bem... Conversaram ela e a Iolanda. O Perella “Deixa.” Ele não queria deixar...P/1 - A senhora ir?R – É, ele me chamava de Duquesa.P/1 – Por quê?R – Porque diz que eu descia a escada que nem uma duquesa, com o peito em pé, com a cabeça erguida.P/1 – Com pose?R – Ele dizia: “Lá vem a duquesa.” Quando ele queria mexer comigo, era duquesa. “Duquesa vem vindo.” Aí madrinha achou por bem... Já não estava com madrinha, estava com Iolanda, aIolanda não tinha muito pulso comigo não, porque tinha o apoio do Perella, tinha, sabe, sabe quando tem aquela costa larga, que qualquer coisa te põe panos quentes, era assim. Então madrinha achou por bem...P/1 – A senhora ir com a sua mãe?R – É, com mamãe, se acontecesse qualquer coisa... A mãe sempre fala: “Se acontecesse e estivesse aqui comigo, não acontecia.” Não é? Toda mãe fala isso, aí fui e já comecei a trabalhar. P/1 – Que bairro que era mesmo? Que a senhora mudou com a sua mãe?R – Da Aclimação para Bela Vista. Major Diogo, ali, perto do TBC, do Teatro. Ali eu conheci Tonia Carrero, Jaime Barcellos, toda aquela turma que era artista antiga de teatro. P/1 – A senhora ia assistir?R – Nós íamos assistir, em frente à casa da mamãe, tinha um bar e em cima tinha um apartamento. Morava Jaime Barcellos, Elísio de Albuquerque, Sérgio Brito... Moravam uns quatro ou cinco rapazes e mamãe foi trabalhar para eles. P/1 – Ah. É? O que ela fazia?R – Ela tomava conta da casa deles, porque era só homem. Ela ia para lá, cuidava da casa, cuidava da roupa deles e fazia o almoço para quem viesse. Almoçar, tinha almoço. Depois na janta, deixava a janta pronta para quando eles chegassem.P/1 – A senhora chegou a ir lá?R – Nós íamos. Eu vinha do serviço e ia para lá, dormia na cama deles enquanto não tinha ninguém em casa. Eu chegava duas horas às vezes, tinha semana que chegava duas horas, morta de sono, que levantei cedo. Ia para lá, enquanto ela estava fazendo o serviço lá, estava dormindoP/1 – A senhora encontrava com eles sempre, quando eles voltavam?R – Sempre, sempre e quando o Jaime, tinha peça que ele fazia no TBC, a gente ia para lá.P/1 – Ele dava as entradas?R – Ah, carta branca nós tínhamos no TBC.P/1 – Olha, o que a senhora lembra-se de ter assistido lá, nessa época?R – Eu me lembro de uma peça que ele fez de... Ele estava vestido de... Como é que era? Romão? Não. Ai... Ele era gordinho e baixinho, não sei se vocês viram fotos dele? Então, ele gordinho e baixinho, de sainha curta pregueadinha, daquela de Romão? Como é que era? Me ajude. P/1 – De romano?R – Romano. Ele baixinho gordinho, com aquela saia pregueada, me deu um ataque de riso. (risos) Porque eu rio atoa mesmo, rio atoa mesmo. Isso... (risos)P/1 – Com a perna peluda...R – Com aquela coisa amarrada na perna. Sandália né? Amarrada na perna, com aquela estaca aqui. Gordinho, barrigudinho, cheinho e com aquela sainha pregueada. Quando eu o vi entrar! Olha me deu um ataque de riso, deu um ataque de riso... Depois nós fomos lá para o camarim. Ele ficou tão bravo, me xingou tanto...”Você tá atrapalhando.” (risos)P/1 – Atrapalhando a peça?R – Atrapalhando a peça. Mas isso é uma coisa... Eu lembro isso e nunca mais esqueci. Porque ele ficou muito bravo, muito bravo, quando caí na risada. Um dia também, eu fui ao cinema assistir “O Mundo em Oitenta Voltas” Eu quase derrubei o cinema de tanto rir, quase que eu paro o cinema para... De tanto rir, tanto rir, saí do cinema, todo mundo olhava para mim. Sabia que era eu que estava rindo, no teatro era a mesma coisa, não podia ver coisa cômica que...P/1 – Esse contato com os artistas do TBC inspiraram a senhora a ser artista?R – É, porque a gente estava ali no meio, a minha irmã fez muito cinema. Fez muito cinema. Com ele, fez Veneno com aquela artista, com o... Estou ruim de cabeça, (risos)) uma argentina...P/1 – Com uma atriz argentina?R – Com uma atriz argentina. Ela fez Veneno e também participou de outro nordestino. Eu tenho tudo marcado, tem ficha porque de cabeça a gente não guarda mais.P/1 – Como ela entrou para o cinema?R – Foi por intermédio deles mesmo. A gente fez muita amizade com a turma de teatro e quando aparecia oportunidade, já sabiam: “Chama Alice, a Nery.” E a gente foi se entrosando. Eu trabalhava ali perto da Record, na Rua Direita, conheci um rapaz lá da Record, que quando me chamou para fazer esse grupo, formar esse grupo de frevo, de coristas. Eu cantei com todos esses cantores da época, na ocasião, eu cantei com todos eles. Passei por todos. P/1 – E ao mesmo tempo em que a senhora estava trabalhando...R – Em loja, à noite nós fazíamos coristas. Quando era sábado e domingo que tinha programa, eu era livre. Sábado e domingo que a gente fechava o comercio à uma hora. À tarde e à noite estava livre. Domingo, depois, tinha o Júlio Rosemberg que fazia Alegria dos Bairros. Não sei se vocês chegaram a... Fazia a Alegria dos Bairros e nós acompanhávamos todos os bairros da cidade. Nós fazíamos se tivéssemos que viajar, nós viajávamos com eles, com a equipe da Record.P/1 – Era de rádio ou de TV?R – Era auditório, o cinema enchia e fazia o espetáculo. Era uma coisa de auditório de rádio e todos os shows que Júlio Rosemberg fez na ocasião, nós fizemos. Acompanhar os cantores, a gente acompanhava todos.P/1 – A senhora lembra qual foi à primeira atividade artística da senhora? A primeira apresentação, o primeiro ensaio. Primeiro contato.R – Primeiro ensaio, fiz Chapeuzinho Vermelho. P/1 – Como é que foi?R – Chapeuzinho Vermelho é uma história infantil, foi a que fiz no Teatro de Alumínio, a primeira que nós fizemos no Alumínio. P/1 – Conta um pouco para gente sobre esse teatro de Alumínio.R – Era um teatro grande, era o primeiro teatro feito mesmo de alumínio, na ocasião na praça das Bandeiras. Teatro grande, bom.P/1 – Na rua?R – É numa esquina e tem ali... É quase onde agora é ponto de ônibus, o Terminal de ônibus, é naquele canto. Quase esquina com a Rua Santo Antônio, a Santo Antônio sobe, não?P/1 – SeiR - É quase ali, na esquina com a Praça das Bandeiras, ele ficava aqui, de frente. P/1 – Era uma peça infantil chamada...E – Uma peça infantil, Chapeuzinho Vermelho. Eu fiz a vovó.P/1 – Ah, a senhora fez a vovó?R – Eu fiz a vovó. Então entrava na frente, sentava num banquinho no canto do palco e antes de abrir a cortina, eu começava a contar. Imagine. Eu queria ter trazido essa foto, você via eu de velhinha. Desde moça já faço papel de velha (risos) Toda caracterizada, com riscas para parecer rugas... (risos)P/1 – Quantos anos dona Nery?R – Eu tinha? Acho que estavam com uns 20 anos, mais sou menos isso, foi em 52. Mais ou menos isso e, então eu começava a contar a história: “Meus amiguinhos, agora vocês vão assistir a história de Chapeuzinho Vermelho.” Assim por diante e aí...P/1 – E a criançada gostava?R – Ah. Eu nessa ocasião... Quando abria a cortina, a gente já entrava, tomava parte, porque era a vovozinha, o lobo ia me comer, etc. etc. tal. Um pouquinho antes de terminar, eu voltava por canto e terminava a história. Eu ganhei “Os Melhores da Semana.”P/1 – Que era? Um prêmio?R – Um prêmio.P/1 – Quem que dava?R – Eram os jornalistas, ganhei A Melhor da Semana. A Melhor Velhinha da Semana, a fada ficou brava, porque ela era a fada. A Francis Boni foi uma menina que fez propaganda na TV Record, no começo da TV Record e ela achava que era ela que tinha que ganhar. Então nosso diretor disse: “Não é você”. Porque não foi a gente que escolheu, foi jornalista que escolheu, esse prêmio é dela e foi ótimo.P/1 – Como a senhora ficou sabendo do Teatro de Alumínio?R – Isso era parte do diretor, do contra regra e coisa assim.P/1 – Quem era o diretor?R - Todo o nome dele eu não me lembro. P/1 – Mas a senhora começou a participar do teatro através daqueles amigos?R – É. Porque um chama, vai passando e você vai conhecendo novos diretores, nova gente que quer formar uma equipe de teatro. Depois eu fiz “O Fundo do Poço.” Eu não sei se vocês lembram de um caso que houve de um rapaz que matou a mãe e as irmãs ali na rua Santo Antonio. Ele era químico, ele ficou meio coisa da cabeça e matou as três irmãs, a mãe e enterrou no poço.P/1 – Nossa!R – Nós morávamos na Bela Vista, nessa ocasião e nós passamos... Depois a casa dele ficou fechada e até diziam que era casa mal assombrada depois. Nós passamos muito tempo ali. Depois escreveram, nem lembro, devo ter guardado, escreveram a peça, a história dele e eu fiz. Nós fizemos num teatrinho lá no Ipiranga.P/1 – Que papel a senhora fazia?R – Eu fiz a mãe das moças e do rapaz. Aquela senhora austera, vivia sentada, com a perna enfaixada que ela tinha aquela erisipela. A perna toda enfaixada, com a perna esticada, e ali ela dominava todo mundo e eu fiz.P/1 – Essa foi a segunda peça?R – Essa foi a segunda ou terceira que nós fizemos.P/1 – E já era teatro adulto?R – Era de adulto, de moços, que era só jovem que trabalhava.P/1 - A senhora ganhava?R – Não. A gente sempre fez amadorismo. Agora nós fazemos por lazer. Antes nós éramos amadores, mas se precisasse qualquer coisa, a gente estava apta a fazer, porque você já tinha... então a gente fazia. Aí, “O Fundo do Poço” Quando nós terminamos uma irmã dessa velha, tia do rapaz que matou as irmãs, veio me cumprimentar, porque a irmã dela eu representei que parece que eu conhecia. É igualzinha. Minha irmã era assim mesmo.P/1 – Que chocante essa peça não?R – Mas foi muito boa.P/1 – E tinha bastante público?R – Muito. Muito. A gente fazia propaganda, fazia aquele ______ espalhava...P/1 – Como chamava o grupo?R – Olha, esse grupo... No momento não me vem na ideia. P/1 - De quantas pessoas era o grupo?R – Olha, devia ser de umas 15 ou 20 pessoas. Entre tudo, porque os contra regras, coisa assim entrava tudo. Quando precisava fazer papel, eles entravam, faziam o papelzinho deles...P/2 – “Esse ainda não era no Teatro de Alumínio”?R – Não, aí já era o outro teatro, o outro grupo que nós fizemos. Então a gente integrava assim, dizia: “vamos formar, vamos formar.” Saia da _____________. O Teatro São Paulo. Vocês lembram do Teatro São Paulo?P/1 – Não.R – Vocês são muito jovens (risos) P/1 – Onde era o Teatro São Paulo?R – O Teatro São Paulo era ali na rua São Paulo, na Liberdade.P/1 - A senhora encenou lá também?R – Ali encenei ali. Tinha aquele teatro ali na Antônio de Barros. Quem conhece lá um teatro também, na Antônio de Barros? Nós encenamos ali também.P/1 – O que a senhora encenou lá na Liberdade?R – Na Liberdade nós fizemos uma peça clássica.P/1 – O mesmo grupo?R – O mesmo grupo, uma peça clássica, no momento não me lembro.P/1 – Não tem problema. R – Eram muitas. Você vai passando isso, você vai guardando , então torna-se relíquia. Até você achar essas coisas aí, é muita coisa. Eu tenho muitas peças guardadas. P/1 – A senhora tem ideia de quantas a senhora participou nesse grupo de teatro amador?R – Em teatro amador? Ah, participamos bastante. P/1 – Quanto tempo ficava em média, em cartaz?R – Ficava um mês, dois. A gente levava para outro lado, levava para o... Sempre assim, a gente corria, chamava gente. “Oh! Vamos fazer?” Arrumava lugar...P/1 – E sempre de fim de semana?R – É. Sempre à noite e fim de semana, porque nós tínhamos também a rádio. P/1 – E conciliavam?R – A gente ia conciliar dia de teatro, não podia fazer a Record. E a Record sempre era à noite, tinham aqueles programas de auditório, que vinham os cantores do Rio.P/1 – Como a senhora chegou à Record?R – Na Record eu conheci o Durvalino, o Durva. Conheci o Durva, e ele já estava formando o grupo de coristas. Precisava na Record e ele falou com o Blota Júnior. Blota Júnior nos apoiou muito. Nos apoiou muito com o grupo, inclusive queria que eu cantasse solo. Queria que eu solasse sozinha, os Demônios da Garoa se prontificaram em me orientar, mas depois você vai fazendo uma coisa... É que você vai fazendo tanta coisa, que outra coisa você esquece.P/1 – E o Durvalino te apresentou na Record?R – Não. O Durvalino formou o grupo e nós entramos. Ensaiamos o frevo, ensaiamos. Que dançar o frevo você não dança assim... Precisa ensaiar mesmo. Nós tínhamos sala até na rádio Record, na Quintino Bocaiúva, que era ali antigamente. Nós tínhamos a sala que a gente ensaiava... Nós fazíamos parte também de... Se fosse gravar qualquer coisa, qualquer comercial que precisasse rir, precisasse vozeirão no fundo, aquelas vozes que fazem no fundo, de um barulho, coisa assim, a gente tomava parte nas gravações. P/1 - _______artístico? R – A gente ia para fazer gravações para Record.P?1 – Como era dançar frevo? Quem ensinou vocês?R – Dançar frevo, nós tínhamos um professor. Ele _______ e dançava muito bem. A gente era levinha e movimentava, foi muito gostoso. Então, a gente abria o espetáculo do Júlio Rosemberg, a gente dançando o frevo. Depois a gente corria e enquanto estavam entrando os cantores, as apresentações, etc., a gente corria, trocava de roupa e já punha a roupa que ia participar do coro.P/1 –Como era a roupa do frevo?R – Do frevo era branca e preta. Uma sainha curtinha, fantasiada com aquelas coisas assim e um guarda chuvinha.P/1 – Era homem e mulher?R – Homem e mulher.P/1 – Separados?R – Tudo junto. Era de acordo com o número que se ensaiava, a gente fazia. Depois eu fiz teatro de revista.P/1 – Como é que foi?R – Teatro de revista é essa que está aqui (provavelmente mostrando foto). Foi muito bom. Quando Alice era vedete, depois ela precisou sair por causa da saúde, e eu entrei no lugar dela. A gente entrava, cantava, abríamos o espetáculo cantando, dançando. “Aqui estamos – Para apresentar – Muitas mulheres – a todos agradar (risos)”, aí corria os números de dança. P/1 – A senhora geralmente apresentava?R – Sim, apresentava e fechava.P/1 – Apresentava e aí entrava todo mundo...R – Entrava o grupo. Essa que eu queria que você visse bem: cada crioula bonita, aqueles pernão, ia de maiô, coisa assim.P/1 – Dona Nery, a senhora tinha namorado nesse tempo?R – Nada firme. Porque a gente não podia, não tinha como. Sabe quando você tem aquele parzinho que você lá dos guris tá tudo junto, ou se tinha um namorado que não era do grupo acompanhava quando podia. Então não era nada firme porque a gente não tinha condições de você se firmar com nenhum, porque tinha a vida livre. Eu era livre. Minha mãe dizia que eu achava que São Paulo era minha (risos) “Essa aí pensa que São Paulo é dela.”P/1 – Sua mãe não achava ruim?R – Não. Minha mãe sempre incentivou, fazia roupa para gente, ela cantou muito na Frente Negra quando moça.P/1 - O que era a Frente Negra?R – Frente Negra era um... Agora não temos o grupo da Terceira Idade, a Frente Negra era um grupo de negros que tinha sua sede, os diretores e ela frequentava. Ela era dona de cantar um tango. Cantava um tango e todo mundo parava para ouvir. P/1 – E a senhora foi_________R – Não. Eu não aprendi. Eu tenho as letras dela tudo guardado.P/1 - _______________R – Eu acho que estava no sangue. Essa última tia que tenho, também cantou na Frente Negra. Mamãe ajudou muito a gente. Toda roupa que precisava para o teatro, ela sentava na máquina e numa noite ela fazia. P/1 – Para vocês todas?R – Para mim, para Alice e se alguém pedisse, ela fazia também. Ela era ótima. P/1 – A aí, quanto tempo a senhora ficou na Record?R – Na Record eu parei em 60, porque aí começou a ficar mais pesado. Eu tinha muita atividade e o organismo não acompanha, porque você come mal, você dorme mal e comecei a enfraquecer. Mamãe disse: “Ou um ou outro.” P/1 – A senhora já tinha a sua filha?R – Não, que ela nasceu em 69. Então, como na Record nós tínhamos cachê, Não era ordenado, ganhava-se por cachê. Se você trabalhava você ganhava. Aquela noite você trabalhou, você ganhou, à tarde você trabalhou, você ganhou. Eram cachês. Não era um ordenado que você pudesse sustentar família, ajudar na família, se sustentar e com criança doente também. Então, vem vindo os problemas, fiquei até 60 na Record.P/1 – Que era a sua atividade. Já tinha largado o comércio?R – Não, aí fiquei só com o comércio. P/1 – Então você ficou a década de 50, na rádio?R – De 50 a 60.P/1 – E já tinha nome artístico?R – Eu sempre usei, mesmo a carteirinha da Record era Nery Rezende. Sempre foi esse, todo mundo me conhece, ninguém fala Maria. Ninguém, Maria só no documento (risos), é Nery.P/1 - Que mais você lembra da atuação nesse período artístico? De espetáculo? De algum papel que tenha feito?R –Daquele tempo? Foi quando eu fiz “revista.” Foi muito bom. Você é o alvo das atenções, é bom, não é? (risos). Porque, toda moça é bonita, então, você tinha aquela que aparecia. Você pelas fotos que eu te trouxe, antigas, o destaque, você aparecia mais. Era você que era a vedete, você que chamava a atenção.P/1 – Tinha muita cantada, dona Nery?R – Ah, se tinha (risos) e olha, tinha muito menos bandalheira do que agora. A pessoa tinha mais cabeça, você fazia se queria, se não queria, não, não. Eu vim “perde-la” aqui em cima, quando achei que devia, já estava, sabe com quanto? Você não vai acreditar. 35.P/1 – É mesmo?R – Palavra de honra. Isso falo muito, aconselho muito minha filha. Então, ninguém acredita. Você é cobiçada. “Ah. fulana é... né” E ninguém acredita. Todo mundo quer dar uma bicada, você pode fazer charme, pode esnobar. Você tinha para esnobar (risos), você arruma. Os gaviões apareciam mesmo, cada um queria ver quem era que ia...P/1 – Que ia ser autorizado.R – Autorizado. (risos) Mas eu digo, que todo mundo dizia que era bandalheira. Não tinha nada disso, a gente trabalhava até tarde. Os colegas, mesmo da Record, eles levavam a gente para casa, deixavam a gente em casa, não tinha perigo, não tentava nada... Porque você faz as coisas se você quer. Se não quer, para que, fui fazer depois, quando achei que aquele era o certo.P/1 – Tinha algum galã da Record que era paquerado por todas as vedetes? Como é que era?R – Tinha o... Ele era lindo, era o apresentador, era lindão. Ah, não lembro nome dele. P/1 – Estava todo mundo paquerando ele?R – Nossa, ele era lindão. Também, ele era o rei das atrizes. ______________ (risos) Mas eram só as atrizes, as grandes lá.P/1 – Que chegavam até ele?R – Que chegavam até ele. Ah, que pena...P/1 – A senhora pedia algum autógrafo?R – Não. A gente trabalhava lá, mas não era para o bico da gente então você nem...P/1 – Dava bola?R – A gente pedia mais era para cantor que a gente gostava, como Cayubi Peixoto, quando ele foi para cantar lá na Record, que queriam deixar ele pelado, arrancaram a camisa dele, cortaram a gravata dele ,coisa assim. Não podia descer, porque se ele descesse, tiravam um pedaço dele na porta. A Quintino Bocaiúva fechava. P/1 – A senhora foi corista dele, ou só via o show?R – Não. Como corista acompanhei o Cayubi, Inesita Barroso, até o Black Out. Elza Laranjeira, Ângela Maria, a turma que estava começando também. Eu acompanhei muito, muito, muito. P/1 – Q!ual o contato deles com vocês?R – Só no ensaio, para gente ver se estava bem no coro, para gente fazer, entrava certo. Era isso. Nós cantávamos...P/1 – Tinha cantor que era mais chato? R – Sempre tem um que exige mais, que dá mais canseira na gente. Sempre teve essa coisa de dar muita canseira, mas a gente sabia levar. Uma vez nós fizemos a Alegria dos Bairros no Belém, na igreja lá do largo São José do Belém. Então saiu eu e a Esterzinha de Souza. Ela era esposa de um maestro. Nós saímos. “Vamos tomar café, Nery?” “Vamos.” Nós saímos e quando chegou na frente assim do... Cercaram nós duas, chegaram para mim: “Oh. Esterzinha, por favor, dá um autógrafo para mim.” Eu olhei para ela, e ela fez sinal para mim sustentar. Você viu que não conheciam bem a cantora. Ela era a cantora. “Ah. Esterzinha.” E chegam para mim e pedem autógrafo, olhei para ela e ela confirmou (risos).Você já imaginou a cara da pessoa quando viu cantar, entrar, anunciar a Esterzinha!! (risos), que era outra e eu no coro? Foi muito gozado. São experiências, coisas que a gente vai lembrando, que é gostoso. Isso é muito bom. Foi uma vida corrida, teve altos e baixos, mas foi muito bom. Tudo o que fiz foi muito bom.P/1 – A senhora chegou a atuar junto com sua irmã?R – Chegamos, mesmo essa Revista que nós fizemos, nós atuamos junto. As primeiras apresentações ela que fez. Depois, ela tinha problema já, já era então problema da cabeça. Precisou afastar. Então entrei no lugar dela. P/1 – Esse trabalho artístico, ele foi sempre paralelo com o trabalho no comércio ou...R – Sempre. Sempre tive as duas atividades. Porque em um você ganhava pouco e o outro é o que te firmava. No fim do mês era aluguel, era... P/1 – Era o comércio?R – Era o comércio que firmava a vida da gente. Se fosse só nós três, cada uma tinha o seu serviço, tudo bem. Mas depois entrou a responsabilidade de uma criança.P/1 – O Jackson?R – É. Então ai...P/1 – Quantos anos ele tem hoje?R – O Jackson é de 42, 52 aliás. Está com 47, 48 anos, mas ele foi tão lindinho...P/1 – Ele ia ver as apresentações?R – Ia, ele ia, vestia a gente. Ajudava a calçar, coisa assim. P/1 – Ele era o homem da casa?R – Ele era o hominho da casa. Ele acompanhava muito a gente e todo mundo gostava dele, que ele era tão engraçadinho! Mancando, às vezes com a bengalinha por causa da perna. P/1 – Depois ele sarou definitivamente?R – Não. Ele sarou porque ele fez vários enxertos, à medida que vai crescendo, o organismo cresce, a perna cresce, e o osso não aguentava. Estourava. Então, formava aquele tumor atrás e saia lasca de osso. Criava pus, não podia andar, precisava ir para o hospital. Ia para o hospital, fazia raspagem, fazia enxerto...P/1 – Lá na Santa Casa?R – Na Santa Casa.P/1 – Sempre lá?R – Sempre. Tanto que ele ficou com quase seis centímetros de diferença da perna direita para esquerda. Tem o pezinho meio alto.P/1 - Tinha que usar algum sapato?R – Ele não usava não, ele tinha...Ele usava sapato comum, nunca pôs salto, nada e andava bem. Ele soube conviver com isso. Quando a pessoa convive, não tem complexo de nada. Ele era querido das moçada, deu uma dor de cabeça para gente! (risos) P/1 – Ele foi para escola, dona Nery?R – Ah. foi. Ele foi muito aplicado, porque mamãe ensinava muito ele dentro de casa. Minha mãe era fora de série. Ela ensinou minha filha e foi para escola, já sabia ler e escrever, não deixou minha filha entrar em parquinho, escolinha. Já foi direto para o primeiro ano, já foi sabendo ler e escrever. O Jackson, quando ele estava no hospital, era ela que dava aula para ele. O pouco que ele pode fazer na escola... Tinha uma escola perto da Santa Casa, que nós matriculamos ele, porque ficava perto e ele foi. Então ele fez o primeiro ano junto com o segundo. O terceiro com o quarto.P/1 – Tipo supletivo?R –É, fez o primário assim, porque ele sabia mesmo. Mamãe era muito severa com estudo. Passava, ensinava mesmo. Ela, desde meninota ensinava criançada. Então, quando ele estava no ginásio, juntava... Nós tínhamos uma sala grande, varanda, uma mesa quadradona, e os colegas dele vinham estudar com ela, em casa. Ela sentava no meio daquela molecada e ensinava todos. “Ah. Dona Maria, deixa o meu menino estudar lá com a senhora e com o Jackson.” E aí. Ia lá.P/1 – E aí, ele estudou sempre lá perto da Santa Casa?R – Aí ele fez ali, enquanto fez o primário, depois o ginásio fez na Vila Formosa.P/1 – A senhora que levava ele quando ele era pequeno?R – Não. Eu não porque trabalhava em loja, tinha muita responsabilidade e não podia sair assim. Então era mamãe que ia. Depois a gente já ensinou ele ir, porque passava na loja, eu via direitinho como ele ia, dava um dinheirinho para ele, qualquer coisa. A turma já sabia que ele era doentinho, que precisava ter cuidado com ele. P/1 – Ele continuou os estudos depois?R – Ele fez também o segundo grau. Estudou.P/1 – E ele trabalhou...Trabalha com que?R – Ele trabalhou muito tempo no metrô, como caixa do metrô. Agora está no interior. Saiu daqui porque a mulherada aqui não dava sossego para ele. Casou duas vezes e as duas eram... Juntaram as duas e fez da vida dele um inferno. P/1 – As duas contra ele?R – As duas contra ele. Era uma de um lado e a outra do outro.P/1 – Ele teve filho?R – Teve com as duas. Teve um filho com cada uma. Dois homens.P/1 – Seus sobrinhos.R – Meus sobrinhos.P/1 – A senhora tem contato com eles?R – Esse meu sobrinho, criei ele até agora pouco tempo, quando ele separou da primeira mulher. Ela passava por cima, ele brincando na sala, sentadinho no chão, no tapete, brincando, mamãe forrava, deixava ele brincar. Ela brigava com ele, saia lá do quarto(que morava com a gente. Precisamos arrumar um apartamento maior para ter o quarto deles, mas não teve jeito. Ela saia do quarto, o nenê brincando aqui, ela passava direto, pulava por ele e ia embora para casa dos pais. Não abaixava para dar um beijo no filho. Nós ficamos bobas. Como é que pode uma mãe... Passar por seu filho novinho, pequeno, por causa do marido, mas não deu certo, não adiantou, que não deu, isso foi pouco tempo. O Alexandre, que é o filho do Jackson, ficou com a gente. Desde pequenininho. Nasceu em casa e até os oito anos. Oito anos ela voltou, encheu a paciência, fez a cabeça dele e levou ele. Mamãe quase morreu de paixão.P/1 - Ele mora onde? Em São Paulo?R – Ele mora aqui, com a mãe aqui, com ela. Ele ficou dois anos com ela, não era nada daquilo que encheu a cabeça dele, ele veio e ficou com a gente. Aí ficou com a gente de 11 anos até 18. Morou comigo outra vez. Depois, mamãe já tinha ido também, ficou. Mas aí ele começou a me dar trabalho. Eu não podia ficar com ele dentro de casa. No começo, eu o levava para o serviço, arrumei uma escola perto, arrumei um serviço, saia da escola, vinha e ficava no meu serviço. Mas, eu precisava arrumar uma ocupação para ele. Punha numa ocupação, ele saia... Ele deu trabalho. Deu trabalho, deu trabalho, e eu falei: “Pelo amor de Deus. Sua mãe estragou você. Fica lá com ela que eu não estou para morrer do coração.”P/1 – E hoje ele mora com a mãe?R – Mora com a mãe ali perto do Palmeiras.P/1 – E o Jackson está no interior?R – O Jackson está no interior com a terceira mulher. (risos) Sem filho, porque ele operou. P/1 - E o outro?R – O outro vive lá com a mãe, parece que moram na Penha. Esse eu não sei contar. P/1 – Não tem muito contato?R – Não tenho muito contato não. Uma vez ou outra que a gente encontra. Eu gostaria de ver, porque o outro é diabético. Pegou de herança da avó dele, do lado de lá, é doentinho. A gente tem pena, mas, está para lá, está com a mãe, está sossegado, nunca me deu dor de cabeça, nunca amolou a gente para nada, graças a Deus. P/1 – Dona Nery, queria voltar um pouquinho, quando a senhora parou sua atividade artística para ficar só no comércio. Foi no começo dos anos 60?R – 60, 61, por aí. Porque depois minha irmã começou a ter aquela queda. Ela morreu em 60. Foi muito doentinha, a gente... Aí eu parei mesmo. Porque aí era eu e a mamãe só. Nós duas. P/1 – A senhora trabalhava em que loja nessa época?R – Eu trabalhei ali na Rua Direita muitos anos. Trabalhei em várias lojas na Rua Direita. P/1 – Em qual a senhora ficou mais tempo?R – Eu trabalhei mais tempo... Eu trabalhei quase 10 anos aqui na Av. São João, em frente ao cine Metro. Lojas Capri. Porque, tive 18 anos de comércio, de loja e o resto dos anos, para inteirar a minha aposentadoria de 30 anos, fui para o SESI. Aí trabalhei no SESI até me aposentar. P/1 - A senhora havia dito que entrou para trabalhar no Matarazzo. Foi no Matarazzo o seu primeiro emprego aqui em São Paulo?R – Ah. Sim, foi meu primeiro emprego, que fui para mamãe. Até então nunca tinha trabalhado fora.P/1 – Só com a irmã de sua madrinha.R - Só, mas não era serviço, era minha casa. Eu estava dentro de casa, nunca saí para trabalhar fora, de ter ordenado, coisa assim. Então, meu primeiro trabalho mesmo, foi na Água Branca, no Matarazzo. P/1 – A senhora fazia o que lá?R – Eu era tecelã de quatro teares de lingerie. Aqueles teares grandes, aqueles rolos enormes que tinha. Uma vez por mês o conde vinha visitar. O conde Matarazzo. Vinha fazer revisão, passear, ver os funcionários dele. Um dia antes o contra regra dizia: “Olha...” - O rapaz que tomava conta da seção - “Amanhã é dia do conde.” Então você precisava vir toda de macacão branco ( a gente trabalhava de macacão) . Mas o macacão sujava, porque você mexe com graxa, com tinta, carregava... Naquele dia, a gente botava um novo. A gente tinha um novo, para quando o conde vinha. A gente nem... Já trazia e deixava no armário. Dia que ele vinha, em vez de por o uniforme normal, você já punha o engomado (riso) para ele pensar que estava todo mundo assim. Muito simpático, um homão bonito, um senhorzão bonito. A bengala dele tinha o pezinho e o cabinho de ouro. Aquele chapéu coquinho.P/1 – E passava?R – Passava, cumprimentava a gente. Passava pela fábrica toda, porque era de ponta a ponta, ali o Matarazzo. Tinha tudo ali dentro.P/1 – A senhora pegava quatro máquinas?R – Quatro máquinas. P/1 – Como a senhora aprendeu a lidar com as máquinas?R – A gente entra e tem um aprendizado. A gente aprende, eles deixam a gente um mês, até você aprender a lidar, quando estoura um fio, como emendar, como parar. Tem o que ensina o mestre, mas, eu com 15 dias peguei quatro teares.P/1 – De uma vez?R – De uma vez os quatro. Era dois de cetim e dois de lingerie.P/1 – Quem falou para senhora desse emprego?R – Esse foi um amigo do serviço da Alice, que indicou. Já fui, já comecei a trabalhar. Não tinha esse negócio de esperar dois meses, que nada, você já entrava trabalhando, já estava registrada.P/1 – A senhora lembra do primeiro dia de trabalho? Como foi?R – O primeiro dia é meio “spacio” como diz (risos) . Eu tinha medo, porque, sabe, eu sou muito medrosa de coisa grande. Entrar assim em coisa grande, eu sozinha não entro. E você entra dentro de um salão de quase não sei quantos metros e só máquina, aqueles teares grandes, lá em cima aquele barulhão. Você fica assim, aquela coisa assim. Mas depois você fica ali, você trabalha. Nos primeiros dias você trabalha com uma pessoa do seu lado, te ensinando. Toda hora vem o chefe ver, se está trabalhando, como está, mas a gente trabalha com uma pessoa mais experiente do lado. Eu aprendi logo, graças a Deus, com 15 dias já peguei quatro teares.P/1 – Era o dia inteiro trabalhando?R – Dia inteiro. Dia inteiro assim, revisando. Porque a gente trabalhava das cinco e meia às duas da tarde e outra semana você trabalhava das duas à dez. Então revezava uma semana de manhã, outra à tarde.P/1 – Parava para almoçar? R – Parava, tinha hora de almoço ou você almoçava no restaurante, ou você levava a sua comidinha de casa. Nessa ocasião, eu fiquei noiva...P/1 – Ficou noiva de uma pessoa que trabalhava lá?R – Não. P/1 – Como foi essa história do noivado?R – Nós passeando... Antigamente, nós tínhamos assim: você passeava na cidade, a Rua São Bento era mais elite. Tinha a Rua Direita que era lá dos... Então você não entrava na Rua Direita porque senão você... A gente entrava na mais elite que era a Rua São Bento, era só gente mais elite. As moças e rapazes fazendo o footing, no interior não se faz footing? Aqui era assim antigamente. O mais baixo nível, na Rua Direita mais popular e a Rua São Bento que eram os mais elegantes, os mais... Tinha uma coisa qualquer, diferente, era na São Bento, eu e a Alice ficamos passeando.P/1 – Fazendo o footing na São Bento?R – Fazer footing na São Bento, eu, ela e mais duas amigas e naquela brincadeira, você vai, toma sorvete e.. Aí, vi aquele rapagão, parece que flexou os dois. (risos) P/1 – Amor à primeira vista?R – E ele veio, dei umas duas voltas e ele veio de encontro comigo, emparelhou aqui. Uma olhando para outra, era aqueles... Sabe aqueles olhares que a gente dá uma para outra, significativo, dizendo alguma coisa, todo mundo entendia, olhava (risos) Aí ele veio conversando, conversando, conversando, os primeiros encontros eram só lá na São Bento, mas a gente não tinha esse negócio com a mamãe, de esconder. P/1 - Sua mãe era liberal?R – Muito assim, ela queria coisa no sério mas... Aí falei para ela. “E quem é ele?” “Ah. mãe, você vai conhecer.”.P/1 – Como chamava ele?R – Evaldo Faria, de uma família antiga de Piquete. Os irmãos todos trabalhavam, uns na Aeronáutica e ele fazia aqui em São Paulo, Aeronáutica. Depois ele foi para o Rio para fazer Marinha Mercante, ele ficou conhecendo a mamãe, mamãe já chamou: “Aqui dentro assim, quero assim, assado.”P/1 – Foi o primeiro namorado sério?R – Foi, esse foi, os outros eram flirt. Você olhava lá, aquela coisa assim. Aquele flirt, mas nunca de chegar assim, de namorar, de sair, de chegar a frequentar sua casa, nada disso. O Evaldo foi, nós namoramos, veio o Jackson e nós estávamos namorando e aí nós ficamos noivos. Acho que nós ficamos uns quatro anos, por aí.P/1 – E ele não ficava enciumado com - _______R- Nossa. Ele quando foi para o Rio, dizia para mamãe: (chamava mamãe de Maria Helena – os dois eram íntimos) “Maria Helena, olha, eu vou embora. A Nery não pode usar esse vestido, esse, esse e esse.” Porque eu era moça e toda moça tem seu corpo bonito, elegante. A gente trabalhava para gente, tinha tudo direitinho. Só depois que o Jackson veio, que pesou um pouquinho, mas tinha meus vestidos decotados, baixo assim, com bolerinho preto de renda... Porque trabalhava muito à noite, então você precisava estar...P/1 – Bem arrumada?R – Bem arrumada e praticamente nem tinha vestido de dia. Era só uniforme, roupa simples, eu tinha vestidos mais assim. Então quando ele viajava... Só para vestir quando ele estivesse, mas, deixava ele falar. Quando ele ia embora eu punha meus vestido e mamãe dizia: ”Evaldo falou para você não vestir esse vestido.” Eu disse: “E ele está aí, por acaso? Eu vou ficar guardado defunto vivo?” (risos) P/1 – Ela ficava do lado dele? R – Não, era danada, puxa saco dele. Ela não deixava. “Você vai sair com esse vestido? Ele falou para você não sair.” Eu disse: “Que é isso, agora vou ficar guardado defunto vivo? Tô viva. Não casei ainda.”P/1 - Ele foi para o Rio de Janeiro?R – Ele foi, mas vinha todo mês, duas vezes por mês. Ele corria aqui para São Paulo, para me ver.P/1 – Ele morava lá e estudava?R – Ele ficou morando lá porque trabalhava na Marinha Mercante e viajava muito. Então... E ele dizia para mamãe: “Precisamos casar por que...” Mas, ele tinha uma teoria de que ia para o Rio ou então para Piquete, perto das irmãs dele. Ou então ia para o Rio que tinha o resto das cunhadas. Ele dizia que quando casasse, sempre ia chamar um irmão, uma irmã, para ficar comigo em casa. Falei ”Mas que é isso! Prisão, não. Você vai viajar, eu venho para São Paulo.” “Nada disso.” “Eu venho para São Paulo para ficar com a mãe.” “Nada disso. É lá até chegar. Quando tiver que vir para São Paulo, a gente vem junto, espera eu chegar.” Foi me aprisionando muito, nunca gostei de prisão. Não queira me fechar num lugar, que você me perde. Aí eu achei que não devia continuar. P/1 – A senhora que terminou?R – Eu termine, nossa, foi uma choradeira.P/1 – Dos dois lados?R – Não, o lado dele, minha mãe, meu... Um tio ficou mais de meses sem falar comigo.P/1 – A família inteira ficou do lado dele?R – Não, porque ele era ótimo mesmo. Um bom rapaz. Depois nós ficamos muito... Ele ficou muito amigo da gente, porque ele gostava muito da mamãe, da minha irmã e ficou muito amigo da gente. Depois de uns dois, três anos, ele casou-se.P/1 – Lá no Rio?R – Casou no Rio, com uma moça de lá, tanto que agora ele aposentou e está em Piquete com a família, levou tudo para lá. Disse “Ah. não.” Eu queria trabalhar, queria fazer meus teatros, eu queria fazer...P/1 – Sua vida?R – Sair minha vida, nunca gostei que namorado nenhum me prendesse. Porque me prender? Eu faço aquilo que quero, meu corpo é meu e ninguém me obriga a fazer nada. Nunca, nem nada. Ninguém me obriga, até hoje. Minha filha diz assim: “Você é terrível mesmo. Oh aquariana danada.” Nunca ninguém me obrigou.P/1 – Depois, dona Nery, a senhora namorou alguém muito sério, depois do Evaldo?R – Depois passou, nada muito sério e aí, muito mais tarde, namorei outro espanhol, mas dizia que não queria nem mãe nem sogra. Eu era...P/1 - ________R – Não é porque depois, nessa ocasião Alice já tinha morrido, e eu era o homem da casa. Tornei-me o homem da casa.P/1 - _______________R – Então, ele sabia que tinha um irmão doente, que precisava da gente, de toda a cooperação e já vem exigindo que não quer... Ele sabia que era oP/1 – O sustentáculo.R – É, então, está muito bem. Não vai trabalhar e não quer ver nem mãe, nem sogra. Tudo bem, então você vai procurar quem você queira e... E aí não quis mais nada sério com ninguém.P/1 – Mas esse não é o pai da Grace, sua filha?R – Não. O pai da Grace foi agora, quase em 60, 60 e poucos, 67...P/1 – Porque o pai da Grace é espanhol também. E esse também era espanhol?R – Também. Eu, só estrangeiro.P/1 – A senhora tinha uma queda por...R - Uma queda por estrangeiro. O único que não era, era o Evaldo, mas, namorava assim, era estrangeiro, até japonês namorei (risos)P/1 – Como a senhora conhecia esses estrangeiros?R – É engraçado, porque você está num ramo, que você conhece, vem, conversa e já “Vamos tomar um chá? Vamos tomar um café?” E sabe, nisso já, gruda no pé, tinha um cantorzinho de rock... Nessa ocasião estava o começo do rock, e tinha um cantorzinho que estava começando com o rock na Record. Ele tinha uma cicatriz aqui assim, era uma gracinha. Pegou no meu pé para namorar... Ah menina. Ia à porta da loja, ia me buscar para almoçar, chegava no restaurante e agarrava. Eu não gosto que esteja muito agarrando, chamava a atenção que estava namorando comigo e eu sempre fui muito livre, sentava e por coisa na minha boca... Eu falei: “Não.”P/1 – Como ele chamava?R – Não lembro.P/1 – Esqueceu.R – Nem lembro, não quis, falei: “Nada disso.” e depois, ainda mais novo do que eu! Dava risada, “mas não parece. Que mais novo o que, quem que vai falar. Você vai falar sua idade?” disse: “Ah, não. Esse cara de moleque e ainda ficar aí agarrando na rua! Ah, não. Que é isso.”P/1 – Da música dele, a senhora gostava?R – Eu não era muito ligada com rock, acho uma coisa muito barulhenta, mas no começo era aquela coisa quente.P/1 – O que a senhora gostava mais?R – Foi muito bolerão, muita música dolente.P/1 – A senhora saía muito para dançar?R – Ah, isso nós íamos, eu e minha irmã, nós íamos dançar. P/1 – Onde era que iam dançar?R - Ela era louca para dançar, dançava muito bem. Então nós íamos dançar nesses clubes que tinha para gente, não podia entrar mulher sozinha, então a gente ia, saia e ficava na porta. Quando entrava um conhecido: “Você vai entrar? Tá sozinho? A gente pode entrar com você? A gente estava...” (risos) P/1 - Não podia? Era proibido?R – Era proibido mulher entrar sozinha, desacompanhada.P/1 – Tinha que ter um homem?R – Tinha que ter um homem do lado. A gente entrava só para ficar lá dentro, depois, a gente dançava à vontade, a gente queria é entrar.P/1 – E dançava o que? Dançava bolero?R – Bolero. Sambão. Aquela coisa, aqueles bolerão gostoso. Aquelas músicas de dor de cotovelo (risos) isso que digo para você, tiveram épocas boas. Então, as épocas boas, superam aquilo que você teve de derrocada, que a não ser essas que marcam, é perda de familiares... Depois disso, o resto tudo é ótimo. A gente soube carregar muito bem.P/1 – Como a senhora conheceu o Alberto, que foi pai da Grace? É Alberto? Ou Roberto.R – Ah, não, Alberto, Roberto é o meu diretor atual, agora. O Alberto foi uma coisa tão engraçada... Eu não sei se nós fomos numa festa e ele estava. Parece que ele era parente dessa casa que nós fomos, se engraçou e ficou um negócio mais sério que eu esperava. Sabe quando você não tem aquela ilusão com determinada pessoa, é esse que gruda, (risos) mas, não é? Aquela pessoa que você não espera... Porque aquele que você está iludida, que é o seu tipo, que você gostou, (tem sempre uma coisinha que você gosta, não?) Agora, aquele que você menos espera, você acha que não diz nada...P/1 A gente começa a...R – É aquele que... A gente sai, vamos fazer um programa de sair, um dia fomos viajar. Levou-me para viajar...P/1 – Para onde vocês foram?R – Nós fomos passar uma tarde em Atibaia. Olha que... Ele estava com o caminhão. “Olha, eu vou para Atibaia. Quer ir?” “Mas você vai voltar hoje?” “Ah. volto.” Minha mãe... Tinha que voltar. Nada de... Esse negócio de sair e dormir fora. Nós saíamos, fazíamos nossos programas de televisão, de qualquer coisa. Dormir, em casa. Fosse à hora que fosse. Dormir, em casa. Então, a gente amanhecia em casa mesmo. P/1 – Ele trabalhava com caminhão?R – Com caminhão, em transporte, fazia viagens e nós fomos. Ainda fui eu, a Nice também foi. Aquele caminhãozão grandão e a Nice foi, nós fomos. Passeamos bastante por Atibaia, muito gostoso e foi daí que começou, a coisa começou a ficar séria.P/1 – Que ano foi?R – Acho que foi em 66, sessenta e pouco, por aí assim. Foi nessa época, a coisa ficou mais séria, já foi para outro caminho, um caminho que você não esperava que fosse e foi aí que aconteceu...P/1 – E aí a senhora ficou grávida?R – Aí fiquei grávida e ele achou que a gente tinha que tomar outra atitude, porque ele era desquitado, mas nunca teve filhos.P/1 – Ah. Ele tinha casado?R – Então, era o primeiro dele e ele fazia questão de legalizar, mas, quando não tem que ser, não é e aconteceu. Só fui lá para pegar as coisas dele, depois, no interior e foi. Foi assim que terminou.P/1 – Vocês ficaram quanto tempo juntos?R – Nós ficamos mais ou menos quatro anos. Foi mais ou menos isso. A Grace estava com dois anos e pouco.P/1 - E aí, ele acompanhou a gravidez da senhora?R – Acompanhou, nossa como acompanhou, saía com ele.P/1 – A senhora morava com sua mãe?R – Sempre morei com minha mãe, mas nós tínhamos o nosso cantinho, onde a gente tinha as nossas coisinhas. Mas eu sempre... Porque tinha muita responsabilidade com minha mãe e com o Jackson. Então a gente não teve essa coisa de separar tudo não. Já sabia que quando nós pudéssemos, íamos fazer a coisa... Acertar tudo direitinho, mas nessas condições, a gente ia arrumar um lugar maior, ou que pudesse estar perto, de um e de outro.P/1 – Também, ele viajava, não é?R – Viajava muito e eu também não podia ficar sozinha porque também trabalhava e a Grace tinha que ficar com alguém, a mãe dela foi a minha mãe. Ela chamava mamãe de mãe. A mãe dela era a minha mãe. P/1 –Que criou ela?R – Que criou, nossa, fez tudo. Minha mãe foi a iniciação de vida da Grace. Foi minha mãe.P/1 – A senhora teve uma gravidez tranquila?R – Foi tranquila. Eu inchei um pouquinho porque tinha um negócio de pressão alta, mas a doutora soube combater isso, fazer eu fazer um regime para emagrecer, que eu inchei.P/1 – Nesse tempo, a senhora trabalhava no comércio?R – Trabalhava no comércio. P/1 – Deu para continuar trabalhando?R – Deu. Trabalhei quase até o fim da gravidez. Quase que dou... Foi uma correria. Foi uma correria que quase que ela nasce no “coiso”. Depois que foram avisar mamãe e que ela levou roupa, tudo direitinho. P/1 – E onde foi o parto?R – Lá no Hospital Presidente, lá perto de casa. Já tinha combinado que ia ficar lá, lá na Vila Formosa e depois que foram avisar mamãe. “Corre que a Nery está no hospital.” Aí que ela passou a mão nas coisas e levou. P/1 – Essa época que bairro que era mesmo?R – Formosa, morava ali na Formosa, 69.P/1 – E aí a senhora foi para lá e sua mãe te acompanhou, R – Ah, sim. Minha mãe me acompanhou e fez tudo. P/1 – Teve a neném e como é que foi?R – Foi ótimo, foi normal (risos) P/1 – Com quantos anos a senhora estava quando teve a Grace?R - A Grace nasceu em 1969. Eu tinha acabado de completar 39 anos, por isso a doutora tomou conta de mim, fez emagrecer, por causa da pressão e por causa da idade também. Mas graças a Deus foi normal, nasceu sadia, só que nasceu muito pequenininha. Miudinha, miudinha, 2 quilos e 700. Muito pequenininha, minha mãe olhava assim para ela e dizia: “Mas que menina feia.” Porque ela tinha uma boca muito grande, como minha irmã, minha irmã tinha um bocão bonito. Tinha uma boca muito grande e ela: “ai que menina feia.” “Ah, mãe, coitadinha.”P/1 – Hoje ela está com 30 não?R – Está com 31, depois ficou tão lindinha. Falei para os médico do SESI que tratou dela, Dr. .Grecci: “A Grace é tão miudinha, tão feinha.” Ele disse: “Deixe, que ela vai ficar bonita. Quanto mais miúda, melhor para desenvolver.” E foi mesmo. Depois ficou tão linda, que minha mãe andava toda orgulhosa com ela no carrinho. Andava com um vidrinho de álcool e algodão debaixo do colchãozinho, que se alguém passasse a mão nela, ela já limpava, passava álcool para não pegar nada. Foi uma criança sadia, graças a Deus, com tudo. Eu tive que emagrecer, coisa assim, mas ela foi muito, muito sadia. Não teve nada, nada, nada. P/1 – E aí sua mãe ajudava muito a senhora a criar.R – Minha mãe não me ajudou, minha mãe fez tudo. Foi o esteio, minha mãe, se fosse agora, sem ela, Deus me livre, jamais. Ela fez tudo, encaminhava, ela levava para escola, ela cuidava da roupa, ela... Era ela. Tanto que quando minha mãe faleceu, Grace já era moça, adulta já. A Grace estava... Ela está com 30, vai fazer 31 agora. Acho que estava com 18 quase. Ou 17, por aí e ela de vez em quando tinha aquelas maninhas de mocinha, de dorzinha aqui quando tem incomodo, fica enjoada. “Ai. Que falta que minha mãe está fazendo para mim. Você não sabe tratar de mim.” (risos)P/1 – Depois que sua mãe faleceu?R – Depois que mamãe faleceu. E até hoje ela fala: “Você não sabe. Você não conhece nada de mim. Era minha avó que conhecia.” De fato não? Dia e noite. Eu perdi o homem que ia me ajudar na minha sustância com ela...P/1 – Isso que queria perguntar: ele teve uma doença, ou foi um acidente?R – Foi acidente, foi acidente, então, eu perdi. Eu já trabalhava. Como eu disse para você, sempre tive responsabilidade nas minhas costas. Era dobrado. Sempre dobrava minhas responsabilidades, como eu ia parar de trabalhar minha mãe que fez tudo. Quando chegou a época de eu por no parquinho, falei : “Vou por. Vou escrever ela no parquinho lá em cima.” Ela disse: “Nada disso. Estou em casa para que? Vou ficar aqui matando mosca?” Não deixou. Foi melhor porque estudou bem com a mamãe...P/1 – Estudou bem sem se locomover.R – Ensinou como... Tudo, tudo ________- Ia buscar. Minha mãe ia para as classes quando era época de... No mês que tinha reunião, era mamãe que ia assistir as reunião porque quem sabia tudo a respeito dela era mamãe.P/1 – Sua mãe não chegou a casar, depois da morte de seu pai, outra vez?R – Não, não. Minha mãe, desde que ela casou, e ela casou menina, tanto que meu avô aumentou a idade dela para ela poder casar. Então casou muito menina. Desde essa época ela já tomava conta de criança, alguém sempre estava na casa para ela tomar conta. Sempre alguma criança, depois que fui ajudar a criar os outros, criar filho deste, filho daquele. Chegava época de férias, as crianças minhas afilhadas... Porque na minha família se usa fazer... A gente... Vai nascendo criança, se batiza, se crisma, tudo no meio da família. Da cada primo meu da minha geração, primos, primas, eu tenho um afilhado. Então, tenho muito afilhado, tenho um primo que me deu dois: um para batizar e outro para crismar. Eu tenho muitos afilhados, então nessa época... Antes iam para casa, depois, quando a Grace nasceu, sumiram. __________ Tudo o que tinha era dividido entre elas, ficava quatro ou cinco crianças coma mamãe de dia, para quando eu chegasse à noite a criançada estava lá. Depois a Grace nasceu e tocou a criançada. (risos)P/1 - Ficou só ela?R – Ficaram enciumadas. Enquanto ela era novinha, era novidade, um nenê. Iam para casa, mas depois a Grace começou a crescer, já tomar conta da... Ser a dona da casa, e aí acabou. As afilharadas não quiseram mais aparecer. Mas foi tão engraçado como sumiram e elas brigam agora. “Ah. Quando você nasceu, eu já conhecia minha madrinha, já era primeira.”(risos) Entre as primas, mas é ótimo. P/1 – Dona Nery, a senhora passeava com sua filha e com a sua mãe, assim nos fins de semana?R – Minha mãe não era muito de sair. Minha mãe era dona de casa. Só dona de casa mesmo. Porque tinha cachorro, tinha passarinho, tinha tartaruga... Tinha os bichinhos dela, as plantas. Nós tínhamos um corredor que era planta de lado a lado. Era até bonito você passar no meio daquele verde. Então, ela achava... “Ah. A gente vai sair e as plantas... porque os bichinhos ficam sem comer, os bichinhos...” Então era difícil de sair, ela ia, mas, era para casa de parentes assim em fim de semana, mas viajar, eu parei. Uma vez que fui com a Grace foi o que te contei, que nós fomos para Santos, de dia. Ela chegou... Para começar chegou em Santos, primeira vez que tinha visto o mar. Tinha quatro anos, primeira vez, então nós descemos, estou lá arrumando as coisas e daqui a pouco, ela olha o mar, uma imensidão daquela.. Ela tem que ser de peixes mesmo, porque o que ela gosta de água...P/1 – Ela é de fevereiro?R – Ela é, mas já é pisciana. O que ela gosta de água. Quando ela viu aquela imensidão de água... Toda criança acho que se retrai um pouquinho. P/1 – MedoR – Acho que tem, na minha concepção. Acho que a pessoa tem um pouco, mas ela não. Saiu gritando para praia, disparada: “Ai, o mar é meu. O mar é meu.” Foi um desespero. Eu dizia: “Carmen do céu, agarra ela que ela vai embora para água.” E eu cheia de sacola, tinha acabado de descer do ônibus e nós fomos aproveitando a praia para ir ao apartamento dessa minha amiga. Quando ela olhou a água, ficou doida. Ia para água, não queria sair. Tanto que punha na água, ela não queria sair e precisava ficar eu no sol, de costas para o sol para fazer sombra para ela dentro da água. Que ela não queria sair. Fiquei em carne viva. De tanto que ela não queria sair da água, mas, depois, enquanto estava a Carmen, o marido, e a gente saia para jantar, passear na praia, à noite aquelas sorveteria, restaurante, estava tudo muito bem. Quando chegava a noite, que ela ia dormir, estava apagando as luzes para tudo dormir, e ela a fazer manha... “Eu quero a minha mãe. Eu quero ir embora, A minha mãe tá querendo eu.” Não era ela que quer a mãe dela. A mãe é que quer ela. (risos) “A minha mãe está chorando, a minha mãe quer eu.” Mas era um custo para fazê-la dormir, por causa da mãe dela, por causa da minha mãe.P/1 – Estava sem a avó?R – Estava sem a avó e a avó que é a mãe dela. Então o marido da minha amiga dizia assim: “Mas a sua mãe está aí.” “Não ela é a Nery. Eu quero a minha mãe.” Eu era a Nery. P/1 – A mãe era a avó.R – A mãe era a avó. P/1 – Ela chamava de mãe a sua mãe?R – De mãe e todo mundo dizia: “Mas você deixa?” “Ah, é ela que cria, vou dizer o que? Lá em casa todo mudo chama mãe, mãe, mãe.” Mãe é ela também, é propensa a chamar de mãe também, não tinha esse negócio. Mamãe não tinha netos, era a mais velha e não tinha netos ainda. Ela foi a primeira. Imagine se minha mãe ia deixar a neta dela... Ela não deixava filho dos outros, ela tomava conta que nem dona, imagine, a neta dela primeira, se ela ia deixar os outros tomar conta. Ir para escolinha... De jeito nenhum, ela não ia deixar.P/1 - Vocês devem ter sofrido quando sua mãe faleceu. R – Nossa para nós foi terrível, foi mesmo e eu fiquei com medo de... Engraçado que fiquei preocupada com ela, porque estava muito com minha mãe, e ela ficou preocupada comigo. Era mútuo, então nós nos apegamos uma à outra que era para proteger. Ela queria me proteger e eu a ela de medo que ela fosse ressentir muito a morte da minha mãe. Mas quando ela, qualquer coisa que ela tinha manha, falava: “Só minha avó. Só ela para cuidar de mim. Você não sabe cuidar de mim.”P/1 – Ela estava com 18 anos?R - Já estava grandona, adulta já. P/1 – E aí, ficaram morando vocês duas?R – Nós duas, depois o Alexandre, filho do Jackson veio, ficou um pedaço comigo outra vez, mas ai já começou a me dar trabalho. Eu não estou em casa, não estava em casa o dia inteiro. Para deixar ele sozinho, eu não sabia quem é que ele ia trazia dentro de casa. Com minha filha...P/1 – A senhora estava no serviço?R – Eu estava no serviço e tinha muito medo. Esse negócio... Ele tinha amizade com um menino do apartamento de baixo da gente, e o menino era meio danadinho, metido a fumar coisa assim.P/1 – Droga? Mexia com droga?R – É, a gente saia na área de serviço e via ele fumando cigarrinho ali. Quando ele via que eu estava olhando ele fechava a cortina e disparava para dentro. Então eu tinha muito medo e você sabe que rapaz que está assim, não sabe o que faz. Vou deixar aqui em casa, sozinho, entrar aqui? Não. Começou a dar trabalho, não obedecia, achava que era que era homem... “Então meu filho, pode pegar o caminho. Vá lá com sua mãe.” Aí um amigo no SESI me aconselhou: “Olha, deixa ele ir embora. Você fica aí preocupada... A sua preocupação tem que ser sua filha. A sua missão você já fez. Enquanto ele precisou, pequenininho, vocês tomaram conta dele. Agora, deixe que vá com a mãe. Ela que tem que se preocupar agora.”P/1 – A Grace já trabalhava?R – A Grace já trabalhava também. P/1 – E onde ela trabalhava? R – Ela começou a trabalhar na FIESP, quando ela fez o teste, no SESI não podia, porque eu já estava. Então aí, um amigo nosso do SESI passou a inscrição dela para FIESP e quando ela acabou de completar, ela não tinha ainda feito 18, eles chamaram. Quando estava para completar 18 anos eles chamaram e ela trabalhou cinco anos na FIESP, quando eu me aposentei ela também saiu. P/1 – Ela foi fazer o que?R – Ela foi para o Centro Cultural Itaú na Paulista. Instituto Cultural. P/1 – E ela trabalha com que área?R – Nas Relações Públicas.P/1 – A senhora tinha dito que ela se formou para professora?R – Se formou, o que ela queria fazer logo de começo, quando ela terminou a oitava série, ela queria fazer jornalismo e na escola que tinha perto de casa, no Tatuapé, quando ela foi ver, não tinha mais vaga de dia. Minha mãe não deixava sair à noite, estudar à noite, de jeito nenhum. Porque chegava de noite, não tinha uma pessoa para ir buscar, levar, buscar, trazer, altas horas da noite. Mãe não deixava. De noite você não vai, estudar à noite não adianta que você não vai. Ela ia perder aquele ano.” Então eu não vou estudar esse ano.” ”Vai.” Então vai fazer Magistério. Aí ela entrou no Saldanha Marinho e foi fazer Magistério, e completou. No dia da formatura dela ela chegou, recebeu o canudo e aí virou e disse: “Isso é seu.” P/1 – Deu o diploma para você?R – Deu o canudo para mim, que era meu, disse que era meu porque quis que ela fizesse. Eu não quis que ela perdesse o ano, depois que estava mesmo, continuasse e foi isto que ajudou ela para fazer depois também, a Faculdade de Relações Públicas. P/1 – Onde ela fez Dona Nery?R – Ela fez na Paulista, ali no... Na Gazeta, em cima da Gazeta.P/1 – Casper Líbero?R – Isso, Casper Líbero, ela fez ali. O ramo dá sempre para Paulista, o negócio dela é na Paulista. P/1 – FIESP, Instituto Cultural...R – Tudo ali.P/1 – Ela está feliz no Instituto onde ela trabalha?R – Tá, tá. Bem graças a Deus e aí já vai para sete anos que ela está lá na cultural.P/1 – No Itaú?R – É. P/2 – Quando a senhora entrou no SESI, à senhora tinha saído do comércio...R – Tinha saído do comércio. Eu estava no comércio quando recebi a chamada, que fui, fiz o teste e demoraram um mês para me chamar. P/1 – Que era que a senhora fazia?R - No SESI? Eu entrei na SAB, abastecimento, porque já estava cansada de lidar com o público. Eu trabalhava de salto, roupa justa, toda emperiquitada, engomada, estava cheia de vestir mulher, apertar roupa aqui e dizer que está bonita. (risos) Sorriso aqui. Fizesse o que quisesse, não gostasse você estava com sorriso aqui, não aguento mais. Às vezes entrava freguesa e eu dizia: “Fulana”. Chamava uma moça e mandava atender. Já não aguentava mais fazer isso, aumentar a roupa... Quantas vezes... “Eu vou para fábrica, vou mandar vir outra para você. Você esse mesmo número? Essa mesma cor? Eu vou mandar vir um maior.” Freguesa saia, eu ia lá em cima, na mesa de passar roupa da costureira, esticava bem, umedecia um pano, punha em cima daquela coisa, esticava bem, prendia com uns alfinetinhos assim na mesa. Era assim que a gente fazia. Principalmente a roupa que era a última que não tinha mais nem na fábrica, não tinha como mandar vir. Então a gente esticava direitinho, deixava um dia e meio lá ou dois dias ou a noite inteira, e no dia seguinte já estava... “Pode vir que já está...” O vestido já estava bom porque não lavou. (risos) O vestido estava bonitinho, então, levava. P/1 - Porque depois que lavasse... (risos) O importante era que vendia, não?R – Mas era, isso tudo é tática do comércio. A gente fazia e já estava cansada disso. Oh! Meu Deus do Céu. Estou cansada de lidar com... Estou cansada de... E atende vendedor, e vai pras fábrica ver mercadoria... Então já estava cansada, esgotada disso. Quando vou para o SESI, quando vejo o SESI o que é? Lidar com o público novamente, eu falei: “É o meu destino mesmo.” Uma vida inteira lidando com o público. P/1 - E o que era? Abastecimento?R – Abastecimento. Eram os armazéns do SESI. Então, foi ali que encerrei minha carreira. P/1 - Lidando com o público.R – Lidando com o público. P/1 – Era a sina da senhora. R – Mas era por isso que digo, sei que era minha sina, mas que triste sina. (risos) P/1 – Não, que bonito, no teatro, no comércio...R – Você acredita, trabalhando de pé, todos esses anos, comércio, 18 anos de loja, trabalharem de pé com o público. Vai para o SESI, trabalha de pé, com público e você que atendia, atendia vendedor. Tinha minha seção que eram frios, que era geladeira, essas coisas. Tudo que era... Pertencia ao Box. Então era a minha seção, uma seção que não dá tempo de você sentar. Não tem como sentar, é trabalhar de pé mesmo e atende um, atende outro... Constantemente.P/1 – Mas no SESI não tinha que ir emperiquitada?R – Não, no SESI nós tínhamos guarda pó. Nós tínhamos o guarda pó que o SESI fornecia todos azuis, a gente no calor tirava tudo e enfiava só o guarda pó. Estava gostoso.P/1 – Já melhorou.R – Já melhorou nesse ponto, é lógico. Aí, quer dizer, não era eu que tomava conta de coisas de horário, era obrigado nós fazermos duas horas de almoço... Quer dizer, você descansava, dava uma cochiladinha,... Mas a gente jogava muito baralho, que a gente era louco por jogo, a gente não ia dormir, não, a gente ia jogar. P/1 – Na hora do almoço?R – Na hora do almoço, duas horas, você almoçava depressa. Você almoça em 15 ou 20 minutos e a turma sentava numa mesa e era uma jogatina tremenda. P/1 – Tinha um restaurante? R – Não, Um salão lá. Que fechava as lojas, Fechava ao meio dia e abria as duas. Nós tínhamos duas horas para gente. Se você tinha que sair, dava para você ir no banco, fazer o que você tinha que fazer. P/1 – E vocês iam jogar?R – Então, a gente não saia e ia jogar. Um jogava dominó, outro jogava baralho, Eu sou louca por um baralho, pior que homem. P/1 – Que jogo, dona Nery, a senhora jogava?R – Eu jogo scopa, eu jogo pif paf, eu jogo o que der e vier. ( risos) Falou em jogo, é comigo mesmo. Quando não ia para o lado do dominó, você sabe que fui aqui para o lado do Ibirapuera, fez um concerto de atividades da terceira idade. Tinha jogos, ganhei o segundo lugar no dominó. P/1 – Olha, no campeonato?R – No campeonato. P/1 – Que legal, tinha prêmio?R – Tinha lá uma coisinha de prêmio, coisa assim e eu ganhei filha. Só perdi por uma pedra, por causa do meu parceiro. (risos) Filho da mãe, jogou a pedra errada e nós perdemos. Ficamos em segundo lugar, mas foi gostoso por você participar de uma atividade. Isso agora quando nós sentávamos aqui no Mariama(?). Porque era jogatina.P/1 - Essas atividades da terceira idade, a senhor começou depois que se aposentou?R – Ah. sim, depois que eu aposentei.P/1 – Quando foi ______no SESI.R – Olha foi na mesma época que eu... Porque quando aposentei, o primeiro mês, dois, você acha uma delícia, porque você não tem responsabilidade, sair correndo, pegar condução, marcar ponto, o chefe vê que você chegou atrasada, o fiscal está lá esperando para ver se você bateu o ponto antes ou depois, e tudo aquilo. Então, você está descansada de tudo aquilo. Agora você faz isso 30 anos. Depois para você é uma delícia. O primeiro mês, dois, é uma maravilha, que delícia. Uma sensação gostosa, mas depois, você começa... Você arrumou a casa, está arrumada. Eu e ela. Não tem o que fazer, roupa, não tem o que fazer. Fez aquilo que tinha que fazer. Menina, foi me dando, foi me dando uma nostalgia, comecei a trocar dia pela noite. Trocava. Dormia de dia e de noite passava a noite inteira assistindo televisão. Começou a me dar uma apatia, uma coisa. Tive uma depressão brava, depressão bravíssima, fui parar no hospital. 15 dias internada e tratamento, tratamento e tratamento. Pressão sobe e pressão desce e aquela coisa. P/1 – Em que hospital a senhora esteve?R – Esses 15 dias fiquei no Nossa Senhora da Lapa, convênio nosso que o SESI tinha. Fiquei 15 dias, aí o médico: “Essa tia aqui, não tem nada. “P/1 – Ela precisa de público. (risos) R – Ele me chamou: “Olha aqui tia, você vai embora.” Eu disse: “Eu também quero ir.” “Então você vai embora, você vai viajar, você vai passear...” Aí a Grace chegou para me ver e ele disse: “Olha aqui, deixa a mãe livre, viu. Ela vai precisar viajar, passear, fazer tudo o que ela quiser agora. Que ela que é movimento. Isso foi depressão que ela teve. “ Ai, cheguei, ela querendo me agradar para eu não ficar doente outra vez, coitadinha, tão preocupada que ela ficou, e nós fomos assistir uma peça de teatro lá na Liberdade, lá no Centro Cultural. Estava lá um cartaz que ia começar a inscrição para a terceira idade. Professor; Roberto Marcondes. P/1 – Para o grupo da Terceira Idade?R – Para o grupo da Terceira Idade.P/1 No Centro Cultural São Paulo?R – É, lá na Liberdade.P/2 – Não é na Liberdade não, é na Vergueiro.R – Ali é Vergueiro, é o término da Liberdade. O fato é que é uma coisa só, Av. Liberdade... P/1 – Me baseio pelo metrô.R – Ah, bom, se baseia, é ali. Então, eu fui. “Oi mãe, isso aqui que você gosta.” a gente ficou vendo os cartazes e ela falou: “Oi mãe é isso aqui que você gosta.” Eu já tinha feito e ela sabia que era minha área também. “É isso aqui que você gosta.” No dia seguinte, na segunda feira eu fui lá, fui a quarta pessoa da terceira idade a fazer a inscrição. P/1 – Como é que foi, a senhora chegou....R – Não. Tinha gente lá do Centro Cultural recebendo as inscrições e eu fiz a inscrição, já marcaram os ensaios quando aquele grupo de pessoas já era suficiente para ele começar a dar aula e eu fui. Comecei e não parei mais. P/1 – Era o que? Teatro...R –Não, já começou a ensaiar. Primeiro ele faz oficina com a gente, é ensinar mímica, expressão como mexer, como andar, como se portar no...P/1 – Como respirar? Tudo isso?R - Uma escolinha. “Por quê? Isso já sei.”(risos) Nós começamos a fazer, a ensaiar. Logo depois ele já trouxe a peça para gente ensaiar. “Perigo, mulheres.” Essa que está ai no SESI. P/1 – Conta um pouquinho para gente só para ficar registrado.R – Foi uma comédia gostosa.P/1 – Uma comédia?R – É, uma comédia, acho que tinha 22 atores. Deve ter aí na coisa, deve ter os 22 porque no começo era chamado os 22 atores. Então, era uma comédia, uma agência de casamento. Tinha a dona da agência, a secretária, uma coisa assim, e depois o povo que queria arrumar um casamento. Depois que todo mundo entra no palco, ele fez as donas da casa, já abria a cortina, já estava em cena. Aí o povo que vinha para a agência, entrava pelo meio do público, lá de cima, a gente ficava fechada na sala de som dele e quando abria o espetáculo ia descendo a turma que vinha para agência. Elas recebiam cada uma que chegava. Daqui a pouco, depois que desceu todas, vem eu atrás, eu sou uma velha, muito velha, muito escachada, muito danada e vem gritando. Quer dizer, você entra no teatro, todo mundo prestando atenção e entra uma louca gritando! Vira todo mundo e eu gritando: “Ah. Quem que passou na minha frente? Sou eu que quero casar e essa mulherada assanhada vem na minha frente.” e entro no palco. Entro, sento logo na frente (veja aí para você ver). Aí eu dou uma cochilada, acendo um charuto deste tamanho assim, arrumei um isqueiro que a chama faz assim. Fica desse tamanho. Acendo e aquele bruta fogo na cara da vizinha aqui, sou muito descompostura, muito despudorada e muito despachada. Então mexe com todo mundo, quer passar na frente de todo mundo, quer fazer ______ e aí vai se desenrolando. P/1 – E aí a senhora queria arrumar um marido?R – Depois que todo mundo passou pela agência, aí entro. Elas falam: “Acabou pessoal.” “Que acabou, oi eu aqui. Eu quero meu marido, quero arrumar um marido.” Eu queria arrumar um marido, fui no INPS e o INPS mandou eu para lá. A turma:” Mas que marido a senhora quer?” “Eu quero um marido.” O resto depois, se você quiser ver a peça... (risos)P/1 – E onde foi que foi a peça?R – Essa foi a nossa primeira apresentação lá no Centro Cultural. Nós ficamos um mês e 15 dias lá fazendo essa peça. Todo sábado e domingo lotávamos a casa. P/1 – É mesmo?R – Todo sábado e domingo. Só fim de semana.P/1 – À tarde ou...R – À tarde. Porque a pessoa de idade gosta da tarde. À noite...P/1 – O público era mais da terceira idade também?R - O público também. É direcionado a eles. Então, vão mais à tarde. E lá, como tem muito estudante, que sai de escolas por ali, enchia, lotava de moçada, gente que estava por ali, por esporte. Lotava. Tinha... Sentavam no chão! Sabiam que era uma comédia boa e lotava. Nós ficamos um mês e 15 dias Foi ótima a nossa estadia lá. Foi uma experiência... Para começar, depois de tantos anos, foi uma experiência muito boa.P/1 – Como é que foi entrar no palco de novo, depois de tantos anos? Como foi a emoção?R – A gente se sente tão gratificada, parece que a gente nunca afastou. É a impressão, que a gente nunca afastou.P/1 – Não deu um friozinho na barriga?R – Não. Nervoso dá, porque todo dia que você vai entrar em cena, você está nervosa. Todo dia é um novo dia. Todo dia é uma experiência. Porque você não sabe as reações.P/1 – Nunca é igual?R – Nunca é igual. A gente não sabe a reação do público, se vai gostar se não vai. Uma ocasião nós entramos e falamos: “Ai meu Deus.” Estava ameaçando um temporal e nós falamos: “Ih. Hoje não vamos ter.” Caiu numa... Não sei porque que pediram para gente fazer numa terça feira. “Terça feira, com chuva. Não vamos ter espectador nenhum. ”Tinha cinco pessoas e você lá, olhando pelo buraquinho, contando as pessoas. Cinco pessoas. Eu acho que a chuva ia apertar mesmo e todo mundo quis se esconder. Menina..P/1 – Lotou?R – Não tinha lugar para ninguém. Olha que as salas do Centro tem bastante cadeiras. Todas as salas de lá são muitas, tem muitas cadeiras, lotou. Gente sentada nas escadas e no chão. Foi ótimo. Olha, trabalhamos tão gratificadas. A gente trabalha com gosto porque você tem gente de todo jeito. Gente que entende, que não entende. O outro riu, você também ri... Você aplaude, outro também aplaudiu. P/1 – Tinha só mulheres, dona Nery?R – No grupo?P/1 – É.R - Não. Tinha dois homens e um era o galã. Era o único homem para toda aquela mulherada. Você imagina a foliada que fizeram com esse homem no palco. (risos) P/1 – A disputa.R – A disputa e ele até assusta quando essa velha aqui começa a agarrar ele, fazer cosquinha, mexer, apalpar ele para ver se ele é homem mesmo. (risos). Então nós gostávamos muito, queríamos muito que o Roberto repetisse essa... Nós tínhamos certeza do sucesso dela, mas ele gosta de enterrar. Depois que ele enterrou diz: “Essa está enterrada.” P/1 – Depois vocês começaram...R – Aí já... Aí começamos. Aí fiz várias. O Arlequim e seus dois Amos, fizemos Yerma, A Casa de Bernarda Alba, fizemos... Qual a outra que nós fizemos? Fizemos Capital Federal.P/1 – Tudo no Centro Cultural?R – Não. Aí o Roberto já começou a expandir para várias casas. Fizemos aqui no SESC Pompéia, em Bibliotecas, como eu já tinha te dito. Fizemos várias vezes em várias Bibliotecas. Nós tínhamos um contrato com a Biblioteca Monteiro Lobato, de toda quinta feira apresentar a peça e sempre lota. Lá, o auditório não é grande, mas é aconchegante.P/1 – Ali perto da Consolação?R – É, então, porque ele lota, ele fica aconchegante. Não é aquela coisa que você tem que... Mas... Cacilda Becker, Teatro Cacilda Becker, Mário de Andrade...P/1 – A senhora chegou, na época do TBC a ter algum contato com a Cacilda?R – Cacilda, Tônia Carrero e outras da época dela. Maria... Como é essa menina que fez teatro aqui na 14bis? Maria della Costa. Toda essa turma. Ainda mais no TBC que a gente tinha entrada de... Livre.P/1 – Podiam entrar e sair.R – A gente ia. Eu assisti muita peça ali. Anselmo Duarte. Eu queria te falar que Alice fez o “Veneno” com Anselmo DuarteP/1 – A sua irmã, não?R – Isso, ele era lindo. Como esse homem foi bonito não? Nossa Senhora. Ele era a tesão das mulheres. Nossa, ele saia do teatro, saia na rua assim, ele ia descendo a Major Diogo, você tinha que ver a mulherada como ficava ouriçada. Nossa. Ele era muito bonito.P/1 – Vinham pedir autógrafo?R – A turma chegava perto dele porque ele era lindão demais. Eu o vi ultimamente, como ele ficou feio. Falei: “Deus me livre. Como a gente fica bagaço.’ (risos) Eu disse: “Se eu soubesse que ia ficar velha assim, feia desse jeito, eu tinha aproveitado mais. Economizei tanto.”(risos) a gente não espera que vai ficar... P/1 - __________ dona Nery. Está inteirona ainda. R – A Silvia Popovich falou: “É, já pode arrumar namorado ainda.”P/1 – A senhora foi no programa da Silvia Popovich?R – Fui, pera aí, deixa voltar aqui. Nessa inscrição que nós fizemos no Centro Cultural, tinha uma amiga que frequentava esse grupo Mariama. Logo no começo do Mariama também e disse: “Oi Nery você vai para casa?” “Vou, vou para casa.” “Ah, vamos comigo lá no grupo Mariama?” Eu disse: “O que é?” “Ah. é uma... Você vai gostar.” Eu fui e olha, não parei mais até hoje. Quer dizer, foi quase a mesma época do teatro com o Roberto, 1972, quando eu saí. Depois começaram já a abrir diretoria, fazer um clube com diretoria, arrumar coisas. Eu já entrei para diretoria também e estou até hoje. Cada ano que troca de coisa são os mesmos membros só que trocamos de área que é para não ficar a mesma coisa por causa da inscrição. P/1 – Quantas atividades vocês fazem nesse Mariama? Quais as atividades?R – Olha, nós temos viagens, nós temos passeios, entendeu. Nós temos o coral. Faço coral, nós cantamos em vários lugares. Agora nós vamos ter uma apresentação no Metrô. Chamou a gente para fazer ao meio dia.P/1 – Quando?R – No Metrô acho que vai ser dia 4 de dezembro.P/1 – Que Metrô que é?R – Aqui da República parece que vai ser dia 4 ao meio dia. A hora que o Metrô está com aquele movimento. Nós já fizemos uma experiência com o Metrô e foi muito boa. P/1 – O que vocês vão cantar? Qual o repertório?R – Tem várias, várias. A gente não pode expandir muito, por causa do horário e do tempo que nós temos. Mas são músicas boas, de Caetano...P/1 – Populares?R – É, populares, Caetano, Caymi...P/1 – Ah, que bonito. R – Muita coisa boa tem muita coisa boa e a gente está cantando direitinho. Agora, na semana que passou, 15 dias atrás, nós fomos a uma festinha, na inauguração de um jornalzinho. Então, nós estávamos cantando, a gente fez a nossa turminha num cantinho e a gente cantando... A turma da festa comendo, bebendo e a gente lá num canto, cantando. Aí então, um senhor olhou bem... Depois, quando nós fomos despedir, ele chamou a gente e disse: “Eu vou ver se eu consigo gravar um CD com vocês.” (risos)P/1 – Legal.R – Então, tudo isso é gostoso.P/1 - É reconhecimento.R - É reconhecimento do que a gente está fazendo. Nós vamos e já marcamos para Igreja, nós vamos onde for. Nós participamos todo ano desse concurso que o Memorial faz, do cantor da idade. Não sei se você já viu ou ouviu falar? Ele faz o festival de cantores da idade e todo ano nós vamos, participamos. Nós temos taças de participação, tudo isso é muito, a gente está aí. O que convida, chamou a gente, precisou da gente, a gente vai. Qualquer coisa.P/1 – Dona Nery, como é que foi o contato com os colegas, os diretores. Essa ida da senhora para o grupo de terceira idade e o contato com os colegas? Como é que foi esse entrosamento na terceira idade?R –Na terceira idade? Filha, você sabe, quando você vai para um grupo assim, um dia você vai fazer uma visita, você vai sentir. Faz uma palestra, qualquer coisa que você queira, ou conversar com um idoso, você vai se adaptar muito bem. Sabe como é. Todas estão ali para procurar um motivo. Uma motivação para sua... para o seu...desassossego em casa. Então, são aquelas horas que passa tomando um cafezinho, conversando com a outra, brincando, cantando, fazendo gincana... Antes tem o coral, o nosso coral de umas 25 pessoas. Então, você faz o seu coral e a gente vai para outra sala fazer as reuniões, fazer as gincanas, a gente conversa, se cumprimenta o aniversariante do mês, faz festinha para o aniversariante do mês, fazemos recreação. Vamos supor que... Agora nós temos viagem. Nós vamos fazer primeiro a nossa festa de confraternização que vai ser dia 10 de dezembro, então nós vamos viajar. Nós vamos fazer fora. Você vai trocar presentes, fazer o nosso Natal. Todo ano a gente faz aqui, mas é pouco trabalho, porque cada um traz um assado, levo aquele pernil desse tamanho, outro leva não sei o que e faz uma mesa ... Eu tinha foto, tenho muita foto para carregar. Muito peso. Olha, tem matéria para muita coisa, todas estão procurando alguma coisa, você conversa, você se distrai, uma conta uma coisa, conta pedaço de sua vida, uma conta com viveu isso, como fez aquilo, o filho que deu trabalho, o neto que ... O filho que quer só... Então, cada um tem uma história e a gente se adapta a todos. Às vezes você está lá só para ouvir também, você ouve uma história triste, um consolo para aquela que precisa, aquele que está doente, não compareceu porque está doente. Você arruma uma equipe e vai fazer uma visita. Vê o que está necessitado, a gente faz uma vaquinha. Cada um dá uma coisa, cada um procura fazer alguma coisa, e leva mantimento, ou supre um pouquinho a casa da pessoa. Porque, sabe, nessa idade, cada um recebe um coisico desse tamanho. Às vezes a pessoa mora sozinha, passa necessidade, então ela vem..P/1 – Passa solidariedade.R – Isso. Conversa com a gente e então a gente procura animar, procura saber a fundo. Família, se tem, se não tem, para ver onde é que você vai fazer a coisa. A gente procura fazer isso.P/1 – Legal e a rotina de vocês, quantas vezes.R – Toda quarta, infelizmente nós temos pouco. Uma vez por semana, porque elas procuram tudo quanto é grupo. Uma vai a três ou quatro grupos por semana, tem aquele dia certo. Ela deixa aquele dia, quarta feira, que é o nosso. Terça feira tem o outro grupo lá que ela vai. Na quinta tem o outro que ela vai. Anda muito. E quase todas são assim. Eu não faço isso porque eu não tenho tempo. Eu tenho quarta e tenho dois dias de ensaio quando o Roberto inventa de fazer mais outro ensaio, perde muito tempo então é muito corrido e a semana é curta.P/1 – Onde é que vocês se encontram nas quartas feiras?R – Nas quartas feiras é aí na Antonio de Godoi, no 122, no 12º andar. Apareça, vai um dia lá. Telefona para gente.P/1 – Eu vou.R – Vai conhecer o pessoal. Querendo entrevistar alguém, você vai ter muita coisa que ouvir. P/1 - Conta um pouco como foi à história do grupo de teatro Artefatos.R –Artefactos é o que eu disse. Eu fiz a inscrição no... Roberto começou a nos dar aula, a fazer a nossa preparação.P/2 – A senhora falou que a primeira peça foi aquela do “Perigo! Mulheres.” É o mesmo grupo que permanece até hoje?R – Até hoje. P/2 – Com as 22 pessoas?R – Sim. Umas saíram, entraram outras, coisa assim. Infelizmente a gente perde alguém. Tinha uma moça, que está aí, numa das foto, muito bonita, fazia um tipo de uma cigana em Perigo. Mas ela chamava atenção, era mais nova, podia até não ser de idade, mas tinha aquela... Sabe quando a mulher é charmosa. Ela era assim, muito charmosa, bonita, e o Roberto deu para ela uma cigana que vendia tralhas, mas ficou linda de morrer. Ela faleceu, infelizmente, faz acho que três anos. Ela teve câncer na garganta. Então a gente perdeu, perdeu gente. Outras entraram, outras saíram, mas eu, como a maioria está. Têm várias que estão que ainda permanecem que posso citar os nomes. P/1 – Agora vocês estão ensaiando...R – Agora nós estamos ensaiando A Pena e a Lei. Nós enterramos, acabamos de enterrar a Capital Federal. Foi ótima e agora estamos ensaiando o primeiro grupo. O nosso grupo, ele divide. Como são 22, às vezes os elementos da peça é menos. Então ele faz dois grupos.P/1 – Duas peças?R - A mesma peça com dois grupos, que se você ficar doente, outra pode te substituir. A deste grupo de cá pode substituir. Porque nós já tivemos problema com falta de elemento ou por alguém que precisa de um dia para o outro decorar aquele papel e é difícil.P/1 – Então é até bom ter dois grupos?R – Então, ele achou por bem fazer isso. Fazer no nosso grupo, no primeiro grupo, fazer dois...P/1 – Dois grupos com a mesma peça. R – Com a mesma peça, ele fez isso com a Capital, deu certo. Ele fez isso com A Casa de Bernarda Alba, deu certo.P/1 – Foi uma boa idéia.R – Foi, o único que não teve assim dois coisos foi a Yerma. A Yerma foi ótima. Menina, que peça boa. Muito boa. P/1 – E aí, esse teatro Artefatos, ele saiu então do grupo da terceira idade?R – Do grupo da terceira idade, porque ele só trabalha... Roberto só trabalha com a terceira idade. P/1 – É o mesmo diretor do teatro...R – É tudo ele, ele é o diretor, o professor, é tudo. Ele é o nosso mentor. Nós só o temos e o que precisar fazer é entre nós. Roupa, se precisar, quem sabe fazer faz, senão arruma uma costureira, mas tudo entre nós. P/1 – O primeiro trabalho dele, do diretor, também foi com esse grupo, com que ele está até hoje?R – Não. Ele já tinha, antes de nós, de nosso grupo, ele já tinha quatro peças lançadas, feitas já e tinha pessoas do anterior, do outro grupo já com ele, que veio para este grupo, principalmente a Eunice de Paula, que está aí. Acho que daquele tempo a Eunice de Paula, Mercedes. Tem mais duas ou três que eram da primeira época dele. Só. P/1 – Há quanto atempo vocês estão juntos?R – 92.P/1 – No Artefatos?R – No Artefatos.P/1 – E em que ano a senhora foi para o grupo da terceira idade?R – Também, foi na mesma época, a mesma moça. Uma moça que trabalhava com a Eunice de Paula que se tornou uma amiga minha, uma irmã.P/1 – Dona Nery, a gente vai encaminhar para o final e eu queria fazer mais duas perguntinhas. Eu queria que a senhora dissesse se tem alguma coisa na sua vida que você mudaria? Que faria diferente?R – Diferente, só se eu voltasse 30 anos atrás. Aí sim. Queria ter mais filhos. De resto está tudo em ordem, está tudo bom.P/1 – E a senhora tem algum sonho que a senhora deseja muito realizar?R – Sonho, não sei se é sonho, quero ver minha filha bem casada.P/1 – Porque ela não se casou?R – Não, ainda não. Quero ver minha filha bem casada para poder morrer descansada. Eu acho que esse é o meu maior sonho, vendo ela bem sei que posso ir sossegada. P/1 – A senhora quer um netinho também?R – Se Deus, lá em cima achar que mereço, é claro que eu quero (risos).P/1 para P/2 - Você gostaria de fazer mais alguma pergunta? Eu gostaria. Desse período de trabalho de todas as atividades que a senhora tem, o que mais marcou, que mais ficou assim presente na memória da senhora? R – De arte? Da vida pregressa? De tudo? Qualquer coisa? Ai meu Deus, oram tantas coisas que a gente lembra e que foram boas. Queria que a minha irmã estivesse comigo. Foi um período maravilhoso. Ela era minha... Como era só nós duas que a gente saía. Não tínhamos amigas, eramos só nós duas, éramos irmãs, amigas, companheiras, confidentes. Queria que ela estivesse aqui, que ela pudesse desfrutar de tudo isso comigo.P/1 – Dona Nery, queria saber o que a senhora achou de ter dado esse depoimento para o Museu da Pessoa?R – Eu adorei. Gostaria de ter trazido mais coisas para vocês, principalmente da companhia de vocês, muito agradável. Gostaria que vocês comparecessem no grupo para dar uma olhadinha, ver o que vocês acham, são pessoas diferentes, é bom, elas vão gostar também.P/1 – Quero fazer parte de seu públicoR – Ah, que ótimo, se Deus quiser. Quando começar a peça, não vou esquecer de vocês, é com muito prazer. Para ver se a gente está bem mesmo. Porque no começo da peça, você ainda começa meio nervosa, meio agitada, você não sabe se vai estar bem, se vai dar certo. Então você entra meio agitada. No meio da peça assim...P/1 – Vai relaxando.R – Aí, quando está no meio da temporada, a gente se solta e você já entra como para um ensaio. Eu sempre digo para o Roberto, no término da peça: “Agora que está boa você vai terminar?” (risos) Que aí você entra com confiança. Você sabe que... Não dá aquele branco. E quando dá branco? Porque as vezes dá um branco. Dá .Dá dor de barriga, dá tudo. Mas aquele branco, ele é maldoso com a gente.P/1 – E como dá o branco?R – Quando dá o branco, um olha para o outro e joga qualquer coisa. A gente sabe que está jogando qualquer coisa. Você dá aquela virada, para depois você entrar na reta. Mas dá e não é só comigo com o pessoal todo. A gente já está numa idade meio de avançada, e você não tem aquela segurança. Quando você entra, aquilo é seu, mas agora a gente fica mais retraída, a idéia, a cabeça pensa menor. Já não guarda com tanta facilidade. Tudo isso, mas o resto, a gente sabe ainda segurar. P/1 – A senhora está bem ativa ainda. Bom Dona Nery, eu queria agradecer sua presença, agradecer seu depoimento que foi super bonito e foi um prazer ter passado a manhã aqui, com a senhora.R - Muito obrigada. P/1 – Muito obrigada a senhora. R – Espero que... Só vou esperar vocês em casa agora, lá no grupo. Se Deus quiser. (risos)
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