P1- Então eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento
R- É, eu me chamo Carlos Humberto Mendes Biaggiolli, com dois “g” e isso é importante deixar claro, porque existe toda uma história da minha família em cima desses dois “g”. Eu nasc...Continuar leitura
P1- Então eu queria que você começasse falando o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento
R- É, eu me chamo Carlos Humberto Mendes Biaggiolli, com dois “g” e isso é importante deixar claro, porque existe toda uma história da minha família em cima desses dois “g”. Eu nasci no dia 25 de junho de 1964, na cidade de São Paulo; Eu nasci no coração de São Paulo, na Frei Caneca, na extinta, finada, maternidade de São Paulo, que tinha ali, bem no coração da cidade. Sou super paulistano.
P1- E qual que é essa história dos dois “g”s que você falou?
R- Nós somos os únicos na família toda, na árvore genealógica inteira, inclusive, também, todo mundo é com um g só, é Biagiolli, que vem de Biagliolli, que era bagos de alho, no norte da Itália, que é outra coisa que a nossa família faz questão de deixar bem frisado. Por conta do sul estar muito ligado à questão da máfia siciliana, que vem do sul da Itália e tudo mais, não é? Então a gente faz questão de dizer que a gente é do bem, a gente não é ligado a essa questão... E é por conta disso que a gente faz muita questão, sempre repete para todo mundo, em todas as ocasiões: “olha, gente, a gente é da facção com dois “gês”, que é... só existimos nós. Nós e os nossos filhos e netos que agora virão etc e tal, mas é isso....
P1 - E qual o nome dos seus pais?
R- Eu sou filho do Milton Biaggiolli, ele que foi o que o cartório errou, segundo o que nos contam né, os dois gês, a história dos dois gês e família de italianos e Cecília Luis Mendes Biaggiolli; que essa então, vem da facção portuguesa, pois meu avô chegou ao Brasil com 14 anos de idade num fundo de porão, junto com a geração dele com o intuito de ficar rico e voltar pra Portugal rico. Né, então eu tenho muita influência do ponto de vista lusitano, e muito inclusive do ponto de vista colonialista também. Eu nunca tive e a oportunidade de voltar à Portugal, minha mãe esteve lá recentemente e disse que quando ela conversou com as pessoas ali nas vilas que ela visitou eles ainda nos consideram colônia. Lá dentro do inconsciente deles, lá do inconsciente coletivo, muitos dos mais velhos ainda nos consideram colônia. E isso na minha família ficou muito claro, eu cresci vendo muito isso de perto porque eu convivi; com a parte italiana nem tanto, mas – porque muitos já tinham falecido, mas com a parte portuguesa... Inclusive eu sei falar português europeu de ouvir, de ouvir falar, assim, tal. Então essa é a minha ascendência imediata eu sou... eu não posso dizer que eu sou brasileiro da gema não... eu sou.... eu tenho a minha formação europeia mesmo, ítalo-lusitana.
P1- E o que os seus pais fazem, ou faziam?
R- Meu pai faleceu, é falecido. Faleceu com 65 anos, vítima de câncer. Mas ele era um grande artista, um músico fantástico, uma visão humorística da vida fenomenal, tanto é que me influenciou muito na minha carreira. Mas por conta do falecimento prematuro do meu avô, que era maestro ele inclusive vivia contando que meu avô andava com um chihuahua (esses cachorrinhos miniatura aqui) treinado para “au-au” bem na hora que a baqueta fizesse o movimento; então junto com a orquestra o cachorro... Eu também acho... Eu ligo muito essa minha coisa com o palhaço, com a profissão, a essa minha ascendência toda ai né. Mas infelizmente, por conta do falecimento do meu avô, prematuro, ele foi... Virou arrimo de família e foi para outro caminho, foi parar no Instituto de Pesquisas Tecnológicas aqui de São Paulo, na USP, e virou contador, e se aposentou contador e morreu de câncer aos 65 anos. Tudo bem, isso pode não ter nada a ver uma coisa com a outra, mas eu acredito piamente que tenha né, porque é muito difícil quando a gente faz aquilo que não tá no rascunho de Deus, como costuma dizer.
Minha mãe é secretária dele, caso típico. Caso típico, secretária dele no IPT, mas logo, por questões de doenças familiares, muitas doenças familiares em casa; ela virou dona de casa e tá até hoje. Tá viva, tá com 76 anos, bem velhinha; tá com Parkinson agora, mas tá indo muito bem, graças a Deus. E eu tenho mais dois irmãos, desse casamento do meu pai e da minha mãe. Tenho mais dois irmãos que é a Sandra, psicóloga, e o meu irmão que é despachante aduaneiro. Uma com 46, eu tô agora com 49 minha irmã tá com 48 e meu irmão tá com 41.... 2, 42.
P1- E na sua casa, vocês tinham costumes que eram típicos, enfim, costumes que eram característicos da sua família?
R- Bom, nós somos uma família classe média, com pretensões de burgueses né, a minha infância toda. Nós tínhamos 4 geladeiras em casa, 4 geladeiras que meu avô e....nós morávamos em casa...isso eu acho legal, é uma.... porque a minha casa juntou 3 gerações: juntou os meus avós maternos, a minha avó paterna, meu pai, a minha mãe e nós três, nós moramos na mesma casa. Então eles disputavam. Os chefes da família disputavam quem que provia a família, então nós tínhamos quatro geladeiras, tínhamos empregada doméstica residente (além de todos), uma empregada doméstica residente com filho, bebezinho, tal... Tínhamos esse estilo de vida, que durou um bom tempo. Os natais na nossa casa eram uma coisa que eu trago até hoje.
Diga-se de passagem, eu sou canceriano, então eu tenho muito essa questão da ligação com a família, com a memória, com o passado. Que nem fala o meu irmão: com as antiguidades da nossa vida, tal... E eu me lembro de muito: os natais eram eventos: vinham primos assim da portuguesada, né. A portuguesada vinha, comparecia em peso e aí pô, muita criança junta, esperando papai Noel (que todos nós acreditamos até os nove anos) e meus filhos também tô mantendo essa.... Agora o meu caçula vai completar nove anos, então é a saideira dele esse ano. E o Papai Noel e as músicas natalinas e o brilho nas bolinhas de natal, da árvore de natal; tudo isso junto, assim... Um cheiro de mesa servida, com muita comida né, coisa típica. Muita comida muito gordurosa, que era associada à abundância, tudo mais... Era pernil, peru; tudo misturado, muito refrigerante (que não pode falar marca aqui, pode?). Muita Coca-Cola, tanto que eu parei de tomar Coca-Cola agora como... Quase como o ato de um alcoólatra que fala: “só por hoje não bebi Coca-Cola”, porque eu cheguei ao cúmulo agora adulto de tomar três litros por dia e aí caí de cama, fiquei bem mal e ai tomei essa decisão. Faço campanha contra, é quase um C.A. Cocólatras anônimos, haha!
Mas tá muito ligado a essa fase... essa fase assim de todo mundo brincando, tomando coca-cola, bebendo doce, cantando música natalina, esperando papai-noel que ia chegar... Dez pra meia-noite tinha que descer para o andar de baixo. Porque nós morávamos num pŕedio, que não era residencial, meu avô era zelador e ocupava o último andar. A gente fala que morava em cobertura, numa cobertura. Na Xavier de Toledo, bem no centro de São Paulo, ali de um lado a gente via o Teatro Munincipal, ia pra trás da casa e via o Anhangabaú, aonde eu via um cara atravessar o Vale do Anhangabaú numa corda bamba da antiga laje que hoje é um Shopping, shopping Light. Até o que hoje é a prefeitura, que antigamente era o banco Banespa, se eu não me engano... atravessando com a corda bamba assim. E eu vi lá embaixo as manifestações pró e contra a ditadura militar quando era moleque né.... Como na Xavier de Toledo, eu também via a polícia fazendo coisas, o exército fazendo coisas e tal. A gente via lá de cima, assistiu a vida de camarote nessa fase, isso que eu guardo. A gente assistiu a vida regada a Silvio Santos, Qual é a música, do Silvio Santos, Ronnie Von. Novelas... Direito de Nascer, eu assisti inteirinha, pra vocês terem uma ideia, Pingo de Gente, coisas que eu guardo assim com muito... Muito carinho na minha memória, assim.
E hoje, isso se reflete na minha carreira de escritor: muitas das imagens dos personagens, das situações que eu escrevo, eu transmuto, vem desse baú desse baú.
E por isso que eu acho que eu assim, eu defendo muito, eu entendo como uma coisa importantíssima à legitimação do depoimento pessoal como fonte histórica, como... eu discutia muito isso na época da faculdade, sabe? Porque tudo bem, o que eu falo é digno de ser comprovado, tudo é. Tudo é passível de confirmação, mas independentemente disso, a memória é uma energia, ela tá... eu entendo que ela fica gravada na célula; na célula do organismo desse planeta, que eu entendo como um organismo vivo que a gente pode falar isso – também sobre isso – mas adiante, que é a minha visão espiritual da vida, etc e tal
Então eu acho que o depoimento pessoal, quando a gente nega isso, quando a gente não passa isso para frente, ele vira câncer. Ele vira câncer, porque essas coisas elas tem que, elas não podem existir dentro de mim à toa; só para mim. Não teria cabimento, eu não vejo sentido nisso, eu não vejo; não tem cabimento. E eu não tô falando de reencarnação, embora eu acredite nela; eu tô falando de fluxo, falando de fluxo. É... A gente tem determinada experiência e isso é agravado pela memória, que por um motivo ou por outro, aquilo que a gente chama de Deus resolveu que seria assim; a gente grava na memória para colocar no mundo, porque isso vai ser semente e vai ser fruto, que vai ser colocado no mundo e assim por diante. Então eu acho, assim, importantíssimo, nossa! Eu admiro muito a iniciativa deste... Desta casa aqui do museu por conta disso mesmo... Eu acredito que sem isso, a gente... Por exemplo: eu tenho uma... A Ana vitória Vieira Monteiro, a minha guia espiritual, e ela fala muito assim... Ela... Eu sou xamanista, então a nossa... A gente vai, a nossa base, a nossa sustentação vem muito das culturas indígenas. E estudando sobre o Sumé, que é um... É uma entidade já, uma entidade assim, reconhecida por quase todas as nações... Toda a Amazônia, tudo mais, ele conta né; ele conta... Ela diz que ele conta que uma nação indígena, quando percebe que os seus valores foram todos – como tá acontecendo agora – eles foram todos deteriorados e vilipendiados, o que ela faz? Ela simplesmente para de contar a sua história. Essa é a arma do índio – eu tô falando de forma geral evidentemente. Porque quando fala “índio” a gente tá falando da floresta. A floresta é composta de árvores – ele tem as suas especificidades – mas olhando para esse contexto, é essa a forma pela qual eles respondem ao ataque; eles param de contar a sua história para a próxima geração, com isso, eles jogam a toalha. Jogam a toalha literalmente.
Então o que a gente vê hoje: o asteca que a gente vê hoje, o índio brasileiro, o tupi... Eu tenho amizade com pessoas da nação Curuáia, só tem um nome e eu acredito muito piamente que é devido à isso. É uma questão que a ciência, ainda, eu acho, pelo que eu sei, porque pode ser que esteja errada, a ciência ainda não se ligou – que a história é contada, narrada, colocada no mundo – é o que faz o mundo continuar a ser mundo. É isso, assim, eu afirmo isso, agora...
P1- Voltando um pouquinho, a sua história Carlos, como é que era lá na sua infância. Você falou que você morava lá no prédio
R- Dezesseis andares, um prédio comercial, no centro da cidade. E na parte de cima era um apartamento. Não, era um espaço que era oferecido ao zelador, que meu avô, cara-de-paumente foi ampliando. Tinha a casa das máquinas que ficava do lado, então... Imagina a casa das máquinas, era o maquinário dos elevadores, aonde eu vivi minha infância. Vivi meus castelos, eu, minha irmã, meus primos, quem nos visitasse... Tinha um quartinho de dispensa do prédio que ele transformou em quarto da minha irmã e assim a gente foi levando. O puxadinho foi feito dessa firma, no último andar.
E eu me lembro que em 77, tinha o glorioso, Sport clube Corinthians paulista – foi campeão depois de 23 anos de seca, né – eu me lembro que eu desci aquela escadaria num gol e fui para gritar lá no Teatro Municipal para comemorar com todo mundo, eu tinha 13 anos na época, né... Era um prédio – era um prédio comercial.
P1- E o que você gostava de brincar nessa época?
R- Futebol. Eu cortei a minha perna aqui porque a gente jogava ou no corredor do próprio andar que a gente morava tinha um corredorzinho que dava para jogar, bater uma bolinha. Tinha uma escadaria super vertical que dava para… No teto mesmo do edifício que era a proibição maior e é óbvio que sendo proibido que era o que a gente mais fazia: ir para o teto e ficar vendo estrela a noite escondido, essas coisas, de descer escondido e tal. E no andar de baixo era o andar comercial, que era maior, que é onde era nosso campo de futebol, e ele era em perpendicular. Tinha um corredor onde tinha os elevadores e aqui tinha uma ala de escritórios, e aqui tinha uma porta de vidro separando as duas partes. Eu consegui cortar a minha perna para valer, assim jogando futebol com os meus primos em um campeonato que a gente marcava e eles iam e a gente jogava futebol, futebol de botão, jogava muito. Canetinha, corrida de canetinha... é apartamento. E televisão, televisão preto-e-branco que mesmo quando veio a colorida, durou ainda mais uns 20 anos, eu não conseguia mais me desligar daquela televisão – com Bombril, antena que dava choque, sabe assim? Cheguei a... Acho que eu já era casado, não tenho certeza- mas acho que eu já era casado ou estava namorando... Sei que eu levei a televisão comigo até que ela, finalmente, resolveu se quebrar definitivamente, aí eu virei essa página. Era isso.
P1- Como é que era a corrida de canetinha?
R- Corrida de canetinha... Você faz uma pista né, desenhada, paralelamente assim, no papel, você coloca a caneta, segura ela em cima aqui e faz assim tchum, aí vum!, aí onde parar, parou. Ai é tchum, tchum, tchum, até chegar ao final – corrida de canetinha. Mas não sei se a criançada hoje curte isso, foi bom até lembrar isso que eu vou propor para o meu filho uma brincadeira dessas, que ele é pequenininho ainda, eu vou propor para o meu filho.
P1- E como é que foi a sua primeira lembrança da escola?
R- Eu fui estudar na escola que era Instituto Santo Alberto dos Santos Carmelitas. Não, essa foi a segunda. A primeira foi a Metodista de São Paulo. Instituto Metodista de São Paulo. Evangélicos, e... Eu me lembro de pouco. Eu me lembro de lanches, assim, de momentos de lanche. Lembro-me de um amiguinho, que uma vez a gente estava na perua escolar, a gente estava na frente e foi, do lado do motorista; a gente ficava do lado do capote assim, conversando, contando coisa um pro outro e isso deixava o motorista da kombi muito irritado porque ele fazia ideias, o que... Quer dizer, até imagino ideias do que ele fazia, porque, o que a gente estava fazendo embaixo do capote. Eu e esse amiguinho chamado João Carlos, nunca mais... Não me lembro nem do sobrenome. Porque é assim: eu de vez em quando eu vou ao facebook e tenho localizar os amigos, tenho sucesso na maior parte das vezes. Mas esse ai não tenho nem o sobrenome, mas não tenho muitas lembranças, assim...
Eu me lembro muito de eu chora, pedir minha mãe, meu pai, eu queria ir embora, ou então fingia que estava doente para ir embora, aquelas coisas todas, tudo normal. Depois fui pro Santo Alberto dos Padres Carmelitas que é do lado – católico – que era do lado da igreja onde eu fui batizado e a minha mãe e o meu pai casaram. E ai o meu tio, por questões de pensão alimentícia foi parar no xilindró e minha avó exigiu que meu pai o tirasse, custasse o que custasse. Ai o meu pai, usou todas as economias, a gente pxíu, caiu vertiginosamente assim, é... Foi meio irrecuperável para o meu pai essa queda.
Então eu fui estudar em escola pública e aí sim, foi um choque. Aí foi um choque de realidade anti-burguesa, para falar assim, né. Até porque, muito engraçado, que eu fui estudar no grupo escolar São Paulo, que era o mesmo prédio na Consolação, existe até hoje – não ele, com outro nome – mas é uma escola, dividida por um muro: do lado de cá era o grupo escolar São Paulo, do lado de cá era a escola Marina Cintra: eu entrei pelo lado errado e fiquei.
P1- Era escola o quê, Marina Cintra?
R- Marina Cintra, que é escola estadual, que ocupava o mesmo prédio. Entrei do lado de cá por engano e fiquei um mês, dois mês, nem lembro. Até que eu desconfiei: por que que não chamam o meu nome na chamada? Ai eu já tava estudando lá. E lá eu sofri um baque, que o governo tava tentando estudo por televisão – tipo telecurso – que naquela época era piloto e aquilo me apavorou imensamente, eu achei aquilo um absurdo, eu olhava aquilo e começava a chorar, como assim? “Cadê a professora?” e eu não entendia aquilo e aí...
P1- Quantos anos você tinha?
R- Uns 10, ou 9? Nove dez anos, por ai. Porque com onze foi à primeira vez que eu andei de ônibus sozinho, pra ir de lá até, ali do meio da Consolação até a Xavier de Toledo era o quê? Sei lá... Quatro pontos? E isso virou um drama familiar, imenso e tal, era um esquema... Meu avô, pai do meu pai colocou uns ascensoristas para... Nossa, monitorou legal a coisa assim, por conta de que eu fui o primeiro filho primeiro neto... Primeiro tudo né? Primeiro sobrinho...
P1- E você tem algum professor, alguma professora que tenha sido marcante?
R- Dessa época de criança? Bom, eu guardo na lembrança a professora de química que me bombou no meu último ano do... Também não é uma lembrança muito agradável. A coitada não tem culpa nada, porque eu fiquei fazendo, eu ficava fazendo poesia... Não gosto de química, eu não vejo até hoje, eu não uso nada da química na minha vida, não é a minha. Eu gostava da professora de português, uma professora de português/literatura, que eu não lembro nada do que ela me ensinou, mas eu lembro que uma vez que eu estava na lousa de costas – ela era uma mulata gorda assim, muito simpática, pareciam aquelas cantoras de jazz de Nova Orleans. E ela estava de costas escrevendo e estava todo mundo nem ai para a mulher; ela estava escrevendo, e de repente ela bateu o giz na porta, na lousa e virou para todo mundo e falou assim: e nunca esqueçam: “se você terminou de ler um livro e não entendeu leia de novo!”. Ficou aquele silêncio tipo: O que tem a ver uma coisa com a outra? Que essa mulher quer? Aquilo entrou em mim assim... Tenho livros que, tipo, dezesseis, dezessete vezes a leitura. Filmes eu assisto, assisto, assisto até que eu consigo... The Wall; Pink Floyd - The Wall eu assisti 23 vezes, até falar: “agora entendi, agora saquei, agora não tenho mais vontade de assistir”. E eu credito muito a esse momento, esse lapso. Porque eu levo a minha vida assim: eu vou entendendo que as coisas vão sendo ditas nas flechadas assim, o resto a gente vai vivenciando aquilo que a gente recebeu e de repente, pum, vem uma nova flechada; vem uma coisa assim que alguém passa... E essa professora foi um caso desses, eu gosto muito dela, gosto de lembrar-me dela, não lembro o nome dela. A professora Yolanda, na época da ditadura, nas aulas de música, ensinava pra gente hinos, do exército, da aeronáutica, da marinha, do Brasil, da independência; tudo o que era militar e ai de vez em quando ela ia lá e olhava pelo vitrozinho... Abria a porta, olhava para um lado, olhava para o outro, fechava e ai falava: agora vamos estudar um pouco da escala: dó ré mi fá, ai ela olhava de novo, escutava algum barulho e voltava para o hino desses, hino daquele, daquele... Porque era a ditadura militar. Era a época da ditadura militar. Foi a época da invenção da matéria OSPB – Organização Social da Política Brasileira; Educação Moral e Cívica – eram coisas do governo, foi coisas da época do emburrecimento nacional. Que hoje a gente vê ai, até hoje a gente lutando para sair dessa.
Eu vivenciei essa parte, eu era garoto na época da ditadura, mas eu não era pequenininho, eu senti o clima, eu guardo até hoje, eu escrevo sobre isso – sobre o clima. Guarda tudo, vamos fingir que tá tudo legal? Vamos combinar? Que tá tudo certo? Beleza, então tá! Então tá combinado! É isso, que eu sentia no povo.
Porque o governo falava que estava tudo em ordem, tudo bem fazia parte da estratégia dele; os subversivos, o pessoal da guerrilha falava que estava tudo errado, porque fazia parte da jogada, era a parte deles, e nós, povo, como que a gente entendia? É isso que eu vou atrás hoje em dia, sabe? Ano que vem eu completo cinquenta, então é um bom tempo de reflexão sobre isso já!
Como que a gente, a gente foi conivente com tudo aquilo, né. Então em que ponto, em que medida que essa conivência surgiu.
P1- E voltando a esse período da escola, você já tinha, almejava ser alguma coisa, sonhava em ser alguma coisa quando você crescesse?
R- Eu fui fazer teste vocacional, foi quando, eu tinha uns 13 anos, 14 anos, sei lá, foi com uma coqueluche, né. Para variar, a ideia é importada dos Estados Unidos. Essa ideia do teste vocacional, e ai fiz o teste, me lembro, no prédio da Gazeta na Paulista e ai resultado: chamou meu pai, meu pai foi junto comigo e ele falou assim: ó, seu filho vai ser padre. Meu pai, espírita convicto, formação evangélica, portanto anticatólico rompeu e foi ser espírita convicto olhou e falou assim: “padre? Tá bom, brigado” Chegou em casa e falou assim: “filho, vamos conversar sobre isso: olha, tudo bem, num tem problema nenhum, o que você quiser ser, que seja mas a gente tem que entender que padre é igreja católica oficial, então...” Ah não! Antes ele perguntou: “é padre mesmo, saiu padre?” Ele falou assim: “olha, se não for padre, é líder religioso” e falou: “ah, então tudo bem”. Ai a gente começou a conversar sobre isso; e hoje na fé que eu comungo eu sou um dirigente espiritual – dentro da fé que eu comungo né... E não saiu profissão, saiu isso né, então eu desencanei, eu fui crescer. A única coisa que eu sabia, quando eu era moleque, é que eu queria fazer 18 anos. Normal também, nada fora do normal também, eu queria fazer 18 anos, porque eu queria ser livre, com 18 anos eu sai de casa, fui morar no prédio da frente, trazia as roupas para a minha mãe lavar... Aquelas coisas todas, né. Mas eu nunca pensei em abraçar a profissão que eu acabei abraçando, eu era muito bem humorado. Mas também eu era muito carente emocionalmente, assim, muito carente, eu me achava feio, nossa, tenho uma carência absurda. Então onde que eu compensava? Dizem que assim, o feio compensa na inteligência. Eu achava bonito pensar assim, porque ser inteligente é chique, então eu vou ser inteligente, pelo menos chique. E ai eu comecei a estudar muito, ler muito, muito. Eu leio muito, escrevia muito. Ia pra banheiro, não tinha o que fazer no banheiro, pegava papel higiênico e ficava escrevendo sobre o que eu estava fazendo. Definindo, eu sou... o que eu estava fazendo – risos – aquela coisa assim...E comentava isso assim, bem humoradamente, e as pessoas riam muito, gostavam, e eu percebia que meu bom-humor fazia com que as pessoas ficassem ao meu redor por um tempo. Então isso virou quase uma doença, é, virou compulsivo... E aí um dia uma pessoa virou e falou assim: “por que você não ganha dinheiro com isso?”, eu falei “ué, mas por quê?”, “ah, você é maior palhaço”, aí eu falei “ah, tá, tudo bem, mas isso é profissão?”, e ele falou assim “ah, não sei se é profissão , mas dá pra ganhar dinheiro, porque um sei-lá-quem que eu vi foi numa festa, fez isso aí, ganhou dinheiro”, aquela coisa. Aí eu vi um anúncio e fui ser palhaço de uma empresa que vendia enciclopédia pros pais, depois de um show de palhaço. E isso foi em 82, 81 pra 82, e nunca mais parei. Aí comecei a entrar em animação de festa, evento, lalala, até chegar num ponto... – é o momento de falar já? Porque você já viu que eu tenho a mania de...
P1- Vamos, segura um pouquinho, vamos voltar ainda um pouquinho. Aí você estava na sua infância, vamos falar um pouco... Voltar pra sua juventude... Você se lembra do seu primeiro namoro?
R- Ixi! É complicado, porque eu era feio, me sentia feio, então eu...a minha primeira relação pra você ter uma ideia, intima, foi a três. Porque eu não tinha nenhum senso de segurança pra fazer qualquer coisa sozinho. Foi muito terrível, isso assim, até os meus vinte anos foi... Solidão total. Eu guardo, eu não sei falar de outra coisa a não ser disso, assim. É eu tinha uma família muito boa, uma família muito carinhosa, eu alguns colegas bons de escola, que até hoje, a gente se encontrou no facebook, e a gente troca ideias e tudo mais, mas é de solidão mesmo, o que eu guardo de lembrança dessa minha fase...por um lado. E por outro, essa minha opção por ler e escrever, compulsivamente, compulsivamente. Tanto que a minha esposa encontrou os meus cadernos e graças a ela é que eu os tenho – e são muitos assim. E agora ela entrou numas, conseguiu me encostar na parede, pra eu rele-los, até pra ve seu eu consigo deles fazer algum material, de vez em quando algum novo livro, tudo mais. Eu me lembro que foi nessa época eu conheci a única substancia ilicita, vamos dizer assim, que é a maconha, foi nessa época, quando eu abracei o teatro, e mesmo com isso, usando isso, que eu larguei alguns anos depois, eu só conseguia fazer sozinho – só sozinho. Então o que ocorre...a minha viagem, como se falava naquela época né,
escrevia duzentas paginas durante a noite, duzentas paginas – e vai lá, e definia a vida, aquelas coisas. Ficava girando que nem, na cabeça né, e não realizava nada. Não realizava nada de concreto. E, paralelamente, já ia fazendo meus trabalhos de palhaço, animador, tudo mais.
P1- Você começou a trabalhar, qual foi seu primeiro trabalho?
R- Sem ser palhaço, você quer dizer?
P1- É.
R- Isso é uma questão muito inteligente porque palhaço é uma profissão. Mas as pessoas dizem assim: “mas a sério, qual é seu trabalho?”, mas tudo bem.
P1- Não, seu primeiro trabalho.
R- Meu primeiro trabalho foi office-boy. No prédio que eu morava, dois andares embaixo de onde eu morava, e conseguia chegar atrasado. Hoje eu cheguei atrasado, né... Assim parece que não mudou muito. Conseguia chegar atrasado, dois andares embaixo, fui office-boy, trabalhei um ano e meio lá, tal. E depois eu fui trabalhar no Bradesco, trabalhei lá por um ano, que valeu por dez... Nunca mais, graças a Deus, se Deus quiser. Depois Itaú, tive a satisfação imensa de chegar ao terceiro mês, ser chamado pra efetivar e falar “eu não quero ser efetivado”. O japonês coitado que tinha trabalhado 40 anos lá, eu tive que explicar pra ele, quase consolá-lo, porque eu não queria trabalhar no Itaú, né.
P1- Você lembra o que você fez com seu primeiro salário, Carlos?
R- Não... Acho que dei pra minha mãe, meu pai, já estávamos em uma fase difícil assim... Acho que dei pra minha mãe e meu pai, mas... Não, é legal, boa pergunta. E provavelmente foi isso, a gente estava chegando numa fase complicada, morávamos juntos, e meu pai nunca pedia, mas minha mãe dava uns toques assim... Foi isso.
P1- E o que você sente que mudou em relação nessa fase da sua vida em relação a sua infância?
R- Ah, a consciência, né. A consciência, porque assim, eu sou um cara que dirijo, falando figurativamente é claro né, que dirijo com um olho no retrovisor, mais no retrovisor do que na frente, assim, no para-brisa né. Então eu penso muito, “poxa, essa solidão toda, tal, se não fosse ela não tinha desenvolvido uma visão de mundo que acabou desembocando no palhaço, e essa experiência de 30 anos com o palhaço não teria me trazido uma visão de mundo que hoje eu coloco nos personagens, nos textos e nos livros que eu escrevo”...é mais nesse sentido assim, mas eu continuo bastante solitário, mesmo casado, maravilhosamente casado, com três filhos, maravilhosos assim, mesmo assim, é como se eu estivesse no maracanã sozinho, né. Isso não mudou, eu costumo dizer que essa é a minha bagagem cármica, vamos dizer assim, é o que eu tenho que resolver enquanto eu, é a parte que cabe a mim. Mas eu acho que é isso que me liga àquela fase. Logico que com tudo que eu estudei, vivenciei, eu consigo explicações pra mim mesmo que me mantém muito mais em pé. Naquela época, eu nem sei... Fui fazer terapia uma época. Eu me lembro que passou o lexotan, graças a deus na hora H eu tomei metade, e ali o que eu tive, tomei a decisão de não tomar mais isso, nunca mais, nunca mais mesmo.
P1- E voltando a sua fase de estudos, você chegou a fazer faculdade?
R- Eu cheguei a fazer duas, interrompi as duas. A primeira foi comunicação: eu queria ser jornalista, porque eu gosto de escrever e queria ser jornalista. Então eu fui lá, recebi o prospecto da UNIP – Universidade Paulista, coisa do gênero lá; passei no vestibular, comecei a fazer, comecei a achar estranho, falei tudo bem, perguntei, mas quando vai começar o jornalismo. E todo mundo me desconversava. E uma professora chamada Doroteia me pegou assim, falou “vem cá comigo”, me levou para o banheiro das mulheres. Trancou dentro do banheirinho lá, do cubinho, falou assim “é o seguinte, não tem jornalismo, não tem essa faculdade”, foi uma jogada de gênio, tinha acabado de acabar a ditadura, naquela época todo mundo lembra que passou, a gente achava que não era verdade... Então o que ele fez tudo bem, tem jornalismo no papel, e conduzia todo mundo ou pra relações publicas ou pra publicidade. Eu fiquei muito P da vida, saí do banheiro direto pra secretaria, cancelei minha matrícula, cancelei, nem tranquei. Até me arrependi depois quando já estava duro, falei “puta, poderia ter uma profissão, né”, aí fui lá reaver, eles até tentaram, fizeram uma consulta ao MEC e não rolou. E agora recentemente eu fiz meio curso de história, lá na fundação santo André, e foi muito bacana, mas eu também por questão financeira eu parei, porque essa era uma faculdade publica, paga então parei. Mas assim as duas coisas foram muito importantes pra mim, tanto fazer comunicação quanto fazer historia né. E aí, agora eu me formei mesmo, fiz minha formação técnica em teatro, na escola livre de teatro de Santo André, mas eu cheguei pra fazer escola livre quando eu já tinha 40 anos de idade e 25 de carreira. Eu fui lá pra tentar academizar um pouco o que eu já sabia de cor e salteado na pratica, porque eu sou artista de rua, né. Nosso grupo de teatro acabou se desenvolvendo na linguagem de teatro de rua... Então é muito do que a gente descobre, eu queria ver onde que a academia, onde que o estudo, empacotava isso né. Foi muito legal a experiência na escola livre, que foi por onde eu fui para nessa escola iniciativa que hoje eu faço parte, né.
P1- Então depois do trabalho de office-boy, qual foi seu trabalho seguinte?
R- Foi o Bradesco, depois Itaú, depois o... Ah, aí eu entrei em editoras, trabalhei na revista IstoÉ, esqueci de falar, revista IstoÉ/senhor, porque tem uma época que se chamava IstoÉ-senhor. E fui mandado embora porque não fiz hora extra, veja só. E dai um colega veio lá e me levou pra uma editora, porque eu digitava muito rápido, sou da época da maquina de escrever. Ai eu trabalhei seis anos ou sete nessa questão de processamento de textos, que pra mim foi maravilhoso porque eu adoro escrever. Nossa eu tenho uma... Escrevi, escrevi bobagem, eu gosto da palavra, de brincar com a palavra e tal, né. Eu não gosto muito de poesia não, embora eu tenha feito muito, porque eu acho muito hermético. Eu gosto de escrever, escrever escrever, escrever. E dai em 93, esse meu amigo, parceiro de 20 anos de palhaçada, falou assim pra mim “chega cara, sai dessa historia, vamos fazer uma historia nossa, montar um grupo nosso, vamos vender palhaço, vamos viver de palhaço”. Aí foi quando eu enveredei definitivamente pra palhaço. Já vinha fazendo paralelamente, era assim, eu trabalho sério em tal lugar e também faço palhaço, daí inverteu: faço palhaço e aí de vez quando vou fazer isso, vou fazer aquilo.
P1- Quer dizer então, esse 'faço palhaço' nesse trabalho paralelo era as festas...
R- Festas e eventos. É, isso até 95, 96, que foi quando eu conheci o trabalho de um americano chamado Michael Christensen que é o fundador do Clown Care Unit, que se espalho pelo mundo inteiro... Aqui no brasil ficou mais conhecido pelo doutores da alegria, que não é uma espécie de subsidiaria desse pensamento tal. No Brasil, e aí se disseminou, e aí eu montei meu próprio projeto a partir do contato com isso porque eu já vinha procurando qual era a função social do palhaço. Porque eu já tinha na minha cabeça muito claro que o bobo da corte era uma dica e tanto nesse sentido né, na idade media, e vim saber, por minha essa via espiritual que o palhaço no Egito antigo, ele era tido na condição de sacerdote pelo faraó. Então tinha o dia do ano em que ele tinha que comparecer a câmara do faraó e falar as verdades com graça, e ninguém da corte poderia fazer represália nenhuma. Então, isso juntando uma coisa com a outra, me colocou num ramo de pesquisa que é o que eu falei pra você na sua sala, pela qual eu enveredei, que é de pesquisa do palhaço sagrado, os hotxuá, etc e tal. fui nesse caminho e hoje, até dentro dessa linha espiritual que eu sigo, que é centro de estudos para expansão de consciência porta do sol, a gente tem um olhar todo voltado pra questão do palhaço sagrado. Dentro da porta do sol a ação do palhaço pertence, veja só, ao núcleo jurídico, porque também lida com a verdade, com a busca da verdade. Então quando eu faço meu palhaço, por isso que eu pensei em chegar daquela forma, quando eu faço meu palhaço, eu não estou interpretando, eu, é eu ampliado, é eu colocado numa outra camada da cebola, da grande cebola que somos nós, vamos dizer assim energética, de outra camada energética, que todos nós temos várias camadas, né. Então é assim que eu vejo o palhaço: ele não é um personagem, isso é coisa de teatro. Palhaço não é uma ação de teatro, embora atores também façam isso, como não atores também fazem isso, e bem né. Nós damos um curso chamado “retiro de palhaço”, é uma imersão, em sistema de confinamento, quatro dias num local – é um reality show às avessas. E nos temos surpresas assim, uma atrás da outras, farmacêuticos, biólogos, Ph.D. da USP, jornalista, donas de casa, estudantes de diversas áreas, é...coçadores de saco, é, muitos se auto intitularam...e também palhaços e também atores ou atrizes, né. E a gente viu que essa energia, ela é própria do ser humano: olhar o mundo através, de uma ótica diferente, é pé no chão, nós não estamos falando de auê, que nem eu falei na época de maconheiro, não é que de maconheiro isso, não é viagem: não, é pé no chão, como pipa, você tá com o pé no chão, você tá no comando da coisa, a coisa tá voando, mas você tá no comando da coisa, sabendo onde você quer levar aquela pipa. A atuação com palhaço é nesse sentido – veio muito dessa época e desse principio da busca do palhaço como um transformador individual e social. E é nesse lugar que eu to até hoje.
P1- E das primeiras experiências profissionais que você teve, quando você começou a trabalhar com isso, tem algum, alguma, que foram marcantes pra você, como você se sentiu...
R- Como palhaço? As primeiras foram terríveis, por causa da timidez, até hoje eu sou tímido. As pessoas riem quando eu falo, “poxa, um palhaço tímido, não tem nada mais paradoxal do que um palhaço tímido”. Sou profundamente tímido até hoje, mas naquela época era absurdo. Eu usava um nariz que era isso, veja se você consegue me ver, era isso o tamanho do nariz, duas perucas, uma em cima da outra, quatro roupas, e ainda uma barriga postiça – eu não tinha a que eu tenho hoje, né. Eu me escondia, quando hoje eu sei que o nariz de palhaço tem que revelar quem a pessoa é, e não esconder, é essa a magia da máscara do palhaço, como de qualquer mascara, como a da comédia dell arte, ela revela, ela não esconde né. Então as primeiras experiências foram terríveis, eu já entrava não vendo a hora de sair – embora eu gostasse de fazer as pessoas rirem. Porque aí é que está o principio pra mim, eu gosto de fazer as pessoas rirem, porque eu sou muito triste, então eu gosto muito de fazer as pessoas rirem. Naquele momento eu tenho assim, um pós, como se um pós-orgasmo, é isso. Eu fico leve, eu fico mole, quando termina um trabalho bem feito; quando é mal feito, aí, quando eu sinto que o trabalho foi bem feito, e às vezes eu sinto que o trabalho foi bem feito, mesmo com a plateia me olhando estranho, eu falo “ah, cheguei num lugar que eu queria então o trabalho foi bem feito”. Como tem vez que a plateia tá gargalhando e eu falo “meu deus, que canastra que eu sou...”. Sabe? Tem essa questão. Então no começo foi assim, foi terrível, mas eu acho que as mais gostosas foram quando eu realmente abracei essa linha do palhaço sagrado, que depois eu vim chamar de palhaço sagrado, e que não é invenção minha isso fique bem claro, muita gente boa pesquisa ela, entre elas o grupo lume lá de campinas, pesquisa isso com muita responsabilidade a Sue Morrison que também tem uma pesquisa toda voltada em cima disso, também merece uma atenção de todos que têm interesse nesse assunto, mas é partir dessa fase que eu tenho boas lembranças. Quando eu fui para o hospital – coisas que eu escrevi num livro agora e retrato minhas memorias né, tem o nome provisório de Habemos Risum, o nome do livro né, memorias e artigos que escrevo sobre a aplicação do humor na vida – é dessa fase pra cá que eu tenho boas memorias da vida, causos né, que nem eu falo, causos do baú.
P1- Você falou que foi para o hospital...
R- É, porque quando eu conheci o Michael Christensen, isso foi em 95, aí /doutores, o Wellington, chegamos a trocar ideias naquela época, ele estava com 5 anos já de estrada, e aí eu montei meu próprio, eu e uns amigos, hoje minha atual esposa, a gente fez, montou nosso projeto chamado “riso terapia”, porque a gente achava que isso era um nome muito original, mas hoje o “riso terapia” todo mundo fala o que é, então virou quase nome de uma técnica, que é o que se convencionou chamar de humanização hospitalar – termo que eu discordo, porque quando você fala que eu vim trazer uma humanização hospitalar, tá pressupondo e achando que o ambiente é desumano e que as pessoas que nele trabalham não tem condição de ver isso, então eu vim trazer a luz; não gosto muito desse termo, acho que a gente entra, o palhaço tem que entrar com a consciência de que está agregando uma equipe multidisciplinar e isso a equipe também tem que reconhece-la nesse sentido, não é que tem que, esse é o caminho que deve ser buscado respeitando o devido tempo, que tem de maturar tal, mas esse é o caminho. E ai nos fomos nos hospitais, com aventalzinho branco, hoje eu questiono também isso, porque acho que isso é muito “doutores da alegria”, que têm o merecimento deles, não acho que precisa... A gente já tá aceito, a historia já tem mais de 20 anos de... Ou seja, já estamos aceitos, pronto. Naquela época precisou colocar o aventalzinho pra falar que “estamos entrando no hospital”, onde se usa avental; hoje, você pode entrar como faxineiro do hospital, se é que é pra entrar como profissão você entra como faxineiro do hospital, como o cara doS raios-X... O palhaço, ele tem tudo ao dispor, por isso a responsabilidade dele é maior, porque o exercício de escolha, no caso, é muito grande, o exercício de escolhas do que vai dá certo, do que vale a pena...Porque o humor tem uma coisa assim, o humorista tem que sacar uma coisa que tá acontecendo no seu contexto, ele sacou, aí tem que se perguntar “é a hora de falar isso?”, “devo?”, “posso?”, principalmente “quero?”, porque ele nunca pode esquecer que ele também é ser humano, tem as limitações. Todos, o humorista, o comediante, o palhaço, todo mundo que tem um olhar voltado para, um olhar que espelha suas inquietações, o olhar mostra de outra forma, “olha como isso é patético... Será que ninguém tá vendo que isso é patético? Então eu vou mostrar – mas será que é a hora, será que é o momento, que isso não vai ser um tiro pela culatra?”. Porque não adianta mostrar antes, não adianta fazer muitos programas humorísticos na televisão de, o povo vai pra rua, lá vai o comediante, lá vai o humorista, zombar daquilo. O que ele faz? Todo mundo vai rir, é claro, porque ele é bom, só que esvazia uma energia que ainda não é o momento de ser refletida com humor, porque senão ela vai perder a potência que ela tem de transformação social por ela, o humor tem que saber o seu momento, pra que ele seja potente. E durante a nossa experiência com hospital, nossa! Foram muitos causos, muitos causos assim, de pessoas... A senhora que estava lá, recém-operada, e a gente passou e ela deu um berro: “eu preciso disso, eu preciso disso! Vem cá, eu preciso disso!” e a gente entrou, cantando, e ela ria, ria ria ria, pum, estourou os pontos da cirurgia. Quase que ela realmente morreu de rir – um efeito colateral do nosso trabalho, risos. A menina que se internava, era diabética, comia açúcar pra poder ir para o hospital ficar com a gente – outro efeito colateral do meu trabalho e que nos levou a ter que pensar numa forma de explicar isso pra ela com humor, como fazia o palhaço com o faraó. Cada um com quem a gente se relacionar enquanto palhaço, como palhaço, é um faraó – esse é o ideal né, estamos falando do ideal. Cada um que a gente se relaciona é um faraó, tem que dizer cada coisa com graça.
P1- E só pra entender um pouquinho, em que momento exatamente que você decidiu trabalhar somente nessa área, somente como palhaço...
R- Eu fui levando, “deixa a vida me levar, vida leva eu”, eu nunca fui muito de planejar, inclusive muitas das intempéries que eu vivo hoje, na idade que eu to, é por não ter botado mais o pé no chão numa época que era legal. Achava coisas que, quando tinha 20, achava que ia viver pra sempre, né... “é, não, vou deixar pra pensar isso depois”. É a historia da cigarra e da formiga, que é alias uma historia que hoje eu to reescrevendo porque hoje eu to vendo quanto que a cigarra rala pra divertir a formiga, sabe, pra tocar bem a violinha dela lá, tal né. Mas eu fui levando, fui levando, quando fui ver eu cheguei numa situação... Uma vez eu fui à Ilhabela, namorava uma moça na Ilhabela, que a gente resolveu nadar daqui até aquela ilhota, porque na época namorava na ilhota. Aí tinha o que, uns 100 metros, 200 metros de distancia, e o mar estava tranquilo, mas chegou ao meio e eu cansei, e eu entrei em pânico, aí ela já estava na ilha. Quer dizer, ela não tinha nem como voltar a tempo se eu fosse me afogar, né. Aí eu tive uma sensação naquele momento, é o típico lugar que eu estou em que tanto faz eu ir como voltar, tanto faz: “eu vou em frente ou eu volto?”. Porque se eu voltar, vou ter que fazer esse caminho de novo até chegar aqui e pra ir mais adiante, então vou em frente. Aí eu fui do jeito que dava, até conseguir chegar lá com os bofe na mão, foi um namoro muito engraçado, que ela também era palhaça, também estava fazendo palhaço na época, a gente riu muito e tal. Mas pra mim foi um aprendizado esse, é, eu cheguei num lugar na minha vida que, olha tudo bem, to duro, vivo duro, mas de vez em quando entra dinheiro, porque é assim, é assim, então é mais uma questão de saber administrar o que entra, do que ficar tentando voltar atrás pra editoria de texto, ou pra banco, como eu já pensei mil vezes trabalhar no banco do Brasil – sempre que tenho preguiça falo que vou trabalhar no Banco do Brasil, risos. Porque vou trabalhar no Banco do Brasil, não sei por que escolhi o Banco do Brasil também, né. Aí é ir em frente e administrando, mas é uma vida muito... Porque é assim, a gente não tem férias, não tem sábado e domingo. Quando a gente tá sem fazer nada, a gente tá pensando no que vai fazer, é diferente, é um lugar diferente de vida. E... Eu fugi, esqueci sua pergunta.
P1- O que eu coloquei é, como que você decidiu...
R- Então, eu não decidi. Quando fui ver já estava lá faz tempo, eu estava fazendo animação de festa, eu fiz 12 anos animação de festas, e demorei três anos pra largar. Desses 12 anos eu fiz contra a vontade durante outros três, decidindo que eu tinha parar que já não aguentava mais – aquele público que não dava valor nenhum pro que eu fazia. Eu também fiz parte daqueles animadores de festa que achava que ia pra globo, sabe? Risos. E alguém “é, o cara é bom, vou levar ele pra globo”, quando eu ainda achava que ia pra globo, que ia chegar lá. Hoje graças a deus eu vejo a vida diferente – não que a globo não vale, vale, é uma emissora que é do nosso país, é a nossa bandeira no exterior, então, gostemos ou não gostemos da politica, da filosofia, isso é um fato, né. Então reconheço isso, mas não é mais a minha. Hoje eu quero ser um grande escritor. Estou mais pra Paulo Coelho, se for por aí, do que pra globo, se for nesse sentido em termos de quantidade de venda, tudo mais. Mas eu acreditava nisso. Então eu sofri muito naquela época. Nossa, até saí da animação de festa. Foi quando surgiu essa historia que eu já contei do palhaço sagrado, desse contato com Michael Christensen, que mostrou que o palhaço tem uma potencia a ser trazida ainda a luz, que é essa consciência dessa potencia que exige muito trabalho...é o tempo todo, é uma opção de vida, não é brincadeira. Olha palhaço não é brincadeira aí gente, vai, palhaço não é brincadeira. Nós fizemos um espetáculo chamado “palhaçada também é cultura”, e eu to afim de rebatizá-lo de “palhaçada também é coisa séria” sabe. É muito serio porque a gente expõe a condição humana, só que o dito cujo que tá vendo aquilo, não vê a situação humana, ele vê eu, eu fazendo aquilo. Então é um jogo de transferência, vamos dizer assim, usando termos analíticos né, é um jogo de transferência que requer um tanto de preparo e é um “orai e vigiai”, sabe o tempo todo. Sabe sal grosso mesmo, arrudinha na orelha? Porque eu canso de chegar de vez em quando e falar “meu deus do céu, porque que eu to com essa carga toda”, sabe? Porque...eu fui mexer num vespeiro, porque eu optei com todas as fibras do meu ser por me comunicar com a humanidade nesse tempo que eu to no planeta, dessa forma – agora eu arco com as consequências. Pior, meus filhos resolveram ser palhaços. Já tentei choque elétrico, pau de arara, já ameacei leva-los pro parque antártica sabe, já tentei, já falei, meu filho, se você repetir isso eu vou decidir no futuro que você vai ser politico. Nossa, ele chorou, bateu o pé, mas não desistiu, querem ser palhaços. Nós temos um espetáculo, a família, os cinco juntos, no estilo dos mambembes de antigamente, os saltimbancos medievais, nós temos um espetáculo que é, somos eu, minha esposa e os três filhos em cena, fazendo cada um o seu próprio numero, eles recebem cachê. Esse eu lembro, que o primeiro cachê da minha filha, ela foi, pegou o dinheiro e foi comprar edredom pros irmãos, e eu ainda falei “Aham, tá me dando um recado que eu deixei vocês passar frio”, e ela riu, disse “não, é que eu quero comprar o meu edredom”, e comprou pros irmãos também né.
P1- E como é que você conheceu sua esposa?
R- Na palhacice, que nem eu falo assim. Esse meu amigo de 20 anos de parceiro, Sérgio Khair, ele me convidou pra dar uma aula, olha que cara de pau, “cara, você pode ensinar a fazer maquiagem infantil”, que bochechinha de criança assim eu fazia bem, eu tenho esse lance de desenhar. Aí eu falei assim “ó, eu vou ensinar a fazer o que eu faço isso não é ensinar”, mas “faz, porque eu já fechei”, e têm duas alunas, uma delas era minha esposa. Inclusive uma musica que eu fiz que eu compus pra ela, eu cito isso, ela me atraiu porque fazia os desenhos em curva, enquanto a colega dela só fazia coisas retas, coisas assim. E ela tem os dedos longos, então, me chamou a atenção os dedos dela, assim, que pareciam pinceis. E aí eu compus uma música, a partir dessa imagem eu compus uma música pra ela, né. Foi no parque do Ibirapuera, 94 ou 95...
P1- E ela estava estudando pra ser palhaça, como é que...
R- Ela era atriz, já fazia...minha esposa com 15 anos foi dar aula de teatro, na ação comunitária do brasil, né. Começou lá, ganhou três reais por hora/aula, e não parou mais. Até hoje ela dá aula, hoje ela é formada lá em santo André, se formou na mesma faculdade que eu abandonei, ela fez pedagogia, formada, essa é a linha dela. E é palhaça, dá aula de palhaço, é uma grande palhaça, Augusta, a gente define como brancos e augustos – branco é aquele rígido que espelha a rigidez da sociedade, e o augusto é o subversivo; eu sou o branco no caso, eu e a minha filha mais velha, e ela e meus dois outros filhos são augustos. Ela é muito boa, a palavra não é a dela, se ela viesse aqui ia ser muito engraçado, porque o negocio dela é o corpo. ela é muito boba, boba sabe, num bom sentido. Chamar um palhaço de bobo na verdade é um elogio. Bobo sim, idiota não. Eu tenho um slogan que fala “palhaço é bobo, não idiota, idiota é quem se mete a fazer papel de palhaço”, que é em função dessa coisa que me irrita e que eu milito há muitos anos nas redes sociais, que é do cara ir, se indignar e fazer uma manifestação, ir e colocar nariz de palhaço. Eu acho que, porque não pendura o seu registro profissional? Vai lá, pendura o seu registro profissional, e faça bom proveito... Bom, daí saiu esse meu slogan, “palhaço é bobo mas não é idiota, idiota é aquele que se mete a fazer papel de palhaço”...
P1- E você se lembra do dia do seu casamento, com sua esposa?
R- Claro! Foi num sítio lindíssimo, foram pouquíssimas pessoas, o sitio era imenso, então tornou menor ainda a sensação de gente. Eram os mais próximos, parentes mais próximos, tinha uma piscina muito linda, era um lugar muito lindo. A gente casou no dia 14 de fevereiro, de 98, e a minha filha nasceu no mesmo ano, é em dezembro né. E nossa companhia de teatro, nasceu tudo junto, tudo junto. E foi um dia muito feliz porque a gente se olhou assim e eu senti finalmente que não estava só falei assim não to só, olhava pra ela e todo mundo falava assim “cara, você tá doida, essa mulher é mais doida que você”, falei “que bom, né”, é isso que eu precisava, era alguém que fosse mais doido do que eu nesse sentido. A gente tá casado, entre casado e, quase 20 anos já, porque tem a época de namoro, foi logo depois dessa aula, a gente começou...mais ela, ela me pediu em namoro e eu falei “imagina” né, me senti um pedófilo, a menina tem 17 anos, eu já tinha 30 – então 14 anos de diferença. “sai, sai fora”, falei assim, “não me torra a paciência”, mas não conseguia ficar longe, até a hora que eu percebi e ela falou assim “olha, é o seguinte, estou te informando que a gente vai casar e já estou indo pra casa da tua mãe”. Ela já estava dormindo lá há quase direto, eu morava numa casa com minha mãe e minha irmã, aí ela ficou. De repente eu falei assim “você tá morando aqui?”, ela falou “não só to morando, como estou te avisando que vamos casar” - “casar casado? na igreja eu não caso” – “não, na igreja nem eu”. “vamos nos casar então”, então nos casamos no civil, no ano seguinte, foi tudo muito legal, estamos aí. É logico, muitos quebra-paus, entre tapas e beijos, tal, que somos dois temperamentos muito fortes, ela é pisciana eu sou canceriano, mas estamos aí, estamos juntos.
P1- E os seus filhos, como eles se chamam?
R- Júlia, a mais velha... Bom, que bom que você tocou nesse assunto, porque é uma história que eu quero deixar bem pra todo mundo. Júlia, Laura e Davi, dos três, eu participei do parto, porque minha esposa é radical, nesse sentido. Ela estudou tudo, ela determinou como ia ser, determinou até a data que ia nascer o que eu achava... Eu embarcava no barco, eu ia junto. A primeira foi terrível, porque eu sou da época em que pai esperava pra fumar charuto, na maternidade – e nascia de cesárea, não tem essa, essa frescura de parto natural: é cesárea e vai pro berçário e tudo mais. Tá... E ela falou, não vai ser assim, ela vai nascer em casa. Eu falei assim “e a gente vai fazer o que?”, “ah, a gente vai contratar uma parteira”, “mas a gente tá duro!”, “não, vai dar tudo certo”, e deu. A gente descobriu uma parteira, profissional, com mais de três mil partos, que nos cobrou pagamento do IPVA do carro dela da forma que a gente quisesse – pagamos, aí foi tudo bem; ela não foi em casa, nos deu o golpe e acabou sendo no consultório. Eu, a Ciléia e a médica, saímos em dois e chegamos em três. A segunda foi em casa, no sofá de casa, que eu dei pra essa minha filha Laura, que nasceu linda, parecia um cocun, de tão branquinha, de olho azul, também fiz música pra ela, né. Linda, linda linda. 26 horas de parto, no sofá que eu dei pra ela, não deixo ninguém dar aquele sofá surrado, aquele sofá é da minha filha, vou dar pra ela, quando ela quiser ela faz o que quiser. Mas o Davi foram 11 dias de trabalho de parto, porque minha esposa queria determinar a hora “porque vai ser agora...porque vai ser agora. Vamo, vamo, vamo”, eu falei “tudo bem, quando começar a contração você me acorda”, porque eu sabia que não estava na hora. Aí teve um dia que eu saí pra fazer um telegrama animado, um trabalho, e quando eu voltei ela falou assim, a minha mãe na rua: “Carlos, a bolsa estourou”, eu ainda brinquei: “não, calma, a gente compra outra, vai ali compra outra”, aquela coisa, “não, vem cá, vai ver”, aí cheguei lá no banho, falei assim “é, para de frescura, a gente já combinou que dessa vez vai ser no Leonor de Mendonça, Mendes Barros” (o Leonor, que tem ali na Celso Garcia, ali do lado da antiga FEBEM tem um hospital publico que trabalha com parto humanizado). E eu falei que a gente tinha combinado que dessa vez ia ser lá, “então tá, se você tá sentindo, vamo, vamo que eu vou te levar”, falou: “ah é? Então olha...”. E quando eu olhei já estava coroado. Aí, no banheiro, debaixo do chuveiro, que ela já sabia que isso aliviava, em cima de uma bacia de lavar roupa, assim desse tamanho, vermelha.
P1- Só você e ela?
R- Só eu e ela... Não, estava a família, isso que eu acho bacana, bonito também, porque estava a minha mãe, estavam as gerações, estavam meus filhos, e tinha um amigo tocando violão lá embaixo, que veio pro ensaio, coitado, tocando violão embaixo, risos. Aí um corre-corre, eu falei “o que eu faço”, pensei comigo, ou desmaio, coisa que é essa pegada de marido nessas horas, de homem que o homem é fraco né, sexo frágil, ou eu faço, não, não desmaiei, portanto, me restaurei, eu vou fazer. O que eu faço, e como ela já sabia tudo, e numa das visitas do médico, ele esqueceu o equipamento dele lá, de tesourinhas e tudo mais, ela foi indicando: faz isso, faz isso, aí saiu a cabeça.
P1- Ela quem, sua esposa?
R- Minha esposa, por isso que eu falo, quem faz o parto é a mulher. Pode ser, mas exato mesmo quem faz o parto é a criança, mas... Ela foi comandando, aí faz isso, faz aquilo, aí pum, saiu a cabecinha, que parecia uma bola de bilhar. “E agora?”, “então tá, segura a cabecinha”, o pescocinho do menino cabia aqui, ela falou “agora puxa”, “mas nem que a vaca tussa!”, vai sair eu vou ficar fazendo assim vai que... “puxa!” a segunda vez, aí soltou um palavrão que eu não vou falar, “puxa piiii!”, aí eu puxei. No que eu puxei, o menino saiu, pulou, aí eu brulum, segurei que nem goleiro, só que é ensebado, por causa do, do... é todo ensebado, e com uma cor de defunto, eu estava desesperado. Aí pum, parecia um quiabo, segurando a coisa até que consegui segurar, né. E aí ele abriu o olho e me viu, né. Eu tenho o maior orgulho de falar, minha esposa se vier aqui vai falar que é mentira, eu fui o primeiro que vi, eu falo isso isso assim, eu vi e ele fez nhééum, ele não chorou, reclamou, risos – que nem eu falo nhééum. E eu falei “e agora, que eu faço?”, aí minha esposa virou, falou assim: “agora você cria”.
P1- E só pra entender, no banheiro estava só você e ela? Sua mãe...
R- Ah, um monte de gente palpitando lá do lado de fora, né assim. Que minha mãe “vai filho”, “calma filho”.
P1- Com a porta aberta olhando
R- É, porta aberta... Minha esposa sempre foi muito expansiva, sabe. Nudez com minha esposa nunca foi... Falava assim “Ciléia, tudo bem, mas não precisa ficar sem sutiã”, aí: “ah, é mesmo”. Porque em casa, com a minha família, nunca teve muito essas coisas, e a minha família acostumou, assim, não tem nenhum sex appeal o que a minha esposa faz, nenhum, as pessoas sabem que é interação, ela é totalmente avoada. Aí hoje não, hoje que tá com 35, que nem eu falo, já tá indo pros quarenta, mudou bastante. Mas naquela época, nudez, estar nua, era uma coisa normal, tanto pros filhos quanto até pra minha mãe. Mas muito palpite, as crianças participando, as meninas participando, ali perguntando “pai, quer alguma coisa?”, “tá, vai, liga para o médico”, “não, mas tá dando ocupado”, “então deixa pra lá”, e eu continuando a fazer.
P1- E ela deitada no chão do banheiro.
R- Não, cócoras! Com estilo, que isso, minha... Ela definiu tudo, e ela deitava e ela botava a mamadeira assim, e os olhos, ela tem os olhos muito grandes os olhão, parecia que fazia aquele negocio de palhaço sabe, póim-óióim, e ela “ahhh, ahh, urggh” e o pé dela de vez em quando, pum!, Na minha direção. Eu já tinha passado por isso com as outras duas, falei tudo bem, não é pessoal, falava comigo, não é nada pessoal, tal. Até a hora que o bebê saiu no que o bebê saiu, como eu contei, saiu dessa forma, coloquei ela pra mamar, pra amamentar, que ela estava desesperada, e é muito lindo esse momento, que uma mulher fica desesperada pra dar o peito é uma coisa muito bem planejada por Deus, tal, aí eu saí correndo pela casa, chorando, gritando um monte de palavrão “nasceu! Nasceu! Pqp, meu filho nasceu” e o coitado do amigo que estava lá embaixo, que não estava entendendo nada, “nasceu o que?”, risos, “o que nasceu?!”, “nasceu meu filho! caralho nasceu meu filho”, “como assim nasceu teu filho?”, “nasceu! Acabei de fazer o parto”. Ele ficou nessa posição que eu to aqui, olhando pra mim com o violão assim, eu falei “é, você é testemunha, nasceu meu filho, vou te apresentar”, e ele “é? E qual é o nome?”, falei: “é... não pensei nisso ainda”... Aí fui, sentar tal, fazer o corte, quatro dedos, nozinho, corta, que eu usei uma tesoura de casa, de costura, que eu nem me lembrei do negócio do corta. Pra não dizer que foi tudo perfeito, na hora que o médico chegou ele quis cobrar, eu falei “ô colega, você tá de sacanagem, desvalorizando meu trabalho”, risos, ele quis cobrar e ela perguntou se ela podia ir tomar banho, ele falou que sim, ela foi tomar banho e lá ela desmaiou, por perda de sangue, todo aquele esforço, desmaiou, bateu a cabeça de um lado, bateu a cabeça do outro, caiu deitada. Aí eu olhei pra cara dele e falei “doutor, que aconteceu?”, ele disse assim “ah sim, vamos ver” e começou a dobrar ela. Aí eu falei “deixa pra lá, deixa que eu faço”, aí peguei ela no colo, daquele jeito aí, aí acomodei e ele fez uma aplicação de reiki que ela disse que foi maravilhosa, naquele cortezinho que dá na mulher, esqueci o nome daquele cortezinho que dá. Aí pá, fiz a cicatrização tal e eu só paguei a visita domiciliar do dia que ele esqueceu o negocinho, né. E isso a historia da minha vida. Fiz música para o meu filho também.
P1- E como foi pra você ser pai?
R- Eu sempre quis ser pai. Nossa assim, eu agora to meio chateado porque a minha esposa, eu to com 50 e ela tá com 35, arredondando, falei “pô, vamo de novo aí? Que o mais novo já tá com nove”, ela falou “não...o negócio agora é outro”. Ela continua sendo uma mulher muito ligada a essa questão, então ela agora tá trabalhando como doula, e vai fazer curso de parteira, ela vai canalizar o negocio dela pra esse lugar – e vamos esperar os netos vamos esperar os netos. É filho pra mim é tudo, absolutamente tudo. Agora eles tão de férias, costumam ir pras casas de famílias, porque uma coisa que a gente decidiu logo de cara foi o seguinte: nós vamos acostumar nossos filhos, na época da filha, a gente nunca imaginou que ia ter três vamos combinar a acostumar a criança a estar em casas diferentes, não só da família, de amigos, pra, pra... Né. E deu super certo. Nossa, quando eu fico em casa, é... Os três têm celulares, da mesma operadora que a minha, porque eu fico ligando direto, eu sou muito apegado, é um problema, é o que eu tenho que resolver isso, eu sou muito apegado. E a menina mais velha agora já tá com 15, já é mocinha, já começa a mostrar... Outro dia fui buscar a do meio e o mais novo na escola, porque tinha perdido o ônibus, entrei por trás, e a flagrei abraçada com um coleguinha... Nossa senhora... Eu fiquei muito mexido com aquilo... Mas tudo bem, eu faço as minhas palhaçadas, mas eu entendo que faz parte da vida, né. Mas, é, adoro ser pai, adoro ser pai.
P1- E, Carlos, o que você faz hoje, então?
R- Profissionalmente?
P1- É, o que você tá fazendo...
R- Não, eu sou palhaço, a minha profissão é palhaço. Palhaço é uma profissão regulamentada pelo Ministério do Trabalho, é... E escrevo, eu sou escritor também. Atuo bem pouco até como ator, tenho alguns prêmios como ator, assim, trabalhando como ator... Mas eu gosto, dentro dessa possibilidade que tá me sendo dada aqui, de deixar bem claro que eu, eu sou palhaço, por profissão também.
P1- Mas nesse trabalho como palhaço você continua nos hospitais...
R- Não. Não, a gente dá muita aula, nesse nosso projeto de retiro do palhaço, que é o ano que vem... 2014, ano que vem, completam 10 anos o projeto, né. Dou aula de vez em quando pra alguma iniciativa da prefeitura de São Paulo e outros lugares assim... A gente se apresenta em SESCs, nós não temos uma característica de temporada, em teatro, a gente trabalha por empreitada. Então nos contratam, a gente vai lá, apresenta um número, faz o número de apresentações que nos contratam – trabalhamos por empreitada, né. E agora eu tomei essa decisão, que já vinha sendo maturada, mas tomei uma decisão muito clara de escrever, de viver e de escrever. Então eu tenho um livro editado pela Porto de Ideia, chamado A curva do rio, que são 9 histórias curtas que tem como pano de fundo o universo dos ritos de passagem né, que eu fiz parte... é prefaciado pelo dramaturgo e roteirista Luís Roberto de Abreu, que foi o mentor de um projeto que visa resgatar a oralidade para atuar em cima de pessoas que estejam em momentos críticos da vida, de passagem, principalmente da morte, então muito voltado pra terceira idade ou pra crianças que estejam terminais, essas coisas todas. Então, esse processo que nasceu de depoimentos pessoais, aí de novo o depoimento pessoal, é, passou por um determinado filtro, um determinado processo, e desembocou em uma história, que é narrada; então hoje isso é feito pelo Instituto Narradores de Passagem, que existe – e das 9 histórias que estão neste livro, sete nasceram diretamente quando eu estava com eles em 2005 e 2006, e
os outros dois que eu escrevi posteriormente. Esse é o meu primeiro livro.
P1- E você chegou a fazer esses depoimentos, também, você conversou com essas pessoas?
R- Narrar, eu narrei uma ou duas vezes. Porque a minha historia eu logo percebi que era escrever. Porque falando muito rapidamente, a coisa funciona assim: determinada pessoa conta um depoimento seu, que nem eu to fazendo aqui, aí todo mundo escuta, vive aquele drama todo – que é realmente, porque são historias muito dramáticas mesmo, né. Daí é escolhido alguém, ou duas ou três pessoas que vão escrever o que ficou na cabeça, ou no coração; então aí a pessoa escreve aí um segundo narrador vai estudar aquilo que foi escrito e vai recontar; aí um quarto, numa quarta etapa, vai novamente uma ou duas pessoas escreve sobre aquilo que o outro que até... E com isso aquela história vai se tornando do grupo. Quando ela chega num formato que é oral, aí ela é decorada e levada aos lugares que possam usufruir dessas histórias. Como era antigamente, ou seja, nós estamos tentando inventar a roda, porque sempre foi assim né, as pessoas contavam as historias, o corpo era velado na mesa da sala, e fazia parte da vida né. A morte foi colocada fora da vida, foi colocada no hospital e isso foram umas más ideias, vamos dizer assim, isso foi uma má, foi um chute fora do gol esse. Porque se isolou dessa realidade da vida e isolou quem está nessa passagem que é natural da vida, em detrimento da doença que for, é natural, as pessoas nascem, os seres nascem e vivem e morrem né, é o ciclo, e com isso você criou uma ruptura – que a gente encontra aí uma possibilidade de resgate: é assim que a gente entende. Com a devida humildade, porque a pior coisa que tem, entre muitas aspas, é aquele espírito messiânico de que “vim trazer a luz” “vim consertar definitivamente tudo que tá errado”. Eu caí nessa com o palhaço, nessa primeira época do palhaço sagrado, eu caí nessa – nossa, eu achava que o palhaço era a salvação do mundo. Essa minha guia espiritual e minha amiga, que é dramaturga também, a Ana Vitória, tem uma frase que é genial, ela fala pra todo mundo assim, porque ela também faz palhaço, ela comunga dessa energia também, ela fala assim: “no final do mundo, só restarão às baratas... e os palhaços. Veja de que lado você quer ficar.”, né. E é por aí que a gente vai caminhando, por que... Mas não é um ser de outro mundo, é um cara que, falando com todo respeito, é um cara que faz cocô também, sabe, é um cara que erra à beça e que talvez a grande vantagem seja em olhar o erro e rir daquilo. Toda minha pesquisa hoje é falar pra pessoa: “cara, sai dessa, ria de si mesmo, porque senão você vai parar num hospício”, e o hospício, o pior hospício que tem que é aquele que não tem como fugir dele, é a mente – é o que se chama de loucura. Qual a diferença de um xamã, o xamã vai lá, no inferno, e voltam, os loucos ficam. Entendeu, e muito disso tem a ver com essa questão, de se levar demais a sério, demais a sério, sabe, porque não é serio: se você for analisar friamente, se você for ver tudo, tudo, tudo, absolutamente tudo que não seja risível é questionável, é à base da criação de dogmas que está destruindo a humanidade. Por quê? Porque se cristaliza em verdades absolutas aquilo que é castelinho de areia, bonito, mas é um castelinho de areia - a menor lambida de mar leva. Então o palhaço que a gente busca é o cara que congraça, porque nós não estamos aqui pra enfiar dedo na ferida de ninguém – porque a ferida já tá doendo – então o que a gente precisa trazer é bálsamo. É falar pra você, falar pra você meu faraó né, vamos dizer assim, “ria, sabe, ria, vai ficar bem mais fácil, depois que você conseguir rir”, que não é fácil, porque passa de uma questão de auto perdão que é o perdão mais difícil de ser conquistado – depois que você passa por isso, ih!, 10 a 0 no placar.
P1-
legal... E Carlos,
hoje pra você, quais são as coisas mais importantes?
R- Respirar. Respirar sabia que a vida é realmente... Boa pergunta nesse momento, porque justamente tudo isso que eu acabei de falar. No final das contas a única coisa que existe mesmo é o ar que a gente tá respirando. Eu aí já vou como depoimento meu aqui, que acredito eu, no meu entendimento, que neste ar que entra e que sai, é que tá a relação humana. A gente traz pra dentro o que tá no mundo, mistura com o que a gente é e devolve né, na respiração, e com isso o ciclo de vida vai se constituindo no inconsciente coletivo do Jung lá, que o Jung chamou de inconsciente coletivo, que eu tenho muito medo de falar de alma, de espírito, porque mexe em suscetibilidades que ainda, e que faz parte de tudo, mas pra mim, respirar, e entender o fato que estar respirando são o grande milagre da vida, é a grande coisa séria da vida. E isso é sério! Estou respirando, estou pulsando, meu coração tá batendo, eu sinto quando boto a cabeça no travesseiro, eu sinto o vum-vum vum-vum. Ou seja, as possibilidades tão aqui ó: to-aqui to-aqui to-aqui, tá, então, isso é sério – o resto não é sério. Então pra mim hoje, tentar encontrar formas e mostrar isso é o grande sentido da minha vida. Tem uma amiga que eu perguntei recentemente, Ana Roxo, dramaturga também, grande atriz e ótima palhaça; eu perguntei pra ela assim, olhei no olho dela num momento de desespero, quando a gente tava tentando descobrir algumas coisas, assim “Ana do céu, pelo amor de deus, me diz, qual é o sentido da vida?”, ela assim: “o sentido da vida? É pra lá, ó”. Eu ainda olhei a mão dela, ela apontou com a mão esquerda, ainda brinquei “isso é ideológico?”, aí ela falou “então tá bom, é pra lá, pronto”. E aí eu recentemente fui buscar minha filha na escola, e flagrei duas meninas na altura dos 7, 8 anos, conversando uma com a outra, e uma perguntou pra outra: “fulana, o mundo gira?”, “gira”, “pra que lado?”, a outra: “ah, acho que é pra lá. Por isso que eu estou cansada, eu vim de lá pra cá”. Ai, eu achei tão genial, esse tipo de logica, esse tipo de olhar do mundo, é muito do palhaço, aí você fala “palhaço é coisa de criança?”, “não, palhaço não é coisa de criança, porque criança não precisa de palhaço tanto quanto um adulto”. Agora um palhaço é e transita em um universo que a criança ainda está, por isso é importante o palhaço para a criança, para mantê-la sã. É nesse sentido, não é uma questão de mercado, de público-alvo, a gente atua parceiro com a criança; um dos causos do baú, que eu cito nesse livro, da época do hospital, é justamente a menina que tomava açúcar pra poder ser internada, a gente a convidou pra fazer uma ronda com a gente – ronda, ronda de palhaço – com a gente no hospital. Então ela disse assim “vamos aos adultos”, eu falei “por quê?”, ela: “ué, eles tão precisando, vamos lá”, eu falei “vamos fazer o que?”, falou assim “ah, sei lá!, cada pergunta”. Achei tão genial, sabe, falei assim, “então vamos, vamos aí”, e é isso, o palhaço vive no momento presente. Por isso tudo, Cristina.... Estela... Por isso tudo, Estela, que eu tento te explicar que o palhaço não é um personagem, ele é um ponto de vista em movimento, em pulsação, em transformação e em relação constante com todo mundo, com todas as coisas: é momento presente o tempo inteiro, entendeu. Por isso que eu pensei em chegar cantando e ver o que acontecia, que nem a menina falou “vamos ver o que acontece”, é... É isso, estamos aqui eu, com essas pessoas todas que estão me dando à honra de saber quem eu sou e o que eu penso, mas principalmente com vocês três que tão aqui – que é a Cris, que tem, como que é teu nome? O Vinícius, que tá me gravando – que são pessoas que estão nesse momento aqui, nesse espaço-tempo, compartilhando o quê, um propósito de trazer para o mundo uma experiência. O que nós estamos tentando aqui, que eu estou entendendo, e que foi o que me atraiu, é nós estamos propondo ao mundo uma experiência, através do quê, através desta célula, que sou eu dentro desse organismo vivo que é o mundo.
P1- Legal, Carlos, só pra gente concluir assim, você tem sonhos, quais são seus sonhos...
R- Um deles é escrever... Não, escrever não porque eu já escrevo: é ganhar dinheiro com o que eu escrevo, é sustentar, trazer recursos pra minha vida, a vida da minha família, através do que eu escrevo. Cada vez que vendo um livro meu e eu vejo pingar 27 reais na minha conta, eu falo “bacana, isso eu vou comprar isso, vou comprar aquilo”, isso pra mim é muito importante, por mais que possa parecer uma coisa simples pra quem tá acostumado com uma quantia X por mês, já entrando assim, puxa que legal então isso tá me propiciando isso, então vou passar para o celular da minha filha, trãlãlã, essa, essa certeza de que o meu pensamento, meu sentimento, as minhas emoções, em formato de livro ou do produto afim, sei lá, videobook, o que quer que seja, tem a condição disso, e ganhar dinheiro com isso, e vender muito, mas não tanto pra ficar rico – que eu não tenho nada contra também, ficar rico. Mas mais pra ser lido, meu sonho é ser lido e conseguir fazer com que essa minha ótica que eu acabei de falar, se irradie pra outras pessoas, né. Seja através dos retiros de palhaço que a gente faz, seja através dos meus livros, mas que seja principalmente através de possibilidades como essa que eu estou tendo agora, onde a gente encontra pessoas que abram espaço nas suas telas mentais, vamos dizer assim, pra esse tipo de troca de experiência, né. Eu sou meu sonho maior é o de todo mundo: é ser feliz.
P1- Bacana.
R- Tem alguns agradecimentos que eu gostaria de deixar registrado.
Isso cabe?
P1- Se você acha que cabe na história da sua vida, sim.
R- Tem um que é muito importante, que é essa pessoa, essa dramaturga que eu citei, Ana Vitória Vieira Monteiro, com a qual eu me re-encontrei em 2004, e que graças a ela, e à Porta do Sol, esse centro de estudos que eu faço parte, e que comunga de um sacramento, ahayausca no caso, que é um sacramento, é que eu falo aqui com todo respeito, amor, dedicação e agradecimento, por conta de que sem ela eu não estaria hoje como eu me sinto – tão à flor da minha pele, eu me sinto eu hoje, à flor da minha pele, e muito mais potente para realizar, coisa que não acontecia naquela outra viagem que eu procurei no meu passado, que eu já contei aqui. Então eu sou muito agradecido a ela, como minha guia espiritual e como minha amiga, isso eu sou agradecido também a meus pais, por terem me colocado no mundo e aceitado me dar essa oportunidade de tá vivenciando, de tá entrando em contato com esse caldeirão todo que sou eu mesmo o tempo todo, não consigo fugir de mim, não tem jeito. Agradecer a vocês pela oportunidade, pela escuta, e torcer pra que essas palavras que eu disse aqui hoje, sejam sementes, boas, férteis, muito obrigado.
P1- Obrigada você. Não tem alguma coisa a mais?
R- É, com certeza, quando eu sair de lá vou falar “putz!, porque que eu não falei aquilo?”, mas aí já foi... Acho que é o que é, risos...
P1- Obrigada, Carlos, foi um prazer.
R- Obrigado você.Recolher