Depoimento de Mário Gomes d’Almeida
Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 08 de novembro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos
P - Boa tarde seu Mário.
R - Boa tarde.
P - Eu gostaria que o senhor dissesse se...Continuar leitura
Depoimento de Mário Gomes d’Almeida
Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 08 de novembro de 1994
Transcrita por Carlos Alberto Torres de Mattos
P - Boa tarde seu Mário.
R - Boa tarde.
P - Eu gostaria que o senhor dissesse seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R - É Mário Gomes dAlmeida. Local de nascimento, São Paulo, capital e no dia 29, dia de São Pedro, quer dizer, do mês de junho, né, de 1925.
P - O nome dos pais do senhor e local de nascimento.
R - Bom, meu pai, eu vou falar "era" porque são falecidos, né. Era Manuel Gomes dAlmeida, nascido em Portugal na cidade de Arouca. A minha mãe era italiana, nascida em Bari, na Itália, e meu pai nasceu em 1895 e minha mãe em 1896.
P - E eles vieram pro Brasil quando seu Mário?
R - Bom, a família da minha mãe veio entre 1895, 96. Dizem que a minha mãe nasceu num navio, né, ela tinha nacionalidade italiana porque a bandeira era navio, navio naquela época levava 30, 40 dias pra chegar aqui, né. Então eles vieram nessa época, em 1895. E o meu pai, a família do meu pai veio em 1908, mais ou menos, por aí, veio bem depois.
P - E qual era a atividade do pai do senhor em Portugal e da mãe do senhor na Itália, o que eles faziam?
R - Bom, do meu pai em Portugal eles, a família era muito grande, eles eram nove irmãos, ainda tem, ainda tem lá família, uma quinta, pelo que eles diziam, era uma fazenda no Brasil, né. E a atividade deles era agrícola, não é? E da minha mãe a mesma coisa lá na Itália também, a atividade deles era agrícola, né.
P-
E o senhor sabe o motivo pelo qual os avós do senhor, ou seus pais se mudaram para o Brasil?
R - Olha, motivo, acho que de todos os imigrantes daqueles períodos, todo, que veio de... naqueles 30, 40 anos, que aconteceu aquela grande imigração, né. Acho que a procura de uma oportunidade melhor que não tinha no local onde eles estavam, né. O que não se dá hoje que é bem ao contrário, né.
P - O senhor havia dito pra gente que me parece que o avô, por parte de mãe, ele era militar e que ele tinha tido oportunidade a esse nível com relação à imigração.
R - Mas ele era militar, além de ser agricultor, como a cidade é pequena, ele também era militar, quer dizer, ele tinha servido talvez o exército lá e continuava com aquela experiência. E aqui aconteceu que houve aquela... acho que uma revolução, se não me engano, eu não exatamente o nome, acho que foi Rodrigues Alves, naquele tempo era presidente ainda, né. E ele se ofereceu como mercenário, né. E o governo ganhou aquela revolução e ele foi beneficiado como outros com terras, né. E ele recebeu lá em Sabaúna o que equivalente a uma fazenda hoje, que naquela época não valia, é claro, o que vale agora, né. E daí ele começou a desenvolver também a parte agrícola. Plantando frutas etc., etc., até morrer e a família, quando ele morreu, veio para São Paulo, porque não tinha condições de ficar mais lá sem orientações. Naquela época o pai era patriarca, morria descontrolava qualquer família, não é?
P - E me diz uma coisa, seu Mário, a família do senhor quando veio para o Brasil. Lá eles mexiam na parte de agricultura e tal, a mãe do senhor passou a fazer o que aqui no Brasil, e o pai do senhor?
R - Bom, a minha mãe ela... Lá, quando veio da Itália, veio direto pro interior, ela mexia com agricultura aqui, mas quando aconteceu depois de vir pra São Paulo, teve que vir uns dez anos depois porque morreu o pai, também as terras não valiam nada naquela época, a ponto de fazer negócio. A minha avó vendeu e não conseguiu fazer nada com o dinheiro que vendeu. E a minha mãe foi trabalhar como tecelã, na fábrica do Crespi na Mooca, que era uma grande fábrica de tecelagem. Ela começou como aprendiz e chegou a mestre de tecelagem, na época chamava mestre.
P - E o pai do senhor fazia o quê?
R - O meu pai, o meu avô era alfaiate lá em Portugal. Apesar de eles terem agrícola, porque os irmãos continuavam trabalhando na terra, uma irmã estudou professora e o outro ficou alfaiate e o meu pai ficou também alfaiate. Porque na época, prova de eles terem vindo pra cá, é que a agricultura não dava nada. Então ele tinha uma profissão também, de alfaiate. E ele então começaram a exercer aqui a profissão de alfaiate.
P - Certo. Eu queria que o senhor falasse um pouquinho do bairro onde o senhor nasceu, aqui em São Paulo, e da casa onde o senhor morava, da rua onde o senhor morava, eu queria que o senhor falasse um pouquinho a respeito disto.
R - Eu nasci no bairro da Mooca, ali na rua, inclusive certa, né, Ourives (Derbi), que eu nasci foi lá. E fiz a escola primária, toda lá na Mooca, né. Então foi um bairro onde toda a família da minha mãe morava lá na Mooca e do meu pai morava em Santos, mora ainda, os descendentes ainda moram em Santos. Então, na verdade a minha infância foi na Mooca, jogando bola naqueles campinhos que tinha toda aqueles terrenos baldios, ainda na época na própria Mooca. Então minha infância foi bem da época de todos, muita brincadeira, muito jogo de rua, muita folia de rua, muita bicicleta, essa coisa toda, que hoje não tem, infelizmente, mais esse espaço, né.
P - E o senhor falou da escola. O senhor estudava em que escola?
R - No Grupo Escolar Oswaldo Cruz, que é na Rua da Mooca.
P - Ah, certo. E o que o senhor lembra dessa fase escolar, o senhor acha que a escola era melhor era... como que o senhor vê essa escola hoje, daquela época?
R - Eu comparo não por palpite, porque eu tenho filhos e netos, então eu tenho meios de comparar. A vantagem minha de ter essa idade é que toda vez que eu faço comparações, eu tenho meios de fazer comparações e outros, muita gente mais nova não tem, é claro, né. Então não tem comparação nenhuma, mas é de mil para zero a escola de hoje perde pra escola da época. Você tinha até o quarto ano, você tinha câmbio, você tinha, você estudava matemática de alto equações. Você tinha praticamente cursos que hoje vai a segundo grau no quarto ano daquela escola. E havia repetição. Eu conhecia amigos que repetiam três, quatro vezes o segundo ano. Porque não passava se não tinha capacidade, eu felizmente tive muita sorte, eu fui um ótimo aluno, né, eu tirava nota. Porque notas naquela época era cem, eu tirei sempre nove, nove e meio e fui declamado com 9,8, 98 que seria hoje. As escolas realmente, as professoras você marcava. Era, a professora tinha uma, eram idolatradas porque eram importantes, elas ensinavam, a disciplina era diferente, né. Você não tinha condições de fazer nenhuma brincadeira na classe, mas nenhuma, de modo nenhum. Era estudar o tempo todo, lições pra casa, você tinha que fazer lições. Era escola mesmo, a de hoje infelizmente, as escolas públicas, talvez algumas particulares, talvez tenham um padrão melhor mas as públicas pelo que se vê hoje. Apenas uma alfabetização mal feita.
P - Eu queria que o senhor falasse um pouquinho. O senhor falou um pouco das brincadeiras e o lugar onde o senhor morava, como era lá na Mooca, que região, como é que era?
R - Era uma boa da Mooca ainda na época. Uma parte que já tinha calçamento, que na Mooca, uma área da Mooca é muito grande, né. Vai até o alto da Mooca, uma região que ela dá saída pra Quarta Parada, dá pra Vila Formosa. A Mooca na verdade, até dizem, né, se nasceu na Mooca, já é um bom currículo, na época não?, quem nasceu na Mooca, porque na Mooca, a indústria que cresceu foi toda na Mooca, você tinha todas... grande parte era o Clark, era o Crespi, enfim, eu ouvia apitos da fábrica das seis da manhã, de quem entrava às sete, da que saia às 11, os turnos. Então a Mooca realmente era um, é como quando o Fiorelli (La Guardi) que era prefeito de Nova York, quando veio pra São Paulo, isso já foi faz tempo, né, sei lá isso foi uns 30 anos atrás. Então, quando ele visitou a Mooca e visitou o Jardim América. Quer dizer, aqui se trabalhava, aqui se comia, né. Então a Mooca realmente ela tinha um poder de indústria fantástico, né. O grande impulso do Brasil, inclusive, pode-se dizer que boa parte foi, nasceu na Mooca. E aí compreendia a parte do Brás também, né. Porque São Paulo, você veja, ao redor do grande centro é que foi crescendo. Então os bairros mais antigos e que trouxeram crescimento em São Paulo é a Mooca, vem o Brás, vem o Bom Retiro, são, é o círculo em volta da cidade, que era a Praça da Sé. Então a gente, na Mooca a gente respirava só trabalho, mas como crianças, brincávamos bastante, sem dúvida. Mas a meta era jogar futebol.
P - Seu Mário, eu queria que o senhor falasse um pouquinho como é que o senhor começou a trabalhar? Quando o senhor começou a trabalhar e onde o senhor começou a trabalhar?
R - Eu comecei a trabalhar quando eu saí do grupo escolar. Fiz quatro anos, comecei com sete, sai com 11 e o primeiro emprego, aí, quando, nesse mesmo período coincidiu que meu pai veio montar uma alfaiataria na Consolação. E a minha mãe saiu da fábrica, também vieram todos pra Consolação. E então eu tive que trabalhar, né. O primeiro emprego foi numa loja de material elétrico que se vendia ferro elétrico e vendia rádios. Era uma loja, chamava-se Casa Pires, e eu, minha mãe foi procurar logo emprego pra mim, perto de casa e eu fui lá admitido nessa loja, né. E único empregado dessa loja era eu, então não tinha mais ninguém. E eu fui aprendendo tudo, seu Pires me ensinava, e no fim ele me deixou como gerente da loja. Dois, três meses depois eu era o gerente da... loja, ele me ensinou a consertar ferro elétrico, a vender material elétrico, a vender lâmpadas etc. E quando a noite eu fiz, eu aproveitei, eu fiz um cursinho na Remington de datilografia, os rádios eram vendidos a prestação, então eu já batia as promissórias, tudo. Eu fazia tudo, ele deixou tudo na minha mão, fiquei dois anos lá, quer dizer, o primeiro emprego eu já fui gerente, é interessante, né. Eu tinha que ser comerciante mesmo, né. Acho que eu já tinha jeito até pra coisa, né.
P- E me diz uma coisa, como que eram vendidos os ferros elétricos, eles eram embalados como? Eles era expostos como dentro da loja?
R - Bom, os ferros elétricos ainda era o começo do ferro elétrico, o começo do rádio, né. Ainda os primeiros anos na verdade, né. Então, eram ferros elétricos grandes, pesados, aquelas resistências ainda de mica, né, tudo aquilo, uns fios. Então, vinha normal, não vinha empacotado, especial, em caixetas, nada disso. Então nós tínhamos prateleiras, empilhávamos os ferros, as gavetas para o material elétrico e o rádio ficavam empilhados no balcão. Então vendia tudo a prestação, naquela época a prestação não tinha, não tinha inflação, era dez pagamentos de dez, e assim por diante e eles vinham pagar religiosamente de todo mês que comprava, tudo certinho.
P - Então o pagamento era feito na própria loja?
R-
Na própria loja, não tinha banco, nada disso, na época você tinha bancos na Rua XV de Novembro, na Rua da Quitanda, só, então não ... ali tudo era feito assim na confiança, em confiança, você olhava, não merece crédito, mas todos mereciam crédito, tinha pouca vigarice naquela época. Coisa inacreditável mas na época era verdade.
P - E aí depois o senhor saiu e foi trabalhar aonde?
R - Aí depois eu tinha um vizinho que trabalhava, eu queria trabalhar numa loja grande, né, que aquele era uma
loja pequena: "Eu quero uma loja grande" E tinha um vizinho meu que trabalhava como balconista na Casa Leite, naquela época tudo era Casa, Casa Pires, Casa Leite. E essa Casa Leite foi famosa, como era o Mappin, a Casa Alemã etc., era uma loja muito grande ali na Rua Líbero Badaró e os donos eram alemães inclusive, né. E era a época que estava chegando a Grande Guerra dos alemães, tinha problemas, e aí eu falei: "Vê se me arruma um emprego lá, nessa loja, né, uma loja grande já, senão aqui eu não tenho aonde melhorar, né." E ele me arrumou como auxiliar de depósito. Eu sempre apostei: "Eu vou, qualquer negócio eu vou fazer", e fui lá e me botaram de ser auxiliar de depósito e foi indo, foi indo, fiquei o segundo homem lá do depósito, só tinha o mais velho que eu, que cuidava, ele saía que ficava com ... E lá eu trabalhei dois anos lá. E quando eu vi que eu não conseguia sair do depósito eu falei: "Bom, eu vou sair daqui porque aqui não dá." Na época, hoje se considera que o esgotamento dos homens de vendas chega a dois, e tem firma que chega a um ano. Chupa todo o conhecimento, toda a criatividade e entusiasmo e depois manda embora. Porque ele se acomoda, homem de venda, né. E eu já pensava isso em dois anos, na época, né. Eu ficava dois anos, não dava, eu vi que não dava pra crescer, procurava me mandar.
P - Ela fazia o que essa loja? Ela vendia o quê?
R - Ela vendia roupa de cama, mesa e banho e vendia tecidos.
P - E ela vendia como, era por quilo ou por peça?
R - Não, não, era tudo por metro e por peças. Tudo era para uma clientela cativa que a maior parte era colônia alemã em São Paulo, que era grande. E essa colônia era tudo por contas mensais, tanto é que todo mês eu recebia um extraordinário pra entregar contas, né, eu recebia um extraordinário da empresa: "Você vai receber além da condução, o extraordinário pra conta." E aí aconteceu uma coisa muito interessante nessa Casa Leite. A firma era alemã, um dos sócios era português, que era empregado antigo, que acabou sendo sócio, e a caixa que chamava-se na ocasião, a caixa da loja era inglesa, a miss Júlia, era mãe da miss Clarie, que era diretora do Mackenzie. Eu então comecei a querer aprender inglês. Aí eu comecei a provocar ela, ela começou a me ensinar inglês. Eu em dois anos sai falando em inglês de lá. Naturalmente o suficiente pra que eu entendesse e as pessoas me entendessem e eu conseguisse ler e entender. Então, daí me ajudou muito para o futuro, inclusive, saber isso.
P- E me diz uma coisa, como é que o senhor, aí, desse emprego o senhor foi pra onde, seu Mário?
R - Depois eu tinha um primo que era vendedor e ganhava muito bem. E o vendedor naquela época era respeitado tinha status etc. Ele era vendedor da Casa Bertucci, a Casa Bertucci ela era uma firma atacadista da Rua Paula Souza. Paula Souza era o centro de todos os grandes atacadistas do Brasil. Tinha o F. J. Araújo Pinto, Júlio Meca, F. Monteiro etc., e a Casa Bertucci. A Casa Bertucci era um atacadista que chamava-se na época Secos e Molhados, quer dizer, alimentos, molhados e secos, né. O molhado que se chamava era bacalhau etc. E
seco era conserva em lata etc., vinhos, salame, tinha Salamaria, era uma firma gaúcha, inclusive. E tinha todos os produtos do Sul: salames, presuntos, aqueles presuntos italianos, que não precisava de geladeira. Geladeira, uma época, era uma coisa que não tinha tantas assim ou quase nenhuma, né. Era de gelo ainda. E aí falei para o meu primo: "Arruma qualquer lugar pra mim aí, porque eu estou vendo que aqui na casa alemã, aqui não vai dar de eu sair de auxiliar de depósito. Me arruma qualquer lugar" "Não, pra vendedor não dá. Você não tem experiência" Eu falei: "Eu não quero vendedor, eu quero qualquer coisa, o que você tiver de emprego, me arruma lá." Ele falou: "Ah, se você quiser tem lugar pra faturista, você sabe escrever a máquina, vai lá." Aí eu fui comecei a bater lá durante um mês ou dois, aí começou a encher aquilo. Eu falei: "Bom isso aqui não vai dar em nada." Aí eu cheguei para o senhor Bertucci e falei: "Olha, senhor Bertucci, o senhor não tem lugar pra mim carregar caixa no depósito, qualquer coisa, eu não quero ficar batendo à máquina aqui, né." Falou: "É, eu tenho auxiliar de depósito, se você quiser separar mercadoria para o caminhão." Eu falei: "Tudo bem, então está bom." Eu fiquei lá separando mercadoria. Fiquei conhecendo toda a mercadoria, os preços, o sistema, vinham os vendedores conversavam, né. E fiquei sabendo, aí eu falei para o Bertucci depois, acho que uns seis meses que eu estava lá. Falei: "Olha eu sou, eu quero ser vendedor." Ele falou: "Não pode, já tem vendedores aqui." Eu falei: "Bom, mas qualquer coisa, eu quero ser vendedor aqui." Ele falou: "Só se for assim: você vai correndo São Paulo todo, ou Grande São Paulo, não era Grande São Paulo, naquele tempo era São Paulo, né, e você entra nas casas e pergunta: "O senhor já compra na Casa Bertucci? Não", pode vender, se ele já compra você não pode vender, porque é de outro vendedor." Então eu falei: "Eu topo." Aí então ele falou: "Bom, eu tenho uma malinha velha, aqui, te dou a listagem." Me deu uma malinha surrada lá e tal e sai, e comecei a vender, começou a dar certo. Muita coisa que os vendedores não faziam eu fui fazendo, né. E ia pra São Bernardo, onde o vendedor não ia porque era longe, eu ia. Lá a gente vendia e cobrava também, a duplicata, tudo era feito assim.
P - E nessa época já eram colocadas as duplicatas em banco? Era em carteira?
R - Não, não tudo. Era vendedor que cobrava, vinha com dinheiro, não tinha perigo de assalto, não tinha nada. Assalto não existia, isso é bobagem, então a gente recebia, e duas, três vezes por semana ia lá prestar contas e ver se tinha alteração de listas de preços, qual é o produto que tinha acabado, que tinha chegado de novidade. Se atualizar para continuar vendendo. Eu já comprei uma pasta nova, tal etc. Comprei uma roupinha melhor, pra me apresentar, e foi indo, foi indo, e comecei a vender bem. Aí depois de um bom tempo como vendedor, um dos clientes meus, que era um dos bons clientes meus, era a padaria Regência, aliás não era padaria era sofisticado, era Panifício Regência, ainda hoje é. Padaria era comum, panifício era no Jardim Paulistano, bairro rico, né. E ele me convidou pra ser gerente, ele falou: "Olha, você tem um dinamismo lá, gostei, você não quer vir aqui pra trabalhar de gerente, o gerente não está
muito bom." "Topo." E fui. E fiquei um bom tempo trabalhando como gerente lá. E aí essa padaria, ela tinha uma clientela muito, de poder aquisitivo muito alto. E muito, predominava muitos estrangeiros, então eu falava italiano, porque a minha mãe era italiana e acabei aprendendo. E São Paulo só se falava em italiano também. Naquela época São Paulo era o fascismo, era o Rato Verde, era o Palestra, era, a colônia italiana dominava tudo, né. E eu era filho de italiano, então, tinha mais facilidade também aí. E o inglês porque eu já tinha e fui naturalmente fui estudando, depois sai pra noite, alguma coisa melhor. E essa padaria além dos pães muito finos, né, ela tinha a confeitaria, e além disso ela tinha uma mercearia de produtos importados muito fina, bebidas, tudo importado, e tinha um bar, um european bar, quer dizer, bar europeu mesmo, sabe, mesmo na... e tinha uma sorveteria muito fina. Tinha massas, então uma casa muito boa. Movimentava fantástico. E aquela zona o pessoal quase que não ia à padaria, porque era entregue o pão pelo menos. O padeiro pegava o pão da padaria e entregava a domicílio. Então nós tínhamos uma média de 30 carrinhos de padeiros autônomos que levava pão da gente, dava um desconto e ele fazia as entregas. Isso eu fiquei lá um bom tempo, foi na época que eu casei. E aí então aconteceu uma coisa interessante. Uma das clientes que era uma americana, né, a miss Mary, e ela falou: "Mário eu tive notando aí, você parece que tem jeito pra coisa, um bom gerente, você vai... está surgindo aqui... eu tenho um amigo no Brasil que trouxe dos Estados Unidos a idéia do supermercado" Eu falei: "Bom, eu não sei nem o que é isso." Ela falou: "Supermercado ...", e ela foi explicando e ela falou que o futuro do Brasil vai ser isso. E a gente falando inglês, né. E ela falou: "Você não gostaria de começar eu estou achando que você tem jeito, você devia se meter nisso", eu falei: "Tem razão, porque padaria também tem um limite, eu já estou meio saturado." E aí ela falou, ela me deu um cartão, eu fui procurar o senhor Raul Borges que estava trazendo dos Estados Unidos a idéia do supermercado. E ele trouxe a idéia do supermercado, mas precisava investimento. O investimento já era grande, mas como ele era um jogador de golfe, desse São Paulo Golfe Clube, que ainda até hoje é assim, somos Big shot, o presidente da empresa, multinacionais etc. E ele falou, aliás, ele conseguiu, como acionista pra investir dinheiro o Wallace Simonsen, que era do Banco Noroeste. O Cruz Lima, que era da Linhas Corrente, o Horácio Sabino Coimbra, que era o dono da Cacique, já morreu, mas potência, né. E com amigos ele conseguiu reunir aquele, fizeram, pra montar o Sirva-Se na Consolação. Mas saí, quando ela me deu o cartão, eu fui procurar o Raul Borges, e o Raul Borges era o dono da Loja Araújo. A Loja Araújo foi a primeira loja do Brasil com carnes de cortes europeus e americanos, e tinha o auto-serviço, era uma pequena loja de conveniência, praticamente da época, né. Mas a força era as carnes, cortes americanos etc., europeus. Então quando eu fui procurar o Raul ele falou: "Olha,
eu tenho aqui um lugar pra você." Acho que ele não me deu muita importância, só quis atender o cartão, sabe como são essas coisas, né. Mas eu, como sempre tive tranqüilidade, confiei no meu taco. Ele falou: "Olha, se você quiser vir pra cá até abrir a loja,
aí não sei,
você vêm pra cá, te dou um salário mínimo, e você vem pra cá e fica aí." Eu na hora falei:
"Eu topo." Eu ganhava muito, um dez ou 15 vezes mais do que na padaria. Mas eu falei com minha mulher e ela falou: "Olha, você que sabe." Topo, fui pra lá. E comecei a preparar fichas etc. E aí ele começou a ver que eu sabia do negócio dos alimentos, né. E ele falou: "Faz o seguinte: eu estou construindo a loja, a primeira Sirva-se da Consolação, e vai demorar uns seis meses porque tem que construir, equipar, tem que importar equipamento etc. Você fica na Loja Araújo aí. Vai, vai ajudando lá. Depois de uma semana ele falou: "Você não fica ajudando não, você fica gerenciando essa loja até abrir." Eu falei: "Tudo bem, fico gerenciando a loja" e fiquei lá gerenciando a loja. Bom, ali eu aprendi uns cortes, mexer com carne...
P - Me diz um coisa seu Mário, qual a diferença, o senhor falou em corte americano e corte europeu. Eu queria que o senhor explicasse o que é corte americano e o que é corte europeu?
R - Nós tínhamos lá, ele tinha contratado um francês que era o Fernando Carrão. Esse Fernando Carrão, na França o açougue, quem mexe com carne, ele é um curso universitário, sabe? Porque entra anatomia, o corte da carne, a criação do gado etc., etc., etc. Então, tem cortes, cada pedaço do boi, são diferentes as partes mais macias, mais gordurosas, menos gordurosas, que aí fica extenso eu explicar cada pedaço, que eu conheço, que eu aprendi. E ele foi me ensinando, porque eu sempre quis aprender, quem não me ensinava não tinha outra saída, tinha que explicar o que eu perguntasse, né. Então eu acabei. Os cortes, vou te dizer alguns que você deve conhecer em churrascaria, tipo T-Bone Steak, isso não tinha, daquela época pra cá que foi acontecendo isso, né. O T-Bone Steak é o pedaço que tem o, antigamente se chamava bisteca. O T-Bone Steak que ele tem, é o T do osso, e que vem o filé mignon e vem o contra filé, certo? E aí tem o tornedor, os medalhões, são as carnes cortadas do filé mignon, você tem pedaços que entra aqueles rosbifes que são enfiados os pedaços de toucinho no meio, então uma série de cortes que é praticamente só você pôr ou na panela, ou no forno. Então praticamente você não vê mais nesses supermercados, você vê cortes simplórios, só. E se eu vou descrever tem um sem número de cortes especializados, né. E daí então quando ele inaugurou, aí ele falou: "Bom, quando abrir a loja, você, pelo jeito seu aqui da loja, você vai ser um bom chefe da seção de frios, faltava uns três meses pra abrir. Fiquei quieto, não falei nada, tudo bem. E ele não mudou meu salário mínimo não. Aí quando faltava dois meses pra abrir a loja, ele falou: "Você vai ser o gerente da loja, lá do primeiro supermercado. Eu falei: "Tudo bem." Então tem umas revistas americanas, você vai lendo e você que vai montar a loja. Naturalmente a gente vai orientar você também. E aí foi montada a primeira loja, nós fomos buscar funcionários na mercearia do Mappin, fomos buscar funcionários do grande mercado central, o japonês que conhecia legumes. E assim por diante fomos montando e montamos a loja. E a loja do Sirva-se, ela foi montada num padrão que hoje até tem muita loja que ainda não tem o padrão que nós tínhamos, né.
P - Como é que foi isso? Como que a população aceitou essa nova, vamos dizer assim, essa nova proposta de comercializar alimentos e latarias e tal? Porque pelo que o senhor descreveu é mais ou menos uma coisa que existe hoje. Eram todas em prateleiras, eu queria que o senhor descrevesse um pouco como é que era a loja e como que era o sistema de trabalhar, e como é que a população aceitou isso?
R - Bom, a loja foi montada dentro do padrão americano, ela foi montada com gôndolas aqui, nós contratamos (fim da fita 049/01-A) uma marcenaria pra fazer as gôndolas, chamadas prateleiras do meio. Foram importadas a parte de frio, foi toda importada. As máquinas registradoras também foram trazidas, os carrinhos, tudo, assim foi feito tudo isso para o primeiro supermercado. Depois começaram a ter alguém que se interessasse em fazer isso no Brasil. Mas ela foi montada exatamente como é uma loja hoje, tudo, só que não tinha todos os produtos empacotados, e uma grande parte desse empacotamento, nós tivemos que fazer. Então comprava arroz a granel, comprava feijão etc., grão de bico, ervilha, e nós empacotávamos. Porque tinha que ter auto-serviço pra tudo.
P - E quem eram os fornecedores? Os maiores fornecedores do supermercado?
R - Uma coisa que você perguntou, a clientela como ela estava localizada ali perto da Paulista, grande parte já eram estrangeiros, como eu disse naquela zona baixa dos jardins. Então uma grande parte já conhecia esses supermercados americanos. E uma grande parte achava que precisava
pagar pra entrar, porque nós colocamos uma catraca pra registrar o número de pessoas que entravam. Não para impedir que entrassem, mas a catraca na verdade impedia que pessoas entrassem, porque, puxa, precisa comprar ingresso, precisa pagar, era uma novidade completa. Não tinha nada igual, né, foi o primeiro no Brasil. Então a gente, no início, nos primeiros dias eu fiquei na porta muitas vezes orientando, ajudando com carrinho e depois eu peguei uma recepcionista, orientei, ela andava com as pessoas, empurrava carrinho etc. Homem achava que era afeminado se empurrasse carrinho. Sabe, de tudo tinha. Isso era em 1953, né. Então isso foi sendo superado e a loja foi o pionerismo que sempre é muito sacrificado, né. E ali aconteceu uma coisa muito interessante. Quer dizer, eu fui o primeiro gerente de supermercado, e aconteceu que estava começando a televisão também e era a TV TUPI. E aconteceu uma coisa engraçada, era ao vivo os comerciais da televisão e a fábrica Peixe ela fez um, naquelas terminais de gôndolas, uma pilha de marmelada, e ela falou assim: "Ó Mário, você não quer ser, nós temos que filmar, você não quer ficar aí do lado e falar que você vende bem marmelada e tal?" Eu falei: "Ah, tudo bem, se vocês acham que dá, eu vou fazer." E aí botaram, na época já tinha aquela capa branca, a gente tinha que botar aquela capa branca porque era higiênico e trabalhava, o próprio gerente usava. Uma coisa que já impressionava bem. A limpeza era muito importante, as pessoas que trabalhavam tinham um, inclusive o pessoal da carne, trabalhava com roupa branca, gravatinha borboleta, e tal. A gente tinha um trabalho, copiado americano, e hoje não tem muito disso não. Chapeuzinhos branco e tudo, e aí veio o primeiro filme e eu fui o primeiro garoto propaganda também, né, o que aconteceu, engraçado isso, né? E ficou, e eu não tinha televisão, porque eu não tinha dinheiro pra comprar na época ainda, né. Porque eu estava, como eu te disse, eu fui pra um salário mínimo e minha mulher quase que me mata, né, e aí comprar televisão de quê? Todo mundo viu, menos eu, todo mundo, alguns que tinham televisão. Então foi outras coisas de pioneiro que também engraçada.
P - E depois que o senhor subiu como gerente ele não mexeu no seu salário, seu Mário? (risos)
R - Não, ele mexeu e foi bem mexido, foi para umas dez vezes ou mais. No próprio mês da gerência ele já tinha me dado uns dez salários a mais, que aí estava comprovado que era eu mesmo para ser o gerente, né.
P - E me diz um coisa...
R - Opa, desculpe.
P - Não, pode falar.
R - Não, é que as coisas foram, eu sempre tive a conquista, quer dizer, eu fui formado conquistando tudo e até hoje ainda é assim, é engraçado, né. Eu acho que a gente nasce predestinado, né, nada vem, nunca ninguém me arrumou nada. Eu sempre fui atrás, né. Porque esse emprego que essa americana me mandou foi salário mínimo, na verdade, não me arrumou emprego nenhum. Mas ela me abriu um caminho que ela acreditava, eu fui na dela, e acreditei, palpite, engraçado isso.
P - Me diz uma coisa, o senhor ficou no Sirva-se quanto tempo?
R - Ah Um ano só.
P - E o senhor saiu por quê?
R - Eu saí pelo seguinte: porque os dois, o Fernando Pacheco e o Raul Borges, que foram que trouxeram idéia dos Estados Unidos, eles receberam pelo investimento que eles conseguiram, geralmente eles dão 10% pela incorporação. Então eles só tinha 10% só do capital, porque eles não entraram com dinheiro nenhum, só com a idéia etc., etc. E aconteceu que um ano depois, isso já era próprio, acho que até hoje ainda é, assim de banqueiro, eles subiram o capital 30% acima do valor, e eles não tinham dinheiro pra acompanhar. Iam ficar numa minoria desgraçada, resolveram sair. E quando eles saíram, eles disseram: "Mário, nós vamos começar uma grande rede de supermercado, você pode acreditar nisso." Você, isso uns seis meses antes mais ou menos eles me falaram: "Você vem trabalhar com a gente que você vai ser o diretor dessa rede. Podemos contar com você?" Eu falei: "Pode" "Bom e se eles começarem ..." Eu falei: "Não tem dúvida nenhuma, vocês podem contar, eu vou de qualquer jeito." Porque eu sempre apostei, não discuti salário, nada. Fiquei trabalhando lá enquanto eles começaram. Eles arrumaram novos investidores, na mesma condição da incorporação etc. Laboratórios franceses, né, e dali a pouco eles vieram: "Vai Mário, nós já estamos, já arrumamos lugar na Rua Rego Freitas, já tem um galpão, era uma garagem de automóveis. Estamos reformando e quando começar, pra montagem... a construção eu não preciso de você lá, mas na montagem eu preciso de você, eu te aviso um mês antes, você. Chega lá: "Mário, está na hora" Falei: "Tudo bem." Aí subi lá em cima, subi lá no escritório e pedi lá demissão, pra empresa lá. E quem estava dirigindo na época lá, o Sirva-se, ele trouxe o que era o ex-diretor do Instituto Brasileiro de Café, que o Simonsen controlava, este instituto na época e era o doutor Oswaldo Ribeiro Franco, que estava lá controlando o Sirva-se. Eu cheguei pra ele e disse: "Eu estou pedindo demissão." "Mas como pode, de que jeito, qual é a razão?" "Não é que eu vou sair, eu vou trabalhar com o pessoal que fundou aqui o Sirva-se, o Raul Borges." "Mas quanto eles vão te pagar? Eu pago o dobro, eu não quero nem saber." "Não vim discutir salário. Estou pedindo demissão" "Mas como, se eu pago o dobro? Você é burro então" "Não é questão de burro, é um compromisso assumido. Não tem nada." E acabei saindo e fui pra lá. E aí eu já fui contratado como sendo diretor da rede toda. Então, em dez anos nós construímos 11 lojas, né, do grupo Peg-pag.
P - Era o grupo Peg-pag então?
R - O grupo Peg-pag. Construiu 11 lojas em São Paulo e três no Rio. E eu sempre dirigindo, no início eu dirigia a quase tudo, que eu tinha uma loja, não tem sentido de você ter uma hierarquia de dez, 15. Aí, aí a família foi crescendo e eu acabei ficando só com a comercialização e controle da empresa. A parte operacional e administrativa foi tendo mais importância e precisava de gente também.
P - Me diz uma coisa seu Mário, como é que... o senhor falou um pouco pra gente, foram criadas algumas idéias dentro do Peg-Pag, não é? Que pelo jeito elas se perpetuam até hoje, como: "Pegue 2 e Pague 1", a questão da reciclagem, eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho disso pra gente.
R - O Peg-pag, na verdade, ele começou com o capital, na época necessário para uma loja, né. E pelo que eu sei eu tinha um por cento que me deram de presente das ações. O que acontece é que houve muita criatividade no Peg-pag, foi uma das razões do crescimento, né. Uma delas, foi esse que, como surgiu a idéia do "Pegue 2 e Pague 1", né. As idéias têm que nascer, né. Eu tenho por brincadeira ser criativo, é um passatempo meu até hoje ainda, né, criar coisas, né. Criar coisas sempre no sentido do comércio, não de fabricar nada e como comercializar. Então, até tem uma pessoa, era o Sevilha, ele era o gerente de vendas da Fleischmann Royal, que fabrica pudins e gelatinas Royal, e ele estava numa época do frio e ele disse: "Mário, preciso vender gelatina." Eu falei: "Só se você está louco, só se você desse de graça."
Não ia vender gelatina no frio. "Você quer aumentar a venda da gelatina, então só se você der de graça." Ele falou: "Como, eu der de graça?" Ele levou a sério o que eu falei, né. Eu falei: "Mas é claro, agora, você pode vender mais, se você der de graça pra quem comprar mais." Quer dizer, eu não tinha essa idéia, ela nasceu do papo, sabe, de dizer que você dá de graça, mas se você vender um e der outro de graça. Aí ele falou: "Mas aí fica difícil." E eu falei: "Não, você dando um grátis,
você tem a vantagem, uma pessoa obrigada a levar dois e não vai jogar fora, vai consumir duas gelatinas e vai se acostumar a comer mais gelatinas." Interessante, bom eles gostaram da idéia, fizeram pudim, fizeram gelatina. Isso criou interesse numa porção de empresas fazerem essa promoção. Nós ficamos dois anos quase fazendo isso. "Agora, tem alguns que eu não posso fazer dois em um." Por exemplo, farinha de trigo não dá pra fazer. Eu falei então você faz três por dois. Aí veio a Coca-Cola, eu pensei, Coca-Cola o pessoal estoca, faz "Pegue 5 e Pague 4", né. E a coisa foi crescendo, o desenvolvimento então, a Coca-Cola faz, agora o guaraná quer fazer, sabe, concorrente começa a querer entrar. Isso foi um desenvolvimento violento das nossas vendas, e deu um impulso grande inclusive das lojas. E a outra, foi quando inaugurou a loja nove, nós tivemos uma idéia e eu conversando, conversando com o fornecedor, porque a minha vantagem de comercializar, que eu era o responsável pelo abastecimento das compras, é que quem foi vendedor é que sabe comprar. Porque ele compra com a responsabilidade de vender e não de comprador, né? Ele compra, porque ele sabe vender o que ele está comprando. Então eu tinha muito diálogo com os fornecedores e eles me respeitavam muito por isso, porque eu... Então, numa inauguração da loja nove, numa conversa: "O que é que a gente pode fazer, esse 3 por 2 aí, tudo bem, se quiser fazer, mas a gente pode bolar uma outra idéia." E nasceu a idéia de... Eu falei: "Podia dar um desconto, né, pra quem comprasse uma determinada mercadoria, fazer um envelope de desconto, né." "Como Mário?" "Ah, eu vou fazer um envelope de desconto, eu vou distribuir por toda redondeza esses envelopes da loja, e ali dentro você põe, por exemplo, arroz Brejeiro, "vale dez", vamos dizer, "vale dez", não sei qual era a moeda na época, nem lembro mais, o Brasil é uma desgraça. Bom, "vale dez" na compra de 50 e café. Então, mas era um valor muito, muito significativo, e pra produtos de importância, não eram produtos bobos: "Não vou comprar isso por causa do desconto." Era café, açúcar, arroz, o negócio pesado. Bom, isso foi desenvolvido, um grande número de envelopes, olha, nunca ouve até hoje, eu nunca vi uma inauguração da loja do Brooklin. Foi uma loucura, o que tinha de gente naquela inauguração e com envelopes não estava escrito, até hoje se usa cupom, né. Então você vê que, as promoções, na verdade o comércio ele vive de criatividade. Eu sempre falo isso porque eu faço consultoria e treinamento. Não tem outra maneira de você desenvolver o comércio, a não ser você criando oportunidades para o consumidor.
P - Seu Mário, o senhor disse que no Peg-Pag vocês foram abrindo uma loja por ano, num tempo de dez anos, quer dizer, um investimento, assim eu penso, acredito. O senhor acha que a idéia do supermercado foi muito absorvida pela população de São Paulo, ou o senhor abriu as lojas no Brasil inteiro, como é que foi isso?
R - As lojas foram abertas em São Paulo só, uma atrás da outra. E como eu disse, pelo que eu sei, não era a minha área financeira, mas sabe, a gente estava na diretoria, participava, e eu como acionista de um por cento, eu participava de todas as reuniões de acionistas. Nunca ninguém botou um tostão a mais lá. Tudo veio dos próprios faturamentos das lojas. Que isso é complicado de a gente falar aqui, porque é efeito multiplicador que existe, no desenvolvimento de novas...
Porque você investe, na verdade, o supermercado, ele tem um endividamento, porque você compra a prazo, vende à vista e naquela época não tinha juros altos, nem nada etc., então era muito mais simples, né. Eu não sei, talvez mais simples com a inflação, mais difícil quando não há inflação, por causa da concorrência. Então foi um efeito multiplicador, que trouxe todo esse desenvolvimento.
P - O Peg-pag já nasceu com a idéia de ser uma rede de supermercados?
R - Ele foi concebido para ser uma rede, ao contrário do Sirva-se, que não. Porque o Sirva-se era banqueiro. Eles abriram a segunda loja, não sei porque razões foi levada e depois venderam pro Pão de Açúcar. Não era o plano deles ter lojas de supermercados. O Peg-pag ao contrário, depois abrimos três lojas no Rio, também eu fui pra lá, pra colaborar, pra abrir as lojas e organizar. No início, nós mandávamos mercadorias de São Paulo, porque no Rio não tinha produção de legumes e vegetais. Praticamente mandava tudo de São Paulo, né, todo dia saía um caminhão pra lá.
P - Quem abastecia as lojas, quem eram os fornecedores, por exemplo, de legumes e frutas?
R - Olha, na época eu peguei as duas fases. No começo só tinha o Mercado da Cantareira, que você conhece o Mercado da Cantareira. Tudo era ali. O abastecimento todo era feito ali. Hoje, ainda parte é, principalmente os restaurantes, que estão ali, porque está mais fácil de comprar. Depois vem o Ceasa. Então, eu tinha a organização da madrugada. Hoje mudou o horário, não é mais de madrugada, você tinha o comprador desse setor, que conhecia a qualidade, ia com o caminhão, carregava, distribuía para as lojas. Então, ele começava às duas horas da manhã e vinha até oito, nove horas atendendo as lojas ainda, né.
P - E a distribuição era feita pelo próprio Peg-pag, não era uma empresa contratada pra fazer essa distribuição?
R - Não, não, isso hoje tem, mas naquela época não tinha. Tudo tinha que ser feito por nós. Não tinha nenhuma organização preparada pra atender rede de lojas. Não tinha, nenhuma. Então, tudo foi começado pela gente.
P - Na verdade, quer dizer, houve uma mudança até nos setores de distribuição a partir do momento em que se criou o novo método de comercialização de produtos alimentícios, de gêneros alimentícios?
R - É, porque, você sabe, os fornecedores, eles foram vendo que era um grande varejo que estava se desenvolvendo, depois começou o Pão de Açúcar, aí veio o resto. E o Pão de Açúcar veio cinco anos depois, ou seis, começou. Então os fornecedores foram se organizando pra atender esse tipo de lojas, né.
P - E quem fornecia, por exemplo, a parte de grãos, o senhor disse que no começo era a granel, né, e quem fornecia isso?
R - Exatamente. Ah, ainda hoje você tem a chamada Santa Rosa ali, né, Cantareira, que são os grandes atacadistas de cereais, você tinha que ir lá buscar, e tem a famosa, a Bolsa de Cereais, onde você compra e vai buscar nos armazéns e tem a Bolsinha, onde o pessoal do interior vem às seis horas da manhã, encosta os caminhões e você compra na hora. Chama-se Bolsinha, que é lá na Santa Rosa mesmo. Isso ainda existe hoje.
P - Ah sei, e ainda hoje o supermercado utiliza desses tipos de fornecedores?
R - É, alguns fazem, mas praticamente não se faz mais. Hoje tem as empresas organizadas que trazem a mercadoria e empacotam tudo. Você vê pacotes, hoje é as marcas, né. Inclusive vêm escolhido, a dona de casa só abre e já joga, sem escolher, né. Mas na verdade isso tudo é empacotado, é tudo. Hoje é a chamada tercerização, a parceria, né.
P - Isso entrou quando, o senhor lembra, mais ou menos quando o senhor...
R - Isso veio vindo, eu acredito que de uns dez anos pra cá é que tomou um grande impulso, porque o supermercado ele ainda tinha parte do balcão, né. E cada vez mais o balcão foi sumindo, e ficou mais auto-serviço.
P - Me diz uma coisa seu Mário, o senhor disse que depois o senhor saiu do Peg-pag. O senhor acabou saindo por que e onde o senhor foi trabalhar?
R - Olha no Peg-pag aconteceu uma coisa que não deve acontecer numa empresa ao meu ver, né. Eu como comecei e fui diretor, acumulou muita coisa na minha mão da empresa, né. Eu não tinha férias, eu não tinha nada, trabalhava que nem um maluco e fui formando gente, ajudando a formar gente, porque não tinha ninguém, tinha que formar. Então hoje, grandes empresas têm muitos dos que trabalharam com a gente lá, e eu era um dos responsáveis pelo treinamento, preparação, orientação. E fui acumulando muita coisa. Aí depois surgiu, eu tive uma idéia, e eles aprovaram. Quando eu falo eu, é que a idéia nasceu partindo de mim. Não é questão de dizer, eu, é claro que uma empresa é tudo um time, e eu levava pra diretoria as idéias e eles aprovavam, quer dizer, então, a idéia era considerada boa, né. De que os fornecedores deviam participar de uma empresa que se chamava Saebe - Sociedade Anônima de Bens e Empreendimentos. Ela se propôs a comprar imóveis para o Peg-pag, construir lojas para o Peg-pag, mas era do mesmo grupo. Então, aí me encarregaram de vender as ações junto aos fornecedores e eu consegui vender. Os pequenos a gente vendia na mesa ali de trabalho e tal, vinha o próprio dono da pequena empresa, paga em dez vezes, o que você tem poder de compra. As grandes empresas, a gente fazia uma visita pessoal, eu fazia. Entre elas, aconteceu de eu ir visitar a Cica, e a Cica era do grupo Bonfiglioli, do Banco Auxiliar, e ele me recebeu, o comendador Bonfiglioli, que era presidente do Banco, presidente da Cica, né, é um grupo, uma potência, né. Ele me recebeu
e eu mostrei a ele que eu estava ali pra vender as ações pra ele, e ele com o poder que tem não podia comprar tão pouco assim. Eu falei: "Eu pensei numa cota "x" para o senhor ai." Ele parou, pensou e tal e assinou e ele falou: "Puxa, você conseguiu vender ações de um troço que não existe pra um banqueiro heim?" Aí eu falei: "É que o senhor viu que o negócio era bom, senão o senhor não comprava." E tudo bem, aí ele falou: "Você sabe, quando você sair do Peg-pag, você me procura que eu tenho emprego pra você aqui." Todo mundo falava isso pra mim e eu falei, mais um, né? E aconteceu que no Peg-Pag eu fui acumulando muita coisa. E tem aquela velha história de que eles, com uma certa razão, eu penso assim, né, pode até ser que tenha outros motivos, mas tudo me levou a crer que é isso. Nunca houve nada, de que eu estava, tinha muita concentração das coisas, que aconteceram pelo crescimento, não foi eu que pedi, eles deram porque acharam que eu tinha capacidade, pra fazer e tomar conta de tudo aquilo. São Paulo, Rio, tudo era muita coisa. Mais essa empresa do Saebe, assim por diante, mais uma outra empresa, que era pra desperdício, era um tal de reciclagem que falam hoje. Que os nomes mudaram, mas antigamente, era desperdício. Eu sempre dizia, se eu pegar as empresas grandes e não me derem nada, só me derem o desperdício, eu vou ganhar fortunas no Brasil, né. Então não tinha mais lixo, né.
P - Como é que o senhor fez isso?
R - Era só separar tudo que não era lixo. O lixo virou pó. Porque o que era lixo molhado, nós compramos um triturador, jogava ali e ia para o ralo, né. E o que era lixo seco, era madeira, prego, fita de aço, vidro, papel e papelão. Tudo isso, então, nós começamos a prensar e a guardar e aí vendíamos isso para os ferros-velhos, né. Então era uma renda adicional e que eu tinha uma participaçãozinha nisso, porque eu dirigia essa empresinha também, de desperdício. Ela cuidava do sebo, do osso que vendia, porque... E com isso a gente via e evitava de muita coisa que saía do meio chamada desperdício. Isso é que chama de reciclagem. Então, você vê, era muita coisa que ia se acumulando, tinha uma firma que começava a fabricar gôndolas e eu bolei também, e eles toparam de fabricar displays para os fornecedores. E acho que aquela velha história, você está chegando no topo e tem um que, se é que tem, pra te ajudar e 200 pra te derrubar. Mas isso é normal, faz parte, né, o que é que vai se fazer. E aí eu acho que chegou neste ponto. Até hoje eu tenho dúvida se eu fui indiretamente chutado ou saí. Na verdade eu saí. Eu pedi pra, não queria mais trabalhar, eles me pagaram tudo que eu tinha direito e aí eu fui nalgum daqueles que: "Pô Mário, você é fantástico." Fui no primeiro: "Ah não, agora no momento não tenho nenhum cargo." Fui no outro que era o Caio de Alcântara Machado, o Zé, que era meu amigo, que o primeiro programa de televisão também fomos nós que fizemos.
P - Ah é?
R - Nós vamos voltar a falar disso. Aí ele chegou é tudo primeiro, né, e tem outras coisas, tudo que está aí, nós começamos. Aí o Zé falou assim: "A única vaga que eu tenho que eu daria pra você ser contato da Volkswagen." Eu falei: "Você está louco, que é que eu vou fazer com a Volkswagen? Eu já sabia que não, pra não dizer não, né. Aí eu lembrei e depois falei: "Puxa vida, o comendador Bonfiglioli é o único cara que me resta pra ver daqueles que falaram alguma coisa, vou lá. E ele me recebeu, banqueiro, um big-shot, cara da pesada, eu desempregado, ele me recebe, né, porque não falei mais em nome do Peg-pag. Com o nome do Peg-pag ele receberia, né. Um cara desempregado e ele me recebeu. É uma das pessoas, dentre outras, que eu guardo, que tem alguns nomes que a gente, fizeram a vida da gente, né. Então profissionalmente, né, e ele falou assim: "Não, eu quero você sim, que eu quero que você seja, trabalhe na Cica pra mim na Grande São Paulo e Grande Santos. Porque melhor que você ninguém conhece supermercados, e o futuro do Brasil das grandes vendas serão os supermercados. Eu quero que você treine o pessoal meu, faça as vendas, organiza tudo pra empresa saber trabalhar com supermercado cada vez melhor." Ele tinha uma visão fantástica e aí e ele fez um erro, porque ele não me deu um salário, me deu um percentual sobre as vendas da Cica nessas duas áreas, Grande São Paulo, Grande Santos. Grande São Paulo, Grande Santos é o Brasil, né, os atacados e tudo, aí depois de dois anos ele me mandou embora porque ele falou: " Mário, você está ganhando mais que um diretor do banco aqui, não dá." Porque vender Cica organizado era fácil. Ele não vendia porque era bagunça, ele tinha vendedores antigos e a força da Cica era o extrato de tomate Elefante, que vocês sabem ou lembram, era o extrato de tomate Elefante e o resto. Vendia mil caixas de Elefante e vendia uma do resto. Então o vendedor ele não vendia, eles compravam o extrato. E eram vendedores antigos, sem culpa quando começou a Cica, saía com uma latinha debaixo do braço a vender, e respeitava esses vendedores, tinham que ser respeitados. Mas eles não trabalhavam, eles tiravam os pedidos em casa. Quem é que é louco de devolver um extrato de tomate, né? E o resto vendia quase nada, marmelada, goiabada, ervilha e tal. Eu comecei a sair, aí ele falou: "Você precisa ensinar esse pessoal a vender tudo, heim Mário, porque em supermercado vende tudo." Eu falei: "Exatamente." Aí eu comecei a sair pessoalmente com cada um deles. Pegava a ficha e tal, porque a firma era organizada, ela tinha todo o fichário, todo o itinerário, não era bagunçada, era já uma firma, uma potência, né. Apenas eu fiz funcionar o que existia. Aí quando eu saía com os vendedores eu ganhava 2% sobre as vendas. No início eles queriam me bater, que eu botei todo mundo pra trabalhar, né. Tinha que visitar, tinha que fazer o pedido etc., trazer o pedido. Aí depois de três meses eles queriam me mandar para o céu, porque eles começaram a ganhar um monte de dinheiro. Então um exemplo, tinha 40 caixas, 40 mil caixas de néctar de frutas, que quando foi lançado o (Wilk) da Toddy, era polpa de fruta, acho que ainda tem hoje alguma coisa, né, de outras marcas. E a Cica, como concorrente, fez, ela também entrou no meio. E aquilo encalhou, não se vendia mais nada. Aí todo sábado eu ia na Cica em Jundiaí pra saber qual era o estoque que tinha lá pra ser vendido, que lá era fábrica, né. Pra fazer uma plano de venda daquela mercadoria da safra estocada que estava chegando da outra e ainda tinha encalhado da safra anterior, e aí eu fazia o planejamento de vendas, como... Aí, aí eu falei para o pessoal: "Quem não comprar uma caixa, e tinha por coincidência 40 mil, quarenta e tantos mil pontos de vendas nestes Grande São Paulo e Grande Santos, que era padaria, aqui, tudo. Porque ele dizia pra mim, o Bonfiglioli: "Você tem que vender, qualquer buraco você tem que vender." Porque eu faço propaganda, não sei se vocês lembram, era uma das maiores propagandas do estado era da Cica, como a ODD, então que era primo meu. Então ele falou: "Você bota em todos." Aí eu fiz aquela famosa pergunta: "Mas como, e se o cara não tem condições de pagar?" "Não, você vende uma caixa de extrato." "E se não tiver fundo?" "Olha, você não entende de seguro. Se eu perder 1% de toda a venda, porque você pagou um ótimo negócio, 1% é um risco vagabundo. Então vende pra todo mundo, claro que você vende de acordo com a capacidade, mas não deixa de vender, não passa assim: "Ah, esse não vai pagar, então não vende. Vende uma caixa." "Mas ele vai pagar, ele falou, era banqueiro, começou de uma vida simples e falou: "Faz o seguinte: avisa o vendedor, quando ele passar nessa quitanda (fim da fita 049/02-A) pequenininha, lá na Vila Ermelino Matarazzo e ele diz: "Ah, não tenho dinheiro pra pagar. A duplicata é de 20." Então você fala assim para o cara: "Quanto que você tem na gaveta aí?" "Tenho cinco." "Me dá o cinco aqui." Você marca atrás da duplicata "por conta 5". Então ele falou, você arranca o dinheiro do cara, e era assim. Então você vê a cabeça do homem, eu aprendi muito com ele, né. Muita coisa eu aprendi na administração da venda, no mercado, né, e ele dizia também, que, por exemplo: "Você, você não precisa tirar muitas informações, você só vê quando a firma foi fundada e quem está dirigindo esta firma e vamos saber quem são esses homens. Se eles forem homens de competência e têm o passado bom, vamos dar o crédito." Era o que ele fazia no banco, né, porque as outras firmas ficavam qual é o seguro, não sei o que, qual é o sócio, qual é o estoque e não sei o que, sabe. Olha, você é vendedor, você está vendo se tem um estoque. Bom, daí são coisas que eu estou falando, isso é bom, porque isso transmite experiências, eu acho que é muito interessante alguém ouvir o que aconteceu, é uma experiência que a pessoa está passando. Eu não sei se você fez alguma pergunta, se eu deixei aí na hora ...
P - Não, não, eu acho que na verdade, assim, o senhor falou que teve a questão, a gente queria ver o ponto dos maiores fornecedores do Peg-pag.
R - Os maiores fornecedores não mudaram muito, porque essas empresas são as multinacionais. Então elas, na época, eles já tinha a experiência de atender nos Estados Unidos, mas no Brasil eles não, não é que eles não tinham experiência, não tinham necessidade de passar essa experiência pra cá. Então, o pessoal que estava aqui não tinha essa experiência. É que aqui depois eles foram pegando, foram trazendo o pessoal de lá, pra começar.
Então você tem como Nestlé, a Lever, Refinações de Milho, a antiga Swift, que era o Bordon quem comprou, são essas mesmas empresas. Não surgiram novas, grandes empresas, né. Além das pequenas que vão surgindo sempre, né.
P - E como é que eram embaladas as mercadorias para o cliente, era em saco de papel ou em sacolas plástica, em caixas?
R - Na saída do caixa, você diz? Não, na saída dos caixas eram sacos de papel mesmo, porque não tinha sacos de plástico no Brasil ainda.
P - E eram feitas entregas em casa ou não?
R - Não, não, no princípio, nós nunca fizemos. Depois começou a surgir pequenas lojas em bairros que andaram fazendo porque era uma maneira de fazer, atender a clientela. Aí, o princípio do supermercado é as pessoas irem às lojas, não fazer a entrega a domicílio, né.
P - E me diz uma coisa seu Mário,
e depois da Cica para onde o senhor foi?
R - Depois da Cica eu fui convidado por um amigo meu que tinha uma fábrica de inseticida, polidores, cêras e lustra-móveis e tintas. Inclusive, tinta automotiva. Bom, a única coisa que eu entendia era da linha de consumo doméstico e inseticida, que o supermercado vendia e eu sabia. Aí eu fui como gerente de marketing, de vendas para o Brasil todo e acabei ficando lá uns dois, três anos mais ou menos, né. E acabei conhecendo inclusive tintas, né. Até hoje, eu tenho noção do que é tintas, né. Mas na verdade é que pra você dirigir vendas, quem precisa entender muito é o vendedor técnico. Porque você tem a venda técnica e a venda que não é técnica. O que a gente consome não é técnico, mas você vender uma máquina, uma tinta, isso é venda técnica. Quem tem que ter esse conhecimento é o vendedor, o chefe de vendas não tem que ter esse conhecimento, tem que orientar qual é, como ele deve trabalhar, como ele deve se organizar pra vender, né, e esse é o caminho. E eu fiquei lá, me dei bem. Eu até fiquei um tempo razoável lá. Aí depois eu fui voltar novamente para o supermercado.
P - E o senhor foi trabalhar onde?
R - Não, aí a firma, Indústria de Alimentos Amaral, também teve as cestas de Natal Amaral, o Rui Amaral era, aquela velha história, quando eu estava no Peg-pag, ele lançou o Café Amaral e eu vendi os displays pra ele e fizemos amizade e ele acabou me convidando pra cuidar das lojas de supermercados, que ele montou umas lojas de supermercados, muito simples, bem simples, o mais simples de equipamento, que ele foi candidato a deputado federal e foi eleito e ele estava naquela demagogia que ele dizia: "Quero pão na mesa do pobre", aquela história, então ele montou aquelas lojas, 12 lojas, e foi eleito.
P - Como se chamavam essas lojas?
R - É Lojas Amaral. Supermercados Amaral. E ele foi eleito deputado federal
por São Bernardo, porque a Cesta Amaral era, a sede é em São Bernardo, e ele ficou famoso, como o Silvio Santos, ele ficou milionário com a Cesta de Natal Amaral, era mamata esse negócio de cesta e carnê. Então um negócio fantástico, né. Não vou entrar em detalhes por que não é o caso. Então ele me convidou pra trabalhar lá com ele, mas com um projeto: "Olha, minhas lojas são simples, estão mal orientadas, porque eu nunca liguei pra isso, era só pra propaganda política, e eu me candidatei pra senador, era suplente do (Lilio?) de Mattos, o (Lilio?) de Mattos me levou 300 mil dólares, e não se elegeu porque ele ia ser governador do Estado, ia ser", aquele papo todo e ele falou: "Não quero saber dessas lojas, agora não sou candidato, não me elegi mesmo, não quero saber dessas lojas. Então eu quero que você venha aqui pra organizar e vender isso aí." Topei a parada, falei: "Vamos embora." Então eu dentro só da minha experiência de supermercado eu melhorei as lojas muito mesmo. Saiu de zero para 100, 200, que foi fácil pra mim que eu conhecia o ramo, e foi fácil com meu jeito etc. Melhorei a própria loja na apresentação, sem investir em nada, só com o marceneiro trabalhando e coisa, coisa assim, e depois de um ano fazendo esse trabalho eu organizei os fornecedores e tal. O grupo Utilbrás, que era de um banco também, que tinha comprado, não é comprado, bom, vamos dizer que era comprado, que naquela época tinha o problema das firmas que faliram. O governo criava um sistema pra não deixar etc. E um amigo meu me disse: "Olha, eles compraram uma rede de loja de magazines da Utilbrás, que tem 12 lojas de magazines, parecem que eles querem fazer um projeto pra vender pra Alemanha de supermercados, mas com central de abastecimento no Brasil. Você vai lá, ofereça tudo isso que eles vão topar." E fui lá. "Bom, tudo bem, nós compramos tudo isso mas se você vier junto pra fazer esse projeto." Eu falei: "Tudo bem." Eu ia ficar na mão, vender um negócio ganhar uma comissão e ainda ficar empregado pra mim estava sopa no mel. E eu fui fiquei quatro anos lá, fizemos um programa lá de trabalho, aí eu fiquei como superintendente da organização, da parte comercial, todas as grandes empresas tinham militar, lá tinha um almirante, almirante Ademir, que era um... pessoal da Marinha geralmente é formidável, ele era ótimo, não se metia em nada, estava só pra... porque toda empresa tinha que ter um militar. E ele estava lá e falava: "Não quero nem saber", ele não entendia nada mesmo. Mas era um figura, um cavalheiro. O pessoal da Marinha, o pessoal do maior nível, fantástico, e aí veio vindo. Eu, acabamos fazendo um projeto, veio um americano pra formar o projeto, e por questões políticas lá deles, do grupo financeiro, por interesses outros, eu acho que da Alemanha também, por outro problema resolveram não comprar o projeto, eles venderam a outra parte financeira para o BCN. O BCN comprou e fechou todo o comércio, porque pra eles não valia nada, porque o que valia era o banco que estava atrás.
P - E, seu Mário, foi nessa época que o senhor teve a idéia de mesclar eletrodomésticos dentro dos magazines, dentro dos supermercados. Eu queria que o senhor falasse um pouquinho disso?
R - É porque na época, nesses quatro anos, eles tinham 12 lojas de magazines e tinham por coincidência 12 supermercados. Então nós juntamos tudo, ficou tudo Utilbrás, o grupo,
então, na verdade nós fomos abrindo novas lojas. Não de magazines, mas de supermercados. Tinha algumas lojas vazias que nós fomos alugando e ampliando o número de lojas. E os magazines, nós começamos a fazer com que os supermercados pudessem vender brinquedos, brinquedos não, eletrodomésticos portáteis, e botamos uma seção ali para vender nos supermercados. E também para que os magazines pudessem vender também utilidades domésticas, como plástico, como alumínio etc., e abrimos um setor dentro do magazine. Isso foi um passo de fazer uma mescla. E aconteceu que tinha um depósito grande porque os magazines precisam de ter um depósito por causa da entrega. Compra uma geladeira, sai do depósito, não sai da loja e eu não conhecia magazine, acabei conhecendo. Nesses quatro anos, magazines também, que é muito mais fácil que um supermercado, vender uma geladeira, isso é coisa simples, né. E daí tinha um armazém em São Miguel com dez mil metros de área coberta. E o nosso armazém teve que mudar para lá, um prédio novo e muito bonito, então, nós pegamos uma parte da frente, que deu mais ou menos uns 500 a 600 metros, pra botar um supermercado na frente. Nós tivemos a idéia, e o magazine aqui do lado pra aproveitar a frente, que tinha um tráfego, né, um grande estacionamento etc. E depois, toda... fizemos uma prateleira nova, claro, como um depósito novo, aquilo tudo era velharia, era pra botar rádios etc., com prateleiras. Então ficou, fizemos com ruas, direitinho. Aí eu falei: "Pô, porque nós vamos separar os depósitos das lojas. Vamos fazer tudo aberto. O freguês entra, vê os móveis, vê as geladeiras, vê toda aquela montanha de mercadoria, vai se entusiasmar muito mais." Então, daí nasceu uma das grandes lojas onde tinha o supermercado e o magazine juntos. É o que faz hoje o Carrefour, o Extra etc. Então, na verdade foi lá que nasceu essa grande loja.
P - Me diz uma coisa, o senhor falou que o senhor fez o primeiro programa de televisão, eu queria que o senhor falasse um pouquinho disso.
R - Na verdade foi a primeira, nós começamos a fazer a promoção cooperativa, pra você uma cooperativa significa aquela que a marca contribui com o dinheiro pra gente fazer o programa e a marca deles aparecerem. Então o Alcântara Machado, que era o Zé de Alcântara Machado, era muito amigo do Raul Borges. Então ele falou, na verdade essa conta nossa é uma porcaria. Mas como era amigo ele pegou. E a Alcântara Machado já era uma agência grande na época. Ele pegou e nós montamos a primeira, o primeiro programa, fomos falar lá com o Manoel de Nóbrega na TV Paulista ainda, na Sebastião Pereira, fiquei conhecendo o Manoel de Nóbrega, bela figura, e também um homem muito criativo, fantástico, de uma honestidade tremenda. E ele, falei: "Bola um programa aí pra gente, né." E ele bolou: "Vale a Pena Ser Pesado." A idéia era a seguinte, era uma balança, claro, sem precisão, dois grandes pratos, onde você tinha um suporte pra equilibrar pesos, fabricado de madeira e tal, e a gente na loja mostrava, ele dava a chamada na televisão, né: "Vale a Pena Ser Pesado." Então você fazia compras, botava o ticket dessa compra numa urna e a gente fazia o sorteio no programa para as pessoas contempladas no programa seguinte, né, que poderiam vir ao auditório, sentar em um dos pratos e escolher quais das mercadorias daqueles que pagavam os programas, né, Arroz Brejeiro, a gente sempre procurava
produtos de grande consumo, e ia empilhando em outro prato até ficar igual e você levava a mercadoria de graça, né, muitos contemplados, né. E ele dizia, se você é magro, pode levar um amigo mais gordo que você tiver, não precisa ser você não. Era pra dar chance da pessoa levar muita mercadoria, né. Então tudo isso era divulgado na loja etc., pá, pá, pá, né. E isso durou, foi um sucesso fantástico. Na verdade, nosso próprio caminhãozinho já carregava a mercadoria na mesma noite do programa e levava o cliente junto com a mercadoria pra casa, alguns clientes até. Porque nós fazíamos mais do que um. E aí cantávamos, tinha o Edu Santos, tinha o Golias, entre cada cliente vinha aí. Então, foi o primeiro programa.
P - E quem era os patrocinadores, o Arroz Brejeiro e quem mais?
R - Ah, o Brejeiro, tinha o próprio Swift, a própria, eu não me lembro tanto todos, porque a maioria, praticamente, tinha muito interesse, eu sei que tinha uns dez mais ou menos, né. A Nestlé, todos eles tinha uma contribuição. A gente aceitava inclusive o pagamento em mercadoria deles, né. Bom, o programa custou tal, a nossa parte de vocês é metade. Vocês podem pagar em mercadoria, não podem pagar em dinheiro. E depois nos entusiasmou tanto que a gente teve que bolar no outro programa no outro dia da semana e fomos na Record,
que a Record tinha uma audiência fantástica na época, não é?, a maior audiência era da Record. E tinha a famosa Cinderela, na época, a Cinderela era a Xuxa, mas muito melhor do que essa Xuxa de hoje, essa era bonitinha, verdade. A Cinderela ela tinha um, ela tinha um gabarito muito bom, e era muito bonita, chamava Cinderela, loira e tal. É ela fazia um trabalho na Record, então nós pedíamos pro Raul Duarte, se não me engano na Record, bolar alguma coisa pra gente. Eu falei: "Bola alguma coisa pra Cinderela, que ela tem bastante carisma, bem interessante, né." E ele bolou: o castelo fantasma. Então o castelo fantasma era assim: entrava o cara que saiu sorteado e tinha uma porção de envelopes do castelo embaixo da caveira, ele tinha que encontrar, sabe, essa coisa toda. E dentro de cada envelope tinha um valor. De quantos pra quantos em dinheiro, de mercadoria dava direito a comprar na loja, e sempre essas mercadoria era de patrocinadores, e também foi um sucesso, né. Então foram os dois programas que foram feitos numa, que era numa
época que era o começo da televisão e a gente foi, o Peg-Pag foi pioneiro nisso também. Aí teve também teve os anúncios dos jornais cooperativos, também foi pioneiro. O aluguel de espaço nas lojas, nós também fomos pioneiros, para quem fazia essa degustação, né. Os displays, nós fizemos um display, que inclusive fomos ganhando brindes, que era o óleo (Dona?) , que tinha mil caixas de óleo empilhadas na loja. Botamos uma moça ao vivo, fritando bolinho com óleo (Dona?) e servindo ali, né, ao vivo, né. E foram coisas que foi começando e tudo, né.
P - Esse, na verdade, esse espaço, esse display para o cliente, dentro da loja, vocês foram pioneiros, mas isso tinha um retorno bom na época pro supermercado?
R - Tinha muito bom, claro. Porque a gente já, a gente tinha uma mentalidade de custo e benefício. Tem alguns fornecedores que queriam pagar o dobro pra botar a pilha de mercadoria deles, mas não tinha a venda que compensava. Ele tomou um espaço caro da loja. Então a gente só botava produtos que tinham realmente interesse pra vender mais. Porque a verdade no comércio é você ver mais aquilo que vende bem. E não gastar seu tempo e seu espaço com produtos que não vendem bem. Não vai vender mais, né, porque às vezes é um produto que não tem tanta utilidade, não tem tanto consumo, lotado. Uma novidade que as pessoas, principalmente em São Paulo, pra mudar de marketing, mudar de produto, é uma coisa complicada que não acontece no Rio, não acontece no Nordeste. Aqui as pessoas são, o paulista é muito fiel, é muito difícil fazê-lo mudar, porque ele acha que se ele não gostar ele vai perder dinheiro pra outro.
P - Quando o senhor colocava os seus displays, qual era a reação dos seus clientes no começo?
R - Ah, parar. Primeira coisa era fazer com que ele parasse defronte, segunda ver o preço e o terceiro era a chamada que a gente dava.
P - E geralmente era associado a esse display um desconto ou não?
R - É, na época a gente não falava em desconto, nem oferta, né. A gente falava em preço baixo. Não se usava muito a palavra oferta e desconto etc.
P - Me diz uma coisa seu Mário, os pagamentos dos supermercados sempre foram à vista?
R - Ah sim. Sempre, sempre foram, caixa. A única razão do supermercado é pagar no caixa. Portanto não tem outro.
P - E o supermercado, quando ele compra do fornecedor ele compra à prazo?
R - Bom, a idéia do supermercado é conseguir o maior prazo possível e o menor preço possível. São duas coisas que quem trabalha nessa área tem que ter em mente. O melhor pelo menor. O melhor produto pelo menor preço. Isso vale para o consumidor também. Então, se um produto, se vende mais lento, então eles dão um prazo maior. Por exemplo, plástico, talvez dê 60, 90 dias pra pagar. O arroz talvez dê 15 dias, e assim por diante, mas de qualquer maneira tem o prazo. Então você vê, pão dá o prazo, você recebe pão diariamente, você vai pagar esse pão na pior das hipóteses em 15 dias, então você já rodou 15 vezes aquele valor pra pagar a primeira. Então tem um endividamento que vai pra 50, 60, 80% de endividamento. Daí se for bem aproveitada, daí você pode fazer a multiplicação de lojas também, baseado um pouco nesse pedaço, ou muita até.
P - Como eram os estoques dos supermercados, o que é que mudou pra hoje?
R - O que é que mudou é o seguinte: na época, quando não tinha inflação e a gente fazia compras grandes, pra poder ter a distribuição no momento, que era
a gente mesmo que distribuía. Punha no depósito da gente e a gente fazia a distribuição. E fazia compras maiores, davam uns prazos maiores etc. Mas isso também dentro de uma previsão de vendas, né, com menos preocupação de que não ia haver aumento de preço, né. O que mudou foi a inflação. A inflação ela trouxe o maior resultado, e essa inflação já vem de algum tempo, ela trouxe o maior resultado na aplicação financeira do que no estoque de mercadorias. Então é vender muito rápido, pagar à prazo. Usar esse dinheiro que entra rápido, aplicar, ganhava até 80% aí no Sarney, o que você nunca ganhou isso de arroz. Podia vender até com prejuízo o arroz que era um bom negócio. Agora, tem um artigo meu, que eu até te deixei aí, sobre a venda em real. Que é diferente, né. Então, você precisa ter o preço baixo pra vender, porque a concorrência hoje do consumidor é preço.
P - O senhor colocou uma coisa que acho que é extremamente importante, que é essa coisa, assim, de uma análise do consumidor paulista, que ele é muito fiel à marca. O senhor acha que isso mudou hoje?
R - Olha, você sabe que o bolso é que é o sexto sentido que a gente tem, né. Você é obrigado a mudar, claro, né. O seu poder aquisitivo se for prejudicado, você vai ter de se adaptar. Então, houve mesmo um desgaste violento no poder aquisitivo da massa, muda mesmo, sem dúvida nenhuma. Você passa a usar produtos com a mesma utilidade, só que de preço menor.
P - Hoje a gente percebe que alguns supermercados utilizam a sua marca num produto fabricado pelo mesmo fabricante. O que é que o supermercado ganha com isso? Porque, eu vou dar um exemplo, no caso, eu já tive oportunidade de ver o Carrefour. Ele lançou uma marca dele, mas que tenha alguns produtos, por exemplo, que a própria, sei lá, fábrica de óleo, produz, qual a vantagem do supermercado?
R - A vantagem primeiro é que você está vendendo uma marca sua. Amanhã você pode mudar de fabricante, estou certo? E continua sendo a sua marca. A vantagem é que você está vendendo uma marca só, está certo? Segundo, que você faz o fechamento, onde você fornece embalagem, você fornece toda estocagem, você se compromete a uma produção que a fábrica tem interesse em ter aquela produção garantida. Então, um Carrefour, por exemplo, você me dá dez mil caixas por mês, pô, eu tenho uma produção garantida de dez mil caixas com contrato de cinco anos. Um grande negócio pra mim, não é? Então as vantagens são essas, então você consegue preços menores porque você paga praticamente a matéria-prima e a mão-de-obra. Você não paga a despesa de marketing, a distribuição. Você não paga todos aqueles encargos que o fabricante tem, né. Então isso diminui de 20 a 30% do preço, que são os encargos da organização comercial de uma indústria.
P - Deixa eu fazer uma pergunta. Eu gostaria que o senhor falasse um pouco da estrutura das lojas de conveniências, o que é que difere dos supermercados?
R - Olha, eu vejo as lojas de conveniências como lojas com conceito de conveniência. Porque a loja de conveniência ela foi, quando ela começou nos Estados Unidos, foi para aproveitar espaço e tráfego dos postos de gasolina. O pessoal pára ali e tal, vai, compra, come um sanduíche. Uma mistura de fast-shop com fast-food. Começou assim. Aí, depois, também, começaram a aparecer fora dos postos de gasolina, né. Onde tem concentração noturna, onde tem densidade vertical, compras mais vezes por dia. E aí, eu, como venho estudando essa... é porque a loja de conveniência não deixa de ser um supermercado, é uma miniatura de um supermercado, né. Então, você na verdade, qual é a loja de conveniência do Brasil tradicional? São as padarias, que começaram. Que num domingo, num sábado à noite, onde você ia, de manhã, seis horas da manhã, você vai tomar café, você não toma em casa. É a conveniência, né, a loja da conveniência, né, os drugstores também estão começando a surgir. Então, se enquadra tudo isso em loja de conveniência. Nos postos de gasolina está havendo muito interesse em loja de conveniência no Brasil, muito. O que acontece é que nestas lojas de conveniência, elas foram dominadas por marcas. É o chamado franchising, então você tem todas as grandes bandeiras do petróleo com franchising nas lojas de conveniência, né. Eu não menciono aqui porque todo mundo conhece quais são as grandes marcas. Agora, pelos contatos que eu estou tendo, né, porque eu faço parte de uma diretoria que fundou as lojas de conveniências, que é o Lemos Brito, que é uma empresa de eventos, de feiras, e ele que praticamente deu esse apoio, idealizou, que poderíamos fazer uma associação etc., e com minha experiência como ex-diretor e fundador da Apas - Associação Paulista dos Supermercados e um dos ex-diretores da Abras, também, né,
e
tenho um relacionamento grande pela história, tudo. E ele achou interessante, quem sabe até eu ser diretor da expansão desta associação. Ele preside a associação como... vai ceder todo espaço para a sede dos auditórios que ele tem lá, né, e então a gente está notando que há muito interesse porque nos postos de gasolina tem as bandeiras que, onde eles são donos dos postos e eles abrem a franquia, onde o posto é autônomo, ele compra da firma que ele quiser. Ele faz o contrato de abastecimento, mas o posto é dele. Então ele quer pôr a loja autônoma, ele não quer franquia, ele quer a franquia dele sem pagar royalties, sem pagar tudo aquilo que uma franquia faz, cobra. Então há um interesse muito grande, né. Agora quando... foi uma coisa engraçada. Primeiro quando ele me convidou pra primeira convenção de loja de conveniência, eu organizei o seminário eu fiz o seminário e foi um sucesso. Agora teve o segundo, eu comecei a me interessar por loja de conveniência. Eu falei, puxa, de princípio são os postos de gasolina. Eu preciso ter contato com posto de gasolina, como é que eu vou fazer? Então eu parei no primeiro posto e perguntei: "Você recebe alguma correspondência, algum sindicato, alguma coisa de posto de gasolina?" Aí ele falou: "Eu não sei, tem um envelope aqui, eu vou ver para o senhor lá." Então tem Associação Brasileira de Donos de Posto de Gasolina, e sindicato, tomei nota e fui lá, pô, me receberam assim, né. Puxa interessante o espaço aqui, né. Aqui pode abrir um espaço pra loja de conveniência e tal. E começaram a dar apoio total pra mim, né. Nesse sentido de loja de conveniência. Agora inclusive tem uma convenção no Rio, do Rio eu fui convidado com o apoio da Petrobrás pra fazer uma palestra sobre loja de conveniência lá, né, que era só de petróleo, mas abriram espaço, porque (fim da fita 049/01-B)
era interesse do posto saber. Então você vê que eu vou atrás das coisas. Eu cismo e vou atrás.
P - Dentro desta experiência toda que o senhor teve, senhor Mário, por que o senhor acha, por exemplo, que o supermercado não ficou com essa idéia de fornecer os produtos à noite? Porque, pelo que eu, assim... na verdade eu vejo da seguinte forma, existe um público carente desta necessidade de se consumir o produto mais tarde, ou à noite? Por que os supermercados não pegaram essa idéia da conveniência?
R - Não, mas tem algumas lojas que o Pão de Açúcar lançou, Pão de Açúcar é um grupo, eu conheço bem todos eles lá. Inclusive os donos quando eram pobres, hoje eles são todos bilionários. Mas eles têm uma história muito boa, eles cresceram rapidamente. Eles têm uma loja que eles botaram como Pão de Açúcar Especial. Eu acho que aquilo é uma loja de conveniência que eles fizeram, sabe? Eles abrem 24 horas por dia as lojas Pão de Açúcar Especial deles. Não botaram conveniência, não. Mas são lojas mais ou menos pequenas que têm pratos prontos, muita coisa assim, mais light, né. Porque a loja de conveniência, a força da loja da conveniência, ela atende aquele que vai se servir do posto e compra em emergência, e tem o lanche também, né, pra quem come o lanche. A loja de conveniência é um complemento, né, é um complemento para um posto de gasolina. Uma loja, na verdade qualquer loja de porte pequeno, você só vai ter resultado se você conseguir fazer uma rede, né. Que uma loja só, dá um sacrifício tremendo e não compensa tudo isso que você vai fazer para uma loja. Por isso que quando eu falo, quando alguém quer se meter nisso, eu digo: "Olha, ou você vai completar o que você já tem, ou você tem que pensar e fazer um projeto de rede. Porque você vai trabalhar que nem um louco, que é muito sacrificado, e não vai ganhar o suficiente. Se você for empregado, você vai ganhar muito mais." É complicado o comércio, né, principalmente em gêneros alimentícios. Porque os gêneros alimentícios você tem que ter, não o gênero alimentício, o gênero de grande consumo, você tem que ter grande faturamento com margem pequena. É como se fosse um banco, a mesma coisa. O banco ganha um grande volume de dinheiro que passa pela mão dele, e o supermercado ganha e não ganha de volume de dinheiro que passa pela mão dele. Ele compra esse dinheiro do fornecedor né, tira o percentual dele e vende para o consumidor, e tira a comissão dele, na verdade é isso, né. Supermercado é isso.
P - Bom seu Mário, eu queria fazer mais duas perguntas, né, que a gente está encerrando já. Primeiro eu queria saber, hoje o senhor trabalha dando assessoria, o senhor montou uma empresa do senhor, né, que o senhor dá assessoria, eu queria que o senhor falasse um pouco da filosofia da empresa e qual a finalidade dela. E depois eu queria saber se o senhor tem algum sonho pra realizar, se o senhor tem mais alguma coisa pra realizar.
R - Tudo bem. Primeiro eu fiz uma, montamos uma empresa já, há pouco tempo, foi em 91, mas como eu sofri um enfarte e foi complicado, eu parei de ter função em empresas, né. E o médico mesmo disse: "Olha, você deve continuar trabalhando, mas sem essa problemática do compromisso de resultados imediatos da empresa que ela exige e que é natural, né." Então eu resolvi, fazer durante um período, consultoria e assessoria autônoma, quer dizer, por minha conta, como pessoa. E como eu tenho, sou mais ou menos conhecido, até acho que bem, né, houve muita, até mais do que eu esperava, muitas empresas, inclusive, importantes não até do supermercado, sabe, mas gente tinha que tinha uma coisa à ver com o varejo, até multinacionais. E começou a dar certo, bem mais além do que eu esperava. Até eu receber o convite de uma empresa grande do Ceará, que eu fiquei dois anos lá dando assessoria. Uma empresa muito grande de magazines, supermercados, lanchonetes etc. Então, agora, a minha dedicação durante esse período todo desde 1979, né, que eu passei a dar consultoria. A consultoria ela compreende, a consultoria pra quem quer ter informações de como entrar ou desenvolver um negócio de varejo, né. Eu tenho problemas de treinamento, muito bem, eu tenho problema de cursos para o pessoal. Tudo bem, atendemos. Eu tenho problema, eu quero montar uma loja e eu não sei como começar, o que eu devo fazer, como é que eu vou pesquisar a localização, eu não sei onde colocar, eu não sei se é bom lugar ou não. Então a gente... a consultoria dá orientação para que isso caminhe de maneira bem profissional e com o mínimo de risco pra quem vai se meter no negócio. E daí continua. Então dei seminários, palestras, cursos, assessoria, consultoria. Quer dizer, a consultoria só pra quem quer ter só informações e continua por si. E assessoria, ele faz uma consultoria, mas: "Eu gostaria de ter um acompanhamento também." Então eu digo, bom, passa a ser uma assessoria também. Tem custos de acompanhamento, e custos de consultoria. Esse é o trabalho que me dedico atualmente e felizmente vai dando muito bem até. Tem até uma empresa que me paga pra não fazer nada, só porque diz que eu sou o homem que orienta o departamento de marketing deles, só isso.
P - E o senhor tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de estar realizando na sua vida seu Mário?
R - Olha, eu tenho uma preocupação, eu tenho em mim uma coisa nata que é a criatividade. Eu olho alguma coisa e digo, puxa, como é que isso aqui poderia ser diferente, porque há tantos anos que é assim, né. Eu há dez anos atrás ou 15 eu falei: "Por que vela tem que ser só branca?" Depois alguém fez, começou a fazer vela de cor, né. Eu fiz uma pergunta, isso em conferências mesmo, né. "Por que guarda-chuva tem que ser preto?" E era só guarda-chuva preto. Então a minha preocupação, a minha preocupação não, o meu brinquedo, né, é saber como é que isso podia ser feito diferente sempre. Então essa é a minha maneira, a minha razão de passar o tempo, de viver. Eu encaro tudo como um brinquedo agora, pra mim eu estou brincando sempre, porque a gente cresce fisicamente. Na verdade a criatividade das crianças é os pais que destrói, né. Meu pai não destruiu a minha, acho que não se preocupou com isso, eu não me lembro dele ter chamado a atenção pra nada.
P - Eu queria fazer a última pergunta. Qual a importância de o senhor der dado esse depoimento pro Museu da Pessoa?
R - Olha, eu tenho um grande defeito também perante a maioria das pessoas. Eu por exemplo nunca usei chave nas minhas gavetas, em empresa nenhuma. Nunca, as empresas que dependiam de mim, nunca entrou ninguém furando a carreira de ninguém. Todos tiveram carreira própria. O que ficou no meu lugar no Peg-pag, por exemplo, que é o diretor, ele entrou como repositor de gôndolas, hoje ele é diretor de uma grande empresa no Nordeste também. Então, é transmitir experiências. Então eu acho que quem guarda alguma coisa, não tem nem palavra pra definir, porque não faz sentido você guardar. Tem alguém que diz, não mas é segredo meu, eu sempre digo: "Você é burro, porque no mundo tem milhões de pessoas pensando a mesma coisa. Aquele que revelar primeiro é o que vai aparecer, porque você estava guardando." "Ô, isso daí era meu." Era nada, é dele, pombas, ele quem falou. Então a minha sensação é de transmitir tudo que eu sei, tudo que eu aprendi, toda a minha experiência pra que pessoas aproveitem e eu tenha dito pelo menos uma vantagem de ter sido, aprendido antes do que ele e passou pra ele, né. Pra quem achar bom isso. Mas acho que muita gente se aproveitou disso no bom sentido, né. Aliás eu acho que eu sou até, eu sou até respeitado por isso também profissionalmente, é claro.
P - Esta certo seu Mário, a gente queria agradecer o seu depoimento e a sua presença aqui pra gente.
R - Ah, foi um prazer e olha, vocês, tudo que for útil em informações futuras que vocês possam precisar e que eu souber, eu estou às ordens. E foi um prazer saber que isso alguém vai aproveitar ou muita gente provavelmente vai aproveitar.Recolher