Farma Brasil
Entrevista de John Frederick Konig
Entrevistado por Cláudia Leonor Oliveira e Márcia Ruiz
São Paulo, 21/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV009
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Gostaria de começar a entrevista perguntando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é John Frederick Konig. Nasci em Budapeste, Hungria, em 23 de fevereiro de 1927.
P/1 - Quais foram os fatos marcantes da sua infância?
R - Olha, a minha infância, tempo de criança, foi bastante movimentado. Porque meus pais viajavam muito e em 1935 nós fomos para a Inglaterra - inclusive fui criado na Inglaterra. Viajamos para os Estados Unidos, voltamos, e aí veio a Guerra, e então fixamos residência na Inglaterra. Talvez tenha sido bom para mim, porque pelo menos podia completar meu curso secundário, universitário lá em Londres e depois...
Vamos dizer, já estamos chegando fora da infância, mas outro fato marcante da minha vida foi a vinda para o Brasil, em 1951. Tinha 23 anos, não falava nada de português, não sabia de nada. Tinha uns parentes aqui que ajudaram a [me] adaptar ao Brasil.
Em 53 voltei para a Inglaterra, casei; voltamos para o Brasil, tivemos nossa primeira filha e depois de um certo tempo, três anos depois, fui para os Estados Unidos, fui convidado a trabalhar lá. Ficamos dois anos, conseguimos ter mais uma filha. Em 59 voltamos - primeiro fomos para Buenos Aires, depois voltamos para o Brasil, como empregado da Pfizer Química.
Passei dez anos na Pfizer, [na] fábrica de Guarulhos - primeiro na fase de construção, depois na fase de começar a produção de tetraciclina, terramicina, antibióticos, aí passei pra área farmacêutica propriamente dita. Terminei, nos últimos anos, como diretor técnico da Pfizer. A Pfizer queria me promover para ser vice-presidente da Pfizer Ásia, morando em Hong Kong. Só que eu já tinha viajado tanto, não queria dar o...
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Farma Brasil
Entrevista de John Frederick Konig
Entrevistado por Cláudia Leonor Oliveira e Márcia Ruiz
São Paulo, 21/10/1995
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº FR_HV009
Transcrito por Marina D’Andréa
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Gostaria de começar a entrevista perguntando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é John Frederick Konig. Nasci em Budapeste, Hungria, em 23 de fevereiro de 1927.
P/1 - Quais foram os fatos marcantes da sua infância?
R - Olha, a minha infância, tempo de criança, foi bastante movimentado. Porque meus pais viajavam muito e em 1935 nós fomos para a Inglaterra - inclusive fui criado na Inglaterra. Viajamos para os Estados Unidos, voltamos, e aí veio a Guerra, e então fixamos residência na Inglaterra. Talvez tenha sido bom para mim, porque pelo menos podia completar meu curso secundário, universitário lá em Londres e depois...
Vamos dizer, já estamos chegando fora da infância, mas outro fato marcante da minha vida foi a vinda para o Brasil, em 1951. Tinha 23 anos, não falava nada de português, não sabia de nada. Tinha uns parentes aqui que ajudaram a [me] adaptar ao Brasil.
Em 53 voltei para a Inglaterra, casei; voltamos para o Brasil, tivemos nossa primeira filha e depois de um certo tempo, três anos depois, fui para os Estados Unidos, fui convidado a trabalhar lá. Ficamos dois anos, conseguimos ter mais uma filha. Em 59 voltamos - primeiro fomos para Buenos Aires, depois voltamos para o Brasil, como empregado da Pfizer Química.
Passei dez anos na Pfizer, [na] fábrica de Guarulhos - primeiro na fase de construção, depois na fase de começar a produção de tetraciclina, terramicina, antibióticos, aí passei pra área farmacêutica propriamente dita. Terminei, nos últimos anos, como diretor técnico da Pfizer. A Pfizer queria me promover para ser vice-presidente da Pfizer Ásia, morando em Hong Kong. Só que eu já tinha viajado tanto, não queria dar o mesmo tipo de experiências para os meus filhos que eu tive, mudando de um país para o outro, e resolvi ficar no Brasil.
Achei que já que a Pfizer queria me promover, sair do Brasil, eu tinha que procurar uma coisas neste país mesmo. E assim entrei na Johnson, em dezembro de 1969. Aí começou a carreira na Johnson, fizemos toda a mudança da velha fábrica na Avenida do Estado para a nova fábrica de São José dos Campos. Foi um trabalho bastante heroico, vamos dizer, porque a gente tinha... Hoje em dia se chama reengineering e tivemos que fazer isso lá antes de inventarem essa palavra - a Johnson não era caso de reengineering porque que não tinha engineering.
Eu que criei o departamento de engenharia da Johnson. Contratei um excelente engenheiro-chefe, montamos um esquema de manutenção preventiva, fizemos toda a infraestrutura lá, em São José, da fábrica. A fábrica parava por falta de água, por falta de força, então tudo isso foi sanado. Fizemos mais poços, fizemos distribuição de água, colocamos subestação de alta voltagem [de] 120 mil volts, que não falhava. Aos poucos, a gente criava um espírito mais profissional na área de engenharia, que é a base de uma operação industrial qualquer, e ao mesmo tempo estávamos mudando de São Paulo… Admitindo gente em São José, treinando gente em São José, trazendo alguns elementos-chave de São Paulo, que viajavam todo dia, colocava ônibus à disposição deles.
Como digo, foi uma época bastante heroica. (risos) Não é nada fácil mudar a mentalidade e ao mesmo tempo mudar a localidade. E tinha que fazer tudo isso, obviamente, sem parar a produção, mantendo lançamento de novos produtos, mantendo fluxo de produtos. [O] pessoal de vendas todo empolgado com as mudanças, com as novidades, estavam vendendo adoidados. Felizmente saiu bem - com tropeços aqui e ali, mas o pessoal saiu bem.
Mais ou menos em 1973, eu transferi as minhas atividades para a Farmacêutica - naquele tempo era Medical Diagnostic, produtos médicos e diagnóstico -, e comecei na área industrial, também. Foi justamente na época que terminamos as fábricas novas da Farmacêutica em 73, e aí mudamos a produção e… Nós fizemos todos os planos, tudo sairia sem trauma, e obviamente os planos furaram, porque nós contratamos um bando de moças em São José [e] as trouxemos pra São Paulo pra treinar com a velha guarda, que não queria mudar pra São José porque eram todas senhoras, já, radicadas naquele bairro próximo da Avenida do Estado. Então pegamos essas moças, senhoras, e trouxemos pra São Paulo pra trabalhar juntos, voltar à noite pra São José.
Foi assim durante um mês, seis semanas, durante o treinamento. Só que quando nós mudamos pra São José, essas pessoas, recém treinadas, não deram conta. Elas estavam bem quando trabalhavam ao lado das pessoas que já sabiam, mas muitas delas não conseguiram dar o ritmo que era necessário. Obviamente tivemos que substituir algumas e foi outra vez uma época meio heroica, porque qualquer mudança desse tipo… Nós sempre confrontamos esse problema. Uma mudança de lugar de atividade, onde estava [sendo] feita há muitos e muitos anos… Mudar de repente para uma nova localidade sempre traz certos traumas, mas foi tudo esperado, sem grandes consequências. Em parte fizemos estoques necessários, prevendo algum tipo de demora para alcançar o ritmo, a produtividade adoidado.
Logo depois, comecei a assumir responsabilidades mais fora da área industrial. Também tinha a área veterinária, produtos veterinários. Depois, parece que em 75, assumi a parte de gerência geral da Farmacêutica. Foi bastante difícil, uma época de controle de preços muito severo pelo CIP, então foi grande desafio para manter uma rentabilidade razoável nas operações farmacêuticas - inclusive, não foram todos os anos que conseguimos. Tivemos que exercer, fazer a máxima economia, mas nas operações nunca podia ser feito, por exemplo, o que está sendo feito hoje. Não teria... (risos) Não pode falar isso.
Depois nós também fizemos a construção da Fábrica de Síntese Química, devido aos problemas de importação. No Brasil, naquela época, era muito difícil a importação de qualquer coisa. Começamos a construção do nada: compramos um terreno de oitocentos mil metros quadrados, foi feito um projeto, admitimos um engenheiro químico muito bom, bom profissional, ________. Ele montou uma pequena equipe em São José, fez um planta piloto e começou a transferir a tecnologia da Janssen, da Bélgica. Enquanto isso, nós construímos a fábrica propriamente dita.
A fábrica foi terminada em um ano e meio e o Dr. Paul Janssen veio para inaugurar a fábrica. Realmente, ele achou que em um ano e meio talvez nem teria sido feito na Europa. Foi um trabalho bastante bem conduzido. Assim, transferimos a produção, a planta piloto já resolveu o know-how, então resolve fácil o comércio da Síntese. Isso ajudou muito durante muitos anos a Johnson, a Janssen Cilag, [a] manter os produtos no mercado, porque não tinha mais aquele problema, uma via-crucis de pedir licenças para importação etc.
Claro, historicamente, olhando para trás… Hoje, a fábrica nem existe mais. Que eu saiba, a Johnson fechou porque não tem razão de ser. As barreiras contra as importações foram eliminadas, então sai muito mais em conta trazer das fábricas da Janssen, que produzem em grande escala, do que fazer os produtos aqui, em escala menor. Durante o seu tempo foi uma coisa muito boa, mas no fim tudo aquilo teve que ser desmanchado. Nem sei que finalidade levou, porque foi muito depois da minha aposentadoria da Johnson.
Em 1975, eu fui convidado a assumir outras responsabilidades dentro da Johnson e aí me desliguei da área farmacêutica. Mantive ainda a direção da Síntese durante alguns anos e depois eu passei a fazer... Atividades para exportação, fábrica de máquinas, serviços de formulação de São José dos Campos.
A importação me levou a viajar bastante, fiquei fora do país; [a] cada dois meses estava fazendo alguma coisa. Vendemos máquinas próprias da Johnson pra fazer band-aid, cotonetes, fraldas, [a] América Latina toda a Johnson estava equipando com máquinas feitos no Brasil. Chegamos a vender máquinas para a Alemanha, para os Estados Unidos, tivemos qualidade de primeiro mundo. Vendíamos não só as máquinas como toda a tecnologia, como usar, já treinamos pessoal - mandávamos nossas montadoras junto com a máquina pra instalar, então foi bastante... [Um] funcionamento bastante desafiante.
Para a Johnson foi bastante satisfatório, porque a Johnson tinha que exportar e assim conseguiu exportar cinco ou seis milhões de dólares por ano de máquinas, que antigamente não tinha. Isso nos deu um cartaz muito bom. O Banco do Brasil nos facilitou as importações e foi uma coisa bastante proveitosa pra empresa.
(PAUSA)
P/1 - Voltando um pouco pra mudança da fábrica, houve incentivos governamentais?
R - Não, veja, o terreno já estava lá. A Johnson comprou aquele terreno com bastante previsão, comprou acho que em 1953, mas tinha pouca coisa em São José quando entrei na Johnson. Tinha talvez uns quatrocentos operários, pessoas trabalhando lá. Dez anos depois, tinha quatro mil, só para dar uma ideia do que foi feito. O terreno era grande, um milhão de metros quadrados, bonito; 1800 metros de frente para a Dutra. A gente construiu um monte de coisas depois, mas já existia o local.
P/2 - Voltando um pouco, eu queria que o senhor falasse das dificuldades do CIP e relação da Johnson & Johnson com relação ao governo na época das importações das matérias primas. Eu queria que o senhor falasse um pouco dessas dificuldades que houve junto ao relacionamento com o governo.
R - Veja, as dificuldades, em parte, não foram só da Johnson, foram da indústria como um todo. O Brasil, naquela época, tinha grandes problemas de déficit comercial e a Cacex [Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil] simplesmente se julgou numa posição de guardiã do caixa da nação. Então toda a saída de divisa era considerada um crime, e a gente foi tratado lá como um criminoso. É um absurdo, porque no final das contas nenhum país vive sozinho no mundo.
Todos os países importam e exportam, isso é normal. O Brasil só queria exportar, foi um absurdo. Hoje em dia é totalmente falso, totalmente errado. Naquela época, o governo simplesmente tomou esse absurdo e não tinha o que fazer. O que a gente procurava mostrar para a Cacex é que nós estávamos exportando, que essas importações criavam empregos, que [sobre] esses empregos nós pagávamos impostos. Não era só uma saída de divisas, era uma pequena saída de divisas para um grande benefício para o país como um todo, mas eles também... Fizeram atitudes, só olharam aquele lado deles, ninguém olhava panorama geral.
Esse foi um dos problemas e não era só nosso. Era da indústria toda, a indústria brasileira sofria com isso, por isso nós tivemos um estado de coisas bastante atrasada tecnicamente. Quando o governo finalmente reconheceu… Esse foi um dos grandes passos para a frente que houve com a entrada do Collor, só para dizer, e o governo reconheceu que essa era uma política errada. O Brasil não pode se isolar do resto do mundo. Abriram aos poucos as fronteiras para o intercâmbio de mercadorias e aí se encontrou a indústria numa fase de atraso muito grande. Alguns se apressaram, aproveitaram essas aberturas: reequiparam, investiram. Esses estão bem. Alguns que não fizeram isso, esses estão mal, porque... A indústria têxtil, por exemplo, tem muitos que estão na beira de falência porque não se reequiparam. Os que se reequiparam estão exportando, estão numa boa. Mas a situação era essa.
P/2- Então a gente está encerrando a entrevista. Agradeço a participação do senhor.
R - Ok. Tá bom, obrigado. (risos)
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