Foi em Julho de l.972, depois de mais um ano de labor intenso, comecei a gozar férias, tudo estava em plena paz, o filho mais velho havia saído de casa e montado um apartamento para, como dizia ele, construir a sua vida de acordo com o que aspirava. A filha do meio estava cursando o segundo grau e...Continuar leitura
Foi em Julho de l.972, depois de mais um ano de labor intenso, comecei a gozar férias, tudo estava em plena paz, o filho mais velho havia saído de casa e montado um apartamento para, como dizia ele, construir a sua vida de acordo com o que aspirava. A filha do meio estava cursando o segundo grau e o caçula estava prestes a terminar o primeiro grau. Como a essa altura já nenhum dos filhos queriam nos fazer companhia, fomos (apenas minha esposa e eu) para a cidade de Mocóca em visita aos meus sogros.
Foi uma viagem muito boa. No caminho conversávamos e por coincidência eu havia entrado em um "bolão" da loteria esportiva que estava acumulada, feito no meu local de trabalho. Ali em nossa conversa aludimos à possibilidade de ganhar aquele prêmio enorme que mesmo tendo que dividir por muitas pessoas seria muito bom para realizarmos coisas que ainda não havíamos conseguido até aquele momento de nossas vidas. Reflexionamos sobre isso e chegamos à conclusão que isso não seria tão importante, pois a felicidade é construída em contato com as pequenas coisas; são acontecimentos simples em nossa vida que podem nos transmitir essa sensação de complementação de todo o nosso ser; é até inexplicável como pessoas que tem tanto, não se sentem felizes enquanto outras que não possuem quase nada vivem em constante sentimento de alegria. Mal sabíamos nós que estávamos bem prestes de vivenciar acontecimentos que nos levariam a espreitar uma pequena nesga de céu azul para podermos sentir, com isso, a plenitude da felicidade
Devemos ter ficado mais ou menos uns dez dias em Mocóca e voltamos para retornar à nossa vida rotineira. Pouco tempo após chegarmos em casa o telefone tocou e uma senhora começou uma conversa, dizendo que era mãe de um colega de meu filho e. . . que . . . meu filho . . . estava preso... Imaginem só o choque provocado quando pais recebem uma notícia dessa natureza A primeira idéia que me veio à cabeça, era que não passava de um "trote". Já havíamos sido vítimas dessa brincadeira quando recebemos telefonemas avisando-nos que nossa filha seria seqüestrada. Tudo não passara de ciúmes de uma companheira de curso por causa de namorados.
Imediatamente telefonei para um meu colega cujo irmão era delegado de polícia, para que se fosse possível averiguasse a procedência da informação. Algum tempo depois vinha a notícia estarrecedora. Era verdade, ele estava detido no primeiro distrito policial, que àquele tempo funcionava no Palácio Nove de Julho, hoje sede da Prefeitura, por envolvimento com tóxicos. Somente vim a saber dos detalhes posteriormente: A polícia havia sido chamada porque havia uma reunião no apartamento (eram novos amigos que ele arranjara depois que saiu de casa) e faziam muito barulho. Ao invadirem o apartamento alguém deve ter livrado-se de alguns comprimidos de LSD, que foram encontrados pela polícia. Como ele era o responsável pelo apartamento foi detido para responder a um processo inafiançável.
Por influência do pai de uma colega dele, conseguimos visitá-lo no 1º distrito aumentando a nossa dor por ver um filho, que havíamos tentado orientar com tantos princípios, submetido àquela situação humilhante Tudo aquilo nos parecia uma traição que sofremos, sentimo-nos como se tivéssemos sido apunhalados pelas costas
Foi uma longa batalha judicial que transformou as nossas vidas. Não estávamos preparados financeiramente para enfrentar isso e a primeira providência que me veio para tomar, seria desfazer o contrato do apartamento porque esse também passaria para a minha responsabilidade. Não conseguimos nem desfazer o contrato nem transferi-lo. Em um gesto desesperado coloquei um anúncio no jornal para vender ou alugar a nossa casa. Felizmente apareceu, em primeiro lugar, quem a alugasse. Entregamos a casa ao inquilino e nos mudamos para o apartamento, situado na Rua Augusta, e imediatamente coloquei à venda uma pequena casa que possuíamos na praia de Moganguá para fazermos frente às despesas que se apresentavam. De imediato tivemos de adiantar uma importância para o advogado.
Nós não dormíamos mais: trabalhando, correndo de um lado para outro, descuidando até dos outros filhos, porque os pais nesses momentos concentram-se naquele que tem a necessidade mais urgente. Ninguém está preparado para passar por essas situações e principalmente os jovens, ainda imaturos sentem-se preteridos e cobram mais atenção que naquele momento não nos é possível ministrar.
Nesses momentos, quando o nosso espírito está praticamente no chão, é que devemos demonstrar maior fortaleza, apoiando os que são mais fracos e estão esmorecidos. E eu tentava ser forte para fortalecer os outros, mas estava a ponto de soçobrar... quando no fim do dia entrava no banheiro, com a água caindo sobre o meu corpo; quando ninguém podia me ouvir, aproveitava para descarregar todas as lágrimas que havia retido durante o dia.
Foram cinqüenta dias de agonia até conseguirmos o "Habeas Corpus" que o autorizava a responder o processo em liberdade, mas foram meses de espera do julgamento que desgastaram as nossas forças, mas que culminou com a nossa vitória quando o Juiz proferiu a sentença considerando-o inocente e absolvendo-o.
Deus permite que determinadas coisas nos aconteçam para que nos aproximemos mais a Ele, haja vista o que ocorreu com o seu amigo Jó, que quando assediado por Satanás mais se chegou ao Criador demonstrando que por mais que o inimigo nos ataque não conseguirá o objetivo de nos desencaminhar de nossos objetivos; também o Rei Davi, quando pecou e a mão de Deus pesou sobre ele, voltou-se para o Pai porque ele é rico em perdoar e grande em misericórdia e nos julga não pelas nossas faltas as quais Ele já pagou doando a vida de sue filho Jesus Cristo, e sim usa de sua imensa misericórdia para conosco, nos buscando sempre até que cheguemos ao conhecimento da verdade. É o que ocorre nesses momentos de dificuldades, nos afugentamos para os braços carinhosos que nos dão apoio e as condições necessárias para que vençamos os obstáculos. Em segundo lugar é o apoio dos amigos. Nesses momentos é que descobrimos quem são os verdadeiros amigos e quantos são apenas conhecidos, que não podem se compadecer das dores de seus semelhantes. Recebemos apoio de muitas pessoas, colegas, vizinhos e também sentimos a ausência de muitas pessoas em quem confiávamos. Um deles chegou a comentar com um colega: "Fiquei com vontade de falar com o Klein, mas sabe como ele é" E até hoje não tive a oportunidade de saber como é que eu sou, ou como esse amigo me via Não me ressenti, por isso, porque compreendo que de fato nesses momentos não sabemos muito o que fazer, se será melhor calar ou falar.
Aquela situação que nos parecia, no momento, tão desesperadora, foi ultrapassada embora haja deixado seqüelas. Eu, depois de relaxar aquela pressão que nos acometia passei por um longo período de depressão mas consegui equilibrar-me. Minha esposa, que já possuía problemas com o sistema nervoso, quase necessitou de ser internada, passando por um longo tratamento, para apenas minorar aquela marca de dor, a qual não conseguiu administrar convenientemente. O médico psiquiatra que tratou dela por muito tempo, depois de saber dos acontecimentos que havíamos passado explicou-me que nem todos tem a mesma capacidade de assimilar os desastres emocionais passando isso a influir em nosso comportamento. Essas anomalias dificilmente serão superadas por essas pessoas. Acresce o fato de que todos nós já somos uma complexidade psicológica, acumulando traumas que vamos recalcando para o nosso interior desde a nossa infância.
Eu não sei se vocês acreditam em revelação, mas eu tenho que crer porque por diversas vezes tenho me confrontado com ela cientificando-me de acontecimentos que viriam acontecer. Nesse caso, uns dias antes de eu sair de férias, sonhei que lia um jornal em que era estampada uma manchete em letras garrafais: "Complexo Primário", lembrei-me que quando criança meu filho mais velho havia sido acometido de um complexo primário pelo contato com o tio que estava contaminado pelo Bacilo da Koch e deduzi que talvez estivesse havendo algum problema com a saúde dele. No mesmo dia visitei-o em seu apartamento e constatei que estava bem de saúde e que nada me impediria de viajar. Mal sabia eu que a revelação era autêntica, e que o problema era de outra natureza como veio a se confirmar. É uma pena que tenhamos, muitas vezes, revelações e não estejamos preparados para sabermos interpretá-las e evitarmos acontecimentos desagradáveis Dou graças a Deus porque esse fato foi também, apenas um complexo primário que nunca mais aconteceu.
(José Wladimir Klein enviou seu depoimento para o Museu da Pessoa em 06 de julho de 1998 pela página na internet, atualizada em 29 de janeiro de 1999.)Recolher