Correios 350 anos
Depoimento de Laercio Ilha Tobias
Entrevistado por Júlia Wagner Pereira
Rio de Janeiro, 24/11/2013
Realização Museu da Pessoa
BRA_CB030_Laercio Ilha Tobias
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Vamos começar.
R – Vamos.
P/1 – Com você me dize...Continuar leitura
Correios 350 anos
Depoimento de Laercio Ilha Tobias
Entrevistado por Júlia Wagner Pereira
Rio de Janeiro, 24/11/2013
Realização Museu da Pessoa
BRA_CB030_Laercio Ilha Tobias
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Vamos começar.
R – Vamos.
P/1 – Com você me dizendo o seu nome completo, o local de nascimento e a data.
R – Meu nome é Laercio Ilha Tobias. Meu local de nascimento é Rondonópolis, terceira maior cidade do Mato Grosso. O que mais?
P/1 – A data.
R – A data. Primeiro de setembro de 82. Inclusive eu brinco dizendo que eu sou um ser perfeito porque eu nasci de nove meses, né? (risos)
P/1 – É mesmo?
R – Brincadeira, né?
P/1 – E filho único?
R – Filho único. Minha irmã de consideração tá em algum lugar por aí me deu dois sobrinhos, eu tentei reencontrá-los há pouco tempo mas, não foi possível.
P/1 – E você nasceu e continuou nascendo na cidade durante...
R – Não. Foi assim, tudo começou na década de 70 ainda, quando meu pai trabalhava com produtos agropecuários, com energia solar, trabalhou com várias coisas, sempre ligadas à agropecuária, no Mato Grosso. Ele tinha saído recentemente de casa, foi morar no Mato Grosso e minha mãe tava de passagem pela cidade. A minha mãe era noiva e o meu pai também. Quem apresentou um ao outro foram amigos em comum, por sinal e eu nasci a partir de uma viagem. Então deve ser por isso que eu ame tanto viajar. Se eu puder pegar um ônibus pra ir pra algum bairro distante, pelo menos uma vez por mês eu faço. Porque viajar pra mim é a minha vida.
P/1 – Eles eram noivos de outras pessoas, romperam o noivado e casaram?
R – E casaram, exatamente. Em três meses.
P/1 – E em nove meses você nasceu (risos).
R – Não, alguns anos depois eu nasci porque veio uma primeira irmã que, infelizmente, a gravidez foi interrompida e eu fui acho que na terceira tentativa ainda (risos).
P/1 – E por quanto tempo vocês ficaram morando em Rondonópolis?
R – Olha...
P/1 – A sua infância foi onde?
R – A minha infância é um acolchoado de retalhos. Uma parte dela foi no Mato Grosso. Eu nasci em Rondonópolis, depois eu fui morar em Campo Grande, depois eu vim pro Rio, depois eu morei no interior de São Paulo. Depois eu morei cinco anos na Europa, aí eu voltei, morei mais um pouco no Matro Grosso, depois eu voltei pro Rio. Agora eu to aqui no Rio (risos).
P/1 – Isso tudo por conta de trabalho dos seus pais?
R – Isso tudo por conta de situações, as mais diversas possíveis. Oportunidade de trabalho, necessidade de ocasião, família e tudo o mais. Inclusive uma das pessoas mais importantes na minha vida, chamada Nilza Sales Pereira faleceu, parte desse depoimento, desse registro que eu faço agora é a ela que me formou. Com oito anos de idade ela me ensinou a lavar uma cueca, uma meia, me ensinou a costurar, fazer minha cama, a fazer alguma coisa na cozinha. E ela faleceu tem uma semana, fomos pegos de repente. Faz parte. A minha vida foi viajada, foi bem viajada. Ela começou em 82.
P/1 – E nessas várias cidades que você foi, você estudou em vários colégios.
R – Foram vários colégios, com vários históricos. Alguns em línguas diferentes, complicações em consulador (risos).
P/1 – Com essas viagens ficava um pouco difícil montar grupos de amigos, né? Você sempre tinha que começar tudo de novo.
R – Eu usei da minha habilidade como virginiano com ascendência em libra para conquistar isso pouco a pouco. Dizem que você só adquire a sua ascendência de signo quando você completa 30 anos, então acho que isso está começando a tomar parte de mim, me contaminar. E coincidiu agora com meu ingresso na área artística, eu me tornei ator do grupo teatral dos Correios aqui no Rio de Janeiro.
P/1 – Ah, bacana. E aí, nesses colégios todos que você passou, inclusive no exterior, alguma lembrança marcante que você queira dividir? Algum professor, algum colega?
R – Vários, esse é o problema. Porque sempre por onde eu passava, eu tenho um sério problema de deixar fortes lembranças. Eu sou muito comunicativo e isso pra mim sempre foi um problema, como foi uma solução. Eu tenho uma facilidade enorme de entrar nos lugares onde provavelmente nem vocês entrariam, lidar com situações que, às vezes, nem eu mesmo acreditaria que eu conseguiria lidar.
P/1 – Então escolhe uma dessas pra contar pra gente.
R – Bom, eu tinha um professor que, ao mesmo tempo que repreendia a gente e tacava giz na gente quando a gente não prestava atenção, ele chorava quando a gente não acertava as notas porque era a forma dele de fixar a matéria na gente, repreendendo a gente. Houve também situações um pouco lamentáveis como uma escola em que o diretor era alcoólatra, mas a gente fazia de conta que não via nada. E lá eu fiz algumas amizades, amizades que inclusive coincidiram com a vida profissional dos meus pais. Uma coisa bem casada. Boa parte das coisas na minha vida foram miscigenadas.
P/1 – E dava tempo pra namorar?
R – A minha primeira namorada foi em Portugal, ela se chama Ana, cheguei a namorar outra Ana, por sinal. Eu perdi o contato com ela, infelizmente, já tem alguns anos. Assim que eu cheguei na Espanha foi tudo muito corrido, quando eu cheguei em Portugal que eu comecei a viver de verdade.
P/1 – Quanto tempo você passou em Portugal?
R – Primeiro eu fui pra Espanha, depois eu fui pra Portugal e depois Itália.
P/1 – Quanto tempo você passou em Portugal?
R – Em Portugal eu não me lembro ao certo, foi algo em torno de 92 a quase final de 93, um ano, um ano e meio.
P/1 – Você foi primeiro pra Espanha e depois pra Portugal ou não, primeiro Portugal, depois Espanha.
R – Eu saí daqui em 91. Aterrisei em Barrajas, Madri, peguei um trem e fui pra Licante.
P/1 – Com quantos anos isso?
R – Nove. Logo depois que eu saí da casa da minha tia-avó, a Nilza. Ali, na verdade era para eu ter ido pra Europa dois anos antes.
P/1 – Seus pais já estavam na Europa?
R – Minha mãe estava na Europa tinha dois ou três anos. Minha mãe foi convidada pra trabalhar numa família de muitos recursos e teve a oportunidade de morar na Espanha. Ela morou na Inglaterra, na Espanha. E na Espanha ela me chamou para ir morar, já com sete, oito anos.
P/1 – E ela foi primeiro trabalhar e você ficou com seu pai?
R – Ela foi primeiro, eu fiquei com meu pai, meu pai era muito novo.
P/1 – Como é que foi pra você isso?
R – Às vezes, eu me sentia, como eu me sinto até hoje, mais pai do meu pai do que ele meu pai (risos). Nós sempre fomos muito unidos. Meu pai perdeu o pai muito novo, então nosso elo é muito forte. E o meu pai sempre cuidou de mim de uma forma que minha mãe não cuida porque ela me preparou pra ser um homem, enquanto meu pai cuidou de mim como se fosse ele, como se fosse o pai que ele não teve, né? Meu pai cuidou de mim como se ele não tivesse tido oportunidade que eu estava tendo, com a idade que eu estava tendo.
P/1 – E com a sua mãe lá, você trocava correspondência com ela?
R – Minha mãe trocou várias correspondências enquanto esteve na Espanha conosco, chegou a viajar duas ou três vezes para nos visitar, só que era muito cara a passagem, e as ligações também, na década de 80 pra 90, a telefonia era cara.
P/1 – É por isso que eu perguntei. As cartas tinham algum tipo de conexão?
R – As cartas se mantiveram como parte de nossa herança histórica até alguns anos atrás. Cartas de 91, 92, preservamos como se fosse um documento.
P/1 – E qual era seu sentimento ao receber a carta?
R – Era um turbilhão de pensamentos que passavam na minha cabeça. Lembranças, viagens, fatos, pessoas, refeições.
P/1 – E com essa idade você escrevia pra ela o quê?
R – Eu escrevia que tava tudo bem. Eu não me recordo muito bem o que eu escrevia porque foram algumas cartas, infelizmente todas elas se foram. Mas eu me lembro que eu só me preocupava em dizer a ela que tava tudo bem, que eu tava bem na escola, que tava tudo bem em casa, evitar fazê-la se preocupar. Se o tempo tava quente, se o tempo não tava, o que eu ia fazer nas férias e por aí vai. Coisa de criança, eu tinha sete, oito anos, por aí.
P/1 – Agora quando você foi morar fora, como era o convívio? Você sentiu alguma dificuldade? Porque mesmo comunicativo, aqui no Brasil é uma língua, agora lá, tem também um tempo de aprender a língua, os costumes. Alguma lembrança que tenha relação com esse choque cultural?
R – Tem. A principal foi adaptação ao espanhol. Eu não tive nenhum curso preparatório, não tinha espanhol na escola. Década de 90, espanhol em escola pública? Nem pensar. Então minha maior dificuldade, no início, foi pegar as palavrinhas. E depois foi só alegria, só levar no embalo.
P/1 – E a comida? O clima, você não sentia?
R – Teve uma coisa que me perturbou, além do frio. Era a água do mar, que era muito salina, aquilo irritava a pele de modo que minha mãe, que já tava vivenciando aquilo de alguns anos nem ligava. Agora eu não, entrava na água era uma tortura nos primeiros dois, três meses. E eu amo o mar, adoro praia, desde pequeno. Eu nasci numa praia, saí do Mato Grosso e eu vim pro Rio pequenininho, eu conheço praia desde os dois anos de idade (risos).
P/1 – Sentiu essa diferença, né?
R – Bastante. Muita.
P/1 – E quando você volta pro Brasil depois dessa temporada no exterior? Você volta com a sua mãe?
R – Eu preciso te contar o porquê eu andei tanto nesses países.
P/1 – Por favor.
R – Sim. A Espanha foi o ponto de partida porque minha mãe teve essa oportunidade e a família para quem ela trabalhava desejava muito que ela ficasse. Mas o meu pai conheceu uma empresa que, tem problema eu falar o nome da empresa?
P/1 – Não.
R – A empresa chamava Herbalife. E a Herbalife deu um novo rumo aos nossos destinos. Com a Herbalife nós fomos da Espanha pra Portugal, de Portugal pra Itália. Em Portugal meu pai passou por algumas necessidades, ludibriaram ele no início. Nós moramos no sul de Portugal num condomínio habitacional destinado a vendedores, de alugueis temporários. E meu pai sempre deu da boca dele pra mim, meu pai é dessas pessoas, a gente sempre é suspeito de falar do pai e da mãe, né, mas o meu pai literalmente tirava da boca, do corpo, pra dar pra mim. E em Portugal nós viajamos algumas cidades sempre em função da Herbalife. Em Portugal, como nós fomos pra Cascais, o objetivo era montarmos uma equipe lá. Eu digo montarmos porque eu fazia parte, apesar de pequenininho, panfletava carros, subia em um palco com mil, duas mil, três pessoas e falava como se fosse gente grande sobre os resultados do produto em mim, né? Então eu fiz parte dessa história de forma concomitante.
P/1 – Mascote
R – Mascote. Mas era mascote número um de Portugal na época, fazia questão de me abraçar e tudo. Até hoje, o número um da Herbalife em Portugal, que hoje ironicamente mora no Brasil, casado com uma brasileira. De lá nós queríamos uma vida um pouco mais tranquila. De Cascais, eu cheguei a estudar em Cascais, em duas escolas diferentes. E foi uma experiência diferente. Na Espanha foi meio que correria, na Espanha nós moramos primeiro na cidade, depois na periferia, na periferia eu curti mais a minha infância. Em Portugal, no sul, nós passamos um momento um pouco crítico e quando fomos pra Cascais a nossa vida estabilizou um pouco mais, moramos num apartamentozinho e lá eu comecei a voltar a estudar. Eu fiquei três anos, mais ou menos, defasado por causa dessa brincadeira, só voltei a estudar praticamente em 93, parei em 91 e voltei só em 93. Então em Cascais nós montamos uma equipe bem bacana e depois nós fomos pra Bombarral, uma cidade que a mãe de uma das pessoas da equipe morava, então tinha uma casa enorme. Mas a casa era mal assombrada, de madrugada nós víamos vultos no sofá (risos), mas era uma casa muito gostosa, era uma casa que tinha uma divisória de cozinha, tinha uma divisória de sala. Aos fins de semana, eu não me lembro o nome da senhorinha, mas nós fazíamos churrasco pra ela, ela tinha uma adega que era do pai dela, acho que o marido dela foi da Marinha ou comerciante, não me lembro, e tinha debaixo de casa uma adega e eram tão antigos os vinhos lá. A adega era até um pouco mal conservada, tinha aranha, então só ela podia entrar. Foi uma coisa muito gostosa em Cascais. Depois nós fomos pra Bombarral. Bombarral era uma cidade de 10 mil, 20 mil habitantes, você dava uma volta e já acabava a cidade. Mas o nosso barato era a gente pegar o trem aos fins de semana pra ir em Lisboa, ou senão pegar as motos e ir pra Peniche pra tomar um banho numa penínsulazinha que tinha lá, que era muito gostoso. Ali a minha infância começou a tomar uma outra forma, ali eu comecei a sentir realmente prazer por estar na Europa. Depois com a abertura da Herbalife, vocês já perceberam que a Herbalife é paralela à minha vida, né, não adianta. Então nós fomos pra Itália porque a Herbalife abriu na Itália e fizemos uma viagem de mudança de carro, de Portugal até Itália. Passamos por Portugal, mas tivemos que fazer uma parada na Espanha porque era a casa do Jose Maria, que foi o primeiro distribuidor da Herbalife do meu pai. E lá nós passamos um fim de semana, depois pegamos o carro e no mesmo dia, praticamente, nós fomos de Portugal passando por Andorra, França, Mônaco, chegando ao noroeste da Itália, descendo até Florença. Aí a gente chega na Itália e a nossa história toma um outro rumo e o Jose Maria ajuda a gente em algumas coisas e a minha mãe já tinha providenciado um apartamento. Só que passado uma ou duas semanas que a gente tinha chegado em Florença, nós fomos buscar a minha mãe que tinha voltado de uma viagem, nós fomos na estação ferroviária. E meu pai, eu ainda me lembro nitidamente, eu tinha 11, 12 anos e falei: “Pai, fecha a porta com duas trancas”, ele falou: “Não, isso aqui é Florença, imagina! Quem vai roubar a gente aqui?”. Nós saímos, meu pai deixou só uma tranca, saímos, fomos pra estação de trem, buscamos a minha mãe, na volta mesmo, que buscamos a primeira carcaça de uma máquina de lavar roupa pra fazer churrasqueira porque italiano não tinha hábito de fazer churrasqueira como a gente entende, né? Nós roubamos inclusive uma carcaça (risos).
P/1 – Adaptando, né?
R – Adaptando, claro. Fazendo no terraço, né, e levamos até em casa. Quando chegamos em casa a porta estava entreaberta. Levaram todas as jóias de herança da minha avó paterna e os 20 mil dólares, mais ou menos, que meu pai tinha conseguido guardar nessa temporada de Espanha e Portugal. Então a nossa vida começou do zero, né? Nós sempre mantíamos contato com a nossa família daqui. Em Mato Grosso eu tenho a minha tia que sempre foi a matriarca da família, que é a minha tia Ceres, que eu amo. Tia eu te amo, do fundo do meu coração, do fundo da minha alma. Tínhamos contato com meu falecido tio e com várias pessoas. Meu tio Gales que também é falecido, ele sempre ligava, procurava saber.
P/1 – Tá, deixa eu coordenar.
R – São muitas informações.
P/1 – É muita informação. E depois voltou para o Brasil?
R – Na Itália nós recomeçamos. Meu pai pegou um kit da Herbalife.
P/1 – Começou do zero.
R – Do zero. Começamos do zero. Pouco tempo depois soubemos que a Herbalife tinha planos de entrar no Brasil, só que meu pai não tinha capital. Naquela mesma época conhecemos o Ballarini com a nora dele, na mesma estação onde nós íamos sempre buscar a minha mãe. O Ballarini se tornou nada mais, nada mesmo do que o número dois da Herbalife aqui no Brasil alguns meses depois. Ele largou o emprego dele de fiscal sanitário e entrou pra Herbalife. Nós continuamos na Itália e depois meu pai veio pro Brasil, abriu o campo, só depois é que nós viemos da Itália pro Brasil.
P/1 – E aí veio pro Rio de Janeiro?
R – Só que o apartamento tinha ficado com uma mulher por favor e essa mulher destruiu o apartamento. Promovia festas que eu não posso publicar aqui, incomodou demais a vizinhança, tornou um caos a nossa reputação e a estrutura do apartamento. Então fomos obrigados a nos mudar pra Mato Grosso. No Mato Grosso nós moramos durante um ano, tinha uma casa lá, quase a compramos, enquanto isso reformávamos o apartamento daqui do Rio.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Nessa brincadeira eu já tava com 13, 14 anos. Nós fomos pro Mato Grosso, pra Rondonópolis, no muro do lado da minha tia Ceres. Então no fim de semana meu primo pulava o muro pra ir pra piscina, o maior barato.
P/1 – Aí você teve uma juventude mais familiar, né?
R – Sim, sim. Eu não fui do tipo que fez intercâmbio porque a minha própria vida foi um intercâmbio. Também não saí cedo de casa porque filho único, só quem é filho único entende como é vida de filho único. Filho único é uma vida complicada. É mimo, apego e cobranças de tudo quanto é lado. Então, no Mato Grosso nós tínhamos essa casa, essa casa ficou no período em que meu pai rodou o Brasil todo, fez uma das maiores organizações.
P/1 – Que era a casa onde você nasceu?
R – Não, não era a casa em que eu nasci, mas era na cidade onde eu nasci, Rondonópolis. Era próximo à casa onde eu morei, a minha primeira casa. Ali foi uma nova fase, começou a minha adolescência.
P/1 – E quais eram os programas da adolescência, o que fazia?
R – Olha, nós pegamos a adolescência, como era uma cidade muito liberal, nós saíamos de scooter na rua, nós curtíamos a, como é o nome da boate pros adolescentes domingo? Matinê. A gente curtia muita matinê, entrava em matinê. Eu ia na boate à noite com o meu primo me acompanhando. Era assim que a gente se divertia na cidade. Patins, meu primo patins eu tive lá, me arrebentei todo (risos). Agora, depois de velho que eu comprei um novo par de patins.
P/1 – E você também voltou a estudar.
R – Nunca parei de estudar. Isso é um fato que eu não mencionei até agora. Em Portugal eu estudei tanto em Cascais como depois em Bombarral. E uma das professoras que mais me marcou até hoje na minha vida foi de Bombarral, que chamava Ana. Foram meus dois amores, a Ana professora e a Ana namoradinha.
P/1 – E em Rondonópolis você terminou a escola? O ensino médio?
R – Não, tem mais história ainda, tem mais história. Quando eu cheguei no Brasil, toda a minha documentação estava estrangeira, ou redigida por Portugal, ou pela Itália, então nós tivemos um problema logístico. O problema basicamente era o fato de que não havia um padrão internacional pra intercâmbio de documentações. E olha só, eu tava no interior do
Mato Grosso, imagina o problema eu estar no interior do Mato Grosso em 95, quando não tinha informática, não tinha internet, não tinha nada. Então na época eu me lembro que nós recorremos ao consulado, se não me engano tinha um consulado. Não, nós fomos em Cuiabá e de Cuiabá, eu não lembro se tinha um consulado da Itália em Cuiabá ou se nós tivemos que mandar pra Brasília. Fizeram essa tramitação toda e tentaram me inserir na sétima série, mas eu não consegui passar na prova e voltei pra sexta (áudio cortado)
TROCA DE FITA
R – Ali eu comecei a sexta série, ali em Rondonópolis.
P/1 – Aí você terminou a escola em geral em Rondonópolis?
R – Não, dali eu vim pro Rio. Quando eu vim pro Rio eu fiz a sétima, a oitava. E na primeira série do nível médio eu reprovei e aí eu tive que recomeçar do zero.
P/1 – Quando você veio pro Rio você veio morar onde?
R – Quando eu vim pro Rio eu vim morar no mesmo lugar onde estava sendo reformado, aquele apartamento.
P/1 – Aquele apartamento, tá. E que fica em que bairro?
R – Na Tijuca.
P/1 – E aí concluiu a escola, uma nova adaptação à cidade. O que você achou de diferente, do que você gostava da cidade que era nova?
R – Eu levei uns dois, três anos pra começar a descobrir a cidade porque havia um temor muito grande, porque eu ainda era um europeu, né? Quando eu cheguei no Mato Grosso, hábitos, educação, ingenuidade total. Cresci na Europa. Então havia um certo receio de eu sair na rua e falar muito obrigado, pedir muito por favor, então só comecei a me virar com 15, 16 anos, mais ou menos.
P/1 – E o que você gostava de fazer nessa idade?
R – Ah, eu fazia tanta coisa. Praia sempre foi minha paixão. À medida que eu fui me tornando adulto eu conheci montanhismo. Por causa dessa correria, pelo fato de eu ser filho único, eu não fui militar. Quando eu fui convocado eu fui dispensado, então eu fiquei com um certo remorso e decidi fazer alguma coisa paralela. Meu pai já tinha sido escoteiro, mas eu nunca tinha tido muito interesse. Depois acabei, pelo montanhismo, tendo contato com os escoteiros. E aí eu acabei não entrando, até hoje eu não entrei no escotismo, embora ainda haja tempo e me tornei um montanhista. O meu prazer hoje em dia é catalogar montanhas, traçar rotas de posse de um GPS traçar uma rota, documentar ela e divulgar. Inclusive eu sou colaborador de um portal conhecido que é o clubedosaventureiros.com. Eu conheço o fundador que é muito gente boa. Então meus prazeres... Agora na fase pré-adolescente era sair como um adolescente normal no shopping, no cinema, uma praia com o pai e a mãe, comer um peixe na praia. Desde novo conheci a Praça XV, conheci o Passeio Público. E a Filatelia surgiu ainda na década de 80, antes de eu ir pra Europa. Quando nós voltamos pro Brasil encontramos a pessoa que inseriu a gente na filatelia. E essa pessoa ficou com a gente até 2005, 2006, quando faleceu. Eu me dividia entre a minha vida de pré-adolescente e os trabalhos nos fins de semana, e a escola, né?
P/1 – No que você trabalhava?
R – Na filatelia. Nós tínhamos uma banca. Muitas pessoas que estão presentes aqui hoje na Brasiliana 2013 me conhecem de 2000, de 2001, pessoas que viram eu crescer.
P/1 – E onde era essa banca?
R – Essa banca nós tínhamos dois pontos, um era na Praça XV e o outro ponto era no Passeio Público, que é ao lado da Lapa, dos Arcos da Lapa.
P/1 – E aí vocês foram, a família foi adquirindo selos desde antes de viajar.
Durante a viagem vocês coletavam também?
R – Então, essa é uma pequena história paralela, mas eu vou tentar ser breve. O Dominitis nos conheceu na década de 80, ele era um camelô e ofereceu oportunidade de trabalhar com filatelia. Então meu pai tinha um trabalho em paralelo. E nessa brincadeira ele deu um material pra gente, que a gente sobreviveu na Espanha por dois meses com esse material. Nós vendemos,
sobrevivemos, aluguel, alimentação, tudo foi com aquele material. Quando nós voltamos o meu pai continuou com a Herbalife até 99, 2000. A Herbalife sofreu alguns problemas e perdemos boa parte da organização e meu pai voltou a trabalhar com filatelia em 98, 99, quando reencontrou Dominitis. Eu fui um dos primeiros vendedores de filatelia do Mercado Livre, Mercado 21, eram os primeiros sites de comércio eletrônico no Brasil e eu tinha cadastro em todos eles. Eu tinha um scanner enorme, eu digitalizava todo esse material. Eu posso dizer com todas as palavras que eu fui um dos primeiros desbravadores do universo online em matéria de colecionismo. Eu ensinei várias pessoas como usar um computador, as dicas de como acessar a rede e tudo o mais.
P/1 – Você já é...
R – Macaco velho.
P/1 – Bem frequente nesse evento da Brasiliana.
R – Sou. E essa outra fase da minha vida, quando a gente reencontra a filatelia, ela se mescla com os Correios de uma forma que parece ser uma peça do destino. Eu trabalhei em empresas que tinham franquia, me dava muito bem com os carteiros. Depois eu tive uma empresa com a minha família, me dava muito bem com os atendentes, me dava bem com todo mundo.
P/1 – E hoje você é funcionário dos Correios.
R – E hoje eu sou funcionário dos Correios.
P/1 – Trabalha onde?
R – Trabalho na AC Presidente Vargas, na DR, Diretoria Regional do Rio de Janeiro.
P/1 – Pra gente finalizar, se você pudesse resumir a sua coleção de selos, qual palavra você usaria, o que você chamaria ela?
R – Na verdade eu não tenho coleção. A grande ironia de tudo é que eu não tenho uma coleção, eu sempre fui comerciante. Tudo veio pra mim, passou em minhas mãos e se foi. Eu tenho um amor imensurável, eu tenho um amor enorme pela filatelia.
P/1 – Você não guardou nenhum?
R – Tenho uma coisinha ou outra, deve estar em algum canto na casa, mas eu não me apego. Eu me dedico, eu amo. Hoje, como funcionário público tento ser o melhor que eu posso, mesmo com todas as adversidades, porque trabalhar com o ser humano é uma coisa complicada (risos). Então eu procuro retribuir a oportunidade de trabalhar nessa empresa maravilhosa, puxando o saco, né? (risos). Nessa empresa maravilhosa que são os Correios. Paralelamente trabalhando com a filatelia.
P/1 – Maravilha, maravilha. Obrigada por esse tempinho que você dividiu com a gente a sua história.
R – Foi um prazer imenso.
P/1 – Realmente é muita história. Ainda é novo, ou seja, daqui uns anos, quando você voltar a contar ao Museu vai ser muito mais tempo. E daqui a pouco, em breve, esse material está no site também, você vai poder ter acesso, curtir de outra forma, divulgar pros amigos.
R – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher