IDENTIFICAÇÃO Sou Jair Toledo. Nasci em 12 de janeiro de 1942 na cidade de Campinas. FAMÍLIA Meus pais são Antonio Toledo e Encarnação Santiago Toledo. Pai e mãe são descendentes de espanhóis. Eles são nascidos no Brasil. Os meus quatro avós são espanhóis. Eles que vieram. O pai do meu pai era Miguel Toledo e a minha avó era Dolores. Ela era parte de Munhoz, de Reis e também Toledo. O da parte da minha mãe, eu nem conheci; nem a minha mãe conheceu também. Quando a minha mãe nasceu, pouco tempo depois, ela faleceu e o nome do meu avô por parte da minha mãe era Antonio. Meus avós vieram da Espanha em navios, direto pra roça. Pra região de Campinas. Trabalhavam como lavradores e os meus pais se conheceram aqui no Brasil. Se conheceram no Distrito de Sousas. Os meus avós moravam por lá. Eles tinham sítios por ali e acabaram se conhecendo no Distrito de Sousas. Se casaram por lá também. Eu tenho uma irmã, a Edna Toledo. O meu pai iniciou na lavoura como todos os irmãos. Aí, um dos irmãos começou com uma profissão de barbeiro e o meu pai não gostava da lavoura. Aí, o meu pai foi junto com o irmão dele para serem barbeiros no Distrito de Sousas. Inclusive, o meu tio era muito conhecido por lá. Sousas tinha uma vida própria e ficaram... Aí, é aquela história de sempre, os irmãos mais velhos sempre dominam os mais novos. Meu pai, por rebeldia, achou que não era por aí. Aí falou: “Tchau. Você fica e eu tô queimando chão.” E veio pra Campinas. Antigamente, esse trecho de Campinas a Sousas, na época, era tudo terra. Inclusive hoje onde nos temos ali o fim da Avenida Moraes Sales, essa rodovia ali, bem acima, eles chamavam de Morro do Sabão, porque os caminhões normalmente despencavam de lá em tempos de chuva. Então havia várias cruzes naqueles locais exatamente por causa desses acidentes. Meu pai tinha muitos irmãos; era uma família grande. Eu conheci todos. Não pelos meus pai e sim...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Jair Toledo. Nasci em 12 de janeiro de 1942 na cidade de Campinas. FAMÍLIA Meus pais são Antonio Toledo e Encarnação Santiago Toledo. Pai e mãe são descendentes de espanhóis. Eles são nascidos no Brasil. Os meus quatro avós são espanhóis. Eles que vieram. O pai do meu pai era Miguel Toledo e a minha avó era Dolores. Ela era parte de Munhoz, de Reis e também Toledo. O da parte da minha mãe, eu nem conheci; nem a minha mãe conheceu também. Quando a minha mãe nasceu, pouco tempo depois, ela faleceu e o nome do meu avô por parte da minha mãe era Antonio. Meus avós vieram da Espanha em navios, direto pra roça. Pra região de Campinas. Trabalhavam como lavradores e os meus pais se conheceram aqui no Brasil. Se conheceram no Distrito de Sousas. Os meus avós moravam por lá. Eles tinham sítios por ali e acabaram se conhecendo no Distrito de Sousas. Se casaram por lá também. Eu tenho uma irmã, a Edna Toledo. O meu pai iniciou na lavoura como todos os irmãos. Aí, um dos irmãos começou com uma profissão de barbeiro e o meu pai não gostava da lavoura. Aí, o meu pai foi junto com o irmão dele para serem barbeiros no Distrito de Sousas. Inclusive, o meu tio era muito conhecido por lá. Sousas tinha uma vida própria e ficaram... Aí, é aquela história de sempre, os irmãos mais velhos sempre dominam os mais novos. Meu pai, por rebeldia, achou que não era por aí. Aí falou: “Tchau. Você fica e eu tô queimando chão.” E veio pra Campinas. Antigamente, esse trecho de Campinas a Sousas, na época, era tudo terra. Inclusive hoje onde nos temos ali o fim da Avenida Moraes Sales, essa rodovia ali, bem acima, eles chamavam de Morro do Sabão, porque os caminhões normalmente despencavam de lá em tempos de chuva. Então havia várias cruzes naqueles locais exatamente por causa desses acidentes. Meu pai tinha muitos irmãos; era uma família grande. Eu conheci todos. Não pelos meus pai e sim pela minha mãe. A minha mãe tinha rodinha nas pernas. Chegava domingo, ela passava a mão na cria e ia visitar todo mundo: um domingo na parte dela, um domingo na parte do meu pai. E acabei conhecendo muito mais por ela do que propriamente pelo meu pai, porque o meu pai sempre foi muito caseiro; meu pai não era muito de sair, mas a minha mãe não parava em casa. A minha mãe passava a mão na cria e vamos embora Ela teve, tinha ou tem ainda - depois de certo tempo se perdeu - ela tinha um irmão de um segundo casamento do pai dela. Depoi s de um tempo que morreu a mãe dela, ele se casou com outra mulher e aí teve um filho, um irmão dela que fui conhecINFÂNCIA Eu morei, de pequenininho, na Moraes Sales. Bem no fim da Moraes Sales quase perto da valeta ali embaixo; tem ainda a valeta lá embaixo bem no término da Avenida Moraes Sales. Nós morávamos num cortiço. Os meus avós, por parte do meu pai, também moravam lá. Foi um dos locais que eu morei um bom tempo. Depois o meu avô faleceu... Ainda me lembro de que a minha mãe brigava muito com o meu pai, questionava muito o meu pai porque ele obedecia ainda o tempo dos europeus. Os filhos, embora casados, tinham que dar o ordenado que ganhavam aos pais e estes devolviam a parte que eles achavam que era de competência pra viver. A minha mãe ficava indignada. Minha mãe não aceitava e eu lembro que as coisas, de vez em quando, subiam e desciam (risos). O tempo do cortiço foi muito divertido. Tinha muita criança. Muita criança. Foi bacana. Naquele tempo, os nossos divertimentos eram bem diferentes dos de hoje, então qualquer coisa nos alegrava (risos). Ah, nós jogávamos muita bola. Jogava bastante e sempre me atraiu. Eu, até dentro de uma habilidade, queria ser jogador. Aliás, tentei ser. No início, eu joguei ainda quando eu estava no cortiço. Eu disputei uma parte por um time que tem ali, um time de amador. E essa minha altura de dois metros (risos) era bem interessante, porque amador, geralmente, são homens e tinham dois grandalhões: eu e mais um coleguinha (risos). Jogávamos no meio dos grandalhões e isso foi muito bom. O time se chamava Portuguesa de Desportos. Nesse ínterim, nós mudamos. Fomos para a Moraes Sales mesmo, quase de esquina com a Júlio de Mesquita, que hoje é uma artéria principal. E naquele tempo era o nosso campo de futebol, nossa pista de corrida, rodava o patim, era uma quadra de diversão porque os veículos ali eram pouquíssimos. Ônibus, naquele tempo era jardineira; polícia era “pingüim”. Acho que mudamos e eu estava com uns 12 anos, por aí. MORADIA E TRABALHO Então, eu fiquei até os 12 anos no cortiço. Depois, meus pais foram pra uma casa. Alugaram uma casa e também um salão ao lado. E eu fui trabalhar com ele como barbeiro. Trabalhei com ele um bom tempo. O salão era dele e eu fui trabalhar lá. Isso foi um dos fatores que me inibiram a seguir - não sei se haveria alguma chance - mas de ser um profissional de futebol. Porque eu faltava e uma vez eu vim contundido. Aí ele falou: “Está vendo. E agora como é que faz pra trabalhar? Eu preciso de você pra trabalhar.” Aí eu falei: “Então não tem mais jeito.” As condições não eram favoráveis e a gente tinha que entender também. FORMAÇÃO Eu estudei no Grupo Escolar Francisco Glicério que também era na Moraes Sales, é ainda. Ia a pé desde que eu estava no cortiço. Depois quando eu subi eu não estava mais no grupo. Eu tinha parado um pouco porque eu tinha que trabalhar e comecei a fazer outros serviços pra ajudar no sustento. Quando eu vi mesmo que o futebol não ia dar em nada, peguei e voltei a estudar. Daí estudei no Colégio Cesário Mota que também era dois quarteirões a mais da minha casa. Foi tudo próximo e eu tive uma infância maravilhosa, muito, muito gostosa. MORADIA Um cortiço são várias e várias casas. Nesse cortiço havia a casa principal e na frente era um armazém. Havia a casa do dono e depois seguindo era uma seqüencia de casas geminadas: tinha uma, duas, três, quatro, cinco, seis casas. Cada uma, uma família. A casa que eu morava tinha um quarto e o outro ambiente que era tudo. Havia um sanitário para todos do cortiço. Cada casa tinha um tanque para lavar roupas. Havia um corredor, mais ou menos... Do lado direito, o dono tinha no fundo de quintal, uma plantação; mais pra cá era o chiqueiro e um galinheiro; e bem mais próximo das primeiras casas era um barracão dele, bem grandão, onde ele matava os animais tudo. E tinha esse armazém que ele vendia de tudo. Era de secos e molhados. O nome do armazém eu não lembro, mas o dono era Pelegrini. TRABALHO No salão eu cortava cabelo. Com 12 anos. Cortava cabelo e barba. No início, o pessoal... Depois, infelizmente, eu tinha freguesia própria. Eu detestava ser barbeiro, eu ficava louquinho da vida e eu tinha uns fregueses que eram só comigo. Não tinha saída. As cadeiras dos barbeiros tem um processo de abaixar e levantar, então as minhas cadeiras ficavam abaixo do solo (risos). Teve aqueles erros grotescos. Iniciava-se um corte e depois terminava em careca. (risos) Quando eu estava aprendendo, o meu pai já avisava: “Olha não vai cobrar nada.” Principalmente quando eram as crianças. Ele avisava as mães. Falava: “Olha, eu não vou te cobrar nada. Se ele errar, a gente vai tentar consertar, mas se não tiver conserto...” E de repente não tem conserto mesmo. Mas o povo não ficava bravo. Era tudo vizinhança, a própria vizinhança.ê-lo, eu já tinha talvez uns 17 anos. Esse irmão dela foi morar perto, por coincidência se cruzaram... Mas era só ele. COMÉRCIO DE CAMPINAS Em frente à nossa casa tinha outro armazém de secos e molhados. Eu me lembro do dono, inclusive até por apelido, que eu nunca gostei, mas é Nico. Armazém do Nico. Comprava-se tudo lá com caderneta. Era a minha mãe que fazia as compras. Era muito difícil ela pedir pra eu ir buscar alguma coisa, mas se eu fosse também era assim: “Você vai comprar isto e isto. Tudo bem?” “Tá bom.” COTIDIANO A minha mãe sempre foi muito rígida. O meu pai já era um pouco mais light, mas a minha mãe era fera. Quando morava lá embaixo, no cortiço, antes de ter o tempo do Guarani, tinha uma lagoa, chamava lagoa Baronesa e a turma ia lá. Morria muita criança, por quê? Assim como na Lagoa do Taquaral e outras também, o pessoal jogava os detritos e a garotada... Você, por cima, você não vê; então mergulhava por lá e você acabava ficando. E a minha mãe sempre contava: “Você não vá lá Não vá” E eu, como todo garoto obediente... (risos) Aí ela perguntava: “Onde estava?” Ela ia lá e eu vinha apanhando de lá até em casa. Ela ia me buscar e batia. Minha mãe batia. Se ela tivesse com um fio de ferro... Batia sempre nas pernas. Bambu, tamanco, se não tivesse nada, na mão, porque a mão dela era terrível e não adiantava você falar no dia seguinte: “Oh, mãe está machucado. Não vou na escola hoje.” Ela falava: “O que você falou?” “Amém.” E tique tique tique. Se eu falasse pra minha mãe que eu tinha tido algum atrito ou com os colegas ou... Se fosse com professor, então, aí não tinha... Primeiro lugar, ela me batia. Depois ela falava pra mim o seguinte: “Eu tenho certeza de que se a professora tua chamou a atenção é porque você aprontou alguma coisa, então se lá ela não bateu, você apanha aqui.” JUVENTUDE No início, eu não gostava de nada na escola. Com toda sinceridade. Eu queria ser mecânico e jogador de futebol. No fim, eu não fui nenhum dos dois. Queria ser mecânico, não sei... Eu adorava, gostava de mexer muito antes até de voltar pro ginásio. Eu fiz o curso no SENAI. Os primeiros seis meses foram light porque você está numa teoria, você está com professores educados. Aí eu fui pra prática. Fui para uma oficina que era só guerra entre o chefe e os empregados; quase se pegavam de tapa. Os profissionais falavam pra mim: “Seu moleque, o que você está fazendo aqui, rapaz? Isso aqui não tem futuro. Isso aqui é vida de escravo. Você está vendo? É isso aí... Não pagam a gente direito.” É aquilo você fica ouvindo, ouvindo, ouvindo... E outra, o que talvez tenha mais me desmotivado é que eu era tudo: eu passava, fazia limpeza, tinha que pegar uma mola e raspar o chão pra remover aquela sujeira, eu subia no telhado, varria o telhado todinho deixava o telhado limpo, eu tinha que lavar peça, todo serviço. Menos aquele que eu queria. Me lembro até hoje que os profissionais falavam o seguinte: “Dá uma distraída aí e vai comprar uns lanches pra nós que está todo mundo com fome. Passa na cerca ali que tá na boa.” E eu ia escondido. Uma vez, o meu chefe pegou. Nossa Ele subiu e desceu. Falei: “Mas espera aí. Pô, os caras estão com fome, eles querem comer.” O cara parecia um nazista. Aí falei: “Ah, mãe, quer saber uma coisa...” E ela: “Para porque não vai dar futuro.” Foi daí que eu fui trabalhar com o meu pai. Mecânico foi embora. Aí tinha a esperança do futebol; a esperança do futebol também calou. Aí foi aquela história: “Tenho que estudar.” FORMAÇÃO Eu tive professores excelentes. Eu tive um professor de português que era muito bom. Um professor de matemática... Porque matemática pra mim era um terror e por incrível que pareça, o primeiro ano que eu estudei lá no colégio Cesário Mota, eu tirei a maior média do colégio inteirinho, no período da manhã e da tarde. Eu tirei a maior média e depois as minhas notas sempre foram... As mais baixas talvez tenham sido oito. Porque você começa a entender... Quando você começa a entender, facilita e as outras matérias também entraram no gosto. Eu tinha um professor de ciência que ele não admitia que nós comprássemos livros. Não tinha livro, ele simplesmente falava, lia e falava o seguinte: “Olha, tem uma fórmula, uma coisinha tal, tal, tal.” Primeiro mês, eu fiquei assim: “Como eu vou fazer uma prova?” Aí vieram as perguntas e eu falei: “Nossa, meu Deus do Céu. Como a gente vai lembrar do que o cara falou.” E ele não admitia uma palavra. Falei: “Ah, não. Esse cara não me pega.” Pode ter certeza: ele ia falando e eu ia só escrevendo. Daí pra frente foi light. O Cesário Mota foi muito gostoso. COMÉRCIO DE CAMPINAS Os meus pais eram fregueses da - nem tem mais - era ali na Barão de Jaguara... Não me lembro agora se era Ezequiel ou não. Normalmente era tudo ali que a gente comprava. Nós íamos a pé para o centro. Era pertinho porque eu morava bem ali perto da Antonio Cesarino. Se você contar as quadras da Antonio Cesarino até o centro vai dar o que? Umas dez quadras, era pertinho. CIDADES / CAMPINAS / SP Nós íamos ao cinema, no antigo Casablanca tudo a pé. O Casablanca ficava na Vila Industrial onde é o Teatro Castro Mendes hoje. Você subia uma retinha e naquele tempo havia o bonde. Era o bonde que circulava e quando um bonde subia, o outro tinha que esperar e passava. Para os veículos também tinha um monitor que ficava ali olhando quem subia e quem descia e nós subíamos uma escada pra poder alcançar a rua. Ali demoliu tudo, transformou tudo, formou o viaduto. LAZER Eu adorava ir ao cinema. A minha mãe, desde pequenininho, me carregou e de vez em quando ia... Porque a minha irmã nasceu com um problema sério: ela por vários momentos... Naquele tempo, quando alguém estava pra falecer, eles acendiam vela e ela passou por isso várias vezes. Acho que até uns oito, nove anos ela não sustentava a cabeça e mais era eu que estava sempre com minha mãe e nós íamos ao Cine São Carlos. Ficava ali perto do Jardim Carlos Gomes. Uma quadra pra cima do Jardim Carlos Gomes, na Rua São Carlos. E era um teatro bem antigo. E quando construíram o Rink, que era Conceição com a Barão de Jaguara, que é o cinema novo, quando ele desabou nós estávamos no São Carlos, então minha mãe sempre levava. Tinha a matinê, tinha os seriados... Nossa, ia muito. Boas lembranças. Ótimas lembranças. Foi uma infância realmente feliz. Quando eu morava na Moraes Sales, aqui em cima, à noite, nós íamos passear antes de eu começar a estudar. Podia percorrer tudo durante o dia. Você também podia percorrer tudo quanto é canto, não havia essa agressividade que você tem hoje. CASAMENTO Acontecem umas coisas que num momento você acha que é felicidade e aí acaba se transformando num desastre (risos). Nesse vai vem, vai não vem, teve um prefeito que decretou que a Moraes Sales tinha que ser avenida, tinha que ser alargada, que era justamente do nosso lado. Então, o meu pai já tinha construído uma casinha no Jardim... Era chamado Jardim das Oliveiras e nós mudamos. É onde era a Swift antigamente; era uma quadra após, tinha a Abolição, uma quadra abaixo em frente à antiga fábrica Swift. Ele tinha comprado ali, construiu e nós mudamos. Quando eu mudei, ali foi um fim de mundo pra mim. Porque eu saí de um centro e ali era normalmente tudo mato. Eram poucas residências. Então, eu conheci uma moça e o pai dela, inclusive, tinha um posto de combustível ali. Ai eu casei. Eu casei com 22 anos, 21 pra 22 anos. A minha vida mudou. Fiquei um bom tempo casado, era uma família de muito conflito e não deu certo. Eu trabalhava com o meu pai e quando eu casei, eu fui trabalhar no posto. Eu era um geral, fazia tudo. Com meu ex-sogro, eu aprendi que a vida é difícil e que se quiser vencer você tem que lutar. Ele me ensinou que sem trabalho... Ele usava uma frase muito bacana e eu até entrei nela... Ele falava o seguinte: “Olha, você de cavalo jamais pode ser burro.” Você está numa situação boa e tem que fazer pra conservar, pra nunca cair. Mas, infelizmente, eu tive que voltar a ser burro; só que com outra experiência, outra vivência. Aí eu fui ser feirante e comecei a minha peregrinação na vida. Fiquei mais de 30 anos. Eu fiquei casado, mas não trabalhando mais no posto porque eu não admitia algumas coisas e... Eu me rebelei um dia, decidi: “Não vou mais trabalhar sem condições.” E fiquei uns dias em casa. Vai de cá, vai de lá, falei: “Vou voltar e ver o que vai dar.” Aí o meu ex-sogro disse: “Você só pode voltar a trabalhar quando trouxer o seu pai pra conversar comigo.” Falei: “Ótimo, muito bem.” Voltei pra casa e falei pra esposa: “Olha, o seu pai nunca mais vai me ver lá.” “E agora. O que nós vamos fazer?” “Não sei. Vamos ver. Eu vou procurar emprego, vou ver o que eu posso fazer na vida.” Aí um feirante conhecido falou pra mim: “Você não quer vim pra feira?” Falei: “Mas, rapaz, eu não entendo nada de nada.” “Mas eu ensino o passo. Tem uma banca de uma pessoa que quer vender, tal.” Eu falei: “Tudo bem, vamos ver.” Eu comprei a banca e comecei a trabalhar na feira. TRAJETÓRIA NA FEIRA A barraca era de confecção, de roupa. Esse feirante também tinha uma banca de roupa, era um português. Ele me ensinou a trabalhar, mostrou os locais de compra. Eu devo muito a esse senhor, o Senhor Manoel. Ele me mostrou todos os macetes. Até aos irmãos dele, ele nunca ensinou e pra mim ele ensinou, passou a experiência. No decorrer, nós nos separamos. Ela ficou com a minha banca e eu comprei uma outra, uma banca de sapato. Eu saí sem nada, saí zero, zerado. Na época, eu estava com dois terrenos, com um carro nosso e a banca tinha uma perua nossa; ficou tudo pra ela. Eu fazia as compras em São Paulo, diretamente nas confecções. Vendia tanto roupa masculina como feminina. Muito mais a feminina porque na feira você atende muito mais a parte feminina, de senhoras. A parte masculina é bem pouca, é bem pouca. Vendia tudo: vestido, camiseta, calça, lingerie, toalha, tudo, tudo, tudo... Eu adorei ser comerciante. Isso era muito gostoso, era uma amizade que você toma com o consumidor. Você passa a ser até um confidencial, quer dizer, o pessoal conta o que passa em casa, o que um passa, o que acontece, o que deixa de acontecer, o que é, o que não é. Muitas vezes, a gente até aprende com o consumidor; a gente passa alguma coisa pra eles e fica uma ligação bem afetiva. A minha feira de domingo, que eu fazia no Jardim Leonor, quem chegasse de primeira poderia falar: “Aqui é uma zona.” Era uma freguesia bocuda que fazia piadas, então era muito divertido. Tinha uma coisa, o respeito que era muito bom, por isso que as brincadeiras eram sadias. E era divertido porque, muitas vezes, as peças íntimas, a mulherada pegava: “Ah, será que vai ficar bem?” Falava: “Olha, vamos fazer uma coisa: você me aguarda uns dez minutos, eu vou lá, te acompanho, você veste a sua peça íntima e eu vou falar pra você se ficou bem ou não.” Tudo na brincadeira, então isso era gostoso. A feira é de terça a domingo. A terça era no Bonfim, quarta no Mogiana, quinta era no Dom Bosco, sexta na Perseu, sábado no Taquaral e domingo no Jardim Leonor. E segunda era o dia de fazer as compras. Depois que eu me separei, tive uma banca de calçado. Fiquei por um tempo e depois eu conheci uma moça e aí eu comprei novamente uma banca de roupa. Nós fizemos a nossa vida, começamos praticamente do zero. Com o dinheiro que eu tinha da banca de calçado, eu comprei a banca de roupa e nós começamos do zero no sentido exato da palavra. Calçados também eu comprava São Paulo. Uma das primeiras compras foi o maior desastre, porque eu não tinha condução. Fui de ônibus e o volume de calçados, quer dizer, isso foi aquela primeira... Como estava acostumado com roupa, o volume era menor. Por mais que você faça uma compra boa, o volume é menor e mais fácil de carregar; o peso é bem menor. Eu fiz uma compra de calçado e quando eu olhei, eu falei: “E agora, o que eu faço?” Peguei um taxi pra levar até a rodoviária. Aí você transporta pra rodoviária, você coloca no ônibus... Terrível, maluquice porque é um peso muito grande, volumes grandes e pra você carregar não tem condição. Aí, eu conversando com o meu pai: “Oh, pai, será que alguém não empresta um dinheiro porque eu preciso comprar nem que seja um Fusquinha.” E meu pai falou: “Vamos em Cândido Rodrigues.” Tinha uns parentes lá, que eram parentes da minha mãe, os Galves, e ele falou: “Vamos conversar com eles.” Eles tinham um sítio bem grande e realmente emprestaram um dinheiro para eu comprar Fusquinha. Cândido Rodrigues é uma cidadezinha perto de Araraquara. Aí eu comprei um fusquinha e comecei a fazer as compras de sapato. Foi aí que aliviou. Eu ia sempre pela a Anhanguera [estrada] com a Marilda, que é minha esposa hoje. Isso era 70 e algumas contas. CASAMENTO E FAMÍLIA Eu conheci a Marilda na feira. Ela era freguesa minha. Porque quando era casado com a outra, que eu tinha a banca de roupa, nós montamos a banca em frente a casa dela e nos conhecemos. Ela também era casada, depois se separou e depois eu me separei também. Aí a gente se cruzou, conversou e estamos juntos há mais de 30 anos. Eu tive um casal de filhos com a ex-mulher. A Marilda tinha uma filhinha, que eu a chamo de filha. Ela é minha filha porque ela era pequenininha, ela tinha talvez três, quatro anos na época e eu a quero como filha. Eu a chamo de filha, eu não gosto da palavra enteada. Eu detesto essa palavra. Eu detesto Então, ela é minha filha. COMÉRCIO DE FEIRA Eu vendia bem. Vendia, nossa Quando eu comprei essa banca de roupa, que eu estava com a Marilda, na época de inverno a gente chegava a ir duas vezes por semana, pra São Paulo, fazer compra. Era uma correria de roupa. Você buscar, comprar. Você vendia muito, mas vendia muito mesmo. Vendia na caderneta. Pagava por semana. O nosso negócio era por semana. Por que por semana? Porque se você fosse por mês, a pessoa ia aparecer uma vez por mês. Por semana, o valor era menor, mas a pessoa estava ali novamente. Nenhum roupeiro divide a conta: nós estipulávamos um valor de acordo com o que gastou. Por exemplo, devia 100 reais, a freguesa vinha comprar, via mais alguma coisa, comprava, dava a entrada e depois ia abatendo. Mas nada impedia que na próxima semana, a pessoa viesse e comprasse outra coisa. E era muito gostoso. TRAJETÓRIA NA FEIRA Depois, foi indo e o Fusquinha eu troquei com um tio meu que tinha uma perua Kombi. Nós fizemos a permuta, fiquei com a perua e isso ainda no tempo de calçado. Perua pra mim era mais favorável do que o Fusquinha pra fazer compra. Quando eu fiquei com essa segunda banca de roupa, eu vendi a perua, o dinheiro que me entrou da banca de sapato, tudo pra completar, pra poder comprar a banca de roupa. Voltei novamente a estaca zero. Mas eu precisava de uma perua pra transportar a banca e, de início, eu andei usando a condução da pessoa que eu comprei. Ele me deu um prazo, eu juntei um dinheirinho e fui comprar uma perua com o motor fundido, os quatro pneus carecas, não tinha estepe e não tinha macaco. Com essa perua eu não viajava, só fazia feira. Quando furava o pneu, eu ficava dando sinal pros meus colegas: “Para, para Faz um favor pra mim, empresta o seu estepe e o macaco.” Aí eles me emprestavam, depois da feira eu consertava o pneu e devolvia tudo. Fui juntando um dinheirinho, botei os quatro pneus, botei o estepe, comprei um macaco. O meu maior cuidado era não deixar fundir o motor. Eu fui devagarzinho, fiz o motor... Antes um pouco, até comprei um carrinho pra poder fazer compra em São Paulo, porque eu ficava na dependência de carona ou de ônibus. Aí comprei um carrinho pra ir pra São Paulo fazer compra, enquanto o motor da Kombi agüentava. Daí fiz o motor da ximbiquinha... Chamava-a de ximbica... E daí, graças a Deus, a minha vida começou a crescer. Nós íamos duas, três, chegamos a ir até três vezes pra São Paulo na semana. Eu fiz outra clientela de roupa porque as feiras foram diferentes. Só uma ficou igual que foi a do Taquaral. Quando eu comprei essa outra banca, só uma feira coincidiu. As demais eram diferentes, então foram freguesias novas e a única disputa foi no Taquaral. Mas os parentes da minha mãe moravam tudo no Taquaral e isso também influenciou bastante porque o pessoal me conhecia. Quando eu comprei a banca de calçado, que eu me separei, quem me ajudou foi a minha mãe. A minha mãe ia na feira comigo porque o meu pai trabalhava de barbeiro. A minha mãe foi e falou: “Vai Não demora muito porque eu não tenho mais idade pra isso.” Foi muito importante. A minha mãe ajudou mesmo, emprestou dinheiro... Quando eu saí do zero, ela me emprestou um dinheiro e eles me incentivaram muito. SOLIDARIEDADE Na feira é o seguinte: o que você precisa, eu vou te ajudar; caso contrário, se não pedir... Se precisar ajuda sim. O cara aparece “Pô, meu, minha condução quebrou.” "Pô, pega a minha aí, pode ir lá. Quer alguém pra te ajudar? Tem que fazer a feira, vamos, vamos.” Não é aquela espontaneidade, mas são solidários nessa parte. Precisou ajuda, empresta condução. Outro dia, roubaram uma condução, o cara estava sem e outro tinha uma perua sobrando. Disse: “Você vai usando a minha perua. Enquanto você não se recuperar, você vai usando, pode usar.” SINDICATO DOS FEIRANTES O presidente do sindicato era o Antonio Carlos Plaine. Ele era o presidente e numa formação de diretoria nova, ele me convidou pra ser o vice. Falei: “Ah, tudo bem.” Ele como amigo era excelente; como inimigo... Ele queria muito pra ele, dominava o sindicato sozinho e ele era muito político. Ele entrou na política e eu falava pra ele: “Plaine, deixa alguns afazeres do sindicato pra nós, pra não acarretar muito. Você está sobrecarregado. Tem o sindicato, essas partes políticas que você gosta, você arruma até time de futebol. Pô, para Deixa alguma coisinha pra nós, pra não acarretar muito pra você.” Mas ele não deixava. Aí ele teve uma... Não foi enfarte, foi um aneurisma. Foi rápido: deu, morreu. E eu assumi. Ele era novo, mas era muito nervoso. Ele era sem pavio, esquentava muito a cabeça. Eu assumi em novembro de 1989 e fui ficando. Fiquei na feira e com o sindicato. TRAJETÓRIA NA FEIRA Hoje estou aposentado. Eu gostei do comércio, eu gosto muito de conversar, de falar, então o comércio foi o que me atingiu em cheio. Além de gostar de vender, além de gostar de trabalhar com roupa, com confecção ainda você tem essa liberdade de venda pessoal que é muito gratificante é muito, muito gostoso. Sempre fomos nós dois: eu e a Marilda. Passaram algumas pessoas, mas mais parentes. Ficaram um tempo em que tinha o que fazer, mas não agüenta. Pra você acompanhar a vida de feira, pra você acompanhar o feirante, atividade de feirante tem que ter garra. Acorda cedo, você pode esquecer de feriado, sábado, domingo. Eu estou conhecendo sábado e domingo agora porque na minha vida, desde pequeno que eu comecei a trabalhar, por incrível que pareça só nos tempos em que eu trabalhava com o meu pai, que eu não trabalhava de domingo. Sábado, eu trabalhava até oito horas, nove horas da noite. Quando eu estava no posto também era direto, de segunda a segunda... Quando eu fui pra feira, todos esses lances de o pessoal convidar... Tem um churrasco, tem um almoço: “Vocês não me levem a mal, mas veja bem: eu vou sair da feira, eu vou chegar em casa por volta de uma e meia, duas horas, dependendo. Eu vou chegar no local às duas horas, duas e meia, já está todo mundo encharcado, todo mundo satisfeito e tem uns que já estão falando tchau. Não me leve a mal, fica pra uma próxima, quem sabe numa próxima ocasião.” Então eu ia cumprindo a minha função de profissional, de feirante mesmo. Porque é duro, é duro, é duro você ir dormir tarde e eu tinha por lei, às quatro horas da manhã acordar porque eu gostava de chegar na feira, entrar sossegado, descarregar a minha mercadoria, tirar a minha condução e deixar espaço pra aquele que queria entrar ou queria sair. Isto é um conflito muito grande na feira, as posições. Então, você tem que ser bem coerente pra não haver atrito. Como eu não gostava, eu já acordava bem cedinho, chegava cedo, não tinha ninguém, montava, saía e aí o pessoal ia chegando. Era a minha religião. Eu fiquei de 72... Eu saí acho que há três ou quatro anos atrás. Saiu a aposentadoria e eu parei. Porque daí eu já tinha atingido o meu objetivo. Fechou portas, abriu janelas, eu agarrei janelas e transformei-as em portas. Eu sempre tive a minha mulher, a Marilda, com a cabeça no lugar. Nós sempre colocamos meta pra triunfar. Nós tínhamos uma meta, tínhamos um objetivo, então religiosamente nós guardávamos o dinheiro pra cumprir aquela meta. Era religioso mesmo. Ficamos muitas vezes sem diversão, perdemos várias oportunidade de viajar ou alguma coisa. Falava: “Não adianta porque nós vamos desviar alguma coisa que pode fazer falta pra um futuro.” Nós fizemos a nossa poupança. Nós guardávamos o nosso dinheirinho na poupança até atingir o objetivo. Atingia, nós contávamos. Quando era construção, nós construíamos e contava outra vez. Fomos realizando dessa forma. A meta era formar o valor. FAMÍLIA Depois eu fui juiz classista. A minha filha Luciane casou e o meu genro estava no “vamos ver o que eu faço da vida”. E como eu estava juiz classista, ele falou: “Ah gostei Vou ser bacharel e vou ser promotor.” A gente foi ajudando ele na escola e chegou um dia ele disse: “Eu não vou querer nada disso” Estava a seis meses pra se formar: “Não vou querer mais nada disso.” Falei: “Tudo bem. Vamos fazer um negócio, o que você quer?” Porque o pai dele, antigamente, tinha locação de mesas de bilhar; o tio dele também e o tio era muito rico, muito rico. Ele começou a ajudar o tio, vai pra cá, vai pra lá e começou a pegar as manhas. Aí falou pra mim: “Vamos fazer um negócio.” Falei: “Não. Você vai terminar o estudo. Você quer iniciar essa vida? Então tudo bem, vamos embora.” Aí foi comprando mesas, foi comprando uma, duas; aí precisava condução, aí compra a condução... O empurrão, na descida é fácil; o difícil é a subida. E eu também amparei o meu genro. Aí mudou a nossa meta. O meu genro se chama Romeu. Daí, eu falei: “Agora a nossa meta é aqui. Ajudar.” E, graças a Deus, é um rapaz muito trabalhador. Eu tenho um neto. A minha filha falou: “Um e só.” Ele está com 12, 12 para 13 anos. Se chama Guilherme. Eu brigo um pouco com ele por conta do esporte. Porque eu sempre adorei esporte e eu falo pra ele: “Rapaz, eu na minha época...” Porque em frente ao colégio Cesário Mota, onde eu estudei, naquela época, havia um parque infantil; o melhor parque infantil da cidade. Aquilo lá era um monumento de parque infantil, tinha tudo, tinha quadra de vôlei, de basquete, piscina, campo de futebol, tinha pista de corrida, tinha uma horta, então era magnífico. E eu freqüentei quando era molequinho, com uns dez anos eu estava no parque infantil. Eu fazia todos os esportes que apareciam. Fosse o que fosse, eu estava lá dentro. Quem tem dois metros de altura, basquete e vôlei é a coisa mais fácil que tem (risos). Eu era bom no basquete, driblava bem como no futebol, mas no vôlei eu era um desastre. No vôlei eu dizia assim: “Posso ficar nas costas de alguém aí?” LIÇÕES DO COMÉRCIO A grande lição que eu tive e que eu até hoje a gente carrega é que você se dedicando, você se esforçando, você procurando o seu espaço, você vence na vida. Graças a Deus, eu venci pelo comércio. O comércio é uma lição de vida pra mim muito grande, porque a feira se você não for macho mesmo você não fica na feira. Quantas vezes, temporais violentos nos pegaram na feira. A única coisa que você tem que ter é uma destreza imensa porque você não tem porta, não tem janela, não tem nada. O teu capital está ali. Então, quando vem um temporal, tem que recolher o mais rápido possível, colocar na perua o mais rápido possível. E alguma coisa sempre fica porque às vezes não dá tempo. Você tem banca na cabeça, a enxurrada vindo em você, querendo te arrastar, os ventos fortes te pegando. E você tem um inverso: você pega um sol de 38 graus, um calor tremendo que você não suporta e você tem que desmontar a tua banca. Não tem jeito. E com chuva a mesma coisa; está chovendo, você fica esperando, esperando, não passa, você tem que enfrentar. Depois, em casa, você tem que estender o encerado pra secar, pra na manhã seguinte estar pelo menos um pouquinho mais seco pra você montar a banca. Você chega, muitas vezes está chuviscando... Então tem que ser durão mesmo. Tem que ser durão e eu gostava. Eu gostava de vender, gostava de ter aquela comunicação com o povo e empurrar mercadoria. SEGREDOS DE VENDA Você tem que convencer a pessoa a adquirir aquele produto que você tem. O Seu Manoel me ensinou os princípios básicos. Aí você vai pegando o jeito dos fregueses, vem falar, mas se você não tem uma mercadoria dessa forma, assim ou assado, então você vai em São Paulo e você encontra o que você quiser. Você encontra desde o um real até 100 mil, 200 mil. Você entra num atacadista que tem uma clientela de uma forma; você vai no outro com mais diversidade então você vai entrando nos atacadistas específicos, você vai procurando. A modinha nunca foi o meu forte, eu fui muito tradicional. Hoje, na feira, eu passo e não vejo as mercadorias que eu tinha. Eu fui muito tradicional. Eu sempre procurei atender uma faixa de idade mais avançada porque eles tem mais carência. A moda, em qualquer lugar que você vai, você encontra modinha. Modinha passa tranqüila ou com uma tira a mais ou com uma tira a menos e você encontra. Agora, o clássico... Porque nós temos pessoas que não gostam de se vestir de uma forma mais avançada. Eu sempre batalhei, sempre fui muito atrás desse pessoal, de um grupo de uma idade mais alta e também daqueles tamanhos bem grandes. Eu tinha pijama número 60. Calças e cuecas pra pessoas obesas. Eu escolhi um segmento. Porque se você tem uma loja, num local fixo talvez você tenha uma clientela diferente. A feira quem visita mais são as mulheres. As cocotas pouco vem pra feira. A mãe faz a compra pra cocota. Então, cocota eu deixava pros meus colegas. Eu preferia da mãe pra cima. Eu tinha uma ou outra coisinha pra cocota, mas era bem pouco. A minha visão era pra cima mesmo. EMBALAGENS Naquela época, toda a mercadoria era embalada em papel. Os atacadistas não tinham sacos, eles não colocavam em sacos ou sacolas. Faziam um pacotão. O que nós fazíamos? Recortávamos todo aquele papel nos tamanhos pra poder embrulhar a mercadoria. O mesmo papel que vinha dos atacadistas. E comprávamos um rolo de papel de presente. Nós tínhamos um rolo de papel comum, que às vezes acabava o papel da compra, o dos atacadistas, e tínhamos o papel de presente. Hoje se modificou, é mais sofisticado, você já tem umas embalagens especiais, então modificou, mas naquela época era exatamente assim. PROMOÇÕES Fazer promoção numa feira de roupa é fria. O pessoal acredita que é porcaria. Quando saiu o Plano Cruzado, tudo tabelado, eu achei umas meias-calças, a 400 da Drastosa... A Drastosa era famosa e eu encontrei as meias super baratas. Eu falei: "Pô, eu vou levar e fazer uma promoção. Dois dias não tenho mais.” Comprei bastante. Comprei as cores que mais vendiam. Fiz um estirante, coloquei todas elas bem pra fora da banca, coloquei o preço e escrevi promoção. Um dia, uma semana, duas semanas, três semanas, guardei tudo. Vamos supor que eu tinha vendido a um real e o preço normal era de três a quatro reais. A cliente chegava: “Tem meia calça?” “Tem da Drastosa.” “Que cor você tem?” “Ah, tem fumê.” “Então me vê uma. Quanto é?” A três reais vendia. Tentei colocar outras promoções, às vezes aquele restinho de estoque. Colocava, pendurava num cabide, mas promoção não funcionava. Nunca funcionou. Passava o tempo, recolhe, dá para alguém, algum lar que estava precisando. MOMENTOS MARCANTES Tem muitos. Teve muitos bons, teve ruins. Talvez uma das coisas que marcou foi logo que eu estava com a minha esposa Marilda e a banca estava a zero; não tinha nada, não tinha comprado, tinha dado as minhas cuecas pra poder comprar a banca e a banca estava simplesmente pelada. Aí essa freguesa - depois ficou freguesa - chegou, olhou e falou assim: “Nossa Sua banca não tem nada. Como é que você vai fazer pra sobreviver?” Ela era espanhola, chamava Dona Constância; na época, eu não sabia o nome dela. Aquilo me pegou. Eu falei: “Nossa Eu estou mesmo bem baixo. Tenho que fazer alguma coisa.” Mas eu não tinha dinheiro e pensei: “Vou procurar o Seu Manoel. Quem sabe ele indica um local que possa facilitar pra gente.” Ele indicou, falou pro cara: “Olha, pode vender o que ele quiser. S ele não pagar, eu pago. Mas eu tenho certeza que ele paga. Ele é homem pra isso.” Foi muito bacana, muito bacana. Marcou muito porque até hoje lembro a fisionomia dela, a cena no lugar. Isso me marcou muito. Embora tenha outros momentos, mas esse foi uma alavanca. Foi o que mexeu bastante pra que nós procurássemos correr com o tempo. CAUSOS DA FEIRA Tem um caso de uma portuguesa. Ela comprou uma calça jeans pro marido, passou uns tempos, ela voltou e falou: “Oh, eu comprei uma calça jeans de você, meu marido engordou e não serviu. Vocês trocam?” Falei: “Se estiver tudo em ordem, não tem problema nenhum. Você pode trazer que a gente troca.” Aí ela veio no outro domingo, na outra feira, veio pra trocar a calça jeans. Ela me deu e já foi escolhendo as outras mercadorias. Eu sempre tive duas coisas pra fazer: primeiro lugar, abrir a mercadoria; abri, olhei e quando eu olho, a barra aqui embaixo estava totalmente desfiada; ele andou, arrastou e gastou. Aí eu falei pra ela: “Eu sinto muito. Não dá pra trocar porque olha, não tem jeito. Como eu vou vender uma calça rasgada, desfiada?” E ela falou: “Ah, meu senhor, até parece que o senhor não é comerciante.” Falei: “Por quê?” “Vende pra uma pessoa mais baixa. Vira a barra e pronto.” Mas eu não troquei. Outra coisa que eu fazia, quando era blusa, eu sacudia como se estivesse desdobrando para sentir o odor. Você não vai cheirar a blusa na frente do freguês que não pega bem. Então, você levanta, sacode um pouco e se tem perfume ou se tem um odor de uso - tem a questão das duas coisas - e não havendo nada, tudo bem. Se houver, como eu consigo falar pro freguês que foi usada? Aí você tem que ver o perfil da família, falar assim: “Olha, fulana, eu desconfio que a tua filha pegou a tua blusa sem você ver e usou.” “Por que seu Jair?” “O perfume dela aqui está aqui.” “Ah, menina safada”. Você não pode falar diretamente, a pessoa se sente agredida. Você tem que usar de gentileza: “Você não viu. Ela usou e agora fica difícil. Como vou vender? Fica difícil pra mim.” “Ah, eu vou chamar a atenção daquela menina” Quando eu tinha a banca de sapato, numa Sexta-Feira Santa, banca cheia... Naquela época, você vendia um horror na Sexta-Feira Santa... Então, cheia de gente, chegou a freguesa e disse que queria trocar. Ela me deu o calçado falou: “Oh, eu já estou escolhendo o calçado aqui.” Falei: "Tudo bem, pode escolher.” Tirei da embalagem e quando eu olho, tinha pisado em cheio num cocô. Falei: “Meu Deus O que eu vou falar?” Falei: “Oh, dona, eu sinto muito. Não vai dar pra trocar porque essa mercadoria eu não tenho mais.” “Mas o senhor tem que trocar. Se não tiver essa, troca com outra” Aí eu falei: “Oh, dona, vamos fazer um negócio. Não está dando pra trocar porque eu acho que alguém na casa da senhora usou o calçado e está com uma marquinha aqui, desgastada.” “Não, ninguém usou. Tá novo, tá perfeito.” Falei: “Mas usaram. A senhora talvez não tenha visto.” E cheio de gente, a banca cheia de gente. “A senhora acho que não viu. Usaram e deixaram escondido.” “Não, porque não, porque não.” Daí, não tinha mais jeito. Falei: “Faz um favor. Pega o calçado e olha o que tem na sola do sapato.” “Ah, o senhor me desculpa. Acho que foi minha tia, minha mãe, minha sogra...” SEGREDOS DO COMÉRCIO Em primeiro lugar, você tem que gostar. Você gostando, as portas ficam bem abertas. Daí vai aprendendo o jeito, você vai vendo as confecções, você vai começando a sentir a tua clientela. Você tem que ter o dom, tem que partir de dentro de você, você gostar do que está fazendo, amar. Você tem que amar e tudo que vem de lá, aquelas controvérsias, você está naquilo que você quer. Então você dribla as dificuldades. CAUSOS DA FEIRA Teve outro caso. Havia uma garota, estavam ela e a mãe. Foi num sábado. Estavam comprando, olhando a mercadoria, tal, tal, escolheu a mercadoria, peguei, mostrei: “Ah, é essa daqui. Eu vou levar.” De repente, “Cadê a minha carteira?” Falei: “Olha, deve estar por aí. A senhora não saiu daqui. Foi no máximo mais pra ali e pra cá. Está aí, vamos ver.” “Minha carteira estava aqui, minha carteira estava aqui, minha carteira estava aqui.” Aí fui lá, peguei as roupas, tirei, não achamos: “Ah, aquela hora que o senhor estendeu a blusa pra mim. O senhor colocou a blusa em cima da minha carteira; pegou minha carteira.” Falei: “Dona, o que é isso? Você acha que eu vou fazer uma coisa dessa? Pra que?” “Não, foi o senhor que roubou a minha carteira. Eu vou chamar o guarda.” E na feira, naquele tempo, tinha uma policia militar. Cada feira tinha um e ela chamou. Esse policial militar já me conhecia há muitos anos. Ela chamou e ele falou: “Oh, dona, uma coisa a senhora pode ter certeza, ele não pegou. Conheço ele, conheço os pais dele, conheço todo mundo e eu sei que ele é honesto. Ele nunca ia fazer isso com a senhora.” “Não, porque não sei o quê...” E todo mundo passando, vendo aquela cena e você ali. Caiu o teto na minha cabeça. A gente fica numa situação muito difícil. Aí ela foi embora e não contente veio com a família inteira. Falou, brigou e eu disse: “A senhora está muito brava. Faz um favor, volte novamente na casa da senhora e procura a tua carteira lá. Mas de cabeça fria. Do jeito que a senhora está, mesmo estando na vista, a senhora não vai achar. Volta, tenta.” “Não, o senhor me roubou mesmo.” “Faz esse favor. Vamos procurar lá na casa. Só um pouco mais. Vamos rever.” E realmente estava na casa dela. Então, se você não está num ambiente que você gosta, que você quer, só sai coisa ruim, porque te acusar de ladrão em público é terrível. Então, você estando no que você gosta, você querendo realmente alguma coisa da vida naquilo que você está, vai... Aí tem o aprendizado também. É aquilo que está no sangue, em primeiro, e depois o aprendizado. Ela não voltou para pedir desculpas. Falou com o guarda e nunca mais foi na feira. Eu não a vi mais. É ruim porque a feira perdeu uma freguesa... Por culpa dela mesma. COMÉRCIO NA FEIRA Na Sexta Feira Santa vendia bastante porque naquele tempo o comércio não abria. A feira abria e muitos feirantes eram conservadores. Sexta-Feira Santa não era dia de trabalho. Pela minha avó também eu não podia trabalhar, porque a minha avó era muito católica e ela falava que Sexta-Feira Santa não se fazia nada, absolutamente nada. Mas eu pedia pra ela: “Vó, eu preciso.” Na feira é igual ao comércio quando são as datas comemorativas. Tem movimento maior. E como aparece de última hora Querendo exatamente aquilo que almejou, de última hora. Então é difícil e aí entra: “Mas não pode ser isso? Não pode ser aquilo? Ah, faz o seguinte, você leva isso aqui; se não gostar você vem e troca. Não tem problema nenhum, você pode escolher o que você quiser, pode vir sempre com a tua mãe, com a namorada, você pode escolher pra você mesmo, leva e vê se agradou. Se não agradar, você volta que nós trocamos.” O importante era sair com a mercadoria. COMPRAS NA FEIRA Eu gosto muito de ir. Mas eu não faço compras. Eu evito por causa dos amigos que dizem: “Ah, Jair, é um presente; não precisa pagar.” A minha mulher faz a compra na feira. Ela vai lá e compra. É diferente. Outro dia mesmo, eu fui, tal, a minha mulher falou assim: “Oh, Jair, vai comprar umas laranjas, umas bananas, mais não sei o quê.” Eu escolhi um feirante que vende pouco, pensei em dar a preferência pra ele, comprei e daí teve um outro que ficou bravo porque eu não comprei dele, eu fui comprar do concorrente dele. Falou um monte de mim, que o sindicato não presta, que não faz nada. E eu falei: “Ah, não acredito, não acredito.” Também por isso eu não gosto de comprar, porque tem três quatro amigos então se compra de um, o outro fala: “Por que não de mim?” Quando eu vou e a minha mulher pede alguma coisa, eu dou uma preferência pra aquele que eu sei que está vendendo menos ou aquele que eu tenho uma amizade muito grande. LIÇÕES DE VIDA Eu larguei dessa minha primeira mulher, eu saí de uma sociedade alta - que eles eram bens de vida - e todos que me conheciam, não me conheciam mais. Sabe quando você tem uma doença ruim? Você passa e as pessoas te evitam pensando que você vai pedir alguma coisa. Só um, o José Araújo, foi o único que me cumprimentava, conversava, falava: “Não, Jair, cara, você tem que progredir. Você tem que crescer. Você não pode ser derrotado.” E machuca quando você pensa que tem amizade... Então, graças a Deus, eu tenho o meu ninho, é pequeno, não é nenhum castelo como os deputados tem, nada disso, mas eu tenho o meu ninhozinho sadio, bacana aquilo ali vem do suor. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS A idéia é maravilhosa porque você começa a mostrar, realmente, o comerciante. Essa luta do comerciante, essa garra de um comerciante. Mostrar que a vida é difícil, ninguém progride dentro das normas... Se caí do céu é uma outra figura, mas dentro das normas, você só progride trabalhando, investindo em você com muito sacrifício. E o comércio é maravilhoso. O comércio dá toda essa oportunidade pra você. Ele é amplo, ele é gostoso, ele é maravilhoso, ele é uma mãe. É só você saber desfrutar dele. É um encanto, o comércio. O meu pensamento de garoto era outro, era ser um jogador de futebol ou então mecânico. Nunca pensei nessa relação com o comércio, essa relação de compra e venda, de tratar com as pessoas e através delas você conseguir alguma coisa. Se você é sendo organizado, você vence. Eu não seria outra coisa na vida. Se tivesse que voltar e escolher, escolheria comércio direto. Comércio, comércio e de confecção. Eu diria para um jovem, hoje, primeiro: “Você gosta?” Pega o ramo que você quer, a atividade que você quer, você vê o lado que mais gosta e vai aprender. Em princípio vai aprender alguma coisa sobre a atividade que você quer e vai fundo. Vai que você vai vencer porque da vontade vem a criatividade. Você só tem a criatividade, mas se você não tem vontade, a tua criatividade fica... Eu acredito que ela fica vaga, então você tem que gostar e a tua imaginação tem que crescer. Quando você gosta, a tua imaginação vai longe. Tanto que a minha esposa, a Marilda, segurava muitas coisas. Eu ficava viajando. Ela dizia: “Para. Para e desce aqui um pouquinho. Vamos devagar.” Então isso é gostoso. É você pegar o campo e ir no horizonte. COMÉRCIO DE FEIRA Eu também ia muito pra Jacutinga comprar malhas, coisas que poucos roupeiros faziam. Eu trabalhava com cardigans, com blusa de lã pra senhoras, principalmente modelos clássicos. Claro, alguns mais avançados, mas principalmente o clássico que as senhoras gostavam. Queriam um modelo que ficasse bem, modelos bonitos, mas acessível a faixa etária das pessoas com quem eu gostava de trabalhar. Tinha cachecol, luva, meia de lã. O que eu vendia de meia de lã para mulheres... A três quartos, a soquete e a sete oitavos era impressionante, o que eu vendia dessa meia. Só eu que tinha. Ninguém ia fuçar. Eu ia buscar e pendurava... LAZER A coisa que eu mais gosto é a pescaria. Já fui pra Mato Grosso, já enfrentei tudo que tinha pra enfrentar. Nós entramos, uma vez, num lamaçal pra chegar numa lagoa pra poder pegar isca pra pescar. Onde você colocava o pé... E carregando um barco, que o barco não entrava; você tinha que carregar. E você afundava o pé, ia afundando, afundando, afundando, esperando encontrar alguma coisa sólida pra parar. Aí você puxava a outra perna. Na volta, o mesmo processo, não sabendo o que há lá embaixo. Você não podia ter bota, não podia ter nada, porque se você tivesse bota ou alguma coisa, como você ia tirar o pé? Não tinha como você tirar o pé. Pescaria é comigo. Nós fomos pescar uma vez num rio que tinha 24 horas de pernilongo. Chamava Rio Negrinho. Era 24 horas, não tinha sossego. Quando você parava o barco, que você batia, sumia as costas da pessoa. Todo mundo tinha um pano pra bater e lá é calor pra caramba. Você tinha que colocar um agasalho de manga comprida pra só deixar as mãos de fora e tudo bem cobertinho. Eu falei: “Nunca mais eu volto nesse rio.” No ano seguinte, onde que eu estava? Lá de novo. Então pescaria eu adoro. Eu saio pra pescar e quase não como peixe. É só pelo prazer de pescar. Foram vários cantos, vários lugares. Eu tenho um monte de amigos que a gente está sempre junto. É um grupo bom e bacana. Pescador mesmo. Não é aquela história “de vamos pescar” e vai pra gandaia. Não. O nosso é pescaria mesmo. De vez em quando entra alguém diferente.
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