Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: José Tarcísio Caixeta
Entrevistado por: Cláudia Leonor e Pablo Dawney
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004.
Entrevista: MCE_CB008
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por: Marcília Ursini
Revisado por: Grazielle Pellicel Teixeira
P/1 – Pa...Continuar leitura
Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento: José Tarcísio Caixeta
Entrevistado por: Cláudia Leonor e Pablo Dawney
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004.
Entrevista: MCE_CB008
Realização:
Museu da Pessoa
Transcrito por: Marcília Ursini
Revisado por: Grazielle Pellicel Teixeira
P/1 – Pablo Dalney
P/2 – Cláudia Leonor
R – José Tarcísio Caixeta
P/1 – Tarcísio, eu vou pedir primeiro para você falar o seu nome completo, local e data de nascimento, por favor.
R – José Tarcísio Caixeta. Nasci em 13/08/1956, em Patrocínio.
P/1 – Tarcísio, me faça um relato breve da tua trajetória, da tua carreira.
R – Bom, a minha trajetória começa com a militância no movimento estudantil, no final da década de 70, quando eu venho para Belo Horizonte, como vários da minha geração que saíram da minha cidade. Venho para estudar. Engajo no movimento estudantil, na luta contra a Ditadura, na luta pela democratização do país e aí é um processo de militância partidária, sindical, no Sindicato de Professores, Sindicato de Engenheiros, no CREA, no Conselho Regional de Engenharia e, posteriormente, na Prefeitura como secretário municipal de Indústria e Comércio, na administração do Patrus Ananias. Depois, superintendente da Sudecap, Presidente da Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte). Em seguida, eleição para a Câmara Municipal. E esse é o meu primeiro mandato na Câmara, eleito no ano de 2000.
P/1 – Me conta como é que vem essa história do Clube da Esquina? Como é que você conheceu o Clube da Esquina? Foi através das músicas... Como é que foi?
R – Quando eu vim para Belo Horizonte... eu vim em 1974. É claro que era um ambiente... se era um ambiente de repressão política, da luta contra a Ditadura? Era um ambiente também de um jovem descobrindo a cidade, a cidade grande, naquilo que ela tem de atrativo para a juventude. E é claro que aí você trava conhecimento. Primeiro, para salvar se explodindo nos seus bares, suas noites, etc. E é claro que também com a música, né? Milton, o Lô e todos aqueles que já eram conhecidos já com a participação musical, já explodindo em nível nacional. Com a Elis cantando as músicas e tal. Aí que eu travei o primeiro conhecimento. E é claro que com o passar do tempo você vai gostando, vai curtindo e vai... E passa a ser um... O admirador fica esperando sair o disco de cada um: “Quando é? Saiu esse ano? Vai sair? Como que é?” Então é assim que você vai travando conhecimento e vai convivendo com a expressão cultural importante que foi o Clube no seu nascedouro e que deixou raízes, e que as raízes estão aí até hoje.
P/1 – Então do disco do Clube da Esquina, qual foi a música que mais te marcou nesse...
R – Para mim é “Sentinela”. “Sentinela” marca muito. Eu acho que... Depois já tem dois discos do Milton também que me marcaram muito, que é o “Minas” e o “Gerais”. Aí já não é o Clube, mas é o Mílton, mas são dois discos que me marcaram muito. “Trem Azul”, também a música que marca! Que marca um tempo, marca essa geração e a convivência na própria universidade num momento de efervescência muito grande de explosão cultural e de reivindicação. Eu estive no Movimento Estudantil e na própria passagem na universidade... uma relação muito forte com a (Quatec?), que era uma cooperativa de cultura técnica que nós tínhamos e que todos os discos estavam ali. O forte da (Quatec?) era o disco e sempre tinha discos de todos lá: do Lô, disco do Beto, disco do Milton. A gente sempre curtindo Wagner Tiso e vai por aí. Essa turma que a gente convivia sempre, que a gente vinha para (Quatec?) para ouvir os discos. Nem sempre a gente tinha dinheiro para comprar. Então a gente ia para lá para ouvir os discos.
P/1 – Você chegou a conhecer algum deles, do pessoal do Clube? Você teve algum...
R – Não, relação pessoal nenhuma, né? Relação pessoal nenhuma. Admiração muito grande do trabalho, da parte artística de cada um, mas relação pessoal com nenhum não tive não.
P/1 – Existe alguma história ligado ao Clube da Esquina que você acha... Que você lembra que seja interessante relatar?
R – Eu acho que o mais importante em relação ao Clube da Esquina é o momento da criação, é o momento... O paralelo do momento que o país estava vivendo e a importância dessa meninada que fazia música e, ao mesmo tempo, se rebelava através da música, quebrando um pouco as normas. É claro que a cidade também permitia isso, da boemia, das noitadas etc. E hoje nós temos a grande dificuldade até para aparecer algum grupo com essa característica pela realidade que nós temos hoje da violência, das dificuldades todas aí. Era um clube de amigos localizados, circunscritos mais ou menos a uma região da cidade, mas que transbordava com as noites de Belo Horizonte. E aquela meninada de então, era fácil para eles... Mais fácil, não diria que era fácil, mas era mais fácil para eles ter essa característica. Era um clube de amigos, se juntava, tocava, compunha, agitava, fazia festa, brigava com as turmas de bairro: a turma do (Prata?), a turma da Floresta, a turmas _______. Então era um momento interessante. Eu acho que esse é o grande paralelo. É o momento que o Clube nasce é o momento também de muita efervescência na vida cultural e política que o país estava vivendo, e que a cidade também viveu. Como eu acredito que seja um paralelo do Clube com o grupo da década de 50, da cidade, muito conhecido, de Hélio Pellegrino, Drummond, Pitangui, tal. Essas figuras que eram também um grupo de amigos, que andavam pelas ruas perambulando e cada um na sua expressão de maluquice própria da juventude, mas com um sentimento muito forte de descobrir o mundo. Eu acho que o clube tem essa característica, que é descobrir o mundo e o mundo descobriu também um bando de artista de qualidade, pessoas generosas, pessoas com uma grande qualidade pessoal, humana e de uma capacidade artística musical fantástica. Eu acho que essa questão da descoberta é o interessante, que é um bando de meninos descobrindo o mundo e o mundo descobrindo a qualidade dessa turma. Eu a acho que é essa aí.
P/1- E em relação à Santa Tereza... porque o Clube da Esquina surge em Santa Tereza. Como é que você a importância do bairro Santa Tereza como o celeiro dessa...
R – Eu acho interessante a gente ver o seguinte: que o bairro de Santa Tereza, ele tem uma característica de bairro de classe média como um outro qualquer, mas o Clube da Esquina ele desperta Santa Tereza, desperta a cidade para Santa Tereza. Eu acho que tem esse dado também. Nós não temos uma arquitetura arrojada, arquitetura com característica de Santa Tereza. É mais ou menos própria ali, circunscrita, mas é uma característica própria da década de 40, de 30 ali, como outros bairros da cidade também tinham. E nós não podemos dizer que nós temos uma vida boêmia em Santa Tereza, como outros bairros de Belo Horizonte se caracterizaram por isso, como a própria Lagoinha, que foi um bairro caracterizado pela boemia, pela noite, tal. Santa Tereza era um bairro de classe média, pacato, não tinha zona boêmia como tinha a Lagoinha, mas a expressão cultural de Santa Tereza, eu acho, que ela se mostra para a cidade muito com o Clube da Esquina. Cria essa característica e que permanece até hoje. Eu acho que desperta também um sentimento de preservação de raiz, de característica de... Características próprias dessa classe média de Santa Tereza que cria, que produz, quer mostrar e também atrai a cidade. Eu acho isso muito mais hoje. Atrai também a cidade para descobrir o que Santa Tereza tem. E ela passa a se constituir com uma característica muito mais recente, eu diria, de bares, noites, casas de espetáculo, restaurantes etc. Eu acho que essa é uma característica mais recente, mas que o Clube da Esquina teve esse papel também de despertar. Eu acho que isso aí foi... Esse processo de descoberta que eu falei antes, descoberta para o mundo, também é descoberta do umbigo, a cidade se descobrindo. Eu acho que tem essa característica também.
P/1 – E sobre essa iniciativa de criar o Museu do Clube da Esquina? Como é que você vê a importância dessa iniciativa?
R – Eu acho que a gente pode colocar isso, essa importância, da importância de preservação de memória. Tudo aquilo que é movimento, que é criativo, que produz e que produziu, como o Clube da Esquina, e esses artistas hoje consagrados, conhecidos, produziram e são marcas, são referências na música popular brasileira Eu acho que a gente tem que preservar. Nós temos que não perder a dimensão da evolução, no sentido de andar, mas também preservar aquilo que foi importante, que foi marcante na nossa história. Recentemente nós líamos pelos jornais a triste memória do 31 de março, sendo contada nos seus 40 anos. Inclusive alunos do próprio Colégio Tiradentes, de Santa Tereza ali, não conseguiam traduzir nada da memória o que foi 1964. Alunos de 16, 18 anos. Eu acho que nós não podemos perder esses fatos históricos, culturais, artísticos, do ponto de vista da preservação. A criação do museu para mim, ele tem essa importância fundamental, que não preserva a música, mas preserva o movimento, a importância dele para a história cultural, a história musical de Belo Horizonte e do país. Nós temos integrantes do Clube que foram para o mundo. Literalmente para o mundo. Eu acho que o Toninho Horta é um exemplo claro disso, um músico genial que é, e que é preciso que a gente preserve essa história para essas gerações mais novas porque senão acaba não sabendo da importância que foi e aí nós misturamos um pouco a memória histórica do ponto de vista da cultura e da música que o Clube representa, mas com a história da cidade. É claro que não tem como dissociar essas coisas. A constituição de qualquer movimento, qualquer expressão, seja ela cultural, das suas mais diversas formas, seja política, seja na arquitetura, tal, ela está dentro de um contexto. Ela está dentro de uma realidade e a história do clube, a história... Ela se confunde com a história de Belo Horizonte com a própria história do país. Então um museu que trata do Clube da Esquina, dessa geração, com certeza vai estar recuperando também a memória histórica de Minas, de Belo Horizonte e do país.
P/1 – Eu te perguntei sobre uma história relacionada com o Clube da Esquina. Agora gostaria de saber se tem alguma história da sua vida relacionada alguma das músicas do Clube da Esquina que você gostaria de nos contar.
R – Eu falei de “Sentinela”, que é a música que...
P/1 – Marcou.
R – Marca e que eu gosto muito, que eu gosto demais. Cada coisa tem o seu momento e ele se perpetua no tempo também quando a gente recupera a memória. Essa pergunta sua ela me faz voltar em 1985. Aí já com “Travessia”, que é aquela passagem da Praça da Liberdade, que é outro momento histórico importante, que aí eu recupero também outra música do Milton, que é “Travessia”. Aquela travessia que o país estava fazendo, que era passar da Ditadura para a democracia, com a eleição do Tancredo. E ali, naquela travessa, que é a passagem do Palácio da Liberdade para o início da Avenida João Pinheiro. A coisa que mais chama atenção é exatamente o vazio que se cria ou a ponte que se quebra num momento que a gente tinha uma expectativa enorme do país, que era essa travessia da democracia para... Da Ditadura para a democracia, que é a morte do Tancredo. Aí me lembra “Coração de Estudante”, que foi a música hino daquele momento triste da história, mas que também, aí a “Travessia” me puxa na memória, que é esse vazio que podia estabelecer naquele momento, com a morte do Tancredo. E era a travessia da Ditadura para a Democracia. São coisas que a gente liga à música, liga a fatos, às nossas relações afetivas, amorosas. Sempre tem uma música que nos marca naquele momento, assim como os fatos políticos também são marcados por momentos culturais, artísticos e musicais, como a presença de cada artista do clube na vida social, cultural, política do país.
P/2 – Quando você estava em Patrocínio, antes de vir morar em Belo Horizonte, você já tinha ouvido algumas músicas? Já tinha... Ou você foi conhecer quando você veio para Belo Horizonte?
R – Claro que conhecia, mas eu vim para cá com 17 anos, 17 anos. E o que é que nós tínhamos? Uma alienação muito grande, principalmente no interior, devido a própria repressão cultural, política, que o país estava vivendo. Mas é claro que eu já tinha conhecimento, já ouvia falar, já ouvia as músicas, mas ainda de maneira muito incipiente. A descoberta mesmo para mim daquilo que foi caracterizado como os integrantes do Clube da Esquina, ela se dá já na universidade, na participação do movimento estudantil aqui. Aí é que eu começo a descobrir e entrar na boêmia que a cidade grande também te atrai, puxa. No Estadual... que eu estudei no Estadual. Então você vai descobrindo a cidade, descobrindo aquilo que ela tem de gostoso, aquilo que ela tem de bom, aquilo que ela tem de diferente da vida nostálgica, até bucólica do interior. Belo Horizonte _______ para um menino de 17 anos, um punhado de alternativas, possibilidades. E aí você vai descobrindo os bares, as noites e as músicas.
P/2 – Que lugares você circulava exatamente?
R – Eu circulava muito pela Savassi. Eu morava na rua Professor Moraes, ali, em 1974. Então você tinha o Tom Chopim, o (Bebis?), aqueles bares todos ali da Savassi, que aos 17 não permitia você ingerir bebida alcoólica, mas sempre tinha uma garçom para dar um jeito. Aí, perambular pelas noites da Savassi ali e outros bares mais da vida aí.
P/1 – Tarcísio, mais alguma coisa que você lembra?
R – Além da Savassi, também o Centro da cidade, que era um atrativo para você estar presente. O (New Hamburger?) é um bar famoso da cidade, foi famoso, durou muito tempo, que era um bar na área central da cidade, onde nós do interior nos reuníamos Iá para ouvir, para cantar, para namorar, para beber. Também que... na década de 70 que era ali, ao lado do edifício Robertão, da Loteria Mineira, ali na rua Augusto de Lima, entre a Espírito Santo e a Rio de Janeiro. São os bares da vida que a gente ia a pé da Savassi para o Centro, do Centro para a Savassi, nas madrugadas próprias da década de 70/80, quando era permitido você fazer isso em Belo Horizonte. Infelizmente, nós já não podemos mais fazer isso e os próprios filhos nossos hoje, o nosso medo muito maior deles estarem fazendo isso que nós fazíamos na década de 70/80.
P/2 – Qual era a sua turma de amigos assim? Era o pessoal que estudava com você? Quem era?
R – Era o pessoal da escola. Praticamente pessoal da cidade de Patrocínio que a gente convivia muito, que acaba andando em bando, né? Quando você... na expressão própria do interior: “quando você é desmamado”, quando o bezerro é desmamado, ele começa andar com outros bezerros, né? Então, quando você corta o cordão umbilical com a sua cidade, com a sua realidade... você procura outra manada para poder estar enturmando e não está sozinho no mundo.
P/1 – Mais alguma coisa que você queira acrescentar?
R – Não, eu acho que essa iniciativa, ela é fundamental para essa preservação da memória histórica e eu trato como memória histórica. Não trato como memória da música popular brasileira na expressão restrita da música. Eu acho que o Clube da Esquina foi muito mais do que música. Ele foi um movimento de expressão cultural da cidade nas suas mais diversas formas, que influenciou muita coisa. É claro que influenciou enormemente na música, porque é um movimento musical. Mas ele influenciou gerações no seu modo de ser, de pensar, de ver a vida, de brigar contra a injustiça, de se posicionar diante do mundo. Eu acho que essa iniciativa é muito importante. O Márcio é que está puxando isso, tendo papel fundamental, porque ele não vai falar do umbigo, mas vai falar de outros umbigos que estiveram com ele ali... criando, participando, contribuindo nessa formação... mais na formação do grupo e na formação do museu hoje. Eu acho que é fundamental... é importante. E vejo como uma obrigação a sociedade organizada de Minas, do país e, especialmente, de Belo Horizonte, estar engajada nesse projeto. Então eu acho que é preciso fazer um chamamento, que a área artística, cultural e aqueles que têm compromisso com esse país e com a preservação dessa memória, estar engajada no projeto. Então eu acho que isso é muito importante.
P/2 – Obrigada pela entrevista. Fantástico.
P/1 – Obrigado, viu?Recolher