IDENTIFICAÇÃO Wilma Martins, eu nasci em São Paulo em nove de outubro de 1947. FORMAÇÃO Eu fiz curso normal e, depois, um ano de ciências sociais. E outros cursos. Fiz vários cursos de marketing, de reciclagem de papel, esses cursos rápidos. E sempre que tivessem a v...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Wilma Martins, eu nasci em São Paulo em nove de outubro de 1947.
FORMAÇÃO Eu fiz curso normal e, depois, um ano de ciências sociais. E outros cursos. Fiz vários cursos de marketing, de reciclagem de papel, esses cursos rápidos. E sempre que tivessem a ver com o que eu estava fazendo no momento, com relação ao meu trabalho, o meu ideal de vida, sempre alguma coisa relacionada a isso.
ATIVIDADE ATUAL Atualmente, eu trabalho com reaproveitamento de materiais descartáveis que envolvem técnicas diferentes ou algumas que já existem. A gente faz objetos diferentes com o intuito de serem objetos de uso. Que sejam úteis e que mostrem pras pessoas que você produz um lixo, que esse lixo não deveria... Aliás, não deveria ser produzido, em primeiro lugar, mas já que se produz, que tenha uma forma de dar utilidade pra esse lixo e uma utilidade com arte, também, e com acabamento, com uma cara bonita. Não um acabamento que tenha cara de ser feito por criança - não que o que é feito por criança não seja legal; é legal – mas, quando você vai ensinar pessoas a fazerem coisas, que seja alguma coisa que ela tenha coragem de colocar na sua própria mesa, na sua própria sala. Que tenha coragem de usar aquilo que já foi lixo. Que tenha uma cara como qualquer outra coisa industrializada, só que ela é uma coisa manual, é artesanal, é completamente artesanal. A gente começou fazendo objetos pra venda, tentando vender. Mas, era muito cedo ainda pra isso. As pessoas ainda não tinham consciência de que isso existia, de que o lixo existia, de você produzir o próprio lixo, de que era um problema o lixo e que poderia ser feita alguma coisa bonita com o lixo. Aí, começamos a pensar em ensinar as pessoas a fazerem essas peças que a gente fazia. Desenvolvemos técnicas muito simples, coisas bem simples, formas simples de se trabalhar, que qualquer pessoa podia fazer: desde uma criança até um idoso. E começamos a ensinar. Daí, a gente começou a perceber que o movimento no mundo estava mudando. E, principalmente, aqui no Brasil, agora se fala muito nisso.
TRAJETÓRIA Meu começo foi em 90. Eu comecei a mexer com reciclagem em 91, 92. Não era ainda uma época em que se falava muito. Até se falava, mas o povo mesmo não tinha ainda nenhum conceito formado. Não é que agora tenha, eu acho que ainda não tem, ainda falta, mas agora, pelo menos, se fala bastante; se ouve muito a respeito. Então, agora é mais fácil você mostrar um trabalho. Era difícil de ver que isso era um trabalho, também, pra pessoas. As pessoas olhavam e falavam: “Tá bom, você faz isso. Mas você trabalha em que?” (risos) Era difícil passar pras pessoas que isso era um trabalho, nessa época. Agora não, agora já é mais fácil. As pessoas já estão valorizando mais e, principalmente, um trabalho artesanal, também, que é o que a gente faz. É completamente artesanal; feito a mão mesmo. (risos) Então, agora é mais fácil. As pessoas me achavam maluca. Eu vivia numa cidade paradisíaca, que é Florianópolis. Nós vivíamos, o Ivan e eu. Eu comecei, pegava o meu carro e ia catando bananeira caída na rua, flor caída na rua, tudo isso, pra transformar em papel. Foi a primeira coisa que eu fiz de reciclagem, foi papel. E aí, o pessoal achava que eu era louca, porque no meu quintal tinha bananeira, folhas; tudo o que eu catava do chão, eu levava pra minha casa. Então, eles não encaravam que aquilo pudesse ser um trabalho, que aquilo pudesse ter algum valor. Era muito estranho (risos). Eu era olhada como uma pessoa estranha (risos). Mas eles aceitavam, já, por eu estar num lugar diferente. E eu ser paulista, paulista fora de São Paulo é sempre olhado com outros olhos. Sempre acham que a gente tem tudo; não é que trabalha porque precisa trabalhar; trabalha por prazer. E, segundo, que a gente é diferente mesmo, a forma da gente se portar é bem diferente. As pessoas te olham diferente. Então, é mais fácil em alguns momentos, mas em outros é muito difícil você se integrar. Você quer, mas não consegue, porque eles já te colocam como diferente.
Hoje, mudou. Mudou porque a televisão fala, o rádio fala e tem muitas feiras. Tem congressos, teve a agenda 21 que, também, contribuiu muito, pra se falar a respeito. Todos esses movimentos, os fóruns. Foram disseminando muito conhecimento e se comenta muito mais. Se ouve muito mais. E teve taxa do lixo. Em São Paulo, teve a taxa do lixo. Começaram a perceber que lixo a gente tem que pagar pra dar destino. Aos poucos, as pessoas vão percebendo mais e agora é mais fácil por isso. E agora parece que está, também, se dando mais valor ao trabalho artesanal. O artesão está tendo mais chances. Antes, você não podia dizer que era artesão. Artesão era uma coisa menor, era um trabalho menor. Atualmente não. Está se valorizando isso. Eu acho que está se dando chance pra muito mais gente. Tem meios de sobrevivência também. É o que a gente tenta fazer. Chegar nessas comunidades e passar um conhecimento que a gente tem. Pra eles, pode ser até uma renda. Esse trabalho pode se transformar em renda. É a nossa meta, além da nossa sobrevivência, porque nós sobrevivemos disso. O nosso trabalho é esse. E pra mim não é só um trabalho, é um prazer, eu faço o que eu gosto e passei a minha vida inteira, praticamente, fazendo o que eu gostava, sofri muito por isso. Mas você não tem muitas chances no mercado, quando você faz o que você gosta e que não seja dentro do sistema, pré-determinado, mas consegui (risos). Estou conseguindo.
INSTITUTO ETHOS Primeiras impressões Eu não sei precisar exatamente onde, quando. Porque a gente vai muito a congressos, a gente participa de muitas feiras e sempre recebe folhetos. Recebemos comunicados pela internet também. Participei de fórum de cultura na Vila Mariana que não permaneceu. Como as pessoas não têm muita idéia do que seja fórum Então, não sei precisar exatamente onde ou quando conheci o Instituto Ethos.
Há uma curiosidade minha de saber melhor o que está se pretendendo, o que está se fazendo. Quais são as dinâmicas, tudo mais. Eu não tenho uma relação direta, realmente, não. Mas tem a ver com o meu tipo de trabalho. O meu objetivo tem a ver com os objetivos do Ethos, que está inserido nesse contexto social e tudo mais. É mais o envolvimento nosso, do nosso trabalho com o social. Com a sociedade, mais com aquelas comunidades carentes. A gente têm muito envolvimento com ONGs da periferia, que são ONGs muito carentes. Então, eu acho que é mais nessa área do olhar pro social. Pro envolvimento dessas comunidades, que eu acho que tem mais a ver com o olhar que o Ethos tem. O Ethos é o global. Mas o nosso olhar é mais localizado. Então, eu acho que é nesse sentido que tem muito a ver.
SUSTENTABILIDADE Eu sinto que, no geral, as pessoas ainda não estão entendendo muito bem o que significa sustentabilidade. No meu pedaço, quando eu coloco alguma coisa, vou dar uma aula, coloco porque que a gente está ali, qual é o significado daquele trabalho e que se houver uma mudança de conceitos e de atitudes, o meu trabalho deixa de existir. Porque se você não produzir tanta coisa inútil, tanto lixo, que vira coisa inútil, eu não tenho mais o que fazer. O meu trabalho é todo a partir do lixo. E o que eu percebo é que, mesmo assim, no micro não se tem ainda muita noção da sustentabilidade. Que o meio ambiente é você. As pessoas ainda têm muito assim: eu estou aqui e o meio ambiente está lá na Amazônia, o meio ambiente está lá na Mata Atlântica, não está aqui comigo. Não está no meu entorno. As empresas estão participando mais. Eu faço muitos trabalhos em empresas. Sou chamada pra fazer alguns trabalhos em empresas e pra conscientizar os funcionários das empresas. Um trabalho com os funcionários, quando a empresa está tomando alguma atitude com relação ao meio ambiente e precisa que seus funcionários participem ativamente disso. Então, eu percebo que as empresas estão mudando o seu olhar muito pouco ainda; só com muito interesse próprio; muito visando o próprio lucro, (risos) que é, infelizmente, a realidade. Mas é assim que tudo começa, a partir daí ele está começando. A gente tem contato com muitas empresas de setores diferentes: com laboratório farmacêutico, com empresa de autopeças, empresas ligadas à multinacionais. Uma coisa me surpreende: na maior parte das empresas os funcionários não são obrigados a fazerem essas atividades que a gente é contratado pra dar; então, quando não é em horário de trabalho, são poucos os que se inscrevem pra participar; daí, você percebe que conscientização não está, ainda, existindo.
Nessa empresa de autopeças, por exemplo, havia um rapaz que é operário, pintor. O cara tem uma visão pra arte muito interessante. E você vê que não tem chance de desenvolver aquilo, porque é um operário. Essa chamadinha que a empresa deu pra uma coisa ligada ao meio ambiente, deu chance pra ele mostrar que ele tem um outro lado, que ele tem o lado que é o operário e tem o lado do artista, que muita gente tem e nem sabe. Não tem chance de mostrar também. Então, eu acho que esse tipo de atividade ajuda a empresa a deixar o funcionário trabalhando de uma forma mais feliz. Ele vai gostar do trabalho dele porque a empresa dá a chance dele mostrar um outro lado.
DESAFIOS Dentro do Instituto Ethos, eu nem me sinto capacitada pra definir alguma coisa, é muito ampla a atuação deles. Porque envolve o Estado, envolve todas as áreas. O meu caso é muito simples perto desse. Apesar de ser tão difícil quanto. Mas as dificuldades que a gente vai encontrar ou que está encontrando são sempre as mesmas. Enquanto não conseguir ter uma atuação, principalmente, do Estado. O Estado tem que ter uma atuação mais precisa e exemplos também. O importante no Estado é o exemplo, que é difícil. Então, enquanto não houver o Estado firme nessa área, eu acho que fica mais difícil pra todos, mas é um caminhozinho a ser trilhado e que é nesse passo mesmo. É pedacinho a pedacinho, não tem outra forma.
O grande desafio é envolver o Estado, realmente, e as grandes empresas. Aos poucos estão se envolvendo, porque elas perceberam que pra elas é lucrativo. Em primeiro lugar. O Estado ainda não percebeu que, também, pra ele é lucrativo. Em muitas coisas, não só nessas. Então, eu acho que a maior dificuldade é essa mesmo, o envolvimento do Estado nessas ações, que são ações em conjunto. Não é um sozinho, é uma ação conjunta. Então, na minha pequena visão, assim é (risos). No meu cotidiano de trabalho é a mesma dificuldade. A dificuldade das pessoas, primeiro, respeitarem aquele tipo de trabalho; segundo, perceberem que elas podem fazer parte disso e contribuir pra que a gente não tenha mais esse tipo de trabalho, que eu não precise mais pegar o lixo da porta e transformar em alguma coisa, que o meu consumo seja consciente. Que quando eu compro... Eu falo pras pessoas: “Você compra esse lixo que você produziu. Você pagou por ele. Você pagou por tantas embalagens, você pagou por todos esses saquinhos plásticos. Você pagou por tudo isso.” E agora, o que eu estou fazendo é dizer que você pode não gastar dinheiro com isso. Que você pode escolher coisas que tenham menos embalagens, por exemplo. E não produzir esse lixo. Mas, já que você produz, eu posso te ensinar a fazer coisas bonitas com esse lixo; então, você vai usar. E esse lixo um dia vai voltar a ser lixo de novo, porque se são objetos que você usa, uma hora vão acabar, também, vai virar lixo, mas, aí, a gente vai pensar depois o que fazer com esse outro lixo (risos).
MARCA DO INSTITUTO ETHOS Esse difundir a sustentabilidade é tudo. Tem tudo a ver com o meu trabalho. Então, eu acho que isso é marcante
E toda a trajetória. Essa trajetória é a mais importante. E que ela tem que ser ampliada, tem que ser continuada. E o que depender da minha atuação e participação já existe (risos). A participação existe.
MENSAGEM É as pessoas perceberem que elas são o meio ambiente. A única preocupação que eu tenho é isso, que mesmo dentro das nossas casas, a gente percebe que as pessoas que estão ao nosso lado não têm essa visão. Não percebem isso. Então, eu acho que o dia em que as pessoas perceberem isso, o meio ambiente estará preservado, as nossas vidas estarão preservadas. Porque a consciência é o que vai determinar o teu bom viver. E não o só ir vivendo por viver.
AVALIAÇÃO Entrevista Acho que seria importante muitas outras pessoas darem seus depoimentos de vida. Porque, na realidade, o que eu dei foi um depoimento de um pedacinho da minha vida. E que, as vezes, isso, pra outros que ouvem esses depoimentos percebem que têm alguns pontos em comum e tem algum ponto que ali: “Olha, ali, alguém conseguiu fazer determinada coisa que eu pensei que não daria pra ser feito”. Então, eu acho que esses depoimentos são importantes pras pessoas perceberem os outros. A gente vive muito voltado pra si mesmo e eu acho que a gente têm que perceber o outro. O entorno é muito importante também. As outras vivências são importantes, não só a nossa. É esse conjunto de idéias que são lançadas no ar e que valem à pena ser ouvidas.Recolher