TEMPOS DE OUTRORA
Um Guri de Fazenda tropeando saudades
Convivência com os tropeiros de antigamente.
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Recordo ainda os bons tempos de infância que garbosamente passei na bela e querida cidade de Rio Pardo, lá na Fazenda da Costa do Pinheiro, quando montado de pe...Continuar leitura
TEMPOS DE OUTRORA
Um Guri de Fazenda tropeando saudades
Convivência com os tropeiros de antigamente.
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Recordo ainda os bons tempos de infância que garbosamente passei na bela e querida cidade de Rio Pardo, lá na Fazenda da Costa do Pinheiro, quando montado de pelego em meu petiço, junto com mais dois outros guapos guris também montando fogosos e nutridos petiços percorríamos longas distâncias admirando a lida dos valentes tropeiros que levavam o gado que era vendido por nossa fazenda, reunido também seguia os da redondeza para entrega aos frigoríficos.
Uma
equipe
seguia
bem
à
frente
da
boiada em carros de bois abarrotados de suprimentos, carretas
grandes
puxadas por doze juntas, uns iam a pé, outros sentados na boléia, os que iam a pé escolhiam o melhor lugar para parada, em um braseiro no chão preparavam a carne para o churrasco que era servido seguido do arroz de carreteiro para alimentar a peonada.
Em um galope nós três volteávamos os carros, sorridentes e empolgados, um aceno aos condutores e retornávamos ao grosso da boiada, nossos petiços possuíam perninhas curtas e suavam em bicas e nós garbosos galopando em um cuidar, pois o solto pelego resvalava e fazíamos tremendo esforço para não cair.
Tudo isto era autorizados pelos nossos pais, nós gostávamos, eles achavam bom que assim fosse. Ao aprendermos as lidas campeiras por certo homens de bem nos tornaríamos, pois filho que tem uma ocupação em seus tempos de criança não fica em casa fazendo estripulias e atormentando os seus vizinhos. Era
certo
também
que,
por
amor
aos
filhos, antes da partida eles orientavam ao capataz para não desgrudar os olhos de nós e dentro do possível pelo caminho fosse nos comandando, protegendo e ensinando o que nos tornava mais confiantes.
Quando
um
dos bois revolteava e
alopradamente chifrava os ares querendo se desgarrar do rebanho, na mesma hora era aquela correria com os peões em sua cola e ligeirinho o faziam voltar, nós crianças vibrávamos, corríamos atrás atrapalhando o bom andamento do serviço, mas tínhamos o entender daqueles homens destemidos que nos tratavam a pão de ló, com o respeito que se fazia necessário, todos eles sabiam que tínhamos vontade e que ali estávamos com eles aprendendo e por isto mesmo não nos cansávamos de acompanhá-los por dias a fio até chegar ao destino. Assim
nós
seguíamos
a
jornada,
gritando
e ouvindo os gritos de eira boi’, adiante os carros rangiam alto em um agudo trinado os carreiros seguiam alegres cantando músicas gaúchas dos cantadores deste Rio Grande amado.
Ao aproximar da noite, depois de
um dia inteiro de marcha à boiada por conta própria diminuía o passo, era destacado um peão para escolher um local onde em segurança o gado poderia ser reunido, quase sempre uma depressão do terreno de fácil acesso para serem vigiados, um componente da equipe de frente acendia fogueiras em torno da boiada e dois peões a cavalo os rondavam se revezando no espaço de duas horas evitando assim que as reses em busca de pasto se afastassem, mas com gado cansado a metade logo se deitava,
o restante ficavam quietos por perto não causando algum problemas. O local demarcado para o jantar e para o pouso revigorante ficava meio retirado, mas nunca longe demais, sendo assim para que todos de onde estivessem tivessem uma visão completa sobre o que se passava com a boiada.
O cheiro de uma comida temperada impregnava o ar, à noite a alimentação embora ainda fosse forte, era sem o churrasco, bem mais leve para que os cansados tropeiros ao deitarem, sem aquele peso de carne assada no estômago conseguissem terem um sono tranquilo.
Eu e os dois amigo, três guris espertos, alegres e bem contentes não nos afastávamos de perto da fogueira grande, acessa no centro do acampamento à noite, aos nossos olhos de piás, apareciam
algumas
sombras
estranhas e era bom não facilitar, ainda mais com as estórias sobre lobisomens e assombração que a gauchada contavam antigamente!
O capataz se aproxima de onde os peões se encontravam fazendo suas selas de bancos, trazendo nos braços várias garrafas de pinga que distribuía de mão em mão para que, eles tomando uns goles, enquanto esperavam pela janta iam devagar bebericando e sorvendo o chimarrão. Para que não passássemos em branco sem nada tomar, ganhávamos como recompensa, pelo bom trabalho arduamente desenvolvido durante o dia, três pequenas garrafas da saborosa
Grapete,
sabor uva, ‘não mais fabricada’ imitando os peões ficávamos bebericando.
Em seguida um deles sorrindo
se dirigia para onde estava o carro grande e ligeirinho um ronco de gaita bem afinada se ouvia na noite, este era o gaiteiro cantador do grupo que parecia saber todas as canções na ponta da língua, era o gaúcho descansando da lida diária e cantando em versos o gosto pelos trabalhos enfrentado ao percorrer os campos da invernada. O
som
da
gaita e
a voz
lírica do cantador se espalhavam fazendo eco dentro da noite, a melodia parecia penetrar na alma e todos vibravam, já não sentiam o cansaço, no ritmo da gaita todos
juntos felizes a cantar e eu digo para quem quiser acreditar, nunca mais vi ou ouvi nada tão bonito, foi um bom tempo de toques musicais que nunca mais esqueci. Após o jantar, todos satisfeitos, pelegos
embaixo do braço, cada um escolhia seu lugar para dormir, o teto era o céu, forrado por milhões de estrelas que começávamos a contar, o dormir não demorava, o sono era um só e às cinco horas todos refeitos estavam de pé para outro dia de jornada.
-Nos dias de hoje em minha bela e serena vida de cidade, não são raras as noite que passo com tudo a sonhar, acordo saudoso e as músicas que estão em minha lembrança me ponho por um dia inteiro a cantar.
Chegado
ao
destino
depois da entrega que era fartamente documentada,
a boiada era direcionada pelos mesmos tropeiros e presos em mangueiras para passarem a noite descansando da viagem, somente no dia seguinte eram soltos em um campo onde esperavam a triste hora para seguirem ao abate.
O Abate das reses, naquela época era feito a facas e marretadas por um brutamonte forte e feio como a própria morte.
O capataz ditava as ordens e os tropeiros satisfeitos pela tarefa cumprida começavam os preparativos para voltarmos.
Hoje, como foi na infância prognosticado pelo nossos pais, os três guris criados em fazenda, que gostavam e eram autorizados a trabalhar para aprender, “naquele tempo ninguém dizia que não podia, que era exploração de menor e outras
besteira
mais” -
os três guris amparados pelo que na infância aprenderam construíram sólidas família, e perante a comunidade são bem quisto, onde todos os procuram para manterem laços de amizade, nós três realmente nos tornaram homens de bem e realizados com a própria vida.
E eu que segui
os caminhos literários, como escritor,
tenho prazer em contar histórias destes verdadeiros homens gaúchos, peões campeiros que por décadas andaram debaixo de sol, com a poeira colada ao corpo e por vezes, dias seguidos de chuvas torrenciais sem piedade os constipavam e que, para isto pouco dinheiro ganhavam, mas sem desanimar, audazes e aguerridos sempre honravam a palavra empenhada aos produtores, cumprindo com galhardia suas tarefas para que não falasse a carne na mesa da população.
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Elio Bittencourt Moreira – Rio Pardp \\\\ Torres – RS
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