Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento de: Luís Roberto Nascimento Silva
Entrevistado por: José Santos
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004.
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: MCE_CB010
Transcrito por: Marcília Ursini
Revisado por: Grazielle Pellicel Teixeira
P/1 – José Sant...Continuar leitura
Projeto: Museu Clube da Esquina
Depoimento de: Luís Roberto Nascimento Silva
Entrevistado por: José Santos
Local: Belo Horizonte, 17 de abril de 2004.
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: MCE_CB010
Transcrito por: Marcília Ursini
Revisado por: Grazielle Pellicel Teixeira
P/1 – José Santos
R – Luís Roberto Nascimento Silva
P/1 – Então, boa tarde Luís Roberto.
R – Boa tarde.
P/1 – Queria começar perguntando o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome é Luís Roberto do Nascimento e Silva. Por isso que agrego um pouco mais os nomes. Nasci em agosto de 1952, no Rio de Janeiro.
P/1 – E você podia contar um pouquinho antes da gente chegar nesse assunto do Clube da Esquina, um pouco da sua trajetória profissional.
R – Bom, fundamentalmente, eu sou advogado com especialização na parte tributária. Uma coisa até curiosa, alguém ligado à cultura ter essa vinculação com a parte tão técnica, com a parte fiscal. Mas sempre estive ligado à criação, à arte. Eu sou poeta. Tenho cinco livros publicados. Quer dizer, a minha vida toda foi, portanto, ligado à vida artística, ao mundo artístico. E no meu escritório, inclusive, eu me especializei muito na parte de direito autoral e na proteção dos direitos de vários artistas no Rio de Janeiro e depois aqui em Minas. Por conta dessa trajetória, a minha vida profissional também depois acabou desembocando na vida política. Eu sou professor também de Direito. Depois de 1993, eu fui convidado pelo, então, presidente Itamar Franco, para conduzir o Ministério da Cultura. E nesse período de um ano e dois meses, exerci o comando no Ministério e pude realizar, em conjunto, com a classe um grande movimento em torno da legislação do audiovisual. Depois, por razões pessoais, eu vim morar em Minas Gerais. A minha família é daqui, a minha mãe nasceu aqui. O meu pai nasceu em Itajubá. A família de minha mulher também é mineira. Eu sempre mantive relações estreitas com Minas. Desde pequeno eu venho à Minas. Fico aqui hospedado, tenho amigos e tudo. Em 2001, eu resolvi viver em Minas de forma permanente e depois em 2002 eu fui convidado pelo governador Aécio Neves para retornar a vida pública. Então estou agora como secretário do Estado da Cultura.
P/1 – E quando que você trava o primeiro contato com o Clube da Esquina? Foi através das pessoas ou foi através da música?
R – Através da música. Certamente através da minha paixão, da minha ligação com a poesia e com Minas. Mesmo vivendo no Rio, curiosamente os meus amigos eram filhos de mineiros ou mineiros. Nesse período os meus dois maiores amigos eram o filho do Otto Lara, o André Lara, e o filho do Hélio Pellegrino, o Helinho. Então, evidentemente, quando surge aquele movimento com aquela força, com aquela musicalidade, com essa modernidade poética, que o Clube da Esquina trouxe, eu me apaixonei. Então, eu comecei ouvir sozinho por uma razão puramente pessoal. Em algum momento eu me senti ainda muito ouvido, sem que uma parte da população carioca ainda tivesse descoberto o Clube da Esquina. Mas logo isso ocorreu e, enfim, esse movimento se disseminou no Brasil todo. Todo mundo passou a ter um olhar especial sobre Minas Gerais, sobre a música que aqui realizado. Mas para mim se deu, assim, de uma maneira solitária esse encontro do poeta interessado no que há de moderno, no que há inovador.
P/1 – E qual foi a sua primeira impressão? Como é que esses vinis chegaram na sua mão? Foi através de amigos?
R – Não, eu fui ouvindo. Fui comprando CDs, fui ouvindo. Repito, eu tinha essas duas grandes forças. De um lado, Minas Gerais dentro de mim, dentro do meu coração o tempo todo e a minha ligação com poesia. Eu continuava produzindo, escrevendo poesia, publicando poesia, inclusive até com mineiros, como Geraldo Carneiro que é meu amigo, pessoas que, enfim, orbitavam em torno do mundo poético do Rio de Janeiro. Então eu comecei a ouvir, fui ouvindo e a minha impressão foi exatamente muito forte. Primeiro, por trazer essas raízes mineiras para o seio da criação e depois porque eu acho que o Clube trouxe uma contribuição musical, sonora, nova, da orquestra, dos metais. Eu acho que se nós podermos sintetizar, nós temos, assim, três grandes movimentos da Música Popular Brasileira: a Bossa Nova, o Tropicalismo e o Clube da Esquina. E o Clube da Esquina trouxe uma sonoridade nova, uma música nova, uma concepção das letras também original e tudo aquilo me emocionou, me encantou, desde que eu ouvi pela primeira vez.
P/1 – Sendo você poeta, a gente podia falar um pouco das letras, né? O que te chama atenção nessa produção poética dos principais letristas: Murilo Antunes, Márcio Borges, Fernando Brant.
R – Eu acho fundamental porque, repito, por comparação, apenas para que a gente possa ter uma reflexão maior, que não se trata de juízo de valor. De um lado, o Tropicalismo caminha, ao meu ver, ao quê? Para uma busca das raízes baianas, em torno dos atabaques, da música de percussão e de letras muito mais ligadas à questão da onomatopeia, da questão da musicalidade, da palavra pela própria palavra, o efeito muito encantatório das palavras. Mas com o movimento do Clube da Esquina tem outra dimensão. É mais orquestra, é o coreto, são os metais, toda uma tradição do canto quase que gregoriano, oriundo das nossas igrejas. E no ponto de vista musical, uma poesia mais seca, mais de cabaré, no sentido de descender da tradição de João Cabral, no sentido da sua concisão e de Drummond evidentemente. Mas, então, o que a gente tem que ver com clareza: é uma volta da palavra ligada a uma singeleza. Muitas letras do Clube da Esquina parecem naturezas mortas, no sentido, que o Cezanne dava às naturezas mortas. Ou seja, as coisas estão aqui, um amor, um sabor (de vidro de cortes?), o carro de boi, uma concretude que é trazida para a música, que é trazida para a poesia e que é realmente inovadora. Então eu acho que esses letristas trazem, de um lado, essa concretude, em que as palavras têm peso, densidade. Um “Trem Azul”. São elementos bastante concretos, bastante definitivos. “Como alguém esquece uma fruteira”, “a pêra dentro de uma fruteira”. Quer dizer, eu acho que há esse movimento de concretude em torno da palavra, que é extremamente importante. E, ao mesmo tempo, isso que torna o movimento muito universal e toca nas grandes questões do homem, as grandes questões universais. Por exemplo, versos como: “Toda forma de amor vale a pena”. “Toda forma de amor valerá” é um verso universal. “Eu sou do mundo, eu sou Minas Gerais”. “Todo artista tem que ir onde o povo está”. Então é essa mistura, de um lado, dessa concisão formal, dessa concretude no verso conjugada com a universalidade é que, ao meu ver, traz o grande enigma, o apelo permanente, universalidade permanente do Clube da Esquina.
P/1 – E como é que você está vendo esse movimento agora de transformar todo esse legado num museu? O Museu do Clube da Esquina?
R – Eu acho super legal. Eu já estou diretamente envolvido e me associando a esse movimento, porque eu acho que é importante é que esse museu, na verdade, não será um museu do passado e terá uma visão moderna. Porque o que é importante para todos nós, não só para a população como um todo, mas nós compreendemos que há uma geração, que não é a minha, não é a sua, nem a do próprio Clube, que não viveu essa história da forma tão detalhista, tão cotidiana, como nós vivemos. Então é muito importante que essa garotada que está chegando... A música está chegando, a compreensão da arte, possa ter também uma compreensão de como aquilo tudo se realizou, como aquilo tudo se originou. Então eu acho que o grande legado, a grande importância é isso. Ele é um museu que, na verdade, no meu sentimento, será a memória do futuro. É muito mais do que a questão de armazenar o passado, de uma maneira conservadora. Inclusive, já ofereci ao Márcio Borges e ao Clube todo e aproveito essa entrevista para reafirmar isso, é o compromisso da Secretaria de Cultura, inclusive, através da possível seção de um espaço na Casa do Conde. Então isso é uma coisa que vai, que está ainda em debate. Eles vão visitar a Casa do Conde, vão ver se é possível, mas eu ficaria muito orgulhoso, muito honrado, de poder, durante a minha gestão, participar diretamente da criação do museu.
P/1 – Ah, perfeito. Isso vai ser um passo importante. O Clube ter também a sua casa física, né? Que esse ano vai ter o espaço virtual, mas em 2005 é o ano de ter o espaço físico, né?
R – Eu acho até o espaço físico... O meu sentimento ele não precisa ser tão grande. Ele precisa estar reunido de uma forma inteligente, integrada, os documentos, as passagens mais importantes, as letras, os bilhetes, os detalhes, eu diria até da história cotidiana do Clube da Esquina, que é muito importante, talvez, que essa nova geração possa compreender novamente a magia do processo da criação. Você sabe bem letras importantíssimas foram feitas num botequim, num papel de guardanapo. E determinados achados, determinadas soluções estéticas foram criadas, à vezes, até por ausência de recursos financeiros que permitissem mais tempo de gravação. Então eu acho que todo esse universo mágico da criação, ele vai poder ficar exposto à população, aos jovens de maneira geral, e vai ser um salto importante para Belo Horizonte, para Minas Gerais, para o Brasil como um todo. Eu acho que todos nós, se podermos fazer esse Museu, nós podemos dizer com orgulho: “Eu sou do mundo, eu sou Minas Gerais.”
P/1 – Então está ótimo. Eu queria saber se você tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar?
R – Nada. Só externar a minha alegria de poder, pelos destinos da vida, quando eu comecei a ouvir as músicas do grupo, menino ainda, está hoje de uma forma que só o destino nos permite, só a própria magia da aventura humana nos permite. Está hoje podendo estar próximo e, quem sabe, ajudar concretamente a tornar esse museu uma realidade.
P/1 – Então, muito obrigado pela sua entrevista.
R – De nada. Eu estou aí, estamos aí e vamos torcer. Tenho certeza que vai dar certo porque é um movimento realmente mineiro e universal e que é importante que a gente possa ajudar sistematizar também para que as novas gerações compreendam esse movimento em toda sua extensão.
P/1 – Então está ótimo.
Fim do depoimento.Recolher