Projeto: Instituto Pedra - Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana
Depoimento de Sidilene Maria Ramos
Entrevistada por Márcia Trezza
Local: São Paulo (SP) e Mariana (MG)
Data: 27 de outubro de 2021
Código da entrevista: PCSH_HV1254
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
P1 – Sidilene, pra começar, eu vou pedir pra você, por favor, falar seu nome completo, a data que você nasceu e o local.
R – Meu nome é Sidilene Maria Ramos, eu nasci em 16 de janeiro de 1972, em Furquim, distrito de Mariana.
P1 – Em Minas Gerais?
R – Isso.
P1 – Sidilene, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai [se] chamava Zumar da Silva Ramos. Ele faleceu tem trinta anos. E minha mãe [se] chama Amélia da Rocha Ramos.
P1 - Você conviveu com seu pai, na infância, na juventude?
R – Sim. A gente morava... Ele era tipo caseiro de fazenda. Ele ia pra uma fazenda, trabalhava um tempo, mudava pra outra e a gente ia sempre com ele. Aqui eles falam retireiro.
P1 – Ah, sei! E você lembra bem, assim, quando você era criança? O que você lembra de fazer, junto com seu pai?
R – A gente lembra de tudo, desde ordenhar vaca, fazer as casas de pau a pique, sabe, pescar. A gente fazia um monte de coisa.
P1 – E você foi aprendendo com ele ou você só ia junto, assim?
R – Minha mãe... A gente é [em] muitos irmãos, somos nove. Minha mãe teve onze filhos, dois bebês faleceram, e a gente, quando ia fazer uma casa de pau a pique, fazer alguma coisa, iam todos os filhos ajudar. Mexia com carvão - fazia, né? - de roça, tinha que fazer, pôr as lenhas lá, a gente ajudava. Era _______. Era muito bom.
P1 – E, além dessas atividades que vocês faziam juntos, que brincadeiras você lembra?
R – A gente brincava de tudo. (risos) Desde fazer comidinha, soltar pipa, andar de cavalo. Fazia tudo. Não tinha celular, telefone, não tinha nada, ____ o rádio, brincava o tempo todo.
P1 – [Era] você e seus irmãos ou tinha mais gente, assim, que...
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Depoimento de Sidilene Maria Ramos
Entrevistada por Márcia Trezza
Local: São Paulo (SP) e Mariana (MG)
Data: 27 de outubro de 2021
Código da entrevista: PCSH_HV1254
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Grazielle Pellicel
P1 – Sidilene, pra começar, eu vou pedir pra você, por favor, falar seu nome completo, a data que você nasceu e o local.
R – Meu nome é Sidilene Maria Ramos, eu nasci em 16 de janeiro de 1972, em Furquim, distrito de Mariana.
P1 – Em Minas Gerais?
R – Isso.
P1 – Sidilene, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai [se] chamava Zumar da Silva Ramos. Ele faleceu tem trinta anos. E minha mãe [se] chama Amélia da Rocha Ramos.
P1 - Você conviveu com seu pai, na infância, na juventude?
R – Sim. A gente morava... Ele era tipo caseiro de fazenda. Ele ia pra uma fazenda, trabalhava um tempo, mudava pra outra e a gente ia sempre com ele. Aqui eles falam retireiro.
P1 – Ah, sei! E você lembra bem, assim, quando você era criança? O que você lembra de fazer, junto com seu pai?
R – A gente lembra de tudo, desde ordenhar vaca, fazer as casas de pau a pique, sabe, pescar. A gente fazia um monte de coisa.
P1 – E você foi aprendendo com ele ou você só ia junto, assim?
R – Minha mãe... A gente é [em] muitos irmãos, somos nove. Minha mãe teve onze filhos, dois bebês faleceram, e a gente, quando ia fazer uma casa de pau a pique, fazer alguma coisa, iam todos os filhos ajudar. Mexia com carvão - fazia, né? - de roça, tinha que fazer, pôr as lenhas lá, a gente ajudava. Era _______. Era muito bom.
P1 – E, além dessas atividades que vocês faziam juntos, que brincadeiras você lembra?
R – A gente brincava de tudo. (risos) Desde fazer comidinha, soltar pipa, andar de cavalo. Fazia tudo. Não tinha celular, telefone, não tinha nada, ____ o rádio, brincava o tempo todo.
P1 – [Era] você e seus irmãos ou tinha mais gente, assim, que brincava junto? Nove... Oito. Já é bastante.
R – É. Assim, eram mais os irmãos, mesmo, porque, geralmente, a fazenda era uma casa só pra um caseiro, raramente tinha algum vizinho por perto. Era só irmão mesmo. A gente brigava e na mesma hora estava se abraçando. (risos)
P1 – Você lembra, Sidilene, de uma situação, acontecimento da infância, que até hoje está na sua memória? Alguma...
R – Olha, (risos) a gente fazia ‘arte’ demais, muita arte. Mas também tinha aquela coisa de final de tarde: a gente ia pro quintal, deitava, olhando as nuvens. A gente via até imagem de passarinho, elefante, tudo.
P1 – Os irmãos todos juntos?
R – Sim.
P1 – Era gostoso, hein, Sidilene!
R – Hoje em dia, o povo nem olha pro céu pra ver se tem nuvem.
P1 – Você falou que vocês faziam muita ‘arte’. Lembra de alguma?
R – Ah, de, sei lá, sumir pro mato afora, fingindo que era caçador, aí ficava o dia inteiro [e] minha mãe ficava preocupada. A gente era muito bagunceiro. É porque a gente não tinha o que fazer, então inventava.
P1 – Mas você, dos irmãos, qual é, assim, que lugar você fica, ali?
R – A terceira.
P1 – São quantos homens e quantas mulheres?
R – Cinco mulheres e quatro homens.
P1 – Sidilene, e da sua mãe, o que você lembra mais, além dela ficar preocupada com as ‘artes’ que vocês faziam? Mas o que você lembra dela, que ela te ensinou, que você, até hoje, guarda?
R – A minha mãe foi muito sofredora, sabe? E, assim, ela falava pra gente que a gente tinha que estudar. A briga dela com meu pai é porque ela queria mudar pra Mariana, pra gente estudar e meu pai queria ficar na roça. Aí ela falava assim: “Vocês vão estudar, hein, pra ser alguém na vida”, porque ela estudou até a quarta série. Pra ela, era muita coisa na época: o pessoal era analfabeto, ela estudou e fez a gente ir. Os que não estudaram, é porque não quiseram. E, assim, meu pai tinha problema com alcoolismo, então ela sofreu muito. Mas ela não o deixava ficar nervoso com a gente, ela escondia a gente no canto. (risos)
P1 – Ela defendia bem vocês, né, Sidilene?
R – E ela é bem pequenininha, sabe aquela dona pequenininha? E meu pai [tinha] quase dois metros.
P1 – Quando vocês começaram a ir pra escola, você disse que a escola ficava longe da fazenda. Como era essa ida pra escola? Como acontecia?
R – Minha mãe foi à escola, conversou com a diretora e falou assim: “É muito longe, mas eles querem estudar”. Iam só os quatro mais velhos. No caso: meu irmão, minha irmã, eu e a outra minha irmã, abaixo. Aí a gente saía de casa e minha mãe dava almoço, nove horas da manhã, almoçava e ia pra escola. Chegava na escola com fome, já, né, de andar, aí almoçava de novo, assistia aula, quatro horas a diretora chamava a gente na cantina, dava uma janta, um almoço, uma comida de novo, pra gente ir embora. A gente só chegava às seis e meia da noite em casa.
P1 – Sidilene, vocês andavam quantas horas, quanto tempo?
R – Duas horas, duas horas e pouco. Às vezes, a gente ganhava carona, que tinha uns moços que passavam por cima da estrada onde a gente morava e tinha aquele Rural, aí jogava a gente lá dentro. A gente adorava, chegava em casa rápido.
P1 – Sidilene, a escola valia a pena toda essa jornada?
R – Sim, porque a gente já estava ficando mais velho. No caso, eu já tinha onze anos; a minha irmã já tinha quase quinze; o meu irmão tinha treze; a outra, mais nova que eu, tinha nove. Então, a gente estava na hora de ir. A gente queria ir, vamos embora! (risos)
P1 – E do que você mais gostava, na escola?
R – A novidade da gente [era] aprender a ler, sabe? Que minha mãe tentava ensinar, mas ela não tinha um método certo. Aí a gente, nossa, descobrir as palavras foi maravilhoso, sabe? Foi muito interessante.
P1 – Você lembra, Sidilene, a primeira vez que leu alguma coisa, essa descoberta?
R – Sim. Como eu queria ter o meu dinheiro, eu conversei com a professora, falei assim: “Eu quero trabalhar”. Ela foi e meu deu um textinho pra eu copiar. Aí, o textinho que ela me deu era o Hino de Mariana. (risos) Aí eu copiei tudo 'engarranchado', assim, e falei pra ela: “Mas isso aqui vai me fazer trabalhar?”. Aí ela: “Não, mas eu vou conversar com a diretora, que à noite tem uma coisa...”, que a minha irmã já tinha passado da idade pra estudar durante o dia. Aí ela falou pra minha mãe: “Você tem que mudar pra Mariana, pros seus filhos estudarem”. Aí, o que eu fiz? Pedi a ela pra eu trabalhar. Aí tinha uma vizinha da minha mãe que tinha um menino pra olhar, quando a gente mudou. Aí eu fiz à noite, que chamava Mobral, que era pras pessoas mais velhas, que não sabiam ler. E, nesse caso, a minha irmã ficou de dia - a mais nova, abaixo de mim - e eu, meu irmão e minha irmã fomos. Eu era a mais nova de tudo, que lá tinha gente de setenta anos, de cinquenta anos e eu tinha onze anos, só, doze. Mas eu aprendi muito. A professora chamava Celina, não esqueço o nome dela.
P1 – Eu posso dizer que foi uma professora que te marcou bastante?
R – Sim. E ela já era mais de idade, sabe? Então, ela tinha uma paciência. Às vezes, eu não sabia fazer, ela falava: “Vai na minha casa amanhã, que eu te explico”. Aí eu [ia] à casa dela, ela me explicava na casa dela, porque eu queria aprender. Aí, uma vez, eu fiz a prova dos meus irmãos, porque meus irmãos não sabiam fazer, eu fui lá e fiz a prova pra eles. (risos) A prova, não. Eu corrigi tudo que eles tinham feito errado, que ela falou: “Se eles não fizerem certo, eles não passam de ano”. Aí eu corrigi a prova pra eles.
P1 – Mas esse Mobral, como era? Fazia o trabalho em casa e levava, era assim?
R – Tinha presencial. Isso, ao quê? Tantos anos, gente! Quarenta anos, quase. Assim: a gente fazia os trabalhos em casa. Só que eu e meus irmãos, a gente não sabia nada, nada, então a gente tinha que correr atrás, aí ela metia a maior força, falava assim: “Vamos fazer aqui. [Quando] chegar na escola, vocês já estão craques”. Aí eu aprendia, passava pros meus irmãos, chegava lá, eles já sabiam.
P1 – Que ótimo! Muito bom! Sidilene, depois, nessa época que você fez o Mobral, vocês já foram morar na cidade?
R – Sim, sim. A gente andou, ficamos indo pra Mariana uns cinco meses, andando. Aí minha mãe achou que era muito sofrimento. Ela falou assim: “Não, vamos pra Mariana, a gente arruma um lugar, paga aluguel, alguma coisa, mas vamos embora”. E viemos.
P1 – Seu pai ficou na fazenda?
R – Não. Ele veio. Nessa época, ele já estava com aquela coisa do alcoolismo, sabe? Não estava interessando muito mais. Quem ____ estudo mais minha mãe e meu irmão mais velho, sabe? Aí minha mãe achou melhor vir. Chegou aqui, cada um arrumou uma coisa pra fazer, sabe? E fomos levando.
P1 – Sua mãe arrumou um trabalho também?
R – Ela fazia mais ‘bico’, porque tinha meus irmãos pequenos. Tinham meus irmãos menores, que aí tinha mais espaço, de cinco anos, aí nascia um e ela tinha que cuidar. Aí ela fazia uns ‘bicos’, lavava uma roupa, fazia alguma coisa. (risos)
P1 – Sidilene, e o seu primeiro trabalho, então, foi esse que você falou, da vizinha, com a criança?
R – É. A gente olhava. Era babá, na época. (risos)
P1 – E como babá, quantos anos você tinha, nesse primeiro trabalho?
R – Quase doze.
P1 – E como babá, como você se sentia? Como era esse trabalho?
R – Pra mim era mais brincadeira que, na verdade, eu fui pra brincar mais. Aí depois eu [me] interessava, queria fazer comida, aí comecei a cozinhar. Eu achava interessante, sabe? A gente, na época, não sabia que era exploração. Pra gente era... (risos) Hoje em dia é exploração. Hoje em dia, você não pode. Mas pra gente era novidade, a gente fazia com o maior gosto, fazia de tudo, o serviço pesado todo.
P1 – Sidilene, você recebia por esse trabalho, algum valor?
R – Sim. Só não sei nem a quantidade. (risos) Eu recebia, só que devia ser miséria. Só que, assim: servia pra alguma coisa e a gente achava que estava bom.
P1 – Você lembra a primeira vez que recebeu o valor, o salário?
R – Eu não sei. Minha mãe esconde. (risos) A gente foi criado assim: que a mãe era responsável pelo dinheiro, a gente não tinha que usar o dinheiro, entende? Aí a gente dava pra minha mãe, a gente não fazia questão, sabe? Hoje em dia, é diferente. (risos)
P1 – Mas, do jeito que você está contando, o que você achou dessa experiência de estar na escola, de estar com esse trabalho? Que lembrança ficou pra você?
R – Assim: eu, de [me] arrepender de nada, sabe? Acho que a gente faria até tudo de novo. Só que as coisas mudam, o tempo muda, as coisas mudam todas, as escolas não são as mesmas. A gente tinha que ficar rígida ali, tinha que ir, era obrigação a gente ir pra escola.
P1 – Sidilene, assim, você foi crescendo, entrando na juventude, morando em Mariana... Que bairro você morava, nessa época?
R – Essa época, a gente morava... Aqui tinha um bairro chamado Barro Preto. Aí, depois, a gente mudou pra um bairro chamado Galego. Aí, de lá, a minha mãe conseguiu, o prefeito deu pra ela um lote aqui onde ela mora até hoje. Aí a gente fez uma casinha lá e mudamos pra lá.
P1 – E esses lugares que você morou eram diferentes da fazenda, pelo que você está dizendo, que era na cidade. Qual [a] maior diferença que você sentiu da fazenda que você morou até uns doze anos?
R – Uhum. Quase.
P1 – E quando você veio pra cidade, qual diferença foi mais marcante?
R – Tirando estudar, a gente conhecia, tinha muitos amigos, fez muita amizade, de escrever versinho. A gente sentava no ‘passeio’ e ficava escrevendo versos em papel de carta. Era muito gostoso, só que a gente lembrava que na roça era muito melhor. A gente tinha mais liberdade.
P1 – Porque na cidade, isso que eu ia pensar: você foi crescendo e entrando na juventude e o que vocês faziam na cidade, com amigos? Você falou que fizeram muitas amizades. O que vocês faziam pra se distrair?
R – Então, era mais isso, mesmo. Televisão, raramente alguém que tinha. A gente [se] distraía mesmo era escrevendo, porque trabalhava de dia e estudava à noite. Só tinha fim de semana pra [se] divertir. E a gente não ia na rua, porque minha mãe não deixava. Tinha um jardim aqui no Centro, a gente não podia ir muito, aí a gente ficava mais assim, em frente às casas, mesmo, conversando. Mas era legal, a gente ficava a noite inteira, às vezes, batendo papo lá. (risos)
P1 – Você, seus irmãos e amigos ou só os irmãos?
R – Não. A gente aí, conhecemos, temos amigos até hoje, vizinhos da minha mãe, os filhos foram casando, mas era aquela turminha.
P1 – E o namorado, como foi o primeiro, você lembra?
R – Eu não gostava de namorado, não. (risos) Eu não gostava muito de paquerar, não. Eu era mais na minha, sabe? Não fui muito namoradeira, não.
P1 – E como você conheceu, como foi que você se encontrou com seu atual? Você disse que é casada.
R – Isso.
P1 – E como foi esse encontro com seu marido?
R – Foi mais brincadeira, mesmo. Ele tinha uns amigos que me conheciam e assim, era assim de bater papo, mesmo. Não tinha telefone, não tinha nada. Encontrava na rua: “Oi, tchau” e pronto. Aí, depois, eu já tinha uns dezessete pra dezoito anos, aí eu falei: “Não tem mais jeito, não”. (risos) Eu nunca tive namorado sério. Então, foi o primeiro e pronto.
P1 – E você lembra, assim, do dia que vocês começaram?
R – Sim. Teve um "show" aqui, que chamava... Aqui tinha o ginásio poliesportivo, [que se] chamava Elefante Branco, e teve um "show" de Dominguinhos. Foi nesse "show", que aí que eu fui. Aí começou. Está bom, não precisa dizer mais, não. (risos)
P1 – Começaram a namorar?
R – É.
P1 – E vocês casaram? Teve o momento do casamento? Teve esse momento?
R – Sim, mas a gente, no caso, eu tive meu filho, passou um tempinho, meu pai faleceu, meu filho tinha meses, três, quatro meses, aí a gente esperou. Quando eu tive as minhas filhas, falei assim: “Gente, maior complicação!”. Aí eu tive a quarta, falei: “Não quero ter mais, quatro está ótimo!”, meu marido queria uns dez. Eu falei: “Não, quatro está ótimo!”. (risos) Aí, sei lá, tentei não ter mais filhos, pus um DIU, um trem assim. Minha filha... Depois de três, quatro anos, tive gêmeos. Está aqui, graças a Deus, com 21 anos, os caçulas têm 21 anos.
P1 – Fala o nome deles, dos seus filhos.
R – Olha, eu tenho o Sidimar, que tem trinta anos; a Rose, tem 28; a Roberta, tem 26; a Rafaela, tem 24 e o Renato e a Raiele têm 21.
P1 – Que beleza, Sidilene!
R – É e agora eu estou cuidando de uma sobrinha [que] tem catorze anos, que é minha agora. (risos)
P1 – E como foi ser mãe, Sidilene?
R – Olha, pra falar a verdade, uma experiência surreal, mesmo, tá? Hoje em dia, as mães não querem ter filhos. Eu não [me] arrependo hora nenhuma. Passei muito aperto, pra tentar, que o meu medo, assim: criar filho não é fácil. Ainda mais seis! Eu falo assim: “Meu Deus, que dia esses meninos vão crescer?”. (risos) Estou doida pra crescer, sabe? Pra parar com aquela coisa de cuidar de criança, porque cuidar de criança não é fácil, ainda mais escadinha, eram muitos. E não eram só eles, tinha os irmãos meus que vinham, que eu tenho irmãos que, quando meu pai faleceu, tinha quatro anos. Aí meu filho, assim, [tinha] quatro anos de diferença [dele]. Aí vinha aqui pra minha casa, minha irmã vinha, ficavam tudo aqui em casa. Foi muito puxado, mas não [me] arrependo, não. Foi uma experiência, uma aprendizagem muito grande. E Deus me deu uns filhos, assim, maravilhosos, sabe? Graças a Deus!
P1 – Sidilene, você lembra, assim, de algum momento de ter todos eles, alguma cena, de algum momento dos costumes de vocês, que fica marcado, quando você fala dessa parte da criação dos filhos, que sempre vem essa cena na sua cabeça?
R – Meus filhos, a gente era muito... Aqui em casa, era eu e os seis. A gente 'punha' os colchões na sala, 'punha' os videocassetes lá e deixava rolar desenho, era o dia inteiro, a gente ficava – chovendo o dia inteiro – deitado no colchão. Sabe, eles são muito agarrados, muito apegados, mesmo, a mim.
P1 – E entre eles também, pelo jeito.
R – Sim. Combinam muito.
P1 – E hoje, como é que são, já crescidos?
R – Casados, ninguém casou. (risos) Não querem casar. Eles querem estudar, viajar. Aí a mais velha mora, também, já foi morar sozinha, meu filho mais velho também foi morar sozinho e o resto está aqui ainda.
P1 – Tem netinho, Sidilene?
R – Não.
P1 – Eles estão mesmo nesse caminho, Sidilene?
R – Isso, porque criança não é fácil. Se você arrumar uma criança, não vai ser fácil cuidar. E depois que tem, tem que cuidar, não tem por onde colocar, não.
P1 – E você disse que estudou até o ensino médio.
R – Isso.
P1 – Como foi que [você] conseguiu estudar com os filhos [para cuidar]? O que você fez?
R – Olha, quando eu tive o meu filho mais velho, eu parei. Aí, até lá, eu estava no primeiro ano. Eu parei porque ele era meio problemático, tinha muitos problemas de saúde, prematuro, aquela coisa toda. Eu preferi dar mais atenção, mesmo, pra ele. Quando tive a minha terceira, eu voltei a estudar. Aí terminei. Dei um tempinho também, porque vieram os gêmeos, dá mais trabalho, aquele trem todo, mas aí, depois, quando os gêmeos estavam com dez anos, eu fiz o técnico. Aí eu trabalhava à noite, no hospital, estudava à tarde e dormia um pouquinho de manhã, mas a tempo de levar minha aula de dança, canto... (risos) Mas pra tudo tem jeito.
P1 – Então, você trabalhava à noite, estudava à tarde...
R – Uhum. E dormia o que dava, porque eu trabalhava dia sim, dia não. Uma noite eu dormia bem, a outra não.
P1 – Sidilene, e esses trabalhos que você falou: você trabalhou em hospital e teve outros trabalhos também?
R – Sim.
P1 – E o que você poderia contar pra gente, das suas memórias, desses outros trabalhos?
R – Assim: eu acho que vieram tudo no momento que eu precisava. Sabe, o trabalho, acho que vem, as coisas vêm pra gente naquele momento e a gente aproveita o que der. Se a gente não tiver bem, a gente que arrume outro, né? Mas eu trabalhei muitos anos como doméstica, na casa de parente do meu pai. Fui muito bem tratada, sabe, somos amigos até hoje. Depois trabalhei com outras pessoas também e tenho amizade até hoje, sabe? Sempre me chamam pra almoçar, a gente tem um convívio, mesmo e o último que eu saí, que é do _______ no hospital, que eu fiquei onze anos. Aí, assim, foi problema de saúde, mesmo, de família, às vezes tem que cuidar da minha mãe, meu irmão, um trem assim. Eu preferi optar por ficar em casa, porque a gente, em casa, você consegue organizar mais, sabe, não precisa faltar. Porque é complicado. Mas, assim, as experiências foram ótimas, fiz amizade em todos os lugares que eu estive, não conheci inimigos. Eu não tenho inimigos pra falar, assim. Se tem, eu não sei.
P1 – Sidilene, no hospital, você tem algumas situações que foram também marcantes pra você?
R – Sim, porque é uma coisa, assim, que, querendo ou não, você vê muita coisa. Tem coisa que a gente vê e não está no alcance da gente poder fazer nada. Porque eu sou lactarista, eu tinha que fazer o meu serviço, que era preparar mamadeira, uma dieta de sonda. Tinha coisa que, às vezes, você queria fazer e não podia. E, às vezes, nem comentar. Era muito assim, aí a gente guarda muita coisa que a gente, de repente, fala assim: “Nossa Senhora! Se eu estivesse naquela posição, eu poderia ter feito”, entendeu?
P1 – Qual era a sua posição, Sidilene?
R – Lactarista.
P1 – Ah! Fala um pouquinho desse trabalho.
R – A lactarista é responsável por preparar a dieta de sonda, sabe, fórmulas infantis, para bebês que são prematuros, que ficam na incubadora. É uma responsabilidade muito grande, porque é tudo bem esterilizado, sabe? Então, assim, é muito cuidado, mesmo, muita atenção. Foi, assim, uma coisa que eu não esperava, porque, na verdade, eu entrei como auxiliar de cozinha. Aí, depois, me jogaram pra lá. (risos) Assim, peguei de gaiato.
P1 – Mas escolheram você pra fazer esse trabalho por algum motivo?
R – Sim. Não [foi], assim, de repente. Porquê eu prestava muita atenção em tudo, sabe? Todas as dietas que vinham pra mim, que eu não entendia, corria atrás e perguntava, porque eu pensava assim: se eu não fizer direito, posso matar uma pessoa. Aí sempre assim, porque quando a gente estava no auxiliar de cozinha, a gente liberava dietas pra pacientes: um café, uma sopa, sabe? Eu já tive uma vez que eu fiquei à noite, que tinha uma senhora que estava, assim, não tinha... Como é que eu falo? O médico já não tinha dado esperança, mais, pra ela. E ela chegou um dia de semana lá, três horas da manhã, falando que queria tomar mingau de fubá salgado, porém, ela não podia comer, tinha que ser tudo bem líquido, sem resíduo nenhum. Aí a moça falou assim: “Ela pediu mingau de fubá. Se você puder fazer alguma coisa...”. Fui lá, pus a panela no fogo e fiz. Pus umas carnes, peneirei e mandei pra dona. Aí, de manhã, eu fui embora pra casa, no outro dia a moça falou que ela tinha falecido de manhã, mas o mingau ela tomou. (risos) Aí eu penso assim: e se eu não tivesse feito, como é que eu ficaria?
P1 – Sabe o que eu gostaria de saber, Sidilene? Você fez o curso de técnica em metalurgia, como foi isso?
R – Olha, aqui tinha um processo seletivo. Você fazia uma prova [e] se passasse, faria o curso. Aí, na época, eu coloquei Química e Metalurgia. Não sei onde eu tirei isso, não, sabe? Eu acho que eu queria estudar. (risos) Aí passei e encarei dois anos no curso. Isso foi em 2012.
P1 – E como foi esse curso, o cotidiano? Era bastante misturado, homem com mulher? Como era?
R – Sim. Tinha duas pessoas mais velhas, o resto era adolescente, da idade dos meus filhos. (risos)
P1 – Teve alguma situação em sala, assim, que você podia contar pra gente, dessa turma dos adolescentes, só você e mais outra...
R – Eu falava assim, às vezes... Eu era muito centrada: tudo que eu pego pra fazer, tento terminar; eu não paro na metade. Aí, assim, era muita brincadeira, sabe? Eu falava assim: “Menino, me respeita, porque eu posso ser sua mãe”, aí eles ficavam mais calados. (risos)
P1 – E desse curso, o que você mais gostou, do que aprendeu?
R – Olha, tinha parte da mineralogia, sabe? Eu acho que, se eu fosse fazer alguma coisa de novo, seria nessa parte. Ou então na parte de fundição, que é muito interessante, sabe? Porque é uma parte, assim, que a gente acha que não tem nada a ver e descobre muita coisa, porque o resto mais é química, sabe, biologia, essas coisas. Assim, você estuda mais, agora a parte, mesmo...
P1 – E o que você descobriu em mineralogia, por exemplo?
R – Pedras. Eu sou fascinada por pedras. (risos) Essas pedrinhas, sabe, têm vários nomes, que a gente nem decora. Seria tão bom voltar lá e ficar... Sabe? Procurar saber como [se] chama cada uma.
P1 – E a fundição, o que tem de interessante?
R – É a parte que a gente, eu estou querendo… O próximo curso, eu vou fazer [de] pintura e o próximo, [depois desse], vou fazer forja. Lá no curso tem forja. É quase a parte da fundição que você põe lá pra fundir o ferro, aquela coisa, assim, bem interessante, sabe?
P1 – Você cria outras formas?
R – Isso. Aí é uma parte bem interessante.
P1 – Você fez alguma coisa lá no curso, alguma peça?
R – Olha, lá no curso a gente fez janela, fez a porta. A casa que a gente monta lá, é a gente que faz.
P1 – Não, eu digo no curso de metalurgia.
R – Ah, não! Nessa parte, a gente não chegou a aprender, porque era muito só teoria, mesmo, sabe? Não tinha prática. Não é igual esses cursos de hoje em dia, que tem prática.
P1 – Eu queria saber então, agora, Sidilene, como é que você ficou sabendo do curso de Mariana, da Escola de Ofícios de Mariana?
R – Isso. Tem uma prima da minha filha, dos meus filhos, que trabalhava naquela escola de Ouro Preto, na Paop, e a Paop ficou um tempo aqui em Mariana. E elas precisavam de um estagiário pra biblioteca daqui de Mariana, aí chamou minha filha. Ela estava fazendo faculdade aqui, a chamaram, só que ela estava sendo desligada da faculdade, não podia assumir, aí indicou a outra. Aí a outra foi e falou: “Mãe, vai ter curso. Por que a senhora não faz?”. Eu fui, me inscrevi, minha filha, foi ano passado, não paro mais. Enquanto não fizer todos, eu não paro.
P1 – Quando você começou a escola... Primeiro, quando você se inscreveu, o que você esperava da escola? Ou alguém já tinha te contado?
R – Não, eu não tinha conhecimento. Eu não conhecia ninguém do curso, como seria [o curso], mas falei: “Eu vou fazer carpintaria, porque quero fazer umas coisas aqui em casa e ‘casa de ferreiro, espeto de pau’”. Meu marido, eu peço pra ele fazer [e] ele não faz. (risos)
P1 – Ele trabalha em que, seu marido, Sidilene?
R – Ele é eletricista. Só que ele sabe muita coisa. Eu peço... Uma cadeira desmontou, eu pedi pra montar: “Depois”, depois ela fica dez anos parada. Aí eu falei: “Vou fazer [o curso], que eu vou consertar. Vou fazer carpintaria”. E fiz. Você aprende muita coisa, não o suficiente, que eu acho que eu queria aprender mais, só que o tempo é curto. A gente tem aula três vezes na semana, só. Então, é muito corrido, mas deu pra eu pegar muita coisa. Aí eu falei assim: “Agora eu vou fazer alvenaria”, estou terminando. Porque a gente pega uma casa desde a fundação e a fez de pedra. A gente fez a taipa de pilão, fez adobe, a parede de pau a pique. Foi uma aula...
P1 – Primeiro ainda sobre a parte de carpintaria, você disse [que são] três vezes por semana, durante quanto tempo?
R – São quatro meses.
P1 – E você fez... Em que ano você entrou?
R – A gente entrou no início do ano passado, 2020. Aí veio a pandemia, pararam, a gente ficou parado. Em outubro, a gente voltou pra terminar o semestre e se formou em dezembro. Aí, esse ano, também com essa correria toda, ficamos esperando - fecha tudo, abre tudo - e a gente começou em julho. Estamos [nos] formando, agora, em outubro.
P1 – E essa que começou em julho, que é alvenaria, foi presencial?
R – Isso.
P1 – Os dois foram presenciais?
R – O outro foi presencial. Por isso que não tinha como fazer a aula à distância, por que como você pega na madeira? Tem que ter o toque, mesmo, maquinário, aquele trem todo, por isso que demorou. A gente voltou só em outubro, o ano passado.
P1 – Me conta, então, Sidilene, agora em detalhes, sua sensação fazendo as atividades da aula? Como é que você se sentia? O que você mais aprendeu? Descreve pra gente, assim, esse momento do curso.
R – De todos?
P1 – Só de carpintaria, primeiro. Vamos começar pelo começo: primeiro dia de aula.
R – Na hora que eu cheguei lá, eu fiquei assim, que foi o primeiro, que você acha que pode pegar a máquina, sair cortando e montando. Aí a gente vê que é bem perigoso, [porque] são máquinas industriais. Então, você tem que ter paciência, esperar um pouquinho. Aí eu ficava assim: “Eu vou fazer isso, vou fazer aquilo”. Queria fazer e o professor ficava assim, puxando a orelha: “Espera um pouquinho”. (risos) A turma, cada hora é um, porque é grande. Todo mundo tem que aprender e então eu pego aqui, a outra pessoa vem e me ajuda, sabe? Uma equipe. Mas eu aprendi coisa assim que eu nem sabia que eu tinha capacidade de aprender.
P1 – Por exemplo?
R – Ah, de montar. Eu fiz colher de pau com formão, coisa que eu pensava que não tinha condições. A gente fez tábua de carne, porta, janela. Muito interessante! (risos) Eu achei que eu não era capaz. Não sentia: "Eu acho que eu não tenho capacidade de fazer isso, não". Ó, pintei uma janela lá que a gente fez eu e mais uma pessoa, praticamente sozinhas.
P1 – E você acha, Sidilene, disso tudo que você aprendeu, que conseguiria fazer por sua conta?
R – Sim. Dá. Se a gente tiver o maquinário. O que mais pesa é o maquinário, porque, se você não tem o que fazer, você vai comprar uma máquina pra você fazer uma janela? Fica meio... Mas você dá conta de fazer. O que você aprende lá, você consegue fazer, sim.
P1 – Você fez alguma coisa... Estou falando de carpintaria ainda... Você conseguiria fazer alguma coisa? Não uma janela, uma porta, que eu entendi, mas alguns objetos, você acha possível fazer pra vender?
R – Lá, a parte que a gente aprendeu lá, a gente não aprendeu coisas pequenas, sabe? Agora eles estão fazendo maquete. A gente aprendeu mais [a] fazer telhado, mesmo, sabe? Montar um telhado. Aí eu ainda dei até uma sugestão de ter o II, porque a gente fez o módulo I, podia ter o módulo II, pra gente fazer outras coisas.
P1 – Porque só tem um módulo de cada curso.
R – É, de cada curso. Se tivesse o II...
P1 – Resume o que você acha. Eu já entendi as coisas que você tem aprendido, mas se você pudesse falar do que tratou o módulo I. O que você mais acha que eles ensinaram?
R – Eles ensinaram, bem dizer, tudo. É corrido, mas eles passam tudo pra você. Eles te ensinam a montar...
P1 – Desculpa, Sidilene, eu te cortei, mas se você puder descrever o que é esse tudo.
R – Olha, eles ensinaram a gente, tipo assim: desde montar uma porta, sabe, o vão da porta, ensinam tudo. Só que eu acho assim: eu aprendi essa parte aí, mas eu queria fazer uma mesa diferenciada, de estudo, pequenininha, porque a gente faz tudo tamanho padrão. A gente fez mesa pra gente trabalhar em cima, sabe? Eu acho que seria muito interessante a gente poder fazer um... De repente, uns brinquedos de antigamente: tinha aqueles brinquedinhos de madeira, que hoje em dia não existem mais. Isso aí a gente não aprendeu. Não que a gente, se pegar, faça. Eu acho que faltou: “Vamos fazer hoje os brinquedinhos aqui”, entendeu? Acho que faltou mais isso, mesmo, mas não por causa deles, por causa do tempo.
P1 – Sidilene, então, sobre isso, eu queria saber assim: você fazia porta, janela no tamanho padrão de casa?
R – Padrão. É, pra casa que a gente faz. A gente faz tamanho normal.
P1 – E todos esses aprendizados era como se fazia tradicionalmente, como era feito antigamente?
R – Sim.
P1 – Responde, explica um pouco melhor isso, tá?
R – Sim. Lá eles querem resgatar, ou pelo menos o curso que a gente faz, eles estão tentando resgatar como era feito antigamente. Porque, hoje em dia, se você pega uma casa, aí que tem pau a pique, não tem, você não acha mão de obra pra restaurar e as portas não tinham pregos. Geralmente era cravo, a gente furava, 'punha' um pedaço de madeira com cola e prendia, não solta. Então, assim, eles tentam resgatar como era feito, mesmo. Assim, hoje em dia, tem muito fácil, você acha prego. Antigamente, prego era um absurdo, você não achava prego pra comprar, era muito caro. Então, eles tentam passar pra gente que é capaz da gente fazer sem ter, por exemplo, prego. Se você quer reformar, você bate a madeira, emenda, faz um encaixe, ensinam [a] fazer vários encaixes, tem nome, e a gente consegue encaixar. Prende e não solta.
P1 – Você, em algum momento, comparou ou eles falaram sobre essa forma de fazer tradicional e atual? Sim, você não precisa de prego pra pregar, porque tem esse outro jeito, mas de tudo que você aprendeu como era, tradicionalmente, os tradicionais da carpintaria, e agora, tem como você dizer assim o que você aprendeu, que chamou sua atenção, sobre essa comparação? O que eles falam sobre isso pra você?
R – Eles fazem das duas formas. Tipo assim: eles estão te ensinando as duas maneiras de fazer. Eu acho que o modo antigo era muito melhor. Eu acho.
P1 – Por quê?
R – Hoje em dia, dependendo da madeira, você fura pra bater um prego [e] ela racha. Antigamente, as madeiras não rachavam, porque o jeito que eles usavam pra prender era muito... Sabe? Não acabava fácil, durava a vida toda, que hoje em dia você acha coisa antiga e aí eles fizeram sem mão de obra, sem coisa moderna e estão lá. Hoje em dia, você compra uma coisa que aparentemente é boa, um ano depois já não serve mais. Aí eles falam pra você: “Tem opção. Você quer fazer deste ou desse?”. Aí a gente... (risos)
P1 – Eles trazem essa opção também, mas a opção que eles mostram é mais atual, assim, de como faz agora?
R – É. Na verdade, eles têm todos os maquinários modernos, até pra agilizar mais um pouco a aula, mesmo, porque só ficar... Não dá, a gente não dá conta. O bom seria se a gente ficasse, mesmo, por isso que eu optei por fazer manual. Vou terminar manual. Só que hoje em dia a gente não aguenta seguir mesmo a rotina lá, mas eles preferem passar pra gente o tradicional. Os professores passam o tradicional mesmo.
P1 – Você teve dificuldade na carpintaria, alguma dificuldade?
R – Não. (risos) Eu sou muito... Minha mãe fala que eu era 'machona'. Eu sou assim, acho, pego tudo pra fazer. Então, não tem jeito, não. (risos)
P1 – E como foi ter aula, porque você tinha aula com mestres.
R – Isso.
P1 – Ou, pelo menos, na carpintaria foi com algum mestre. O que é esse mestre? Qual o papel dele? O que você entendeu dessa ação dele lá?
R – Na verdade, são dois professores: tem o mestre que ensina a prática e o que ensina teoria. Você tem dois. Sempre, todos os cursos têm dois. Aí ele te explica, te ensina a conhecer as madeiras, qual é a melhor, qual tem mais durabilidade, sabe? Então, a gente já passa a ter uma: “Vou comprar essa, que vai durar mais, e essa eu posso fazer e não vou ter problemas”. E tem um professor que já tem a prática, que é professor há anos e então ele fala assim: “Essa maneira aqui é melhor, essa aqui você vai economizar madeira”. Então, são peças fundamentais pra gente, os mestres, lá.
P1 – Mas, assim, Sidilene, os mestres são fundamentais, mas no que, assim? O que você acha que ele traz pra escola, trouxe pra você, no curso? O mestre de carpintaria.
R – O mestre, assim... Como é que eu vou falar? No caso, foi o Vanderlei, [que] é marceneiro desde criança. O pai era, o avô era, ele é, os irmãos são. Então, assim: ele é muito de passar, mesmo, sabe? Quando a gente não sabe, a gente fica matutando, ele fala assim: “Deixa eu dar uma dica”. Ele vai lá e fala assim: “Eu acho melhor você fazer desse jeito aqui”. E no final dá certo, sabe? É uma pessoa que sabe e sabe passar pra gente.
P1 – Sidilene, teve alguma situação que aconteceu isso, que você pode falar: “Ah, eu estava fazendo tal coisa e aí...”, teve alguma?
R – Sim. A gente (risos) acha que sabe, mas não sabe nada. Chega lá e você vê que não sabe merda nenhuma. (risos) Às vezes, a gente estava com a madeira de um lado, matutando como é que eu vou cortar aqui, pôr aqui, ele chegava, só virava a madeira de lado, encaixava. A gente olhou pra cara... (risos) De longe, ele viu o problema, e a gente lá quebrando a cabeça. (risos)
P1 – Ótimo! E quando terminou o curso, como é que você se sentiu? Terminado o curso de carpintaria, por enquanto.
R – Ah, eu queria mais. Eu falei: “Gente, não deixa eu parar, não”. Eu queria ficar lá. Eu falei: “Gente, eu não posso voltar, não? Não posso vir aqui de vez em quando?”.
P1 – Por que você não queria parar?
R – Porque eu acho que ficou muita coisa que eu queria aprender, porque muita coisa, tanto na prática, como na teórica, sabe, é muita coisa pra você absorver em quatro meses. Você não dá conta de pegar tudo.
P1 – E essa parte que você falou que podia ter um módulo de objetos, assim, como você sugere? Explica melhor isso.
R – Eu comentei até com ele, eu falei assim: “Seria interessante até pras pessoas também verem que a gente consegue fazer tudo hoje em dia”. A gente consegue, desde fazer os brinquedinhos pra doar pruma creche. Seria bom, já pensou: “No final do curso, esse final do curso, agora, nós vamos fazer vários brinquedos pra doar”. A pessoa que recebe vai ficar interessada, fala assim: “Nossa, como é que fizeram?”. De repente, o pai ou a mãe vão querer ir lá aprender também, já vão passar pro outro, não é? É muito interessante. Eu acho, pra mim, isso aí seria bem interessante. (risos)
P1 – Legal. Muito bom. Agora, vamos pro de alvenaria. O que você podia contar pra gente, assim, que foi... Porque aí você já conhecia a escola. Por que você escolheu alvenaria?
R – Acho que foi porque eu lembro da minha infância. Eu lembro que meu pai, uma vez, falou assim: “Vou fazer uma casa aqui”, porque a casa acho que não estava boa. A gente chegou, nesse local que a gente foi não era nem fazenda, o moço deixou de morar lá, que ele estava com os problemas dele e tinha dois cômodos ruins, aí a gente fincou as madeiras e estava fazendo, de pau a pique, mesmo. Só que não era igual hoje. A gente fazia do jeito que a gente sabia. A gente fincou e foi amarrando, era cipó, madeira e a gente fez, cobriu de sapé e não pingava...
P1 – Você lembra se seu pai tinha esse saber, ou ele foi, assim, improvisando?
R – Eu acho que ele aprendeu - deve ser - com os pais, com os avós, porque isso aí passa de geração pra geração mesmo. Porque, se a gente vê alguém fazendo, com certeza a gente aprende. Mas pra você aprender, alguém tem que fazer. E aí eu lembro da gente fazendo, eu falo assim: “Nossa, eu acho que eu vou fazer... Dá pra fazer uma casa, dá pra fazer várias coisas comuns, né, com coisas da natureza, sem precisar comprar”. Isso é muito interessante, porque, se todo mundo pensasse, de repente, dessa maneira, todo mundo ia ter uma casa, porque não é difícil. É coisa que tem na natureza. Você não vai tirar. Tipo assim: a mineração vem e destrói tudo. Você vai lá, tira uma madeira que você vai usar e vai usar. Você vai usar uma terra, vai fazer tudo que tem ali.
P1 – E no curso, eles falam sobre isso, Sidilene?
R – Então, no curso, eles não falam dessa maneira. Eles querem, tipo assim: que hoje em dia não tem... Se você vai reformar, se tem uma pessoa que tem uma casa antiga e que está precisando de uma taipa de pilão, parede de adobe, de pau a pique, não tem mão de obra qualificada. Eu acho que eles pensam mais nisso, sabe? Qualificar a pessoa pra entrar no mercado de trabalho. Só que isso ajuda a pessoa a ter imaginação. Se você tiver um... Você pode fazer sua casa também, no horário que você não está trabalhando.
P1 – Sidilene, o que você aprendeu, que você acha que foi mais significativo, nesse curso de alvenaria? Em quatro meses, que você falou... Né?
R – Muito puxado. Assim: corrido. Olha, a gente pegou uma fundação de sessenta centímetros por oitenta de profundidade e a gente teve que fazer tudo de pedra, encaixando pedra. Sem cimento, sem nada. Foi cansativo. A gente achou que não ia acabar, porque você tem que encaixar as pedras, pra elas não dançarem depois, né, porque em cima delas vai vir as paredes. E a última, agora, a gente fez uma parede de taipa de pilão, que é terra e fibra. Capim, palha, alguma coisa assim. Você vai socando e vira uma parede.
P1 – Essa casa montou, fechou?
R – A gente monta uma casa debaixo de um telhado que eles fizeram lá. A casa tem porta, tem janela, tem telhado... (risos) Se quiser morar dentro dela, pode.
P1 – Você conseguiria fazer uma casa dessas?
R – Sim. Conseguiria. Lá eles compram madeira, mas se você mora num local que tem madeira que você pode retirar, sem agredir a floresta, você pode tirar e fazer, normal. Lá eles compram, porque, assim: eles estão ajustando pra pessoa ver que tem jeito de fazer de todas as maneiras, entendeu? Mas a gente conseguiria, sim, normal.
P1 – Sidilene, quando teve o incidente, enfim, não sei como vocês chamam, de Mariana, você chegou a estar em algum lugar, que você viveu essa situação?
R – Não. Por quê? Da lama, que você diz?
P1 – É.
R – É no distrito, então não é tão perto daqui de Mariana. Só que a gente tem parentes que foram atingidos. Até então eu não tinha parado pra perceber, sabe, o desastre que foi, porque a gente não vê e a mídia aumenta muita coisa também. Eu sou daquelas que eu prefiro ver, pra gente ter certeza. Depois de uns dois anos que eu fui pro lado que a lama passou, que meus parentes moram lá, parentes do meu pai, né, que a gente viu o absurdo que era. Três metros, quatro metros de altura que a lama passou, o pessoal perdeu casa, terreno, muito... Assim, como a ganância... Porque, pra mim, essas mineradoras... É ganância isso, sabe? Não é uma coisa assim que tem necessidade pra tanto. Aquilo ali, se eles tivessem pensado mais na população, no meio ambiente, isso não tinha acontecido, que ali eles fizeram, porque eles estão querendo tirar mais, ganhar mais e ter mais, sabe? Eu fiquei, assim, bem chateada e depois que eu parei pra pensar e falei: “Gente, como que as pessoas são! Querem ter, ter. Todo mundo quer ter mais do que o outro e quer ter muito”. Sabe, eu fiquei muito assim... Até hoje, eu não entendo ainda. Estou meio perdida, até hoje. Nossa!
P1 – Agora, você vai fazer o próximo curso, qual é que você se inscreveu?
R – Pintura.
P1 – E o que você espera desse curso de pintura? Você já ouviu falar dele?
R – Sim. Meu cunhado fez o semestre passado, a minha irmã está fazendo esse semestre e a gente não usa... É tudo pigmento natural. Você usa terra como o fator, sabe? Tem vários tons de terra e você vai usando-as e adaptando.
P1 – E o que você acha disso?
R – Ah, eu quero... (risos) Eu acho que a minha casa vai parecer um arco-íris, porque quero usar todas as cores, são maravilhosas as cores. (risos)
P1 – Eu queria saber, Sidilene, assim: você está falando de uma forma... Primeiro você falou que sua irmã fez, seu cunhado. Qual expectativa que eles, no caso, têm, quando eles falam de fazer o curso? O que eles esperam, fazendo o curso? Depois eu vou perguntar de você.
R – Olha, o meu cunhado falou uma coisa muito interessante, assim: “Tem mais de trinta anos que eu trabalho como pintor - quando ele fez o curso - [e] tinha coisa que eu não sabia”. Então, por aí você imagina assim: espera aí! Aí, você fica mais interessada ainda, porque ele é pintor, já pinta há vários anos [e] tem coisa que ele não sabia!
P1 – E no caso da sua irmã?
R – A minha irmã já trabalhou uma época, há muitos anos, já fez um curso parecido com esse, nesse mesmo local. Era outro nome, era Casa Menino Maria José. Era pra jovens, adolescentes e ela fez. Só que ela não terminou. Eu acho que pra ela faltou alguma coisa. Aí ela resolveu terminar agora.
P1 – E você, Sidilene, pra sua vida, pro seu cotidiano, você esperava ou espera que mude alguma coisa, fazendo esses cursos?
R – Sim. Eu tenho um filho também que faz carpintaria. Ele vai [se] formar agora, comigo e o próximo ele já foi pra forja. Aí a gente está planejando [de] fazer uma casinha e fazer tipo uma biblioteca de pau a pique, até pra incentivar outras pessoas, também, a querer fazer, às vezes, a mesma coisa. É um projeto ainda, mas a gente vai chegar lá.
P1 – E você tinha esse projeto, Sidilene, antes, já tinha: “Eu vou fazer uma biblioteca, então vou lá buscar o curso?” Como que apareceu essa ideia?
R – Não, eu não tinha a ideia ainda, sabe? Me aflorou mais... Eu sempre pensei em fazer uma casinha de pau a pique, só que quando eu fui pro curso, aí que aprendi mais coisas, que eu achava que eu sabia e não sabia. (risos) Aí eu converso com meu filho, assim, ele fala: “Não, mãe, isso dá certo!”. As minhas filhas gostam muito de ler. Então, tem muito livro. E, assim, as crianças, hoje em dia, estão precisando ler. Se a gente cria um ambiente, assim, mais... Que chame atenção, de repente, vai até incentivar a ler mais, também.
P1 – Você faria no terreno da sua casa?
R – Sim. Ele é bem grande, sabe? Tem uns espaços, assim, dá pra gente fazer tranquilo. E eu vou reunir todo mundo, criança, vou pôr todo mundo amassando, amarrando. Todo mundo tem que aprender. (risos)
P1 – Você vai ensinar pra eles?
R – Vou, porque eles já sabem, eles veem muito esses indianos... Eu tenho dois sobrinhos, três, na verdade, que ficam vendo esses indianos fazendo essas piscinas com pedaço de pau, que passa no Youtube, e eles querem fazer. Teve um dia que eles estavam no meu quintal, cavoucando lá, querendo fazer, eu falei: “Não é fácil, assim, não”. (risos) Então, eles vão achar bem interessante.
P1 – E agora, como você disse, você vai poder aproveitar pra fazer um projeto, [com] isso que você aprendeu.
R – Sim.
P1 – Agora, em relação a um trabalho, de conseguir um trabalho, você tinha alguma expectativa sobre isso?
R – Olha, eu já tinha posto na minha cabeça que eu ia ficar em casa. Eu falei assim: “Não, agora eu vou descansar um pouquinho, porque rica eu não vou ficar” e a gente tem que dar um tempo também pra gente cuidar, ficar mais à vontade, porque não é trabalhando fora, ganhando dinheiro, que você vai ser feliz, não. De repente, eu vou fazer uma coisa aqui que vai ser bem melhor do que trabalhando. E, assim: eu, se vier um serviço pra eu poder aprender mais, sim, eu pego. Mas eu não vou pra um lugar pra fazer uma coisa que eu não vou estar bem, entendeu? Se eu arrumar um serviço nessa área, pra restauro, pra conservação, eu até pego, porque eu acho muito interessante, eu vou aprender muito mais.
P1 – Mas você não está procurando?
R – Não. (risos) Eu quero aprender, por enquanto.
P1 – E fazendo agora esse de pintura, você já sabe alguma coisa desse curso?
R – Sim, mas eu pretendo, quero fazer mais dois ainda, que tem lá. (risos) Que eu quero fazer o de cantaria, que é pedra sabão, e o de forja, que é fazer dobradiça, fechadura, chave, portão. Então, eu quero me aprofundar, (risos) quero fazer todos os cursos que tiver, que aí eu vou ter uma base pra fazer o que eu quiser lá. Tipo assim: se eu for fazer a casa, já vou saber onde eu vou pôr isso e aquilo. (risos)
P1 – E você falou de, por exemplo, ter mais algum módulo ou uma parte, aumentar um pouco o curso, no caso carpintaria, pra esses brinquedos.
R – Isso.
P1 – E no caso de alvenaria, você chegou a pensar alguma coisa assim, de sugestão?
R – Então, a gente fez a taipa de pilão, só que a gente fez uma parte só. Porque você faz várias. E, assim, ainda ficou coisas... A alvenaria, eu consegui aprender mais do que a carpintaria. A alvenaria foi bem mais assim, pra mim, produtivo. Eu aprendi mais coisas. Assim, da gente pegar desde a fundação. Já tem uma noção do que pode fazer. A gente fez a pau a pique, a gente amarrou. Hoje, a gente vai preencher o pau a pique, a vedação com a lama, então vai ficar o barro mesmo. Essa parte aí, já estou craque.
P1 – Se você pudesse falar uma coisa que foi marcante nesse curso de alvenaria, pra você. Marcante.
R – Marcante? Aprendizagem. A gente sempre tem o que aprender. E tudo que você aprende, é bem-vindo.
P1 – Mas do curso, especificamente, falando do curso mesmo, dessas técnicas, o que, pra você, foi muito especial?
R – Foi na hora que a gente desenformou essa taipa de pilão. Eu nunca tinha feito, [mas] já tinha visto falar da taipa de pilão. Aí teve até a filmagem, a gente desenformando, sabe? O professor ainda falou assim: “A taipa demora uns três dias pra você conseguir fazer”. E a gente fez, tipo assim: um dia e meio. (risos) Aí ele falou assim: “Se vocês fizerem hoje, são duas caixas de cerveja”, pros adolescentes lá, que tem muitos adolescentes. (risos) Aí a gente foi e [nós] fizemos. Aí, na hora que desenformou, todo mundo bateu palmas: “Nossa, ficou muito legal!”... Que é muito interessante, o curso.
P1 – E, Sidilene, você desenforma… Que tamanho que é, assim? É por partes?
R – Essa aí desenforma. Essa aí eu acho que tem um metro de altura, por um de comprimento e sessenta de largura.
P1 – Sim, mas você vai, depois, pondo uma em cima da outra?
R – É. Depois você monta a fôrma em cima dessa que você acabou de fazer. E você pode pôr até no mesmo dia, de tão resistente que fica.
P1 – Mas encaixa, assim?
R - Só encaixa em cima, com parafuso e depois retira o parafuso fora. É um processo muito interessante e eu não sabia, eu nunca tinha feito essa técnica, que o adobe você sabe que é fazer o tijolo de barro, é fácil, é mais prático fazer, mas essa taipa de pilão, eu nem sabia que tinha uma parede de taipa de pilão. (risos)
P1 – Muito bom! E quando terminou o curso, nesse caso, conclusão: você vai se formar daqui dois dias. Como é que você está se sentindo?
R - A gente vira adolescente. (risos)
P1 – Como assim?
R – A gente fica ansioso, mesmo: “Vou lá pegar o diploma de um curso que eu fiz”, sabe? Você pode falar assim: “Nossa, eu fiz um curso que eu não sabia o que é isso”. Tem pessoas que nem sabem que existe esse curso. Quando a gente fala, a pessoa fala assim: “Que interessante! Onde que é?”. E eu falo assim: “Tem vaga, vai lá, faz a inscrição”.
P1 – Sobre, ainda, o curso, você falou que sua irmã, seu cunhado, outras pessoas... Se você pudesse falar dessa escola em Mariana, o que ela está, na sua opinião, trazendo, das pessoas estarem fazendo? Você tem uma ideia sobre isso? Não opinião, mas o que você vê acontecer.
R – Olha, lá deve ser vinte e poucos alunos pro curso, vinte e poucas pessoas em cada curso. Deveria ter muito mais, porque eles divulgam muito, mas tem muita gente que nem sabe que o curso existe. Na minha opinião, teria que ter uma parceria com a prefeitura, pra abrir novos, outros lugares pra fazer. Tipo: lá é pequeno, não dá pra tanta gente, que abra outros, pra incentivar outras pessoas, que às vezes as pessoas não fazem nada, não é porque elas não querem, é porque elas não sabem. Elas não sabem que tem alguma coisa que dá pra elas fazerem.
P1 – Agora, eu vou te fazer uma pergunta assim, fazer uma provocação, mas, por exemplo: abre mais escolas dessas, as pessoas vão fazer os cursos, pensando no aprendizado. Você falou que foi muito significativo, mas pensando no mercado, como você falou, de trabalho, como é que você vê as pessoas que saem desses cursos, em relação ao mercado? O que você observa?
R – Olha, tem gente que fez o curso de forja, abriu seu próprio negócio.
P1 – Você conhece?
R – Sim. Tem até um _________ pra gente lá. Ele fez um curso, no primeiro módulo que teve, abriu seu próprio negócio. Ele faz faca, ele vende pra fora, ele faz jogo de facas pra churrasco, ele faz portões, grades, um monte de coisa. Assim: carpintaria, tem gente que está na empresa e quer aperfeiçoar carpintaria, vai estar lá e, de repente, quer abrir o seu próprio negócio. Eu penso dessa maneira: que a prefeitura vai abrir aí, ficar cinquenta pessoas. Por que não colocar essas pessoas pra construir uma casa pras pessoas de baixa renda? É uma maneira da pessoa aprender e estar fazendo alguma coisa pra ajudar.
P1 – Entendi. E agora, esse de forja, você falou que já pensa em fazer...
R – Isso. Vou fazer. Assim que eu terminar o de pintura, eu vou escolher se eu faço forja ou cantaria, que é escultura em pedra sabão, que é muito interessante. Todos são muito interessantes. A gente tem que tirar, ir lá, pegar um e pronto: “Vou fazer esse”. (risos)
P1 - Muito bom! Você quer falar alguma coisa, Sidilene, que eu não perguntei, sobre a escola? Sobre os professores, sobre a escola, que eu não te perguntei? A gente já está concluindo.
R – Não. Eu acho, assim, muito interessante [que] eles tenham aula de empreendedorismo, que ensine a gente a empreender, porque a gente não sabe. De repente, você quer fazer, mas você não sabe onde começa. A gente, agora, nesse semestre, teve uma professora, uma moça que vai lá uma vez na semana e ela consegue te explicar, assim, sabe, como você faz, se você vai empreender. Você tem pra onde seguir. Ela te orienta, fala pra onde você [deve] ir, se você abre uma conta, sabe? É muito interessante. Isso é uma coisa assim que a gente não dá muito valor, sabe? Tem a professora, eu acho que é a Cristina, ela é arquiteta, às vezes, ela dá umas aulas de... Leva umas pessoas pra falar de arquitetura pra gente, sabe, de conservação. Assim, umas coisas que a gente aprende, mesmo. A gente passa a prestar mais atenção. Tem coisa que você vê e não presta atenção. Você passa na rua, tem uma casa antiga ali, você não presta atenção: quando você passa a conhecer, aí você já passa a dar valor, mais, nas coisas, sabe? A conservar mais. É bem assim. Eu acho muito interessante. Muito, mesmo. Deveria ter mais pessoas interessadas em ir. O que eu puder levar, eu levo, pra lá, pra aprender.
P1 – Muito bom. (risos)
R – É.
P1 – Aí eu queria perguntar pra você quais são, hoje, as coisas mais importantes pra você? Na sua vida, geral.
R – Na minha vida? Eu acho que é a família. Eu sou muito família. Aqui em casa minha filha fala assim: “A senhora abraça o mundo”. E sobra pra ela, porque tem coisa que eu pego, que ela tem que me ajudar a resolver, porque eu não dou conta. (risos)
P1 – Por exemplo?
R - Tipo assim: marcar um médico pra minha mãe, pro meu irmão que tem problema, que é alcoólatra - agora está tentando recuperar -, marcar um médico, ajudar uma sobrinha, sabe? A gente é muito assim, sabe? “Eu não vou fazer, não”. Aí, na hora que chega o problema: “Me dá, que eu vou resolver esse trem”. (risos) Sabe, a gente fala que não, mas na hora não aguenta, mas é porque eu acho assim: não é que a gente não quer, eu acho que a gente faz o que a gente é capaz de fazer. Se a gente está conseguindo fazer, é que a gente é capaz.
P1 – E você, pensando agora, em tudo que você contou pra gente do curso, o que você achou de cada um? Se você pudesse resumir, Sidilene, o que significam esses cursos na sua vida?
R – Acho que eu os deveria ter conhecido há trinta anos. Por quê? Não que seja tarde agora, mas eu acho que eu criei os meus filhos de outra maneira, porque eu não tinha conhecimento. Eu ensinei o que eu sabia, sabe? Tanto pra eles, como pra eles passarem pra outras pessoas, sabe? Esse curso, hoje em dia, faria tanta falta. Por exemplo: meu filhos são pessoas iguais [a] eu, a gente chega ali, aquela pessoa viu a gente fazendo alguma coisa: “Eu quero fazer também”, entendeu? Se eu tivesse feito esse curso, eu tinha passado pros meus filhos, que já tinham passado pra várias pessoas, sabe? Eu acho que foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, assim, quando eu conheci esse curso, sabe?
P1 – Se você puder resumir assim, mas no que ele foi tão importante? No que, assim?
R – De eu me sentir capaz de fazer um monte de coisa, sabe? Eu fui mãe, fui filha, tudo, mas não tinha essa coisa assim: “Gente, como que eu posso fazer tanta coisa que eu achava que eu não era capaz!”, entendeu? Então, eu acho que eu agradeço ter vindo agora, foi excelente, porque a gente está aqui pra aprender e nunca é tarde, mas o daqui pra frente, o que eu puder passar pra geração que está vindo, pelo menos os que convivem comigo, os meus sobrinhos, que são crianças, adolescentes: “Opa, vamos fazer isso aqui”, sabe? Eles sabem que minha casa está cheia todo dia. Então, o que eu puder fazer, eu sempre incentivo, mesmo. Meus filhos faziam tudo que tinha. Tinha um curso na esquina, é de graça: “Vou levar”. Meus filhos faziam aula de canto, de dança, de violino, de violoncelo, de flauta. Tudo que aparecia, eu os 'punha' pra fazer. Não sabia se eles iam querer ou não, eu colocava. Depois decide o que quer ser. (risos)
P1 – E agora, assim, um sonho, você tem um? Sonho daqui pra frente.
R – Ah, não chega a ser sonho. Eu acho assim: a gente tem que viver esse momento. Eu estou fazendo esses cursos, está sendo maravilhoso, se eu puder aproveitar, eu vou, porque a gente não pode pensar que, lá na frente… A gente vai vivendo, vai fazendo, porque a gente pode viver dez anos, cem, então a gente vai fazendo, aos poucos. Eu acho que sonho é uma coisa que a gente tem muito: “Eu quero ser isso”. Não, o sonho da gente é seguir mesmo do jeito que a gente puder, não precisa de muito. A gente precisa de tão pouco pra viver. Eu acho, se eu puder, tipo assim: “Eu tenho um lote aqui”, “Você não pretende fazer de pau a pique? Vamos fazer?”.Então, assim: de repente, isso é um sonho, da gente realizar de alguém, não sei, entende?
P1 – Entendo, sim. (risos) E, por fim, a última pergunta, pra você poder ir pro seu curso: como foi, pra você, contar - a gente não conseguiu estender muito, por causa do nosso tempo – a sua história, hoje?
R – Ah, (risos) eu tive até uma entrevista, eles me chamaram lá, pra fazer uma entrevista no curso, eu falei pra ele: “Eu estou me sentindo a Fernanda Montenegro, porque (risos) a gente fica tão assim querendo nos esconder, não falar, com medo, com vergonha. Problema, passa pra lá". E pra eu falar é muito interessante que, de repente, eu estou me abrindo, de uma certa forma, porque, às vezes, a gente conversa tanto com as pessoas e tem coisas que você não fala. Se você não pergunta, você nem lembra o que você pode falar, o que você tem que falar. Falar sobre o curso, pra mim, eu acho que é tipo assim: eu estar nascendo de novo, sabe? Não, agora eu tenho uma nova etapa pra eu seguir. Eu já vivi um tanto, agora eu vou começar a viver de novo, de outra maneira.
P1 – Muito obrigada, Sidilene!
R – De nada. Foi um prazer! (risos)
P1 – Obrigada, mesmo! O prazer é meu! Adoraria perguntar muito, muitas coisas ainda, mas em respeito ao tempo...
R – Eu falo muito! Mas tem os próximos cursos, quem sabe eu posso falar outras coisas? (risos)
P1 – Isso. Não, mas o que você contou nessa entrevista, nossa, foi muito rica a sua narrativa, a forma que você contou. Foi ótimo!
R – Ainda bem!
P1 – Muito obrigada!
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