A história que eu vou contar ocorreu durante uma oficina de produtos lá em Juçaral. Era um dia de sábado à tarde e um instrutor, o Carlos Lira, estava dando a oficina lá dentro com os artesãos. E eu fui pra frente da casa e me sentei no batente, no degrau, para escrever o caderno de campo. E ...Continuar leitura
A história que eu vou contar ocorreu durante uma oficina de produtos lá em Juçaral. Era um dia de sábado à tarde e um instrutor, o Carlos Lira, estava dando a oficina lá dentro com os artesãos. E eu fui pra frente da casa e me sentei no batente, no degrau, para escrever o caderno de campo. E exatamente na hora na qual eu escrevia no caderno a importância do pensamento coletivo, parou um carro um pouco adiante de onde eu estava e o motorista veio super calmo até mim e disse: “aquele gol ali é seu?”. Eu disse: “é”. Ele disse: “Então você levante-se agora e vá para o carro”. Eu disse: “espera aí, calma, o que é que está acontecendo?”. Ele disse: “eu não tenho tempo de explicar. Pegue a chave do carro e me acompanhe”. Eu fiquei super receoso, mas peguei a chave do carro e fui. Quando eu cheguei junto do carro dele, tinha quatro pessoas acidentadas dentro do carro dele. Um com a perna e o joelho todo esfacelado, um estado horroroso e ele não tinha combustível para socorrer. E eu peguei essas pessoas ensangüentadas pelo braço, coloquei dentro desse carro, do meu carro, do gol, e peguei a estrada para tentar salvá-los. Só que a minha única agonia é que eu queria que alguém fosse comigo no carro, porque eu fiquei com medo de alguém morrer, alguma coisa e eu estar sozinho. Mas não cabia, porque eram quatro feridos. E eu fui socorrer, são quase dez quilômetros de barro e a estrada muito ruim. Quando eu já estava próximo ao asfalto, uma caminhonete cruzou, era o corpo de bombeiros e a gente passou as pessoas para esse outro carro e ela trouxe para um hospital em Recife. Então quando eu retornei a Juçaral, aconteceu uma coisa muito gozada, porque a cidade é bem pequenininha e a população fez uma volta assim, ao redor do carro. As pessoas queriam ver quem era o cara que tinha se melado de sangue para socorrer umas pessoas. E o espanto maior era como é que eu tinha melado meu carro de sangue. Eu achei muito importante, porque foi exatamente no momento que eu pensava no que é o pensamento coletivo. O que é, o que significa solidariedade? O que significa cidadania? E eu tentei passar para essas pessoas que o pensamento maior do projeto, pelo menos o que nós, que estamos ali diretamente pensamos, é que o projeto não é apenas uma geração de renda. O projeto é um grau de satisfação maior. O projeto é para que você se sinta incluído. O projeto é para que você pense no “nós” e que você valorize as ações que venham favorecer o grupo. E eu disse: “era, para mim, a coisa mais óbvia do mundo eu ter que socorrer essas pessoas”. Eu não pensei em melar carro, eu não pensei em me melar de sangue. Eu queria socorrer. Então eu aproveitei e fiz uma roda para todos do grupo e disse: “bem gente, esse é o maior exemplo de pensamento coletivo, de pensar no outro. Pensar no outro não é a gente se anular. Eu não me anulei, mas pensar no outro é a gente ter uma visão bem mais ampla. É a gente pensar que o bem estar, ele é muito maior do que o eu. O bem estar é uma coisa muito mais ampla. Então é isso que eu em nome do Artesanato Solidário quero pra vocês. Eu não quero vocês com o pensamento só em ganhar dinheiro. Eu não quero vocês pensando em ‘eu produzi mais do que você’. Eu quero que vocês pensem no conjunto”. Esse é o grande trabalho que eu tenho em todos os grupos que eu coordeno. É esse trabalho no ser, focado no ser. E esquecer um pouco o ter, é você ser muito mais do que ter. E é esse o lema que eu levo para os meus projetos, é trabalhar o ser. E depois que o ser está trabalhado, o ter vai ser uma conseqüência. Bom, essa é a minha história.Recolher