Seu Ageu pescador No ano de 1945, na Ilha da Pintada, distrito de Porto Alegre, nasceu Ageu Oliveira da Silva, filho de pescadores. Apesar da proximidade da capital, nesta época ainda não havia as pontes que dão acesso a cidade e o único meio de chegar ao cais do porto era por meio dos barcos. ...Continuar leitura
Seu Ageu pescador
No ano de 1945, na Ilha da Pintada, distrito de Porto Alegre, nasceu Ageu Oliveira da Silva, filho de pescadores. Apesar da proximidade da capital, nesta época ainda não havia as pontes que dão acesso a cidade e o único meio de chegar ao cais do porto era por meio dos barcos. A família de Ageu morava numa vila pobre desta ilha, em uma casa muito simples, feita de madeira, com poucos recursos. Na sua infância andou muito de pés descalços, os tamancos de madeira e os chinelos muitas vezes se perdiam durante as brincadeiras como “brincar de pegar”, esquecendo-os em qualquer canto. Assim, os tamancos acabavam sendo usados somente para ir à escola ou em algum passeio com a família.
Da mesma forma que não existiam tênis, naquela época ninguém possuía brinquedos. Tanto em casa como na escola, as crianças brincavam de roda, de se esconder, de jogar bola ou com algum brinquedo que fosse feito por elas mesmas. Ageu Brincava de barquinho que era confeccionado em madeira, esculpida com canivete ou facão, e já se imaginava um pescador com as pequenas redes de brinquedo que fazia. Também construía barquinhos com as palhoças que se encontrava em grande quantidade na beira do rio.
Com ossos de patas de porco, usadas para fazer mocotó, imaginava a figura de cachorrinhos que adorava brincar. Já com os vidrinhos de injeção que eram encontrados na costa do rio, brincava que eram pessoinhas. Os arbustos pequenos se tornavam grandes árvores e, desta forma, passava o tempo brincando com as pessoinhas e os cachorrinhos embaixo deles. Também ouvia histórias antigas contadas pelos mais velhos, histórias muito bonitas e encantadoras, bem diferentes dos filmes de super heróis que temos hoje. Aos sete anos entrou na escola, muitas vezes não passava de ano porque saia para pescar com o seu pai e ficava acampado, não retornando as aulas por vários dias. O pai não achava importante estudar, pois para ele, trabalhar já era o suficiente. Mas o menino sempre voltava para a escola no ano seguinte. A educação era muito diferente de hoje, havia muito respeito com os professores, era muito difícil algum aluno ser rebelde e inclusive os alunos podiam apanhar se não se comportassem corretamente. Certa vez, na época da vacinação de poliomielite, ficou com o braço endurecido, ele foi o único em toda a escola que ficou assim, não se sabe se foi pela má aplicação da vacina, mas o fato é que ele temia e pensava que seu braço ficaria paralisado para sempre. Quando acampou com sua família na região conhecida como Jacaré, próximo a fazenda do Borguetinho, na Barra do Ribeiro, ficaram dias em barracas, caçando, pescando, subindo em árvores e brincado na água juntamente com seu irmão. Mesmo com o braço endurecido, Ageu sempre dava um jeito de brincar, às vezes, ouvindo os gritos de sua mãe: “não, meu filho, não sobe aí”.
Foram para lá de barco, pois carros eram poucos que existiam e nenhum pescador naquela época tinha carro. Num dia de muita ventania, a quantidade de traíras que estava dando era tão grande que seu pai resolveu colocar as redes no costado do rio, num total de dez redes. Chegando o outro dia, as redes estavam recheadas de vistosas traíras, e numa dessas redes encontraram até um jacaré, um jacaré enorme.
Ageu, que era criança pequena, ficou apavorado com o tamanho do bicho e seu irmão, que já tinha 18 anos, logo pegou um facão para bater no jacaré. O pai, enquanto puxava a rede, cuidando para não estragá-la, tentando tirar o jacaré, gritava: “não bate Não bate” O irmão teimoso bateu com o facão, mas o jacaré, como estava se debatendo para se desprender da rede, conseguiu tirar a cabeça para o lado, se esquivando do golpe. O facão acabou batendo na borda do barco e caindo na água, deixando o pai dos meninos muito bravo, enquanto isso, a rede se partiu e o jacaré conseguiu fugir. Ainda zangado com a situação, o pai ordenou ao filho teimoso que buscasse o facão imediatamente. Ageu nunca tinha visto alguém tirar a roupa tão rapidamente, mergulhar e retornar com o facão lá do fundo, assim como seu irmão fez. Nessas inúmeras pescarias que participava com o pai, não era difícil encontrar pessoas tomando banho em beiradas de rio durante o verão, mesmo em locais muito perigosos e profundos. Muitas vezes se deparavam com pessoas que estavam se afogando e prontamente prestavam socorro. Desligavam o motor, pegavam o remo para puxá-las para dentro do barco, levando elas de barco até a terra. As pessoas ficavam muito gratificadas, agradecendo pelo valioso salvamento. Outra vez, quando já tinha uns 17 anos e morava em Guaíba, Ageu, a mando de seu pai, recolheu as redes e foi sozinho a Porto Alegre vender os peixes no mercado. O barco tinha um motor muito antigo, algo que tornava a travessia bem demorada. Mas quando estava para retornar do porto, o velho motor do barco não quis pegar, puxava e puxava a cordinha do motor e nada do barco funcionar.
Seguiu tentando, e com uma vazante a favor, o barco se deslocava lentamente, chegando até a volta do antigo Presídio que se localizava perto do Gasômetro. Não conseguindo fazer o motor pegar, acabou ganhando uma carona, rebocado por uma lancha até a ilha da pintada, onde tinham uma casa perto do arroio.
Foi nesta casa que finalmente conseguiu fazer o motor funcionar, erguendo-o, de modo que pegasse sem o peso da água. E quando estava pronto para retornar a Guaíba, ouviu os gritos desesperados de uma pessoa se afogando. Imediatamente foi em direção a esta pessoa que estava se debatendo, prestes a morrer. Muito feliz com o salvamento que tinha realizado, voltou cantando para Guaíba, e com o pensamento de que se o motor não tivesse estragado naquele dia, ele não estaria lá para salvar aquela pessoa. Durante a adolescência ia buscar leite no tambo, sempre que comprava o leite, o tambista lhe dava um copo bem cheio para beber, leite quentinho recém tirado dos tetos da vaca. Quando tinha 15 anos de idade foi pescar na Lagoa Mirim, região sul do estado. Lá pescou muita traíra, peixe-rei, corvina e bagre, foi uma das vezes em que mais pegou peixes. Da mesma forma aconteceu quando foi no país vizinho Uruguai, pescaram muitos peixes como o dourado e uma porção de outros peixes que lá tem e que aqui não.
Já tinha 16 anos quando veio morar em Guaíba, quando recém estava se iniciando o loteamento da Alvorada. Quando adulto comprou um terreno neste mesmo bairro, bem próximo à fábrica de celulose e papel, nesta época não havia quase nenhuma casa, era um campo com muita areia, tunas cheias de espinhos e algumas pitangueiras, bem diferente do bairro que temos hoje com muitas casas e ruas calçadas. Ele também morou em outros lugares, mas sempre retornava para Guaíba, como na vez que Esteve em São Paulo trabalhando por um ano. Apesar de ter a profissão de pescador no sangue, Ageu também trabalhou em outros ramos no decorrer de sua vida. Quando serviu o exercito, foi celeiro correeiro, onde fazia celas de cavalo, arreios e tudo mais que fosse feito de couro, todos estes trabalhos confeccionados a mão. Também foi bombeiro na principal empresa de celulose e papel de Guaíba. Numa dessas idas e vindas, quando morava em Porto alegre e tinha um trailer de cachorro quente, veio a conhecer a sua segunda esposa, com quem está casado até hoje. Ele tem sete filhos e muitos netos, dois de seus filhos são do seu primeiro casamento e os outros cinco com sua segunda esposa. Em suas pescas, mesmo tomando muito cuidado para agarrar os peixes com firmeza, quase sempre acontece alguma tocadinha ou outra do dedo em algum ferrão, algo que já está acostumado e encara com naturalidade. Após a pesca, vai para casa e faz a limpeza dos peixes e também prepara alguns filés. Os seus clientes preferem comprar os peixes já limpos, fazendo a venda diretamente para as pessoas.
Ele mesmo faz suas redes de pesca e as conserta, conhece toda a região que compreende os rios Taquari, Jacuí, Lago Guaíba e Lagoa dos Patos, descendo até São José do Norte e Rio Grande. Há muitos peixes nessas águas, e em grande quantidade que chega a encher o barco. Muita piava, bagre e tainha, chegando usar de 20 a 30 redes, num total de mil metros. Porém, algumas vezes quando o peixe fica mais escasso, acaba não se pegando quase nada. Para Ageu, a vida hoje em dia é bem mais fácil do que a vida que se levava antigamente, devido às facilidades com que podemos adquirir as coisas hoje. Por outro lado, a vida de antigamente era mais simples, havia mais respeito entre as pessoas e menos violência nas ruas, apesar das dificuldades que se passava.
O nosso pescador se sente uma pessoa realizada, com os filhos e netos que o rodeiam e o fazem feliz. Um dos sonhos que gostaria de realizar e está trabalhando para isto é construir sua própria peixaria no endereço onde mora. Reconhece a importância do estudo para conseguirmos ser alguém hoje em dia, se emociona com a história de um de seus filhos que começou estudando na Escola Darcy Berbigier, localizada aqui no bairro, e que hoje é um Engenheiro de sucesso e trabalha nos Estados Unidos.Recolher