Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Antonio Galuchino Avellanas
Entrevistado por Manuel Manrique e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 10 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 09
Transcrita por Rosália Maria Nunes He...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Antonio Galuchino Avellanas
Entrevistado por Manuel Manrique e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Oswald de Andrade
São Paulo, 10 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 09
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - Qual o seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome completo, eu me chamo Antonio Galuchino Avellanas, nascido no dia 26 de maio de 1924, na cidade Zaragoza, estado de Aragón, Espanha.
P - E o nome dos seus pais.
R - O nome do meu pai é Pascoal Galuchino Pina, e de minha mãe, Carmem Avellanas Lopez. Todos os dois são da cidade de Zaragoza, nascidos na cidade de Zaragoza.
P - O senhor tem irmãos?
R - Eu tenho cinco irmãs, tenho duas já falecidas e tenho três vivas, ao total são cinco irmãs e eu que sou o varão, o mais velho.
P - Eu queria lembrar ao senhor para caprichar no português.
R - Sim, senhor.
P - Continuando, como era a sua casa quando garoto?
R - Eu, quando era garoto, a minha casa era uma casa, o que eu posso falar? Era uma casa cheia de gente, naquela época, gente de trabalhadores. Uma casa, que era um edifício porque era uma casa de três andares. Era de propriedade da minha avó, e acontece que nós tínhamos, nós mudávamos muito de apartamento, compreende? Porque conforme ia crescendo a família precisávamos de maiores cômodos, e era uma classe, senhor, mais ou menos de classe trabalhadora porque o meu pai era trabalhador, um homem que trabalha muito, gostava de trabalhar.
P - Trabalhava com quê?
R - Trabalhava principalmente, meu pai era serralheiro artístico. Era um homem que na sua profissão era um verdadeiro artista porque ele tinha trabalho na cidade de Zaragoza que todo mundo admira eles, principalmente trabalhos... Porque eu vou falar uma coisa, eram trabalhos muito bem feitos, forjados, com capricho porque inclusive hoje é visto sem mesmo aquele dispositivo que tem trazido eu, para que veja o trabalho da forma trabalhada, o "limpo" que está trabalhado e forjado. Porque o homem, à margem disso ele trabalhava muito com serralheira de carpintaria metálica.
P - Do que o senhor se lembra na oficina do seu pai?
R - Na oficina do meu pai era sempre operário, sempre trabalhava, não trabalhava por conta, trabalhava por conta de patrões. E ele esteve numa fábrica que chamava "La Veneziana", que era uma serralheria, onde esteve 12 anos. E também...primeiro eu vou contar a história do meu pai. Meu pai quando ele tinha 19 anos ele ia com a minha vovó a vender pelas cidades do Interior e chegou um dia ele falou: "Mãe, chega, acabou porque eu já não mais sigo nessa vida. Eu quero aprender um ofício." E ele pegou, deixou a cesta que levava, deixou no caminho e disse: "Tchau mãe, que eu vou aprender um ofício." Ele entrou na serralheria de um tal Pascoal Gonzalez na cidade, e o meu pai, tinha tal afeição pela profissão, que ele falou: "Pascoal, se você está comigo 12 anos, te faço o serralheiro melhor da Espanha." Acontece que naquele tempo se ganhava uma mixaria quando estava aprendendo o ofício, ganhava 1 e 50 por dia, 1 peseta e 50 centavos, não dava para um homem de 19 anos...não dava para viver com esse dinheiro que ganhava. E foi a trabalhar com outro, com um tal Roque Ceberia. E ali esteve desde o ano 22 até o ano mais ou menos 30, esteve lá, depois foi parar na "La Veneziana" que era uma fábrica que tinha espelhos e tinha também serralheria, era muito grande. Depois ali começaram a serralheria artística, começaram a serralheria de especiais, era especial todo, uma especialidade de ferros que aqui no Brasil só vimos, meu pai e eu, que éramos muito curiosos, só vimos em um banco que era inglês, na serralheria lá porque são ferros especiais, esse se chama em espanhol carpintaria metálica. São de ferros especiais...e em ferro está, o ferro inglês e o francês e o belga. Tem ferros nas combinações de ferro belga até o número 300 e pouco e o espanhol tem 16, e o francês me parece que são 32, tipos de ferros diferentes, que são ferros de carpintaria metálica, que falo para o senhor, são umas combinações que, para aprender as combinações desses ferros, os oficiais demoraram quatro meses para ensinar como se trabalhava com esse material. Porque são umas combinações de ferros muito difíceis e o meu pai depois de 12 anos foi trabalhar, saiu daquela fábrica e foi trabalhar para Joaquim Gracía, que trabalhava na serralheria artística e também trabalhava estruturas metálicas como tesouras e pontes de ferro. E ali ficou o meu pai uns 11 anos até ele vir para o Brasil.
P - O senhor falou um pouco do pai, e a sua mãe?
R - Minha mãe era uma mulher que fazia as coisas como todas as mulheres européias, da Espanha, da antigüidade. Acontece que sempre dependiam do marido, ela não tinha profissão porque ela trabalhava muito naquela época, ela trabalhava, quando conheceu meu pai, numa fábrica de chocolates, era embrulhadora de chocolate, ela punha os envoltórios do chocolate. E aí ela casou, e ao casar, como toda mulher espanhola, ela não trabalhou mais. Agora...era mais trabalhos domésticos, fazer a comida, cuidar dos filhos. Porque acontece que nos tempos, aqueles tempos não é como os dias atuais, os tempos antigamente não existe como agora que há tantos meios de conseguir ter tanta família como tinha antes, porque a minha mãe chegou a ter nove filhos, três morreram e seis ficamos vivendo, conseguimos viver. E a minha mãe somente por este motivo, somente se dedicou à casa. Era uma mulher de valor, a manter a família, ela gostava muito dos filhos, principalmente eu como era o mais velho de todos.
P - Mais velho?
R - Era o mais velho, eu era a vítima da família, todo mundo, minhas irmãs, minha mãe, todo mundo, qualquer problema ia para mim, quem resolvia era eu. O meu pai, o meu pai era um homem que só pensava em trabalhar. Era um homem que tinha muitas coisas, era um homem muito nervoso porque acontece que ele era um homem muito nervoso, tinha uma certa enfermidade que depois descobrimos, descobrimos que o meu pai tinha aquela enfermidade que herdou da família da mãe. Era um pouco perturbado de mania de perseguição, compreende? E entre isso e o muito que fumava, porque fumou muito e outras certas coisas que não se pode falar. Depois lhe aconteceu o que lhe aconteceu, primeiro o pulmão direito deu um câncer, que se chama sarcoma, lhe cortaram primeiro meio pulmão, depois no quis mais que lhe retiraram o outro e assim foi. Durou mais ou menos um ano e meio a base de morfina, a base de coisas de comprimidos, para durar mais.
P - Como foi a época da escola?
R - A escola da minha infância, agora digo uma coisa. Eu na realidade gostava pouco de escola, vou falar uma coisa para vocês, eu gostava pouco da escola. (risos) Uma vez, inclusive, era uma coisa, eu gostava muito era de Matemática, de História, de coisas que nada tinha a ver com o que eu devia na realidade aprender. Principalmente de Gramática. Em Gramática era uma pessoa das piores que havia, para falar a verdade, eu não gostava de "ser menos" com nada. Porque acontece aqueles verbos de amar, aquilo me confundia tal a cabeça que não havia meios de eu ir para escola. Uma vez que estive um ano e meio fazendo gazeta, que se chama aqui, não indo a escola. E falaram lá em casa que eu não ia à escola, foi o meu pai à escola: "Como se chama o seu filho?" "Fulano de tal" "Senhor," olhando a lista, "Aqui não está...espere, vou ver outra. Ixi, faz um ano e meio que não vem à escola". Aquele problema que tivemos em casa... (riso) Tive uma bela surra. Então já começa a estudar um pouco mais porém eu nunca fui muito errado nos estudos não.
P - Quando começou a estudar um pouco mais, o que estudou?
R - O que mais gostei quando... vou falar uma coisa, eu sempre gostei da profissão minha. Eu era um rapaz que quando cheguei aos 14 anos, meu pai falou: "Você quer estudar ou o quê?" "Eu quero estudar...". Então eu fui à escola dois anos. Dois anos que não ia nunca, eu ia à escola metade do tempo, eu passava os passeios da aula, conversando com os amigos, contando piadas, coisas assim, que tem os estudantes quando não gostamos de estudar. E o meu pai um dia me chegou e falou: "Você vai trabalhar." Me meteu com um amigo dele, serralheiro, me levou para fornilha, que estive tirando marreta, três meses tirando de marreta, que quando chegava em casa não tinha vontade de comer, me metia na cama para descansar porque eu estava indo ao ferreiro. Vê o que acontece, sabe por quê? As profissões não eram, antigamente não era como agora, antigamente um aprendiz tinha que fazer de tudo, tinha, que se precisava tirar de marreta para ajudar o ferreiro, tinha que ajudar o ferreiro, se tinha que furar furava, se tinha que esmerilhar esmerilhava, tinha que fazer de tudo. Que te ficava impossível, chegava os sábados e depois, como a gente trabalhava 48 horas, aos sábados depois das 6 horas da tarde tinha que limpar toda a oficina e engraxar as máquinas, limpar as máquinas que te passava até 3 ou 4 horas ali até que o patrão olhava, passava a revista e até ir para casa.
P - Esse foi o seu primeiro trabalho?
R - O primeiro trabalho de serralheiro, depois já quando conforme os anos passam, porque naquele tempo se passavam de aprendiz de primeiro ano, aprendiz de segundo ano, aprendiz de terceiro. Ao terceiro ano já passavas para oficial de terceira ou ficavas, era oficial de terceira que começava a fazer alguns trabalhos ou senão ficava de peão, ou seja, de ajudante, que aquele era a vítima de todos, aquele que tirava de carro, de carrinho para buscar ferro e para muitas coisas, compreende? Já eu me conformei, já fui por várias oficinas e acontece que eu trabalhei com oficiais mestres, que eram verdadeiros artistas, compreende? Verdadeiros artistas trabalhando em ferro. Eles faziam corrimão, como se chama aqui, corrimão é, dá mais efeito, corrimão que eram verdadeiras obras de arte. Pois o mesmo verá você, porque você mesmo é de outro país, do Peru, você verá que existe artista ainda no Peru. Existe ainda a serralheria com muitos ornatos, muito bem trabalhada, sabe, forjar. Porque acontece que ali nos países latinos americanos, herdaram muito da cultura básica, de que foi a Espanha, já também como no Brasil. No Brasil acontece que naqueles tempos que foram isso não havia muito desenvolvimento, dos tempos, por exemplo, do tempo que foi a colonização, não se fez muito investimentos, tanto na cultura como nas artes. Aqui, principalmente serviu como um país agrícola, que o país...o que interessava aos colonizadores era arrasar o país como arrasaram porque tiraram toda a madeira do país, o pau-brasil e não meteram verdadeiramente a cultura que devia ser, a indústria, porque já foi diferente como os países, por exemplo, dos mais adiantados, porque a Argentina está muito adiantada. Nós falamos a verdade, nós no Brasil, porque eu me considero brasileiro, nós, nossa cultura está muito mais adiantada entre os primeiros países da América do Sul. Porque acontece que nós quando viemos jovens para cá, por exemplo, eu vim no ano de 54 que foi quando começou em São Paulo a indústria automobilística. Aqui faltava ferramenteiros, funileiros, de uma coisa de toda as profissões, eles que estavam, os brasileiros que ficaram aqui e os que já estavam aqui, por exemplo, foram você, meus filhos, os filhos dos imigrantes, eles ficaram verdadeiros artistas porque o Brasil, é de se esperar que tenhamos aqui grandes médicos também. Teremos muita coisa, teremos grandes ferramenteiros, teremos grandes mecânicos e teremos também ... pode perguntar.
P - Voltando para Espanha... Quando o senhor tinha uns 13, 14 anos, estava acontecendo a Guerra Civil na Espanha.
R - Sim.
P - Como era a vida das pessoas durante a guerra.
R - A Guerra Civil na Espanha por um lado, vou lhe falar uma coisa, houve muitos assassinatos, por ambas partes. Não creia que somente foi o Francisco Franco. Franco fez mais, porque em realidade, assassinar gente com a cruz, Cristo não mandou, compreendem os senhores? Porque inclusive, quando iam fuzilar uma pessoa que nada mais tinha um ideal político...nunca foi um assassino, teve um ideal político. Digamos, esse é comunista, pegavam pela noite e levavam a fuzilar, aquilo mesmo, o tiravam de sua casa e o levavam a fuzilar, sem ele perguntar por quê: "Por que o senhor vai me fuzilar?" Não, eles acabavam indo fuzilar porque também era o governo, que também não era governo nenhum também, aquela coisa. Diziam assim: "É tu é fascista." Levavam e o fuzilavam também. Ou seja, foi uma grande, entende uma coisa, foi um grande desbaratamento de todos, foi um bandalismo, uma coisa, foi a destruição da Espanha porque na realidade Espanha era o país, o segundo país do mundo em ouro, do mundo, segundo país do mundo, iam pôr inclusive, a moeda ia ser de ouro porque o papel saía era muito caro porque o papel-moeda antigo espanhol era muito bom. Era um país muito bom em termos de dinheiro, tinha grandes estampas no país, tinha grandes quadros de Velasquez, tinha de Goya, as notas, era um papel bom. Geralmente era isso era feito na Inglaterra, era um país, era uma coisa boa. E foi aquela coisa, em algumas partes foi a destruição porque o que foi destruído aí tudo, foi destruído a maioria das coisas que destruíram, coisas que eram antigas e queimaram, se queimaram igrejas, outros queimavam livros de cultura. Por quê? Porque aquilo foi, tenho até que, inclusive homens como aquele Garcia Lorca, que era um grande senhor. Porque ele atacava a guarda civil em suas poesias e chegaram lá e fuzilaram, ele ainda era um prêmio Nobel, chegaram lá e fuzilaram por nada. Era amigo do governador, não fez nada contra o governador e o fuzilaram. São umas coisas que, por um lado atrasamos e por outro lado adiantamos.
P - Como era a vida das pessoas nessa época?
R - Deixa eu explicar uma coisa, quando começou a guerra, nós éramos o país mais abundante do mundo, a senhora podia comprar um pão porque eram de diversas formas, compreende? Eram diversos formatos, podia comprar à meia - noite. Começou a guerra, a revolução...Bom, sete, oito meses foi o tempo, mais ou menos, que duraram todos os estoques que haviam. Por este lado depois foi triste, viu? Depois que tomaram, as forças de Franco ocuparam Barcelona aí já foi triste, senhora. Começaram a racionar tudo, o espanhol, que come muito pão, nos dava 100 gramas de pão para comer. E café 25 gramas por mês e açúcar 250 gramas e assim vamos todos, compreende? Olhe minha senhora, eu tenho comido mais fubá, nem imagina. Coitado, meu pai trabalhava muito, meu pai trabalhava noite e dia. Pão de figo. Sabe o que é pão de figo? São figos amassados, compreende, que vendiam em blocos assim que davam muitas, com avelãs ou amêndoas, e íamos pelas ruas e compramos, valiam 4 pesetas o quilo, nós compramos um quarto de quilo para nós e comíamos pelo caminho. Porque, vou lhe falar uma coisa, nada mais vivia ali, a gente que tinha agricultura porque ele, quem plantava tinha certa regalias, ele plantava verduras, plantava batatas também. Porque a batata também era racionada e nós que não tínhamos coisas, meu pai e a minha mãe que tinham seis filhos. E o meu pai só que trabalhava, depois eu comecei a trabalhar eu não ganhava grande coisa. Eu falo agora, nós passamos um pouquinho apertado.
P - Como era o seu trabalho?
R - Olhe, o trabalho que eu trabalhava, eu trabalhei em um tal Benito quartel. E o trabalho que nós tínhamos era o seguinte, como aprendizes, nós, naquele tempo era tudo muito rebitado, com rebite, tudo rebitado com rebites. Não existia na oficina em que eu estava, porque como acontece que a oficina...a solda tinha que ir nas oficinas especializadas. Eu tinha que cargar, como nós chamamos, um pedaço de ferro, segurá-lo para pôr o rebite, para aquele oficial rebitasse, para melhorar a coisa. Aquele trabalho era uma coisa, era um trabalho. E depois de todas essas coisas tínhamos que buscar material nos armazéns, ferro, todas essas coisas Porque na serralheria que estava eu estava dois aprendizes e dois patrões e um ajudante. Calcula quantos eram.
P - E quanto tempo ficou lá?
R - Eu fiquei lá duas vezes, uma eu fiquei, porque eu percorri muitos talheres, nós em espanhol, chamamos de talheres as oficinas. Eu corri naqueles talheres três anos, depois fui com o meu pai na "La Veneziana" e depois estive em outro talher, muito melhor, aquele Munhoz e el Trigo, aqueles eram dois verdadeiros artistas na serralheria. Esse senhor Trigo que era o meu patrão, ele quando esteve como militar na África, na guerra de África, ele forjava sabres para o exército, forjava espadas para o exército e as temperava porque o sabre é muito difícil. E ele, digo uma coisa, ele fazia cada coisa de forja e o oficial, o outro que era serralheiro, não era forjador porque a serralheria se compreende dentro da profissão, se compreende em dois tipos: o ferreiro, como se chama no espanhol, o ferreiro e o serralheiro. O ferreiro é quem forja as peças, muitas vezes o ferreiro quando já chega numa certa época, aquela soldadura era mais comum, já começou a entrosar-se na serralheria. Já o ferreiro tinha que ser ferreiro e soldador, compreende? Nas oficinas pequenas. Nas grandes já não, elas grandes já eram, soldador soldador mas nas pequenas ferreiro e soldador. E o serralheiro também, o serralheiro era... Vou falar uma coisa, o serralheiro em nossos lugares, nós tínhamos que ser: primeiro, tínhamos que saber forjar, tínhamos que saber soldar, tínhamos também que dar bancada, tínhamos que também ajustar e virar tubos. Coisas que eu aprendi porque trabalhei com gente que muito sabia, me valeu muito para o Brasil. Porque eu entrei numa oficina que era mais mecânica, porque aqui no Brasil quando eu cheguei me registrei como mecânico. Aos dois ou três anos, passei a ser encarregado. Isso tudo que eu aprendi na Espanha, de aprender todas as coisas, igual fura, esmerilha, que faz tudo até limpei banheiro. Falando assim tranqüilamente das coisas dos meus tempos, agora os tempos mudaram, porque agora os tempos são outros, mudaram tanto ali como aqui no Brasil, são só lá as chapas.
R - Eu vou falar uma coisa, nos tempos em que eu estava, as coisas de saúde, não eram como agora. Naqueles tempos, a medicina com a cirurgia tinha mais ou menos uns 400 anos de atraso, compreende? Ninguém, estou com reumatismo, punha-se essa pulseira de cobre, se passava um pouco do não sei o quê que era bom para o reumatismo e pronto "Vá trabalhar." Porque se precisava, compreendeu? Porque o seguro de enfermidade nos países do mundo que possuíam seguro de enfermidade, isso é a coisa de Previdência, esse seguro de enfermidade compreende os médicos e a maioria das coisas que tínhamos no povo espanhol era a muita falta de cálcio porque acontece que a alimentação era fraca e tomávamos cálcio. Só sei que a saúde, vou falar uma coisa, nós não íamos muito bem de saúde naqueles tempos não. Na saúde, ficava uma coisa, se o senhor tinha um resfriado, uma pneumonia, naquele tempo punham ventosas, como colocaram em mim, quando tive pneumonia, ventosas e que mais lhe direi, xaropes Toluche, duas colheradas de xarope Toluche e mandávamos....quem vivia, vivia e quem morria, morria porque a medicina estava muito atrasada, como em todas as partes do mundo. Agora foi quando, a coisa da guerra estava passada, a guerra em 45 que se começou com a penicilina e começou com certas coisas, a medicina mundial avançou muito e os governos gastaram muito dinheiro em pesquisas, compreende? E ver que antigamente a tuberculose...quanta gente morria tuberculose, hoje em dia morre pouca gente porque acontece que estão os antibióticos. Agora dizem que voltou a tuberculose com mais força, porem acontece que eles vencem. Eles vão a vencer a coisa.
P - Por que o senhor veio pro Brasil e como foi a sua viagem.?
R - Primeiro vou dizer uma coisa, meu pai no ano de 52 nós tínhamos a coisa de migrar, a vontade de migrar. Nós queríamos ir para a Venezuela porém acontece que a Venezuela fechou a imigração e havia muito desemprego, depois nós entendemos, que na Venezuela havia muito desemprego, muita coisa, ali não se importava ninguém com a vida de ninguém. Também queríamos ir para a Argentina, mas a Argentina precisava muito de dinheiro porque a carta de chamada, porque haviam fechado uma carta de chamada, para um contrato de trabalho nos pedia 11 mil pesetas, era muito dinheiro, era muito dinheiro para nós. E o Brasil acontece que para nós foi melhor, quando viemos para aqui primeiro foi muito duro porque o meu pai, um homem com 54 anos, quando chegou ao Brasil, e aquele dia que desembarcou meu pai disse que chovia tanto que ficaram embaixo de um vagão de trem, dois dias sem poder sair. Um amigo que mandou escrever para que fosse buscá-lo não foi buscá-lo, e outras pessoas falavam: "Puxa vida, está aí um homem com uma filha" Naquele tempo a minha irmã tinha 23 anos. "Então vamos levar junto." Eles subiram então para São Paulo, e passaram bastante ruim porque o meu pai chegou na firma que ele trabalhava, se trabalhava três semanas pagavam uma. Era a firma em que eu trabalhei. Você acredita, em três semanas de trabalho eles pagavam uma, dois ficavam de reserva e muitas coisas. E chegou o meu pai, que ficou três semanas dentro da firma e lhe dava 20 centavos. Pegou ele e os jogou fora. Naquele mesmo dia recebeu o pagamento o homem porque dessa forma chegaram porque eles estavam numa pensão e ele não se acostumava com a comida do país, não mais bebia leite, um pouco de arroz e por fim que recebeu o primeiro pagamento ele disse: "Bom, vamos, disse a um amigo galego" Ele falou: "Você me escuta, senhor Pascoal, eu tenho um amigo que tem um quarto e cozinha, no Alto do Ipiranga, na Rua Moreno, ele vai cobrar 600 cruzeiros." "Está bom," e o homem foi para lá com a minha irmã, minha irmã estava trabalhando de empregada para um romeno aqui no Parque D. Pedro II, esquina com o Parque, aquele edifício alto. Estava a minha irmã trabalhando, ele falou: "Olhe, vamos a isso que eu não posso ficar sem comer." E foram para lá e se meteram ali pouco a pouco foram melhorando, melhorando porque eu vou falar uma coisa, era aquele tempo que a gente que queria trabalhar era bom, muito bom, tinha emprego para toda parte, saía daqui e podia ir em frente que tinha emprego, ganhando muitas vezes mais. E daí a dois anos, se reúne em Brasil, passando bastante dificuldade mas, vou te falar uma coisa, eu me sinto muito contente de estar no Brasil. E eu posso como brasileiro criticar ou melhorar o Brasil, porque eu briguei na Espanha quando eu estava em 88 eu briguei com uma mulher me falou: "Vocês são uns caloteiros, são tal coisa, não pagam." Digo: "Nós não devemos pagar para ninguém, só o que levaram do Brasil." Porque em realidade a gente, eu defendo os meus netos, ao meu filho que é brasileiro, a minha filha, tenho que defendê-los. Eu digo uma coisa, eu não me sinto mal no Brasil, eu me sinto muito bom. Vou falar uma coisa, eu fui a Espanha e estava a quem perguntar porque estava sozinho, estava com a minha irmã. Escute, depois de 35 anos dizer, quando estava com 14 anos, depois que estou aqui volto para a Espanha, era menos, 25, 30 anos. Eu digo uma coisa, eu falo muito sotaques, muitas caídas, porém a gente se levanta, pouco a pouco lutando se levanta. Fale senhor.
P - O que achou da cidade quando chegou aqui? Qual foi o seu primeiro trabalho?
R - O primeiro trabalho que eu entrei, porque o meu pai me guardava o trabalho na Fábrica Famasa, eu cheguei aqui em 21, dia 24 já estava empregado porque o trabalho para quem tinha profissão não tinha que se preocupar com nada. É a mesma, que no mesmo dia achava profissão, achava emprego e não era mal remunerado não, era bem remunerado, suficiente para viver. Eu me lembro que eu ganhava naquela época 13 por hora, 13 cruzeiros, que eram cruzeiros. Muitos me falavam que era mil - réis, que a gente falava mil-réis aqui. Eu com 13 mil-réis comprava um filão e meio de pão que me custava, não sei de dava 2 reais, 2 cruzeiros, uma latas de óleo e não sei quanto de leite. Eram os tempos baratos, eu fui, inclusive, naqueles tempos, me lembrei uma coisa, quando o meu pai falou: "Quer comer?" Em espanhol chamamos de plátanos, as bananas. "Você quer comer plátanos? Vamos a uma casa de um amigo." Fomos a uma casa, que tinha uma quitanda o homem, e disse: "Olhe, Pascoal, veja esse monte de bananas que despencou e ninguem quer, pode você comer à vontade que queira, paga 1 real e come à vontade." (risos) Nos pusemos a comer bananas, por 1 real, e ficamos comendo bananas porque as coisas eram muito baratas naquele tempo, a única coisa que era caro eram as maçãs e as peras, nas feiras, porque eram importadas, porque chegava o meio dia, 1 hora, chegava o feirante e para não levar para casa pegava a banca e fazia assim, fora, tudo fora. Eram os tempos, que eu cheguei, meu pai: "Vamos dar uma volta." Porque era o ano do Centenário não fazia mês que não houvesse um feriado ou três. E me levou para à Paraça Clóvis Bevilacqua, João Mendes e a Sé, e nós fomos à Clóvis Bevilacqua, e eu vi pelas paradas dos ônibus, aqueles cigarros que não serviam, as balas jogadas fora, tudo era visto lá. Havia gente que jogavam fora as meias sujas e comprava uma por 1 cruzeiro e comprava um par de meias e jogava ela fora. Eu vou dizer uma coisa, era o país da abundância, nós vínhamos de um país que estava em crise, porque o ano de 54 ainda havia...guardava mais ou menos, trabalhava bastante e dava para vivir.
P - Senhor Antonio?
R - Fala.
P - Como era o seu trabalho na Famasa?
R - Sim, o trabalho na Famasa, nós construíamos carrinhos metálicos, carrinhos automáticos, semi-automáticos, construímos elevadores de carga e transportadores. Geralmente quando eu entrei somente tínhamos elevadores de carga para até três andares. Era um trabalho que eu estava acostumado como se estava acostumado a trabalhar na Espanha, compreende, senhor? Nós trabalhávamos como na Espanha porque a gente gostava de nós, porque acontece que nós tínhamos a nossa oficina e havia passado de, porque esse senhor que era alemão, e quando houve a guerra, lhe tomaram, o governo brasileiro, tomou todos os bens dos alemães, que tinha uma oficina de produtos para tecelagem. Então eu acredito que tinha lá só tear, esses todos e teve que mudar porque os teares eram muito antigos, haviam coisas mais modernas na Europa, teve que mudar. Ele pegou um engenheiro que era um engenheiro, como se chama, era austríaco, que era genro dele e começaram a fazer elevadores e carrinhos. E já depois começamos a fazer outras coisas, e começaram a comprar outro tipo, eu me lembro que compraram uma tesoura para a firma do, porque tudo se fazia manualmente, se serrava numa máquina de serra, porque a serra só cortava, elevadores era o que mais dinheiro dava. E o resto a gente tinha que cortar com a serra. Era um trabalho um pouco duro depois ficou já modernizado demais. E pouco tempo já, há uns três, quatro, cinco anos, passou a ser chefe, encarregado da seção de carrinhos. E fazíamos carrinhos, fazia outras coisas também, fazia pequenos transportadores, trabalhos para outras firmas que nada tinha ver com carrinhos, compreende? Depois pegamos um transportador aereo muito grande, da Volkswagen, que teria um trabalho muito grande de dobrar vigas, vigas de 5 polegadas por 2. E aquilo tinha que ir ao quente, coisas que ninguém na firma sabia como fazia. E me deram um prêmio pelas vigas, de 10 mil cruzeiros, que naquele tempo era dinheiro. E fiz aqueles trabalhos de vigas e me fizeram encarregado do setor que estava.
P - O senhor trabalhou nessa firma muito tempo?
R - Desde que entrei até que saí, 25 anos.
P - O senhor participou de sindicato?
R - Eu era sindicalizado porém não participei de sindicato nenhum porque acontece, vou dizer uma coisa, estrangeiro que se mete em sindicato, sai sem camisa e tosquiado.
P - Mas o senhor morava em São Bernardo na época das greves de 78 e 80.
R - Sim, como eu trabalhava em São Paulo, não tinha que ver porque eu pegava o ônibus na Rua Vergueiro, no Sacomã e não tinha problema nenhum.
P - Não se lembra nada daquela época, do que tenha acontecido em São Bernardo?
R - Eu lembro que o meu filho, estava greve naquela firma, meu filho tampouco, o meu filho não quis porque o meu filho é muito revolucionário, meu filho é espanhol. Enquanto chegou, ele trabalhava em uma firma e acontece que ele trabalhava na ferramentaria, porque ele é ferramenteiro. E acontece que o patrão não pagou, tirou o convênio médico e não pagava o convênio médico e armou uma confusão. Chegou a parar 1500 homens ali, 1500 homens chegou a parar que estava lá na firma. Chegou um cara da prensa, pegou uma prensa e pá: "Aqui pára todo mundo enquanto não resolve o nosso problema." Porque era um problema isso, porque era... " eu tenho filho pequeno, tenho uma filha pequena, eu preciso de médico e a minha mulher também." Até que não arrumassem", pagaram o convênio médico que tinham e começaram a trabalhar. Inclusive levou o meu filho porque ele quando quis montar o Café, chegou e falaram: "Pascoal, porque não pede a conta." "Se quer a minha conta vamos ao sindicato." Então vamos ao sindicato. Lhe deram as contas, vendeu a casinha que tínhamos e fomos ao Café, eu que tinha um dinheiro acabei com tudo. (risos) Gozado é a vida. A greve faz uma coisa...muitas vezes as greves são injustas, porque, escutem, nenhuma classe operária do mundo conseguiu muita coisa com boa conversa porque de conversa estamos por aqui. Se nós pudéssemos conversar o que queira, senhor, porém não conversa, para ganhar as 48 horas com muito trabalho no mundo, muitas greves e muitas coisas em todo o mundo. Para você o dia de trabalho, guardar o dia de trabalho, 1º de maio no mundo houve muitas greves e muitas coisas. Nada que seja um dia de não trabalhar, é um dia de protestos no mundo porque os operários em Chicago, os patrões foram mais espertos e meteram festa ao trabalho, compreende? Porque é um dia de protesto.
P - Senhor Antonio...
R - Fala, senhor.
P - Quais foram as principais mudanças no processo de trabalho?
R - No processo de trabalho, os patrões foram em viagem à Alemanha porque os primeiros carrinhos eram semi-automáticos. Um carrinho alemão usou cinqüenta bombas de Stembock, alemão, de bocas para carrinhos semi-automáticos para já com bomba de óleo. Já começamos a fazer carrinhos desses, carrinhos automáticos, chamados Stembock , um carrinho muito bom, mas como era feito de tempos em tempos, agora está modernizado muito depois que eu saí porque eu saí já faz 20 anos da firma, já foi modificado muito o carrinho, saiu noutras firmas porque naqueles tempos só havia na Famasa, desse carrinho porque era um carrinho alemão e não havia chegado aqui no Brasil. Porém, acontece que muitas coisas, porque o nosso patrão era muito correto, se eu pedia qualquer coisa ele me dava, eu estou muito agradecido àquele homem. Era pão-duro porque era pão-duro com os trabalhadores. Depois do pai assumiram os filhos, morreu eles, veio os filhos, morreu a mulher como tinha 50% a mulher, pegaram os filhos que tinham a quota da maioria. E fizeram muitas reformas ali, principalmente foi no escritório e na firma foi pouco. Porque a firma, eu vou falar uma coisa, se nós estamos com esse grande problema que temos em outros países, de desempregos e tudo, é porque as firmas estão desatualizadas com os tempos modernos. Porque enquanto, vou dizer uma coisa, os industriais investiam em tecnologia e em maquinária, não, investiram em outra coisa, em viagens, em carros, em coisas, eu não quero falar outra coisa porque senão podia dar problemas, compreende? Grava aí e dá problemas, não tiveram tecnologia, ficaram com uma tecnologia muito baixa, eu acho que com o tempo vamos melhorar, pode ser que melhoremos com a tecnologia. Porém, há um problema porque se vemos a indústria automobilística aqui, eu falo uma coisa, eu estive várias vezes na Volkswagen, e o senhor teria todo o maquinário velho que tem a Volkswagen na Alemanha que ela não produzia nada e os mandaram para cá, entende? Porque ali tinham prensas do ano de 1922. Isso pra quem não entende, compreende? Se crê que, essas grandes companhias multinacionais, sabe o que faziam? Chegavam e falavam, pegavam a sua importação e colocavam como novas, cobravam como novos e depois tinha que ser a maioria do maquinário, tinha que ser reformado aqui no Brasil, compreende? Depois vinha algumas coisas novas, depois eu não me lembro já quais eram as coisas novas, já tinham modernizado algumas coisas, já ficavam máquinas novas, transportadores muito bons. Porém, fomos muito bem sangrados muitas vezes.
P - O senhor tem saudades do que fazia?
R - Eu vou falar uma coisa, olhe, quando se está numa firma 25 anos já quando entra na porta parece que tem um leão, compreende? Porque, olhe senhor, muitas vezes o senhor pega uma firma, eu vou falar uma coisa, toda minha vida, nesses 25 anos de encarregado, somente mandei um homem para a rua e suspendi dois, em 25 anos porque a primeira coisa eu que tinha que trabalhar, que pedia, mandava qualquer coisa, eu lhe pedia por favor. Porque muitas vezes pedir uma pessoa por favor uma coisa é muito melhor que "Escuta, você, faz-me isso." Que muitas pessoas não entende, não entende o caráter humano porque:"Faça isso, faz isso." Isso é impossível, estar a brigar é mais fácil. É mais fácil "por favor". Eu acho que é mais fácil pedir por favor. Num curso de direitos humanos, me ganhou um, que havia estudado, era desenhista...
P - Estamos chegando ao final, gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
R - Sim. Eu falo o seguinte, que com o tempo nós do Brasil vamos chegar ali. Vamos chegar ali não sei porque não chegamos.
P - Muito obrigado.
R - Nada, senhor, obrigado senhores por esta entrevista. E qualquer coisa eu estou à disposição dos senhores.
P - Perfeito.Recolher