P/1 – Então, Daniel, começando a nossa entrevista, obrigada por ter aceitado o convite de receber a gente aqui na Cooperativa. Eu vou pedir pra você falar seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Tudo bem. Daniel Ribeiro Seabra; nasci no dia primeiro de abril de 1979 no Hospital São Sebastião, aqui no município de Tombos, Minas Gerais.
P/1 – E Daniel, qual o nome dos seus pais e no que eles trabalham? O que eles fazem?
R – Meus pais são agricultores familiares, lidam com café. A principal atividade da nossa propriedade é o café. Depois temos banana, temos vários outros produtos que a gente produz lá na nossa propriedade. Meu pai durante a vida toda lidou com a terra. Eu fui criado nesse meio. Logo moleque, já me levavam pra roça, lidando no meio das lavouras de café, no meio das hortas e aprendi a gostar desse meio que eu convivo hoje. Eu me sinto realizado com isso.
P/1 – Como que eles chamam?
R – Meu pai é Gelsemar Sales Seabra e minha mãe é Dalila Ribeiro Seabra. Eu sou filho único.
P/1 – Isso que eu ia perguntar. Você é filho único?
R – Sou filho único.
P/1 – E como que é essa experiência de ser filho único?
R – Eu costumo dizer que as pessoas fazem alguma ideia de que você tem tudo, né? Eu costumo dizer que eu tive a possibilidade para adquirir quase tudo que eu tive vontade. Meus pais, embora não tenham escolaridade - não tenham faculdade, essas coisas - são pessoas humildes e de repente conseguiram me ensinar alguns valores que eu considero primordiais. Eles me ensinaram a trabalhar desde novo, a valorizar, a conquistar um pouco daquilo que eu queria. Ainda me lembro: a minha maior briga, quando eu tinha 14 anos, era pra comprar uma moto e meu pai nunca me bateu, meu pai nunca ficou assim bravo comigo. Ele só falou assim: “tudo bem, nós vamos pensar como que a gente vai fazer a aquisição dessa moto.” Aí de tarde, todo...
Continuar leituraP/1 – Então, Daniel, começando a nossa entrevista, obrigada por ter aceitado o convite de receber a gente aqui na Cooperativa. Eu vou pedir pra você falar seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Tudo bem. Daniel Ribeiro Seabra; nasci no dia primeiro de abril de 1979 no Hospital São Sebastião, aqui no município de Tombos, Minas Gerais.
P/1 – E Daniel, qual o nome dos seus pais e no que eles trabalham? O que eles fazem?
R – Meus pais são agricultores familiares, lidam com café. A principal atividade da nossa propriedade é o café. Depois temos banana, temos vários outros produtos que a gente produz lá na nossa propriedade. Meu pai durante a vida toda lidou com a terra. Eu fui criado nesse meio. Logo moleque, já me levavam pra roça, lidando no meio das lavouras de café, no meio das hortas e aprendi a gostar desse meio que eu convivo hoje. Eu me sinto realizado com isso.
P/1 – Como que eles chamam?
R – Meu pai é Gelsemar Sales Seabra e minha mãe é Dalila Ribeiro Seabra. Eu sou filho único.
P/1 – Isso que eu ia perguntar. Você é filho único?
R – Sou filho único.
P/1 – E como que é essa experiência de ser filho único?
R – Eu costumo dizer que as pessoas fazem alguma ideia de que você tem tudo, né? Eu costumo dizer que eu tive a possibilidade para adquirir quase tudo que eu tive vontade. Meus pais, embora não tenham escolaridade - não tenham faculdade, essas coisas - são pessoas humildes e de repente conseguiram me ensinar alguns valores que eu considero primordiais. Eles me ensinaram a trabalhar desde novo, a valorizar, a conquistar um pouco daquilo que eu queria. Ainda me lembro: a minha maior briga, quando eu tinha 14 anos, era pra comprar uma moto e meu pai nunca me bateu, meu pai nunca ficou assim bravo comigo. Ele só falou assim: “tudo bem, nós vamos pensar como que a gente vai fazer a aquisição dessa moto.” Aí de tarde, todo dia, toda hora, eu mexia no assunto. Aí de tarde ele falou assim: “está vendo essa área da propriedade aqui? Vou passar ela pra você, você vai cultivar ela e quando você tiver com o valor do produto na sua mão, valor do café, você compra a moto”. Eu demorei três anos pra comprar a moto. Quando eu tive o dinheiro na mão, eu fiquei avaliando se era de fato a moto que eu queria, porque tinha custado tanto ajuntar o café pra isso. Mas eu aprendi que algumas coisas a gente tem que adquirir pra poder valorizar nesse formato. Então acho que, sendo filho único, eu nunca ganhei muitas coisas assim de, digamos, mão beijada. Eu tive que sempre buscar um pouco isso. Eu considero isso hoje um privilégio.
P/1 – Você estava falando que os seus avós também trabalhavam com café? Como é que é isso?
R – Sim. Meus pais sempre. Meu avô lidava com café e meus pais mexem com café hoje e eu também sou cafeicultor. A gente sempre... devido às histórias que a gente visita nos intercâmbios, nos cursos que participa, hoje a gente já não fica mais só dependente do café. A gente tenta diversificar. Então, na nossa propriedade, você vai encontrar lá o palmito pupunha, você vai encontrar lá a banana, você vai encontrar muitas frutas, você vai encontrar mamão, você vai encontrar hortaliças em geral. Então você vai encontrar uma diversificação. Meu pai, por exemplo, ele vende aqui na rua, faz feira três vezes por semana, dos produtos que a gente lida lá. Então hoje a gente já trabalha também processos com as mulheres aqui na Cooperativa, motivando elas a produzir dentro dessa linha aí do “hortifruti”, que eu já tenho alguns mercados institucionais aí que fazem a compra desses produtos. Então a gente tenta diversificar isso aí hoje dentro das propriedades.
P/1 – Agora voltando um pouquinho à sua infância. Como que era você conciliar essas atividades dentro da propriedade com as brincadeiras?
R – Ah, eu brincava. Eu ia pra roça não era pra trabalhar, eu ia pra roça e brincava o dia inteiro lá na roça, junto com... O meu pai foi sempre muito sério. Eu nunca ouvi uma gargalhada do meu pai, mas ele sempre arrumava o tempinho dele pra brincar ali, outro acolá, com a gente. E também com os vizinhos que tocava lavoura pareada lá que tinha os filhos também ali. Então eu consegui conciliar isso. Eu entrei, comecei a estudar na escola no Catuné, que é um distrito aqui de Tombos, com cinco anos. Hoje as crianças entram com três anos na escola. Eu comecei com cinco no período pré-escolar e a coisa foi evoluindo. Eu vinha, estudava até meio dia, estudava de manhã, e hoje eu vejo lá. Eu tenho dois guris, eles vêm, o carro busca eles na porta e leva eles lá. Eu vinha a pé, andava três quilômetros e voltava lá e ia pra propriedade e ficava lá o dia todo junto com a família na propriedade. Desde muito novo, eu não lembro, mas a minha mãe conta que com 40 dias já me levou pra roça. Que eu precisava mesmo de estar trabalhando pra ganhar o sustento. Então me levava junto. Eu aprendi a conviver nesse meio.
P/1 – E essas brincadeiras ali no meio da roça com as outras crianças? O que era?
R – Nós fazíamos pipa. Eu lembro que hoje os meus moleques soltam pipa, eu tenho que comprar uma pipa aqui e levar pra ele, né? Na nossa época a gente fazia os papagaios. Eu fazia, emendava fita de linha mesmo do saco de fibra, e fazia pra empinar as pipas, pião, bolinha de gude, fazia de tudo. Inventava as brincadeiras, que era uma forma de criatividade. Então acho que isso foi uma infância muito boa. O pessoal costuma dizer: “e aí, você tem algum trauma da infância?”. Eu posso te dizer que não, que eu nunca fui aquele idealizador de ter assim muito. Eu sempre busquei ali nas coisas simples mesmo me realizar com aquilo ali. Então acho que foi muito bom, minha infância, eu... Diferenciada, né?
P/1 – Daniel, e dentro da casa, você tinha alguma atividade ou sua mãe que cuidava da arrumação toda, como que era isso? Da cozinha?
R – A minha mãe sempre agiu de maneira engraçada. Eu fico olhando... ela chegava e almoçava todo mundo ali. Se tivesse em casa era ali na mesa. Sempre foram muito religiosos, meus pais. E faziam oração no início ali. Se você acabasse de almoçar, colocava o pratinho lá, cada um lavava o seu. Desde moleque pendurava o copo lá. Assim: “aqui em casa ninguém é empregado de ninguém. Todo mundo tem que fazer a sua contribuição”. A parte mais pesada, a mãe fazia. A mãe chegava no final de semana, que era hora de ela limpar a casa. Então ela ia fazer, lavar a roupa no final de semana. A parte de limpeza de casa, varrer, passar pano, varrer os terreiros, capinar os terreiros, tinha que ser nós ali. O pai, quando tinha tempo, era eu que o envolvia no processo. Então acho que era mais ou menos nesse sentido.
P/1 – Maravilha. E como que foi crescer, assim? Você foi ficando adolescente, como que o seu grupo de amizade, quem que foi ficando?
R – Eu moro numa comunidade que o grau de parentesco no entorno ali é muito bom. Meu avô mora logo do lado, a 50 metros da minha casa... meus tios. E hoje eu fico vendo que o povo não para muito pra jogar bola, jogar baralho, fazer essas coisas. Essa adolescência quando chegava um feriado, um dia santo (que lá na roça não tem o feriado; feriado as pessoas trabalham do mesmo jeito. Lá eles falam dia santo). E no final de semana jogava bola, os dias santos o tempo inteiro, dentro da nossa adolescência, com os vizinhos ali. Hoje em dia mais é dentro de casa, você fica mais preso ali com os eletroeletrônicos. Na nossa época era mais voltada mesmo lá no meio das plantações, nos terreiros, que hoje a gente seca café, na época também. Durante esse período nós vivíamos jogando bola ali. A gente chegava de tarde, ia um pra casa do outro e jogava baralho, trocava ideia, contava história. Naquela época o pessoal contava muita história que tinha assombração, tinha outra e eram muitas histórias nesse sentido.
P/1 – Você se lembra de alguma?
R – Eu lembro que o pessoal falava que você começa, sempre ia, e quando morria alguém falava que: “ó, se fulano não fosse tão bom, ele vai virar uma mula sem cabeça e vai sair por aí!” E nós, molecotes, dez, onze anos, doze, ficávamos cheio de medo com aquilo ali. Outra hora escutava um tropel lá no terreiro, o pessoal chegava cheio dessas histórias. Hoje em dia, se você conta isso pros moleques que eu tenho lá com doze, eles dão risada. Olha, eu ainda falo no Papai Noel. Eles acreditaram no Papai Noel. E hoje eu falo que eu tenho um com sete lá, ele dá risada de mim: “você ainda acredita nisso?” Então acho que desmistificou um pouco aquilo que na nossa época era muito bom, você vivia contemplando isso e os mais de idade contavam muitas histórias. Eu lembro que tenho lá um tio que morava logo pra cima de casa. Ele chamava Manoel Seabra Sobrinho. Era um amigão nosso. Era irmão da minha avó. Então nós íamos lá pra casa dele e ele jogava baralho junto com a gente. Ele ensinava-nos a fazer umas mágicas com baralho. Nós ficávamos todos empolgados com ele. Mas é um pouco disso que eu vivi na minha infância. A gente conseguia conciliar os estudos. Eu, embora não tivesse muita contribuição na hora de me ensinar mesmo nas leituras, o meu pai mais a minha mãe sempre me motivaram. Podia estar chovendo que eu tinha que ir pra escola. Falava: “você vai pra lá porque a oportunidade de você aprender é agora, então vamos lá.” E é isso mais ou menos. Nesse sentido que foi minha infância.
P/1 – E tinha energia elétrica lá quando você era criança?
R – Foi ter energia elétrica na minha casa eu estava com 14 anos. Antes era no lampião a gás, que aí que foi colocar energia elétrica. Mas mesmo assim foi uma resistência do meu avô que achava que não haveria necessidade de colocar energia elétrica lá. Com muito custo convencemos ele. Falei: “não, vô, tem que ter!” Aí junto com isso veio a televisão e veio os outros eletroeletrônicos, os eletrodomésticos. E começamos a ser mais incluídos nesse mercado que até então era diferente. Estudava aqui em Tombos. Comecei a estudar aqui em Tombos com 14 anos e aí de repente eu chegava aqui, os moleques, meus colegas contando lá de um filme, de uma novela, de uma coisa que via e eu ficava meio acanhado. Falei: “mas será? Como que é isso?” Então acho que é nesse sentido aí que a gente conviveu durante esse período. E foi muito bom, viu? Hoje quando falta energia lá em casa dá impressão de que o mundo está acabando, que aí não funciona a internet, não funciona telefone, não funciona nada. Agora não, naquela época a gente não tinha isso. Era só o lampião mesmo. Lá do meio da casa, clareava a casa inteira. Hoje, na hora de estudar, você já tem que trazer uma lâmpada e colocar por cima ali. É assim que foi.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa. Esse dia santo que vocês trabalhavam na plantação, tinha algum dia que era mais especial, que vocês comemoravam, fazia quermesse, leilão? Tinha algum?
R – É... sempre, por exemplo, dia de São João nós fazíamos lá uma broa com um achocolatado. Na época era um café com leite. Fazíamos lá nas comunidades rurais. Até hoje ainda se faz as fogueiras pra na hora que chegar meia noite o pessoal passar em cima. O Santo Antônio que ficava, pessoal falava: “é aquele que está ficando pra titio ou titia aí, está na hora, né? Então sempre. Até hoje, pra você ter ideia, na minha propriedade tenho ainda um local de reuniões, que a gente fala uma igreja, uma igrejinha que nós construímos lá. Pequeninha, mas ela foi feita em 1977, que já tinha um grupo, antes de eu nascer, que a propriedade era do meu avô. Depois nós acabamos comprando a propriedade ali do entorno e continua até hoje. Uma vez por semana a gente se reúne ali. É o momento da gente fazer a confraternização dos assuntos da semana. Um conta o que é que houve, que é que não houve, como que está sendo a colheita do café, quais as expectativas e o outro conta as histórias. E depois faz as orações. A gente acredita que existe um ser supremo que é capaz de dominar as outras instâncias, que é Deus. Acho que é nesse aí que começa a essência da vida.
P/1 – E quem que comanda essas reuniões? Tem uma pessoa ou... Em algumas cidades fala-se que é animador.
R – Sim.
P/1 – Tem alguém que comanda essas reuniões?
R – O meu pai é coordenador da comunidade, Então ele começou com as Comunidades Eclesiais de Base, que é as CEBs, que o pessoal comenta. Meu pai foi um dos fundadores ali que ajudou a mobilizar ali no entorno da nossa comunidade e várias outras ali, próximas. E é isso. Nasci envolvido nesse contexto e até hoje a gente segue essa linha, segue uns roteiros atualizados com os temas hoje que acontece no Brasil e no mundo e ali é o momento de debater ele e de conversar um pouco sobre isso. A gente perdeu alguns esquemas que a gente considerava importante, que é o de visita. Hoje se eu chego na sua casa e converso com você 30 minutos e vou embora, e não te falo se eu fui lá pegar alguma coisa ou levar alguma coisa, você vai ficar preocupada: “será que eu falei alguma coisa que o Daniel não agradou e ele não falou o que ele queria?” Hoje, se a gente vai numa casa de um vizinho ou de outro, é porque a gente precisa de alguma coisa. A gente não tem mais o hábito de visita, de marcar. A não ser que você marque lá um almoço, um café, uma janta, aí vai. Mas ir lá, bater papo e voltar, a pessoa já não está mais habituada a isso. Então acho que esse ambiente aí hoje a gente ainda consegue aí por causa da nossa comunidade lá do alto Catuné.
P/1 – Continua chamando Comunidade Eclesial?
R – Comunidades Eclesiais de Base na região, e lá é a comunidade Alto Catuné. A gente participa do setor de cima, que está no município vizinho de Eugenópolis, que pega mais 19 comunidades. Aí você reúne, discute alguns temas. Uma vez por mês reúne o grupão todo pra trocar algumas ideias. É nesse sentido.
P/1 – Quantas pessoas chegam a reunir? Só pra ter uma ideia.
R – Na nossa comunidade varia, a gente costuma dizer que varia muito. Hoje em dia as pessoas mudam muito. Nossa comunidade nunca passou de 35, 40 pessoas, mas também nunca veio menos de 15, 20 pessoas. Então fica sempre naquele ali: um desanima, outro anima e vai naquele sentido ali.
P/1 – Daniel, voltando lá aos seus 14 anos, na sua adolescência, depois que você cultivou três anos o seu pedaço de terra, você pensou se ia comprar a moto ou não, o que você fez com o dinheiro?
R – Eu comprei, de fato comprei a moto. E aí o camarada chegou lá em casa, encostou a moto lá. Eu falei com o pai assim: “agora eu estou indo pra Tombos, pai, pra festa. Aí sacudiu o tanque da moto. Ele falou assim: “É... parece que não tem gasolina, não.” E eu falei: “É, sim, pai. Não tem, não. Como que eu vou fazer?”. “Tem que colocar gasolina.” “E aí? Como é que põe?”. “Vai lá embaixo, no posto. Tem que pagar e colocar a gasolina”. Aí pronto, eu dei uma recuada. Falei: “então ‘tá! É devagarzinho, né?”. Então nesse intervalo de tempo, tava estudando aqui em Tombos. Eu nunca tinha feito ideia de um dia sair da nossa cidade aqui. Eu sempre achava que finalizando meus estudos aqui em Tombos, vinha, aqui era uma festa. Chegava no meio da rapaziada aqui, e a gente estudava e se divertia, né? Então, nesse intervalo de tempo, eu formei aqui em Tombos. Com 17 anos formei aqui em Tombos e surgiu uma possibilidade de eu ir morar em Belo Horizonte. Eu nunca tinha ido em Belo Horizonte nem a passeio. Eu falei: “ah, vou fazer o quê? Eu vou, não vou?”. Aí cheguei pro meu pai e falei com ele assim: “pai, eu estou querendo ir embora pra Belo Horizonte.” Ele falou: “ah, é? Então, está bom.” A mãe chorou, mas chorou e o pai não comentou nada. Aí eu liguei pra lá pra saber como é que era. Os caras falaram assim: “É uma casa do movimento popular. É um local em que alguns professores da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] dão aula como voluntário. Então você vai poder trabalhar durante o dia; de noite você vai pra lá e vai fazer um cursinho alternativo com eles e aí você vai morar numa república com mais oito ou 10 pessoas. Ali você vai dividir o aluguel, dividir a água e luz e tal”. Falei: “tudo bem”. Cheguei pro pai e falei: “pai, eu estou decidido e eu vou mesmo.”
P/1 – Era através da igreja também?
R – Não. Era através do... Eu comecei, a igreja, a CEBs, junto com a CEBs nasceu sindicatos, associações e foi através de uma associação que a gente descobriu lá em Belo Horizonte, mais precisamente em Contagem, Eldorado, ali que funcionava, pertinho do Big Shop ali, na época .E surgiu a possibilidade, liguei pro pai, e falei assim: “está, tudo bem, então vamos fazer o quê? Você vai ter que ir, né? Só não tem como te ajudar muito, quase nada. Você conhece a nossa realidade.” Falei: “não, pai”. Expliquei pra ele como que era, não tinha que pagar o cursinho, você só ia pagar o material, ia dar pra trabalhar. Juntei minha mochilinha, joguei nas costas, peguei o endereço. Falei com meu pai assim - eu lembro como se fosse hoje -, falei: “e aí, pai? Qual é o conselho que você vai me dar?”. Ele falou assim: “bom, meu filho, tudo o que eu tinha pra te ensinar eu já te ensinei.” Eu falei: “pô, não era isso, pai, que eu queria escutar, mas e aí?” Ele falou assim: “o que é seu é seu, o que não é seu é do outro. Então pode estar desgarrado em qualquer lugar, mas não é seu, tem dono.” Eu falei: “pai, e mais o quê?”. ”Dá licença, me desculpe, por favor, isso aí são coisas que abrem portas em qualquer lugar que você for, de maneira simples.” Esse conselho ele falando pra mim, né? Falei: “pai, mas é assim?”. “É, isso aí.” “Só isso?” “Ah, se você fizer isso aí já começa”. E eu fui. Fui pra Belo Horizonte, cheguei na rodoviária. Eu fiquei olhando pra que lado ficava Eldorado. Aí que eu tinha que ir pra uma estação do metro e depois ir pra lá. Bati na porta lá, com mais oito pessoas morando dentro de uma casa que eu nunca tinha visto na vida. Me apresentei e ali começou a distribuição de funções. Como a gente estava envolvido nesse trabalho social, isso na época o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] estava no auge, então a gente envolveu também no processo do MST. Quantas vezes nós acampamos na Praça da Estação, Praça da Liberdade lá, gritando que o grito da terra, que nós tínhamos que valorizar aquilo, o trabalhador, a trabalhadora. Na época era, hoje eu vejo um Plano Safra aí com um valor significativo, voltado pra agricultura. Mas na época não. Isso foi lá debaixo da lona preta que a gente demandava essas ações.
P/1 – Que ano que é isso mais ou menos? Você lembra?
R – Isso foi em 1998 que o PRONAF [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] começou surgir nessa época. Depois de 2000 começou de fato ser mesmo efetuado no Brasil todo.
P/1 – Que eram as demandas que vocês levavam?
R – Isso. Que aí na época o governador lá era o Itamar Franco, nós já gritamos muito pro Itamar Franco. Então nesse sentido eu comecei envolvendo nesse contexto aí. Prestei vestibular na PUC [Pontifícia Universidade Católica], aí passei na primeira. Fiquei excedente de dois candidatos. Aí prestei vestibular na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], passei na primeira etapa e não passei na segunda. Aí falei: “está difícil”. Prestei vestibular lá na UFOP [Universidade Federal de Ouro Preto], lá em Ouro Preto. Passei numa etapa, não passei na outra. Aí prestei vestibular em Divinópolis, na UEMG [Universidade Estadual de Minas Gerais]. Passei. Na hora de efetivar a matrícula, tinha uma taxa como se fosse aí uns trezentos reais hoje. Eu não tinha dinheiro. Liguei pro meu pai. O pai falou: “meu filho, o que eu tinha aqui eu já te ajudei no aluguel do mês passado. Esse mês não tem jeito, não”. E eu não consegui me matricular. Aí falei: “bom, seja o que Deus quiser. Juntei minha mala e vim pra casa. Aí o pessoal me perguntava: “E aí, o que você está fazendo?”, “Ah, eu estou de férias”. Férias nada: estava enrolado o que eu ia fazer, né? Aí eu tinha um primo que estava num seminário ali em Eugenópolis. Seminário pra padre. Ele falou assim: “Escuta, você nunca pensou em ser um padre, não?”, falei: “Rapaz, você sabe que seria uma boa ideia?” Aí eu falei assim: “Mas padre?”“ É, padre!”. Falei: “Então está aí! Vamos fazer uma experiência.” Coincidiu de à tarde o padre ir lá na nossa comunidade pra celebrar missa.” Ele vai lá uma vez por mês. Aí o Padre Marcelo me batizou, me deu a primeira comunhão e me ajudou lá pra fazer a crisma, essas coisas, me preparou pra isso. Eu falei: “Escuta padre, eu estou querendo fazer uma experiência daqui uns dias, celebrar, o que é que você acha?” Ele falou: “É uma boa ideia.” Falei: “Como é que é?” Ele: “É, é isso mesmo.” Ele falou assim: “Se você quiser, está descendo um grupo de estudantes amanhã pra Espírito Santo do Pinhal.” “Para que lado fica isso?”, “Ah, fica no estado de São Paulo, divisão lá com Minas Gerais de novo. Se você quiser você pode descer junto com eles amanhã.” Eu falei assim: “pode separar minha vaga lá que eu vou.” Cheguei em casa, falei pro pai: “eu estou indo pra São Paulo, pai.” Ele falou: “pra São Paulo?” “É, pra São Paulo.” Ajuntei minhas coisas e fui fazer uma experiência lá, aí prestei vestibular em Campinas, na PUC-Campinas. Passei na PUC-Campinas. Comecei a fazer uma experiência nos Agostinianos da Assunção, que é experiência religiosa. Então foi uma experiência ímpar com mais 18 pessoas seguindo essa linha aí da linha sacerdotal. Você fazer primeiro o aspirantado, depois o postulantado, depois o noviciado, em que são etapas que você estuda você mesmo. Na vida do matrimônio você se confronta com o seu esposo ou esposa; no caso lá você se confronta com o seu eu. Eu lembro que a primeira pergunta que o padre me fez, quando eu cheguei lá, ele falou assim: “Escuta, como é o seu nome?”, eu falei: “Daniel.” Ele falou assim: “Por que é que não é Zé, não é Mané, não é Pedro? Por que é Daniel?” Eu falei: “Bom, a gente acha que porque meu pai sempre foi religioso e Daniel é nome de um profeta. Eu suponho que ele tenha colocado por causa disso.” Ele falou: “Hum, mas poderia ser outro nome.” Falei: “Poderia.” Aí começou: “O que você mais gosta?” Eu falei: “Bom, isso aí é muito genérico. O que eu gosto?” E ele falou: “É, o que você mais gosta?” E aí a gente começa a fazer reflexão dos valores, do que você gosta de comer, do que você gosta de vestir, do que você gosta de curtir. Ele falou: “O que você não gosta?” Aí falei: “‘Ichi’, agora apertou, hein? O que é que eu não gosto?” Aí você fica balanceado e aí são algumas interrogações que normalmente a gente não faz na nossa vida. Você fica muito artificial naquilo. Às vezes, você tem até um foco, mas você não aprofunda, não curte aquela trajetória até chegar lá onde você apontou que quer chegar, né? Então dentro do seminário acontecia um pouco disso. Nós levantávamos às cinco horas da manhã, cinco e meia era oração. Seis horas nós estávamos tomando café, seis e quinze, seis e vinte estava indo pra faculdade.
P/1 – Faculdade do quê, Daniel?
R – Era Filosofia. Então eu fiz quatro períodos de Filosofia e depois eu comecei a me envolver muito dentro da igreja. Então participava de pastorais, ajudava a administrar uma coisa, administrava outra. Tinha um grupo de jovens que nós estávamos tomando conta e, de repente, eu comecei a ver algumas coisas com que eu não concordava. Eu lembro que na época, isso é 2000, 2001, nós estávamos morando numa casa que valia dois milhões e duzentos mil. Andava num carro de 50, 60 mil e por baixo, na favela, o pessoal que pagava o dízimo pra nós e chegava lá e tirava o que dava pra pagar um bujão de gás ou fazer uma compra. Falei: “Mas tem que ser assim?” “É.” Falei:“ Bom, eu saí do oposto”. Eu saí de Belo Horizonte onde se eu pagasse o pão pra você dentro da república, eu falava assim: “Ontem eu paguei pra você, hoje você paga pra mim.”. De repente eu chego ao seminário onde eu ando de carro importado, moro numa casa diferenciada, curso uma faculdade que na época, era setecentos reais - isso há dez anos, pra você ter uma idéia -, e aí, como é que fica? Eu falei: “Bom, eu quero ajudar nosso povo, mas de maneira diferente. Estou trancando a minha matrícula e estou voltando. Aqui pra mim, se eu ficar aqui eu vou perder minha fé em Deus”. Aí juntei minhas coisas, cheguei em casa, expliquei pro pai. A mãe falou: “Mas você não fixar em nada, você não vai a lugar nenhum, não. Você tem que...”, “Eu sei, mãe, mas eu estou, além de tudo, aproveitando cada lugar que eu passo.” E isso eu consegui. Belo Horizonte foi um lugar impar. Eu convivi com pessoas que eu nunca tinha visto e quando eu saí de lá, nós fizemos uma confraternização. Nós ficamos todo mundo chorando. Porque criamos uns laços de amizade, de carinho com as pessoas. E no seminário não foi diferente. Então, mais ou menos nesse sentido aí. E sempre mantendo o elo com a família, com os amigos aqui. Vinha aqui duas, três vezes por ano. Voltei pra cá, 2002, 2003.
P/1 – Como é que foi tomar essa decisão, pessoalmente? Porque assim, você teve essa percepção toda. Como que foi tomar essa decisão de voltar pra Tombos? O que fazer da vida? Como que foi isso pra você, esse momento de passagem?
R – Eu costumo dizer que essa vida é muito passageira e a Filosofia me ajudou nesse ponto. Você começa a valorizar muito o seu presente. Porque o futuro a gente almeja ele, sonha, quer, mas ele é futuro. E o passado também por mais que você, às vezes, lamente que poderia ter sido diferente, você já não tem como modificá-lo, pois já ficou no passado e o que estava me dando agonia era a incapacidade de poder estar contribuindo com as pessoas. Porque a igreja, de certa forma, ela limitava algumas ações. Vamos citar um exemplo. No campo da formação social da pessoa, enquanto até mesmo na linha partidária, a igreja proibia a gente de fazer esse tipo de ações. E eu falei: “Bom, se não tiver uma conscientização da pessoa, ela não é capaz de transformar nem o local que ele está vivendo. Vou voltar e vou me envolver em outro processo que altera a mudança, altera a renda.” Eu lembro como eu gostava de me envolver nessas áreas, eles sempre pegavam as coisas mais polêmicas e me davam. As duas pastorais de que eu participava lá em Campinas, uma era da penitenciária, que eu ia lá uma vez por semana visitar lá no meio daquele povo. Cada rapagão lá com 20 anos, 17 anos, 18 anos lá, com uma vida toda pela frente, tinha cometido uma atrocidade qualquer e estava lá com 30 anos de pena. E aí tinha uma irmã que morava lá pertinho, ela conversava muito com eles e eu assistia. E a outra pastoral que a gente acompanhava, que era dos catadores de papéis. E teve um dia que nós trabalhamos o final de semana inteirinho, ajudando, que tinha um que cheirava muita cola e ele precisava fazer um exame na segunda feira e não tinha conseguido dinheiro. Falei: ”Vamos juntar tudo aqui e vamos vender o papelão. Na segunda feira, ele vai fazer”. Aí, beleza. Chegou no domingo à noite, chegou lá em casa o amigo dele correndo: “Vamos lá que...”, falei: “O que aconteceu?”. Ele tinha ido pra fumar uma pedra e tinha colocado fogo naquilo tudo e tinha ido nosso serviço da sexta-feira. Até eu falei com o padre assim: “Não mexo com isso mais, viu?” Ele falou assim: “Bom, coitado dele, olha o vício dele, olha a necessidade dele. Nós não, indiferente do que você fez, seu esforço físico, nós estamos aqui. E ele?” Eu acho que é um pouco nessa linha. Eu trabalhava lá; eu tentei voltar pra cá. Voltei em 2003.
P/1 – Deixa só eu fazer uma pergunta antes de pegar essa volta. Faculdade de Filosofia não é exatamente um curso fácil. Como que foi poder cursar na PUC de Campinas, que é puxado?
R – Com certeza, tinha um desafio a mais. Nos Agostinianos da Assunção a média da PUC é cinco, mas a média do seminário é sete e meio. Então tudo que você estudava, estudava muito lá e toda média que fosse abaixo de sete e meio você entrava em recuperação direto. Norma de seu seminário. Aí você começa a ter que conciliar. Eu conciliava lá vida dentro da casa com aquele grupo de pessoas que eles chamavam de vida comunitária; a vida religiosa que é a visita e o ambiente que você está inserido dentro das comunidades - que lá também era distribuído em comunidades -; e o entendimento na área do conhecimento intelectual. Então era uma disputa boa disso tudo aí acontecendo na cabeça dos seminaristas. Eu saí dos 18 quando eu entrei, quando eu saí só ficaram seis lá dentro. E eu lembro de uma frase que o padre falou comigo no dia em que eu fiz o relatório. Expliquei tudo, porque eu estava saindo. Entreguei pra ele. Ele falou assim comigo: “É por isso que a nossa igreja não vai pra frente”. Falei “Que isso, padre? Me perdoe. Só porque eu estou saindo?”. “Não. Aqueles que são bons, que são capazes de produzir algo e tornar diferente o meio em que está, eles vão caçar um jeito de ser um administrador, vão caçar jeito de ser um advogado, qualquer coisa. Aqui, você sabe o que é que fica pra mim?” Falei: “Não, padre, não sei, não. Aqueles que crêem em Deus?”. “Não, aqueles que têm um problema sexual mal resolvido. Aqueles que não conseguem arrumar uma namorada. Esses ficam aqui e que vão administrar nossa igreja. Por isso que está ficando do jeito que está aí. Não prospera. É por causa desses fatos.” Falei: “Bom, padre, e se eu ficar aqui quem não vai realizar sou eu”. Então acho que é mais ou menos nesse sentido aí. Falei: “Bom, você me ensinou ser autocrítico, então agora não tem como voltar pra dentro da caixinha de novo.” É mais ou menos isso aí.
P/1 – Aí chegando aqui, quantos anos você tinha, Daniel?
R – Deixa eu ver... Nasci em 1979. 22 pra 23 anos.
P/1 – Já tinha essa experiência toda. Aí você chegou aqui então em Tombos...
R – Cheguei em Tombos e falei: “Vou passar pelo menos uns cinco anos agora sem me envolver em nada. Só vou cuidar da propriedade. Quero refrescar minha cabeça e não vou envolver nessas coisas mais, não.” Isso foi em fevereiro. Na hora que foi em março apareceu um camarada lá em casa: “Escuta rapaz, está tendo um curso de cooperativismo lá em Tombos em tem uma vaga lá que eu separei para você. Vamos lá”. Três etapas do curso que eu participei. Saí de lá presidente da Cresol [Cooperativa de Crédito Rural com Interação Solidária] , cooperativa de crédito nossa. Isso em 2003. Imagina um agricultor que tinha voltado pra cá pra começar a administrar um sistema financeiro! Nós começamos com 29 cooperados, pra você ter uma ideia, e três mil e duzentos reais em capital social, que eram as cotas, ações ali pra se constituir a cooperativa e era só Tombos, Pedra Dourada e Queiroz, distrito de Eugenópolis, de abrangência. E foi evoluindo aquele mandato. Nós trabalhamos aqui em Tombos e visitando os cooperados. Hoje ela está com três mil e poucos cooperados. Na carteira aí de nove milhões de reais. Eu fui presidente dela durante dois mandatos, até 2009. De 2009 a 2012, eu fui diretor financeiro dela. Aí me afastei em 2012. Eu saí candidato aqui dentro do município. Então a gente percebe que houve uma evolução muito grande dentro desse sistema financeiro de 2009 pra 2012. Falei com o atual presidente hoje que é o Jerônimo, que eu tinha contratado ele pra ser meu funcionário, para ser o caixa. Ele é lá do distrito de Catuné e ele começou trabalhando comigo, foi evoluindo bem. Aí um ano antes da eleição eu chamei ele e falei: “Senta aqui.” Aí nós já tínhamos aberto a abrangência pra em vez de três municípios, pra 16 municípios. Falei pra ele: “Escuta, o próximo presidente da cooperativa é você”. Ele falou assim: “Você está doido, rapaz”. Falei: “Está na sua mão”. Apanhei cópia da documentação sobre cooperativismo todinho, coloquei na mão dele, falei: “Agora é com você. Você vai ter até dezembro pra ‘degustar’ isso aí e aí nós vamos voltar a conversar. Se eu perceber que você tem capacidade e que vai conseguir exercer a função eu vou te colocar como presidente em março do ano que vem. Se não, eu vou ter que ver o que eu faço aí”. “E você?”. “Eu estou percebendo que está um ramo ficando pra trás.” Ele falou: “Qual?” “O da produção. Não adianta você pensar no crédito sem ter a produção. Você vai emprestar pra quem se o cara não produzir? Então eu preciso de alguém pra assumir isso aí”. E assim foi. Chegou Dezembro, chamei ele, falei: “E aí, está preparado, mas não está cem por cento. Então o que eu vou fazer? Vou ficar como diretor financeiro e você vai ficar como presidente da cooperativa até pra dar suporte na região”. O povo não conhecia muito ele. E assim foi. Separou, e aí rodamos a região inteira. Em 2010 nós constituímos aqui a Cooperativa de Produção, envolvemos nesse processo aí junto com ele, e vamos, e vamos. Chegou 2012, falou: “agora você continua como diretor financeiro?”. Falei: “Não, agora já tem mais pessoas que são capazes de dar continuidade, não é?”. “É, mas agora que está dando dinheiro.”. Falei: “bom proveito ‘procêis’, vocês tem que aproveitar mesmo isso aí.” Na nossa época era todo mundo voluntário, ninguém recebia nada. Hoje já tem um salarinho respeitado. Aí ele falou: “E a produção?”. Falei: “Na produção eu vou precisar da sua ajuda”. E assim foi. Em 2011 falei: “E agora? Qual o desafio da produção?” Porque hoje em qualquer boteco que você vai aí tem um contador que chega no final do ano emite pra ele a despesa e receita; ele sabe que é que deu pra ele. Em propriedade rural, se você perguntar hoje a um produtor nosso quanto que custou um saco de café pra ele produzir, pode falar assim: “Duzentos e cinquenta reais.” Fala: “não, pra produzir!” Aí você vai tirar lá os insumos, o manejo e tudo. Ele não faz essa conta. Ele não tem ainda esse poder de discernir o valor agregado do produto dele. Então qual é o desafio? E aí eu costumo dizer que eu sou um camarada meio iluminado. Eu não fico fazendo muita projeção pro futuro, não, porque às vezes não acontece, eu fico meio frustrado. Mas quando você tem boas ações e o foco é nisso aí, a coisa acontece muito natural. E de repente surge aqui em Tombos o Mineroduto. Falei: “Mineroduto? O que é que vai fazer esse Mineroduto aqui em Tombos?” E aí começamos assistindo aqui. O Ivan em 2009 havia me convidado pra participar da secretaria de agricultura.
P/1 – Quem é Ivan?
R – Ivan era o prefeito 2008, 2012. Aí eu comecei como secretário da agricultura também nesse intervalo. Então aconteceu muita coisa em pouco tempo. Eu secretário da agricultura, surgiu esse projeto do Mineroduto, da área social, e aí falei: “Bom, vamos apresentar um projeto pra Camargo Corrêa.”
P/1 – Você viu uma oportunidade?
R – Com certeza, voltado na área do foco da produção que a gente queria. E aí foi feito primeiro um diagnóstico dentro do município. Dentro desse diagnóstico foram levantadas duas entidades que foi no caso a nossa cooperativa e a Apat [Associação dos Pequenos Agricultores e Trabalhadores Rurais] que hoje está liquidada aí dentro do município. Aí afunilou ali na hora de definir: só poderia ser uma, uma entidade só. E a nossa estava tudo com a documentação regularizada, tudo direitinho, foi selecionada pra estar fazendo essa parceria do projeto. Então esse período de transição do projeto, também eu enquanto secretário, houve influência do poder público, pela questão do espaço que está construído, o espaço físico que ele foi cedido em comodato, pra 20 anos pra dentro da nossa cooperativa, pra poder estar colocando esse projeto em andamento. Então é mais ou menos nessa linha que chegaram as possibilidades todas ao mesmo tempo. Em 2012, eu lancei meu nome na cidade pra ser candidato a prefeito da cidade. O pessoal: “mas não é vereador, não?”, falei: “Bom, vereador nosso aí eu estou sentindo que eles não tão conseguindo mobilizar nem realizar nada. Eu se não for pra entrar pra ajudar fazer alguma coisa, eu, só por dinheiro, eu tenho minha propriedade lá que dá muito mais do que isso.” Aí nós montamos um planejamento bom que passava desde a educação da creche. Nós trouxemos pra dentro do município aí 12 milhões de reais dentro de dois anos, três anos. Então você tem uma creche hoje que pensa na criança desde o berçário até os seis anos. Nós tínhamos um projeto de escola técnica federal, nós tínhamos um projeto aí bom na área de saúde, fazer uma parceria com os hospitais vizinhos. Mas de repente perdemos a eleição. Tive 45 por cento dos votos e não foi nessa oportunidade que a gente ganhou a eleição pra colocar esse projeto em andamento. Em contrapartida, nosso projeto continua. A vantagem de você lidar com muita coisa é isso. Nós temos hoje no ramo do crédito, uma cooperativa indo bem e no ramo da produção também. E aí os desafios da produção são uns desafios bons porque eu estou indo lá lidar com pessoas; são produtores que assim como eu, a vida inteira lidaram com o produto, com o café e aí nós estamos tentando introduzir nesse meio a diversificação da produção. Mas ia dizendo pra vocês a respeito do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), né? O que é PNAE? É aquisição da merenda escolar e da lei dos 30 por cento e aí nós colocamos aí agora o seguinte. Percebemos que na linha do café, culturalmente, o dinheiro movimenta na mão dos homens, embora a mulher trabalhe, faça tudo, chega no final da colheita quem vende o café? É o homem. Quem fala o que é que vai fazer com o dinheiro? É o homem. Falei então: “No PNAE nós vamos fazer diferente”. Participamos da chamada pública, ganhamos, hoje tem cinquenta e poucos mil aí sendo trabalhados. Chamamos, vai ser só mulher. Em contrapartida nós vamos produzir e nós vamos comercializar, o dinheiro vai cair direto na conta dela. Elas abriram a conta na Cresol, a cooperativa de crédito nossa, nós recolhemos os produtos dela uma vez por semana, entregamos na escolas, põe o dinheiro no final do mês e distribui na conta delas na cooperativa. E aí a surpresa, né? As mulheres são muito organizadas, viu? O padrão, a qualidade dos produtos que elas entregam é nota dez. Então percebemos que hoje 50 por cento do nosso quadro é mulher.
P/1 – Por que é muito organizado? São elas que cuidam da produção toda, elas que decidem o que vai plantar? Como é isso?
R – Sim, nós passamos pra elas um check list de 12 variedades de produtos diferentes de folha e legumes.
P/1 – Já é voltado pra atendimento escolar?
R – Isso. Doze produtos que nós tínhamos que entregar. E assim nós fizemos. Elas escolheram. Falei: “não são todas que vao escolher um produto só, mas nós vamos trabalhar a possibilidade de trabalhar por etapas. Quem vai produzir o quê?”. E assim nós fizemos. Aí padrão de qualidade. Falei pra elas assim: ”vamos imaginar as verduras e legumes, a forma que são amarrados, a forma, o tamanho, tudo direitinho. Então é tranqüilo. Está sendo muito boa a experiência.
P/1 – O que elas fazem com o dinheiro? Você tem ideia?
R – Eu tive. Nós estamos pagando elas e nós vamos fazer uma assembleia daqui a uns dias. Eu falei com elas, que eu quero ter essa curiosidade. Mas normalmente é envolvido mesmo dentro do grupo familiar. Mas eu falei com elas: “a definição do dinheiro, o que vocês vão fazer, não tem como a gente interferir.” Mas nós queríamos que chegasse nas mãos delas. Geralmente a mulher compra coisa pra dentro de casa. Diferente do homem. O homem quer comprar um carro, quer comprar uma moto, quer comprar alguma coisa. A mulher pensa alguma coisa mais no grupo familiar. É mais voltado pro coletivo.
P/2 – Daniel, eu queria aproveitar e voltar um pouquinho para saber como é que foi a escolha do nome da cooperativa e achar um ramo pra ela. A importância de você juntar esses trabalhadores. De ter um trabalho em grupo, uma consciência coletiva, cooperada.
R – É, antes do nome cooperativa, existia um trabalho de compra e venda coletiva, um grupo informal de que nós comprávamos os adubos, fazia, juntava a lista aí, tantos X de pessoas com quantidades de adubo e na hora de vender o café também fazia um pouco isso amarrado, mas não tinha o nome. Era até então ficava assim meio informal. A partir de então nós reunimos um grupo e dentro desse grupo nós começamos a imaginar, fizemos uma reunião de planejamento e focamos que nós queríamos criar uma cooperativa e marcamos a criação dela pra daí 60 dias. Nesses 60 dias cada um ia trazer um nome que nós daríamos pra essa cooperativa. E assim nós fizemos. No final de 60 dias deram 30 nomes. E saiu confusão, viu? É muito fácil você chegar e falar assim: “O nome vai ser esse.” Mas não de maneira participativa. Aí nós colocamos tudo lá assim e aí fomos selecionando. Demos três papeizinhos pra cada um, falei assim: “agora você tem três papéis na sua mão. Quem acha que vai ser aquele nome lá vai lá e coloca em cima”. E aí nós afunilamos pra três e aí voltamos dos três de novo e selecionamos Cooprosol - Cooperativa de Produção da Economia Solidária de Tombos -. Nós demos uma juntada aí e o nome fantasia Cooprosol. É assim que surgiu o nome da cooperativa.
P/1 – E qual que é a importância de se trabalhar em grupo?
R – É, hoje a gente percebe que se não for assim, a gente não consegue diminuir o valor na hora da compra e não consegue agregar valor na hora da venda. Acho que o povo percebeu justamente isso. E a interação entre pessoas, a troca de experiência. Às vezes eu estou fazendo algo que é muito bom lá na minha propriedade, mas você desconhece. Quando você agrupa mais pessoas, eu falo o que está acontecendo, outras pessoas falam também dos demais assuntos e vai interagindo entre o grupo. Hoje a gente percebe isso no meio. Imagina no caso aqui do adubo. Alguns falam assim: “eu estou colocando um produto tal na minha lavoura e está dando muito certo.” Aí outro fala: “mas isso aí eu não coloquei, eu coloquei foi um outro.” Aí começa fazer esse intercâmbio, e é muito bom.
P/1 – Daniel, qual é importância dessa parceria, Instituto Camargo Corrêa, a Cooprosol, o apoio, a contrapartida da prefeitura com a cessão em comodato do terreno? Qual que é a importância desse conjunto de fatores?
R – Eu costumo dizer que a Camargo está realizando um sonho nosso. Nós tínhamos vários sonhos e esbarrávamos nos recursos financeiros. E quando você pensa a construção de um galpão de cento e sessenta mil, você fala: “Não é juntando aqui, um pouco aqui, um pouco lá, é muito difícil”. Você pensa num capital de giro. Como é que você vai agrupar esse capital de giro? Nós tínhamos boas ideias, faltavam corajosos pra investir nessas boas ideias. E a Camargo, eu costumo dizer que chegou na hora em que precisávamos. Nós tivemos um planejamento essa semana de algumas ações, e temos a obrigação de fazer esse projeto dar certo. Porque nós temos esse sonho já de uns dez anos pra cá e agora nós temos a possibilidade de estar realizando ele com algumas ações lá na propriedade e também lá na hora de comercializar. Então fazer esse trabalho dar certo dentro do município. E a Camargo, ela que contribuiu com isso.
P/2 – Que sonho é esse?
R – A gente costuma dizer que o sonho nosso é tirar o intermediário do meio. Hoje nós fizemos um estudo aqui na cooperativa. Vamos imaginar uma saca de café. Dez por cento dele, da receita dele, fica na propriedade para o produtor que planta o café, faz o manejo, colhe o café, seca e limpa ele, deixa na saca pra vender. Sessenta por cento fica da porteira da propriedade pra fora, até na empresa que vai te comprar o café. Sessenta por cento. E trinta por cento fica no comércio, que vai torrar o café, empacotar e vender. Então por que a maior fatia fica no meio sendo que aquele que às vezes que tem todo o trabalho de manuseio do café vai perder, vai ficar com a menor fatia? Então a nossa dinâmica era um pouco isso e a gente percebeu que quanto ao intermediário local nós já conseguimos, pelo menos, dar um norte pra ele. Não vou dizer que nós vamos eliminá-lo, mas nós vamos equiparar os preços, fazer um preço justo do café. Porque as concorrências hoje, graças a Deus, existem. Não se pode ter um só tipo de comércio ou uma só pessoa que vende ou que compra, mas você consegue colocar um preço justo no café e hoje a gente consegue fazer isso através da cooperativa. Lá embaixo existe um processo de corretagem do café e o corretor ainda ganha muito dinheiro. Mas, nesse ano, ainda não conseguimos eliminar ou concorrer diretamente com esse corretor. Por quê? Porque quando eu chego numa empresa - vamos citar aqui uma das maiores compradoras de café da nossa região, a Olam -, quando eu chego lá, querem saber pra quem eu já vendi, como foi a capacidade de honrar o compromisso da entrega, como é que foi a qualidade do produto que eu estou entregando, se eu honrei aquilo que eu tinha descrito antes, e até então a gente não tinha esse processo. A gente passou a fazer esse trabalho agora. Então eu acredito que para o ano que vem nós vamos ter, que agora já entregamos pra duas empresas diferentes. Isso é bom, inclusive eles pagaram mais no café porque o café foi com uma qualidade maior, cresceu ao invés de cortarem o café. Isso é ponto pra cooperativa. Então quando a gente chegar no final do ano ou na safra que vem, pra negociar e falar na cooperativa, que ele puxar lá o cadastro, ele vai ver lá: “Essa empresa já me entregou, já fez isso.” Então nós vamos ter que, digamos, capacitar gente nossa pra ser corretor de café. Que nós, em vez de pegar um corretor, vamos ter uma pessoa aqui dentro que vai ligar pra diversas empresas e vai saber quem é que paga mais o que e aí sim, a gente vai poder fazer isso. Aí que vamos agregar mais valor ainda. Eu digo pra você que desses 60% que fica para o intermediário, nós já pegamos 40 dele. Então já demos um passo importante. E enquanto a prefeitura, poder local, a administração 2008, 2012, ela contribuiu. A sessão da área do terreno por 20 anos, pra poder estar sendo construindo isso aqui, acho que também fez um papel importante, a participação do município. Hoje a gente ainda não está construída ainda uma parceria com a nova administração, mas nós estamos abertos a isso, queremos fazer isso, percebemos que política partidária tem um momento certo pra isso e não é dentro da cooperativa que você vai dar prioridade a partido A, B, C ou D, que vá fazer crescer, evoluir a cooperativa. Então nós já, graças a Deus, essa etapa aí a gente já está conseguindo supera-la. Não fica uma coisa tendenciosa.
P/1 – Em relação ao manejo do café, à produção em si, você e os outros produtores tiveram cursos pra aumentar a produção?
R – Sim.
P/1 – Como foi isso?
R – Tivemos como parceria aqui a EMATER [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural], que é uma das empresas conceituadas aí no Brasil e dá os cursos pros nossos produtores, que ensina a hora certa de fazer a colheita do café. Ah, você tem lá 70% do café de maduro, de madurão pra frente. Você já pode começar a colher o café. Antes disso você dá uma segurada senão há perda do café. Aplicação de defensivo nas lavouras, a gente tava observando que o pessoal além de perder dinheiro, tava poluindo a saúde das pessoas e a da terra, porque tava jogando muito veneno de maneira desnecessária. Hoje, com os cursos, as pessoas percebem que você vai tomar um remédio só se você tiver doente. Se você não tiver doente, não justifica você tomar um remédio. É assim nossas lavouras. Se não tem nenhuma deficiência de alguns nutrientes não tem sentido você aplicar ou dosar aquele remédio. Então acho que esse é o sentido. Mas eu percebo que isso é cultural. É difícil você envolver diretamente na cultura das pessoas. Quando você chega lá orientando as pessoas a fazerem isso, eles acham que você está querendo administrar a propriedade deles. É o contrário. Você está dando subsídios a ele pra poder fazer ganhar dinheiro. Então acho que esse é o processo que dá certo.
P/1 – E como que esses produtores rurais estão vendo o retorno do trabalho da cooperativa? O apoio da Camargo Corrêa, como é que é isso?
R – Ao primeiro passo o povo fica meio desconfiado, e eles veem primeiro o financeiro. Primeira coisa, você viu ali a quantidade de amostra de café que chega. Nós compramos um terço daquele café. Normalmente eles trazem o café, a gente prova, da o laudo pra eles direitinho. Ele chega pro intermediário e fala assim: “a cooperativa está pagando X. Quanto você me paga?”. “Ah não, se a cooperativa está pagando isso e o café deu isso, eu também pago.” Aí ele vende pro outro. É assim. Nós começamos no mercado esse ano. É relação de confiança mesmo das pessoas. É que eles têm que envolver no processo agora e é papel nosso envolver eles no processo, que enquanto cooperativa a gente tem que ir lá e convencer o cooperado que é bom agir de maneira coletiva, vender, fortalecer. Eu ainda costumo dizer pra eles: “o marco regulatório de preços somos nós.” E eles trazem o café aqui. Até os compradores trazem café aqui pra provar.
P/1 – Agora, o beneficiamento do café ele é feito onde?
R – A limpa do café é feita nas propriedades. Nós preferimos por quê? Hoje um dos maiores adubos em termos de potássio é a casca do café. Então se eu colocar uma área pra beneficiar o café aqui em Tombos, eu acabo tirando essa... Que não vai levar a casca pra lá de novo. Então a ideia nossa é que hoje está muito fácil pra você ter um secador em casa, um descascador ambulante. Hoje o cara vai lá na sua propriedade, a hora que você quiser. Ficou muito fácil pra isso acontecer. Então nós preferimos que ele descasque lá, na hora em que ele limpar o café, a gente apanha e faz o trabalho daí pra frente,
P/1 – Aí faz a circulação do produto mesmo?
R – Isso. Porque é a parte que ele não consegue fazer. Até então, ele consegue, qualquer produtor consegue fazer isso, montar um secador na casa dele, um terreiro até mesmo tapado, um descascador. Ele consegue fazer isso. Agora, comercializar daqui pra baixo, aí dificilmente ele vai conseguir fazer.
P/2 – Daniel, conta pra gente, fora esse galpão que a gente está vendo, estamos aqui conversando, quais foram os benefícios desta parceira com a Camargo?
R – Entre esses que eu já citei, o envolvimento, a valorização do cafeicultor, do produtor, acho que a auto-estima da pessoa e hoje isso aqui é uma área coletiva. O pessoal fala assim: “E aí?” Eu estou como presidente, mas nós temos cem cooperados. Tem um tijolinho aqui de cada um deles. Eu falei com eles: “O desafio nosso do município, se nós temos novecentos produtores, é envolvê-los pra dentro aqui, dentro do processo”. Então acho que é mais ou menos isso aí. É difícil de você medir isso dentro desse contexto, mas é mais a parte de envolvimento da cooperativa para com os cooperados, e disso aqui em termos de desenvolvimento para o município, e lá na propriedade, na ponta dos cooperados.
P/2 – E o que é que você sente quando vem pra cá e vê esse espaço aqui, vê o envolvimento de um grupo já maior de cooperados?
R – Eu sinto a sensação de missão cumprida. Hoje, o Fabiano que trabalha comigo, que pena que não está aqui agora. Ele era técnico agrícola, trabalhava comigo na prefeitura. Hoje ele é o secretário da cooperativa, trabalha aqui, degusta o café. O café que chega aqui ele faz a primeira classificação do café, já degusta. E eu falei com ele: “agora você está 90 por cento no ponto pra assumir a presidência da cooperativa”. Falou: “mas o que é que é isso?”. Agora eu estou sentindo que a coisa vai. Nós estamos trabalhando aí numa central de comercialização no estado. Nós temos uma cooperativa pro Estado de Minas Gerais, uma central pra comercializar os diferentes municípios. Falei: “ainda vou dedicar o meu tempo envolvido nesse contexto, Fabiano, e aqui nós vamos separar um grupo de pessoas que vai dar o respaldo na base. E ele: “mas agora que está dando dinheiro?”. Falei: “mas agora que é bom. Então agora vai ser sustentável”. E o Eduardo ainda me perguntava do Instituto Meio: “o projeto finda em Outubro. Como que vai ser o projeto?”. E aí nós fizemos o planejamento voltado pra isso aí. Acho que não vamos, não vai morrer o projeto com o fim do investimento da Camargo Corrêa dentro da cooperativa, mas sempre falando na viabilidade. O que é essa viabilidade? Nós buscamos incrementar até mais algumas coisas. Eu falei pra você da compra da merenda escolar e o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], que é o da Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], envolveu isso aí. Hoje isso traz uma receita pra cooperativa também. Hoje a cada um real vendido aqui em termos de produto, 20 centavos dele fica pra administração da cooperativa. E com o café acontece da mesma forma. A gente trabalha o spreadzinho de cinco reais por saca, e o adubo nós credenciamos a nossa cooperativa pra estar nas maiores empresas de adubo da região, pra estar sendo representante. Então a gente vai comercializar o adubo também. A participação desse adubo fica como spread também pra cooperativa. Então hoje eu considero que vamos ter um período de uma força maior coletiva pra poder resistir e criar essa nova etapa, mas a gente vai continuar sobrevivendo e, com certeza, o marco que a gente não conseguiria fazer, vai permanecer, que é a parte de investimento que foi a contrapartida da Camargo Corrêa.
P/1 – O projeto em si aqui, ele inspirou, fora as parcerias todas que você está falando, os desdobramentos da própria cooperativa, Tem outros projetos que se inspiraram na experiência de vocês de união, de economia solidária? Você tem ideia disso?
R – Sim. Em 2010 foi criada essa aqui. Hoje temos oito cooperativas iguais a essa.
P/1 – Aqui na região?
R – Aqui na região. Temos em Eugenópolis; em Fervedouro, está saindo CNPJ agora. Em Muriaé nós estamos criando e nós temos um foco de vinte cooperativas. É essa central de comercialização. A única coisa que não tem jeito é você bater o escanteio e correr pra cabecear. Você tem que ter um grupo de pessoas dentro do município que quando você falar lá, você tem respaldo aqui. É isso que a gente está tentando fazer: pegar um grupo de lideranças, distribuir funções e papéis pra cada um, e depois a gente garantir mercado. Eu chego numa empresa hoje e falo assim: “Eu tenho mil sacas de café, eu vou bater o martelo, eu vou fechar negócio com você hoje aqui”. Eu tenho que saber se tem um grupo de pessoas hoje que identifica mais ou menos onde que está esse café para a gente poder honrar o compromisso. É isto que a gente está pautando em cima disso aí. Então essa experiência dos municípios vizinhos também faz diferença. Eu também trabalho numa base de serviços da Cresol. A Cresol está em 22 municípios hoje aqui da região e nós temos uma base dela em Muriaé. Eu estou como diretor financeiro dessa base. A gente roda o estado inteiro, polarizando essas ideias de cooperativa, de crédito, de produção e aí a nossa meta é essa. É trabalhar essas 20 cooperativas de produção aqui dentro da Zona da Mata de Minas. Eu fiquei muito triste o dia em que eu vi o IDH da Zona da Mata, viu? A gente só ganha pro Jequitinhonha. Uma área produtiva igual a nossa e de repente com o IDH desse. Acho que tem alguma coisa errada e no mínimo a gente tem que fazer uma reflexão. E qual é essa reflexão? Começar a dar oportunidade de diversificar, de gerar fontes de receita para os nossos produtores, senão irão desanimar aí irão pros grandes centros e quando falar: “Eu fui pros grandes centros, voltei. Hoje eu me sinto realizado numa cidadezinha de dez mil habitantes.” Agora tem muitos que foram pra lá e se você fala, não gostam de vir nem a passeio. Às vezes não aprendeu a gostar igual a mim. Fui criado lá no meio das lavouras, mas acho que a gente tem que criar algumas coisas que dá um elo aqui no meio aqui que a gente sobrevive, pras pessoas estarem sempre com esse sentimento gostoso de viver aqui e de cultivar a terra, de ser produtor, de produzir. O desafio maior. O meu avô Alcir falava que o segredo não está no que se vende. Eu falava: “Mas vô, o segredo está no quê?”, “Está no que você deixa de comprar”. Então, nós temos um engenho, planta cana, faz o caldo, seca, faz o açúcar mascavo, do açúcar mascavo você faz o café, você faz a broa e vamos imaginar. você planta o milho com mais abundância, você vai ter o angu, a canjiquinha, você vai ter o porco que come do milho, você vai ter a galinha que come do milho, o frango... Com esse ciclo, você vai comprar o quê? Você vai comprar o sal. Então o segredo da economia rural está na produção. O nosso povo infelizmente tem vindo aqui na cidade pra comprar abóbora, couve, alface, coisa que, morando ali, em qualquer cantinho lá na propriedade você produz. Então tem que voltar de novo essa cultura, da pessoa pelo menos pra subsistência estar plantando.
P/1 – Eles não plantam porque é mais fácil ter dinheiro pra vir comprar na cidade ou eles não sabem mais plantar essas culturas? O que você acha que acontece?
R – Ficou muito fácil comprar hoje em dia. Na nossa época a gente não tinha dinheiro pra isso. Hoje em dia você ganha mais e você gasta mais também. Você gasta mais por quê? Por causa desse fim que eu estou falando pra você. Hoje em dia, se você quiser, no meio rural, você produz de tudo. E você faz o quê? É muito mais fácil eu vir aqui. Vamos imaginar o arroz. Se for pra eu vender não vale a pena, mas tem produtor dentro do município que produz arroz. Pra merenda escolar a gente compra deles e traz pra cá. Ele vende uma sacola de arroz aqui, no mesmo valor como se ele tivesse comprando lá no mercado.
P/1 – O dinheiro fica aqui?
R – Sim, fica aqui. Então acho que essa é a dinâmica que a gente passa pra eles. Aí é o desafio. Por que nós estamos pensando no comércio lá na ponta? É pra dar garantia de ele poder produzir de fato, poistem um comércio garantido pra ele. Porque se você coloca lá pra ele produzir e ele não tem onde vender, ele nunca mais vai querer mexer com aquela cultura. Porque vai perder. Perde mesmo. Se você não tiver uma organização bem programada pra comercialização.
P/1 – Daniel, agora momento mais de reflexão. Essas gerações que tão vindo que você falou. Você foi criado ali no meio da colheita, da plantação. Você sabe fazer isso. Como que é essa geração que está vindo aí? Porque teu perfil é bastante de agricultura familiar. Como você acha que essas gerações estão vindo para assumir essas propriedades?
R – De vez em quando eu os critico. Pessoal fala assim: “Está saindo todo mundo da roça, indo pra cidade”. Eu considero cidade mesmo aquelas acima de cem mil habitantes. Vamos imaginar Tombos. A principal fonte geradora de emprego aqui são as propriedades rurais. Então o que tem que se motivar? As propriedades. O que é que dá pra se pensar dentro desse contexto? É você conseguir enxergar de fora pra dentro o que está acontecendo. Hoje, no cenário nacional, qual é o foco que está acontecendo? Onde que estão canalizadas as maiores fontes e oportunidades? Hoje, vamos imaginar o nosso caso aqui. Nós estamos nesse Central não é à toa. Vamos imaginar Belo Horizonte. O ano passado nós devolvemos 15 milhões de reais porque não tinha produto pra entregar lá. Esse ano deve devolver em torno de uns 22 a 25 milhões de reais.
P/1 – Devolver como?
R – Não gastou, você tem que devolver o dinheiro. São obrigatórios 30%. Se você gastou os 30% ou mais, ótimo. Se você não gastou os 30%, ou você justifica ou então você não pode gastar com os convencionais aí. É agricultura familiar. Então existe um grande mercado no entorno das grandes cidades que dá pra canalizar isso aí. Então nós temos que pegar os nossos produtores que estão apanhando café de cabeça baixa, só pensando no café, pagando praticamente pra trabalhar, mas convencer ele a plantar uma hortinha lá, que ele levanta de manhã cedo, dentro de dez minutinhos ele joga uma água nela e ele tem uma outra atividade lá que vai dar a receita pra ele. É obrigação nossa, enquanto formador de opinião, mostrar pra ele um cenário que ele não está vendo. Sobre a nossa juventude, eu vejo hoje as coisas muito artificiais. Eles não estão conseguindo aprofundar mais nessa experiência que nós estamos falando aqui. Eles estão muito assim, a coisa está muito de imediato. Eu te ofereço pra você fazer uma coisa, a primeira coisa que você me pergunta é: “o que você vai me dar em troca? O que você vai me dar de receita?” ou então: “Isso vai me fazer o quê?”. Então são algumas coisas nesse sentido. A preocupação nossa, hoje nós temos a preocupação. O primeiro passo nós já damos, a questão das mulheres aí, questão de gênero. O outro desafio é a questão de geração. Existe, exemplo, um cenário muito grande na área a apicultura (mexer com abelha). A piscicultura é peixe. Dá também pra trabalhar. Começamos trabalhar alguma coisa também nesse sentido. Mas mexer com alguma atividade que às vezes você tem que estar na propriedade, uma área em mato, porque o pai que tem um filho dentro de casa, a renda geralmente é familiar, é ele que vai fazer. Então se você não tiver outra receita, um pedacinho de café lá pra você comprar a moto lá, comprar uma roupa, um tênis de marca, um celular que passa o dedo assim no sensor, ele não vai ficar ali de jeito nenhum. Mas se você der pra ele outra fonte de receita, ele vai enxergar que hoje é um privilégio morar na roça. Eu lembro, eu estudava aqui com 13, 14 anos, eu ficava escondendo os meus pés atrás da mesa para os outros não verem minhas unhas sujas, porque andava três quilômetros pra chegar no local que eu entrava no ônibus e ia estudar aqui. Então vinha empoeirado, o pessoal ficava todo mundo olhando assim pra mim e hoje não. Hoje o carro busca na porta, anda dez metros, entra no carro e volta de novo. Hoje eu tenho Sky dentro da minha casa, Hoje o meu moleque de sete anos movimenta tudo lá no celular. Tem internet hoje em que eu movimento questão bancária minha, tudo dentro da minha casa. Em contrapartida eu acordo com o cantar suave dos passarinhos. Isso aí não tem dinheiro que compra. Eu já morei nos grandes centros. Você tem teatro, você tem um lugar pra você assistir um futebol, mas você sai de manhã cedo, você não sabe se volta. De vez em quando vai e enfia a mão no seu bolso e apanha aquilo que você trabalhou o mês inteiro. Ou então você está ali com celular, nego vem e te dá um tiro, você nem sabe por que você morreu. Não é que isso não vá acontecer aqui, mas a probabilidade é muito menor. E aqui é viável, é sustentável. Então por que não? Uma cidadezinha menor que cem mil habitantes, eu considero um privilégio poder morar nela; e essa nossa geração tem que enxergar isso. Nós estamos criando agora cooperativa escola, através da Cresol. É pegar os alunos de quinto ano, vamos introduzir uma matéria ali que é a questão do cooperativismo já pra eles começarem a desenvolver essa ideia, porque essas gerações mais antigas querem pagar pra ver. Esses outros querem ver pra crer. Esses outros vão produzir ali junto, vai fazendo a coisa acontecer. Eu me sinto jovem. Tenho 34 anos, eu estou aí no desafio e temos um grupo de pessoas no nosso lado na cooperativa, onde os mais velhos têm ali na casa dos 40, a geração nossa que está aí. O segredo é nós convencermos essa geração que está em volta a fazer diferente.
P/1 – Falar dessa geração que está chegando. Fala um pouquinho como você conheceu sua esposa, o nascimento dos filhos...
R – Eu namorei durante uns 12 anos antes de nós morarmos juntos. Então desde molecote, nós começamos convivendo juntos, estudando juntos e depois casei, fui morar junto com ela. Aí veio o primeiro rapazinho.
P/1 – Como que ela se chama?
R – Alessandra Oliveira Brito. E aí veio o primeiro bebezinho, dois quilos e 125 gramas, mas cabia na palma da mão. Falei assim: “vou dar o meu nome pra ele.” Daniel Ribeiro Seabra Junior. Acho que é um desafio nosso. Na zona rural nunca teve muitos privilégios, muita... Você tem sempre que trabalhar mesmo. Então eu sempre trabalhei. Na nossa lavoura ela sempre lidava muito com horta, com essas coisas. Então fonte de receita também dela. Foi começando a surgir dentro desse contexto, e depois veio o segundo daí cinco anos. Falei: “Vamos pelo menos dar uma respirada”. Ele, o primeiro, era chorão demais. Trabalhava o dia inteiro, chegava em casa, os primeiros quatro meses chorou muito. Falei: “Não, quero passar pelo menos uns cinco anos agora sem ficar escutando muito choro de nenê”. Agora veio o segundo. Está lá o rapazinho já com sete anos. Não me dá trabalho. Não me dá trabalho porque ele faz muita arte. Aí: “vem cá rapaz”. Mas o sentimento familiar foi criado nesse ambiente. Pra você ter ideia, eu comprei uma propriedade e o pai dela sempre morou nas propriedades dos outros, como meeiro, parceiro. Eu tinha na propriedade três casas, apanhei uma casa, dei uma ajeitada nela, falei: “Traz pra cá seu pai. Põe ele pertinho de nós aqui”. “Ah, por quê?”. “Ah, se ele não fizer nada, ele está aqui vendo os netos dele crescer, está aqui perto de você. Eu viajo muito, 20 dias no mês praticamente, rodando pra tudo quanto é lado. Então se não tiver o cunho familiar ali em volta, não tem ninguém que consegue sobreviver no vazio. E ali se sente protegido. Eu sinto que a minha base ali está protegida. Isso é importante.
P/1 – Como os meninos chamam?
R – É Jonathan e Daniel Júnior.
P/1 – E eles também mexem na roça? Como que é isso?
R – Lidam com roça. Em volta de casa, se você for lá, você vai ver uns canteiros de verduras e legumes, e o cano ligado na torneira lá de fora. O mais velho estuda de tarde, o mais novo de manhã cedo. Então o mais velho já levanta de manhã cedo, já joga uma água naquilo ali, os avós dele vão pra roça e já leva ele junto pra pelo menos ir ambientando lá. Se não fizer nada, eu acredito que o jeito que as coisas estão fácil hoje, com mais facilidade, todo mundo vai ter, se quiser, um curso superior. Que seja voltado nas áreas agrárias e que contribuem com o desenvolvimento da nossa região, e se não quiser nada vai aprender, pra poder lidar com a terra e ser sustentável. Acho que é isso que eu vejo hoje lá. Muito bom. Eu costumo dizer que eu não sei se eu sou o mais feliz do mundo, mas eu sou muito feliz com o que eu faço, viu? Estou participando de um curso, a pessoa pergunta: “qual a pessoa mais importante na sua vida?” Eu falo: “você está querendo me apertar, mas eu posso de dizer que o mais importante pra mim, na minha vida hoje, é você que está aqui na minha frente, viu?”. “É? Por quê?”. “Porque eu não estou preocupado com mais nada. Só conversando com você”. Eu costumo até desligar meu celular senão você dispersa sua atenção. A vida, eu aprendi desse jeito no seminário e isso me ajudou muito. Eu carrego comigo essas experiências. O valor, a essência humana. Acho que a pessoa, o dia que ela começar perceber que desta vida a única coisa que ele leva, se ele leva, é a roupa do corpo. O resto fica tudo aí e as coisas que valorizam mesmo são aquelas que estão ali do lado dele, então ele muda a forma de pensar, os valores mudam. O dinheiro é importante, muito importante na nossa vida, mas não compra algo, que são a felicidade, o carinho, o amor. Eu nunca vi o dinheiro comprar isso. Então nunca vi ninguém chegar num armazém e falar: “me dá um quilo de amor aí.” Isso é um sentimento que não tem jeito de... É, são sentimentos, você sente. Isso é o que eu tento sentir pelas pessoas que estão ao meu redor. Eu tento fazer o seguinte: aqueles que estão ao meu redor, se sentir protegido. Pode ter certeza que... Ainda passei outro dia um videozinho pro pessoal, do cachorro e do gato. O cachorro, chegou um bandido na sua casa, ele começou... A primeira coisa que o bandido fez: matou o cachorro porque o cachorro tentou defender a casa. O gato dá aquela espremida assim e... E sou meio cachorro, defendo o ambiente, tento defender e envolver as pessoas que estão ao meu redor. É essa dinâmica que eu penso. Tenho como meta de vida e tento passar pras pessoas que convivem e trabalham comigo. Isso eu tenho conseguido, graças a Deus.
P/1 – E seu sonho assim pro futuro? Um sonho.
R – Sonhos?
P/1 – Tanta coisa que você quer realizar, que você já falou. Quais seus sonhos pro futuro?
R – Acho que eu tenho algumas metas, sonhos não. Nós temos alguns objetivos aí, a curto prazo, médio prazo que é a constituição de centrais. Eu sonho sempre com um mundo mais humano, uma sociedade mais justa que não se culpa tantos os outros, mas se traz a responsabilidade pra você e você começa a discutir esses valores tão importantes da nossa vida; acho que essa é a essência da nossa vida. É o que eu imagino pra mim. Hoje igualitário eu já considero que está, quando eu vejo tantas pessoas que saíram da pobreza extrema e têm acesso à energia dentro de casa, uma água tratada, os meios de comunicação com informações que é o maior patrimônio que a gente pode ter. Hoje eu estive no Nordeste. Estive em 2003 e estive agora. É outro pais, é outro estado, é outra região. As pessoas têm a capacidade de ver na televisão, ou ouvir o radio, ou acessar a internet e fazer dali a sua própria opinião sobre qualquer assunto que está acontecendo no planeta. Então eu sonho acho que nessa parte já estamos contemplados. Agora a essência humana, o sentimento humano acho que falta muito ainda nas pessoas. Estão virando meio máquina.
P/1 – A última pergunta. O que é que você achou de ter passado essa tempo com a gente, olhando pra sua história, pra sua trajetória, nessa entrevista meio diferente. Qual que foi a sua experiência?
R – Eu gostei. Acho que tinha bastante tempo que eu não fazia essa reflexão sobre minha história, ela é muito gostosa, mas tem algumas pessoas que falam assim: “ah, se eu pudesse apagar o meu passado, eu apagava”. Eu costumo dizer que, se eu pudesse, eu vivia tudo de novo, com realizações, consertava alguma coisa, mas viveria com intensidade de novo. Então acho que só tenho a agradecer a vocês por estar me ajudando a realizar esse momento aqui de reflexão profunda, sobre uma história que é minha.
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