SÃO VICENTE DA BORBOLETA
O ano de 1945 estava ainda no começo. Em meados de fevereiro, ou março, creio que a “coisa se deu”, uma criança foi concebida.
A HISTÓRIA NO TEMPO DE ENTÃO:
Era Carnaval aqui no Brasil e a situação da Segunda Grande Guerra Mundial era cada vez mais int...Continuar leitura
SÃO VICENTE DA BORBOLETA
O ano de 1945 estava ainda no começo. Em meados de fevereiro, ou março, creio que a “coisa se deu”, uma criança foi concebida.
A HISTÓRIA NO TEMPO DE ENTÃO:
Era Carnaval aqui no Brasil e a situação da Segunda Grande Guerra Mundial era cada vez mais intensa. Os alemães estavam perdendo em mais e mais frentes de batalhas. Na África o General Rommel havia sido derrotado pelos ingleses comandados pelo Gen. Montgomery. Na frente russa, era iminente a derrota para o rigoroso General inverno que congelava a tudo e a todos, o que facilitava para os russos, comandados por Zukov, braço direito de Stalin.
Na Europa, os exércitos alemães estavam sendo expulsos dos territórios ocupados, na França e na Itália, principalmente. Já se falava em bombas americanas e inglesas detonando sobre o próprio território alemão.
Após uma tarde de notícias nada alvissareiras, ouvidas no rádio clandestino do “Alemão” (Ricardo Schaller), no seu sítio da Borboleta, (o rádio ficava sempre escondido sob o assoalho do quarto – para ter acesso a ele, arrastava-se a cama do casal e cuidadosamente levantava-se uma tábua – o local era seguríssimo) onde no fim da tarde, quase noite,
Valentim e seus amigos voltaram para casa, onde a família o esperava, aflitos, já que a escuta clandestina de notícias da guerra era considerada crime e punida com prisão, já que todos os rádios foram confiscados dias antes pelas autoridades locais.
Gravidez difícil, sob o impacto emocional dos meses finais da Guerra, onde os descendentes de alemães eram discriminados e perseguidos. Em maio, a guerra era extinta na Europa, com a rendição incondicional do exército alemão e somente em Agosto os aliados do eixo, Japoneses, se renderam, após as bombas atômicas de Hiroxima e Nagasaki. Nesse clima a gravidez se desenvolvera.
NASCEU UM MENINO:
Oito meses depois, dia 21 de novembro de 1945, numa Quarta-feira, nascia o pequeno rebento. Era o quinto dos filhos. Já a família era composta do casal e mais quatro filhos; três meninos e uma menina. Com mais esse, inteirava quatro homens.
Mas ele nascera muito pequeno, com sérios problemas respiratórios e outros mais que naqueles dias não se poderia apurar, já que era muito dificil o acesso à médicos.
A parteira, Dª Ana do Bié, uma pretona grande e muito bem apessoada, com os cabelos presos em coque e óculos, que lhe dava ares de perfeita enfermeira, já que também portava uma pasta de couro com os “pertences do seu metier”, dissera para esperar somente uns três dias, para uma providência, tentando levar o menino ao médico, na cidade, o Dr. Loures, senão haveria sérios riscos de morte (não de vida). Mas, como levar o menino ao médico? Recursos não tinham, a família era pobre, o pai, pedreiro, desdobrava-se em serviços extras, e ainda mais agora, com cinco filhos para criar e ainda pagando aluguel. Então a mãe somente rezava, pedindo a Deus melhoras para o filho, como já fazia antes, pelos quatro anteriores.
Já se passara quatro dias e o menino só piorava. Dia 25 de novembro, o nascimento havia sido dia 21, sua respiração era quase nada, às vezes arfava o peitinho e abria os olhos sonolentos. Quase não tinha forças para mamar.
ESCOLHENDO O NOME:
Nessa noite a mãe Antonia, deveras preocupada, segredava ao marido:
- Valentim, devemos urgentemente mandar batizar o menino, porque o pobrezinho não está nada bem. Precisamos escolher um nome para ele e também os padrinhos.
Valentim então disse: - Os padrinhos serão meu irmão Gaspar e sua esposa Marieta, e o nome, poderá ser Waldemar, já que os seus irmãos mais velhos, são Walter, Waltencir e Waldyr. Assim seguirá também com a letra “W”, vamos seguir com a mesma letra.
A mãe Antonia, de imediato retrucou:
- De jeito nenhum. Waldemar lembra o pedreiro Waldemar, da música que cantam por aí. Lembra-se dela? “Você conhece o pedreiro Waldemar?
Faz muita casa e não tem casa pra morar” Não, esse nosso filho poderá até ter um nome com a letra “W” ou “V”, que dá o mesmo som, mas, Waldemar, jamais.
E continuou. Sabe o Santo que deu o nome ao nosso Bairro? Antes o lugar se chamava Borboleta, nome que os alemães antigos deram ao lugar; com a construção da Igreja, um devoto doou a imagem de São Vicente de Paulo, aquele que cuidava das criancinhas e dos pobres. Esse será o nome do menino, VICENTE DE PAULO. O padroeiro haverá de cuidar da saúde dele e ele passará por essa crise. Aquela criancinha no colo do Santo, será o nosso menino, por toda sua vida.
CORRENDO PARA A IGREJA:
Dito e feito. No dia seguinte, por volta de onze horas, o menino cada vez pior, foi levado pela madrinha Marieta, que deixara suas duas meninas sob os cuidados de Antonia, até a Igreja da Glória, distante 03 (três) quilômetros mais ou menos.
Enrolado em cobertas, a madrinha carregava o menino pela estrada. Não havia condução àquela hora. A carroça do lenheiro Wiereque já havia passado. O tilburi dos Menini não estava disponível. O jeito era “rasgar à pé” a estrada de chão batido, ou melhor, de barro pisoteado, pois que chovera
chovera muito na véspera, até a Igreja.
No caminho, quase caiu, quando escorregou no barro perto da “Volta Esperta” (era uma curva em declive). De quando em quando, parava e escutava o coraçãozinho da criança, para conferir se respirava ainda.
Mais à frente, passando pela “Porteira Preta”, persignou-se, pois ali era ponto de macumba, sempre com despachos ao pé do moerão. Já perto da Ponte dos Ingleses, ofegante, Marieta parou para um pequeno descanso e mais uma vez conferir a respiração do menino, ouvindo-lhe o peitinho. Nesse momento, Filipinho, o Fiscal, cunhado de Marieta e tio do menino, vinha caminhando para ir almoçar em casa. Ao vê-la naquele estado, bem atarantada, perguntou de quem era aquela criança. Ao saber que era do Valentim, quis conhecê-la. Ao levantar os panos, deparou com um pequenino rosto já meio arroxeado e frio. Marieta, despediu-se às pressas do cunhado, atravessou a ponte de tábuas, que precariamente dava condições de travessia (quando chovia muito, as águas passavam por cima da ponte, encobrindo todas as tábuas – Graças a Deus, a chuva caíra na noite anterior e naquele momento se podia passar) e correndo continuou sua missão. O padrinho, seu marido Gaspar, iria encontrar-se com ela na porta da Fábrica dos Ingleses, onde trabalhava e juntos seguiriam para a Igreja.
Tudo bem, lá estava o Gaspar esperando, era hora de seu almoço. Nem almoçara, aflito à espera da mulher. Segurando o menino, para descansar a mulher, se dirigiram à Igreja.
NA IGREJA DA GLÓRIA - O BATISMO:
Nesse dia, 26 de novembro de 1945, Segunda-feira, o Vigário dos Redentoristas, da Glória, Padre Lucas, não estava presente, e sim o Padre DOMINGOS BERKHOUT, alemão, que há pouco tempo estava na Paróquia.
A cerimônia do Batismo foi imediata, sem maiores burocracias. Padre Domingos, Gaspar, Marieta e o pequeno Vicente de Paulo, envolvidos na cerimônia, formavam um quarteto único. Um único pensamento elevava as orações para o Alto, pedindo pela saúde do recém nascido, que continuava quase sem respirar e meio roxo.
Terminado o Batismo, com as bênçãos do Padre Domingos, Marieta voltou para casa, deixando Gaspar na Fábrica e continuando à pé, levando o menino envolto nos panos.
A VOLTA PARA CASA:
Exatamente, no mesmo ponto onde encontrara Felipe, na ida, nas proximidades da ponte dos Ingleses, parou o examinou Vicente de Paulo. Incrível, já não estava tão arroxeado como antes e já respirava com mais força.
Entre aliviada e alegre, com passos céleres, continuou seu caminho, para levar o menino para sua mãe.
Depois de quase três horas de aflição e angústia, Antonia, acompanhada dos quatro filhos, Walter com 06 anos, Santinha com 05, Valtencir com 03 e Waldyr com 02 anos, viu surgir a cunhada Marieta,
toda esbaforida, rosto vermelho, sandálias e pernas enlameadas,
e muito cansada, que lhe entregou o filho, despejando em cascata o acontecimentos de sua missão cumprida.
O MILAGRE ACONTECEU
Ao tomar o filho nos braços, Antonia apertou-o contra o peito e chorou. As lágrimas banharam o pequeno Vicente, que de olhos bem abertos tentava, em vão, pegar os cabelos longos da mãe.
Os irmãos e as primas, em volta, todos riam e batiam palmas, pela alegria da mãe que ouvia a cunhada contando de como o batismo “fizera um milagre”. Antes do batismo a situação era desanimadora. Depois, temperado com o sal, iluminado pela vela e banhado pela água santa do batismo, a transformação era aparente.
São Vicente de Paulo, padroeiro do bairro Vila São Vicente, havia atendido as preces da mãe aflita. O menino estava salvo. Um milagre havia acontecido.
Depois disso, sempre que ia à Igreja do bairro, rezando e agradecendo a intercessão de São Vicente, a mãe via o seu menino nos braços do Santo. Sim, Ele o carregaria sempre nas horas difíceis de sua vida.
VICENTE DE PAULO CLEMENTE.
JUIZ DE FORA, 11 DE JUNHO DE 2001.
Recolher