Reflexo de família

P1 – Gostaria que você nos dissesse, por favor, seu nome completo, local e data de nascimento. R – Hans Anton Pavlu Neto. Nasci em Campinas, o que mais? P1 – A data. R – Vinte e cinco do quatro de 1979. P1 – Qual o nome dos seus pais? R – Meu pai é o mesmo nome que o meu, é Hans ...Continuar leitura

P1 – Gostaria que você nos dissesse, por favor, seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Hans Anton Pavlu Neto. Nasci em Campinas, o que mais?

P1 – A data.

R – Vinte e cinco do quatro de 1979.

P1 – Qual o nome dos seus pais?

R – Meu pai é o mesmo nome que o meu, é Hans Anton Pavlu Junior. E da minha mãe é Maria Angélica Masotini Pavlu.

P1 – Qual a origem da sua família?

R – Parte de pai, meu bisavô era Tcheco, minha bisavó alemã. E na parte materna, né, italianos.

P1 – Você lembra deles, dos seus avós?

R – Meus avós sim. Meu avô e minha avó de parte de pai, que são vivos. De parte de mãe já são falecidos, mas lembro sim. Bisavô, eu não conheci.

P1 – Não?

R – Os que vieram de fora mesmo, eu não conheci.

P1 – Qual era a atividade profissional dos seus pais?

R – Meu pai, comerciante, né, a vida inteira na loja. E minha mãe era dona de casa, hoje é comerciante também.

P1 – Você tem irmãos?

R – Tenho. Um irmão e uma irmã.

P1 – E eles estão no comércio?

R – Não. Minha irmã, ela trabalha com escola infantil. E meu irmão, ele está se formando em engenharia agronômica.

P1 – A sua família tem relatos da chegada? Você sabe, por favor, nos dizer qual o período de chegada da sua família, dos seus avós tchecos, alemães, italianos? Poderia nos contar um pouquinho a respeito disso?

R – Meu bisavô, na verdade, ele veio fugido da guerra, né?

P1 – Qual delas, você sabe?

R – Da Segunda Guerra Mundial. Ele veio fugido da Alemanha, né, que na verdade ele é tcheco, mas ele vivia na Alemanha. Aí na Guerra ele veio embora para o Brasil. Ele veio para Joinville. Em Joinville ele conheceu minha bisavó lá, que também tinha vindo da Alemanha e se juntaram e vieram começar a vida em Campinas.

P1 – Você sabe por que escolheram Campinas?

R – Não.

P1 – Não sabe?

R – Mas em Campinas eu sei que não tinha nada na época que eles vieram, era bem pequena a cidade.

P1 – E os avós maternos, que você disse que é italiano?

R – Maternos, ele são italianos.

P1 – Quando eles vieram mais ou menos?

R – Não. Não tenho relato de quando vieram, não.

P1 – E a atividade deles?

R – Também não sei.

P1 – Também não sabe, né?

R – Dos avós sim. Meu avô era agrônomo, né? E minha avó era professora.

P1 – Por parte de mãe?

R – De mãe.

P1 – Ah, certo. Que descendiam dos italianos?

R – Isso.

P1 – Ah, ok. Você disse que você nasceu em Campinas.

R – Isso.

P1 – Como era a cidade, o bairro, na sua infância? Fala um pouco disso.

R – É porque onde eu nasci, onde eu moro, na verdade, é um bairro muito tranqüilo, né? É assim, são tudo casas grandes, então ninguém fica muito na rua. Mas na época em que eu nasci, justo, tinha vários vizinhos. Então a gente costumava jogar bats na rua. Hoje não tem mais isso, né? Você passa nas ruas, você, o pessoal só joga vídeo-game, né, e computador. Não tem mais as brincadeiras de infância.

P1 – O que você gostava de fazer quando era criança?

R – Bola, jogar bola, bats.

P1 – O que é bats? Você podia explicar?

R – Bats é aquele taco, né? Taco. Tem a casinha, aí tem que rebater a bolinha.

P1 – Certo. É um nome estrangeiro?

R – Não.

P1 – Não? Você tinha muitos amigos, Hans?

R – Sempre tive. Sempre fui bem relacionado.

P1 – É?

R – É. Bastante amizade.

P1 – Você se lembra de quais lojas você ia, acompanhando sua mãe, quando você era criança, aqui em Campinas? O que você lembra delas, dessas lojas?

R – De lojas?

P1 – Você lembra quando você ia com sua mãe?

R – No tempo de criança, não. Muito pouco.

P1 – Onde eram comprados os gêneros alimentícios, os itens de consumo da sua casa, quando você era criança?

R – Existia um supermercado bem próximo de casa, era tudo, as compras eram tudo feitas nesse supermercado.

P1 – Você se lembra se a sua mãe, ou alguém da sua família, fazia compras em São Paulo?

R – Não. Apenas assim, esporadicamente, né? Para comprar roupa no Brás, alguma coisa assim.

P1 – Como que vocês iam para lá?

R – De carro.

P1 – De carro. Você estudou aqui em Campinas? Que escola você freqüentou?

R – Estudei no Aníbal de Freitas, desde o começo?

P1 – É.

R – Desde o começo. Estudei em várias escolas, Externato Farroupilha. Eu estudei em Barão Geraldo, Dulce Bento Nascimento. Estudei no Aníbal de Freitas, Ateneu Campinense. Eu entrei na faculdade, estudei em Bragança, na USP.

P1 – Havia na sua família alguma expectativa para que você seguisse alguma carreira profissional?

R – Não. Sempre tive total liberdade para escolher meu caminho.

P1 – E você sentia alguma inclinação para trabalhar com comércio?

R – Sempre. Sempre, né? A vida inteira na loja. Meu pai, meu avô, então a gente sempre acompanhou meu pai. Sempre estava junto na loja, pesando massa, daí

foi pegando gosto pela coisa.

P1 – Seus estudos relacionaram-se com a área comercial, afim?

R – Sim. Porque eu fiz administração de empresas, né, então se você for ver, eu sou um administrador de empresas, hoje, né?

P1 – Você já foi fazer com essa perspectiva esse curso?

R – Não. Fui mesmo, administração de empresas eu fui, porque não tinha... Eu queria fazer uma escola superior, no fim não tinha opção, fiz administração de empresas.

P1 – Com que idade você começou a ir para loja, vamos dizer assim?

R – Uns doze anos mais ou menos, eu já estava ajudando alguma coisinha lá.

P1 – O que você fazia quando você começou?

R – Pesava massa de vidro, era o que eu mais fazia. E passava fita em quadros, de acabamento.

P1 – Como que você ia para o trabalho?

R – Ia de moto, de carona com o meu pai.

P1 – E qual o horário de funcionamento da loja?

R – Sempre foi das oito às dezoito.

P1 – Das oito às dezoito? Então você começou, mais ou menos, na década de 80 a fazer esse trabalho?

R – Oitenta? É, foi na década de 80. Não, 90, né? Nasci em 79, mais 12, dá 91, né?

P1 – No início da década de 90, isso. Como era o comércio, como você via o comércio de Campinas naquela época?

R – Ah, difícil de lembrar, viu. Não me recordo, sinceramente.

P1 – Não? E Campinas?

R – Ah, Campinas sim. É porque hoje está muito feia Campinas, né?

P1 – Por quê? Conta para a gente como, assim, conta essa transformação que você vê quando você fala: “hoje está muito feio”. Como era antes e como é agora?

R – Antes era uma cidade limpa, não tinha, o que deixou feio a cidade, na verdade, foi camelô, né? Hoje em dia, na cidade, tem muitos camelôs, você olha para todo lado, camelô fecha a rua, ano deixa você passar e antigamente não tinha isso. Era tudo bem mais tranqüilo de se viver, né? Até, tudo que você precisa hoje, povão vai comprar no camelô. E deixa de comprar nas nossas lojas que tem tradição, tem qualidade, né, compra tudo de chinês.

P1 – Você falou nessa transição entre, nessa transformação, perdão, entre o que existia quando você era criança e o que existe agora, Campinas. Como era, como que foi essa sua fase de adolescência, você freqüentava bailes, ia ao cinema? Quais eram as formas, as possibilidades de lazer que você tinha?

R – Eu, na verdade, comecei a freqüentar bailes, boates, essas coisas, bem mais velho, né, acho que com uns 18 anos que eu comecei a freqüentar. Mas você quer saber as opções que eu tinha?

P1 – É. Você freqüentava bailes, festas, quais eram as suas opções? Cinemas.

R – É que eu sempre, eu fui bastante do esporte, jogava hóquei, essas coisas, então eu vivia mais para fazer esporte. No fim, só depois dos 18 que eu comecei a freqüentar bares.

P1 – Quais os locais que você gostava de freqüentar?

R – Eu lembro que eu ia na Anônima, tinha também, de patins, que chamava Body Line. Era o que eu mais ia quando era menor, né?

P1 – Na sua família vocês faziam viagens para outras cidades?

R – A gente sempre foi muito para praia, Mongaguá.

P1 – Que transporte vocês utilizavam?

R – Carro.

P1 – Você chegou a andar de trem?

R – Sim.

P1 – Para onde?

R – Para São Paulo.

P1 – Para São Paulo? Como era a viagem de trem?

R – Muito boa. Uma delicia, né? Época de criança, ia com a minha tia, com meus irmãos. Muito bom.

P1 – Hans, fala um pouco sobre a trajetória da loja de vocês, né? Você começou muito cedo e você já tinha, você hoje tem uma experiência comercial bastante significativa. Quais as histórias da loja que o seu pai, o seu avô contavam, que você chegou, como é que funcionava a loja no início? Quais foram as condições, os desafios que eles tiveram que vencer para se consolidarem mesmo nesse ramo de atividade?

R – É que, na verdade, o comércio de vidro, o meu bisavô tinha que importar tudo, né, não tinha nada fabricado aqui. Então, naquela época, você imagina só como que não era para importar alguma coisa, né? Hoje em dia é bem mais fácil, mas há 88 anos atrás devia ser bem difícil de importar, né? Mas pelo que eu conheço da loja, eles cresceram muito. Vidraçaria era a única que tinha na cidade. Então foi a primeira, são os pioneiros nesse ramo, né? Então trabalhava com vidro de automóvel, vidro, todo trabalho em vidro, vitral, fazia de tudo na loja, né? E tinha até carrinho, tinha um trilho de trem que atravessava a loja, vinha da oficina, quando precisava de vidro, vinha um bondinho trazendo os vidros da oficina para o balcão.

P1 – Que oficina era essa? Conta para a gente.

R – A oficina é a mesma que tem hoje, na verdade, né? É que é uma loja, o meu terreno deve ter em torno de 800 metros, ali no centro, então é bem grande. Tem a frente da loja, o resto é só oficina. Então até hoje tem o trilho do trem no chão lá, da para você ter uma idéia de como era antes. Até ônibus de Caprioli, tudo, das empresas, era a gente que trocava os vidros, né? Meu pai conta história que ele e meu tio tinha que trocar com a mão, não tinha máquina para levantar os vidros grandes, eles levantavam tudo com o braço mesmo. Mas muitas outras histórias, se quiser que eu conte mais alguma.

P1 – Claro. Com muito gosto.

R – Até teve um dia, uma vez em Campinas, que teve uma chuva de pedras e quebrou vidros na cidade inteira, isso aí foi em torno de 1950, não, 50 não, em torno de 1960. E diz que fez fila na loja, tivemos que fechar a loja de tanta gente querendo comprar vidro no dia seguinte, porque acabou o estoque da loja, não tinha mais nada. Teve que fechar a loja porque não tinha mais nada para vender.

P1 – Até aquela época então, ela era a única?

R – Era a única. Era a pioneira, né? Aí hoje já, cada bairro tem a sua vidraçaria, né? Hoje a concorrência está bem grande.

P1 – Interessante. Como é que você poderia contar essas transformações? Seu pai, seu avô poderiam dizer, quais foram as grandes transformações ou as permanências, quais foram, no estabelecimento, desde a sua fundação. O que você poderia nos contar dessas transformações?

R – Que, na verdade, deixou de trabalhar com muita coisa, né? A maior transformação foi isso. Em vez de a gente agregar serviço, a gente foi deixando de trabalhar.

P1 – Quais foram Hans?

R – Vidro de carro, a gente parou de trabalhar. Vitral, parou de fazer. Bizotê, paramos de fazer. Hoje já estou fazendo de novo, mas pegando tudo de fora. Antigamente era feito tudo lá. Bizotê, lapidação.

P1 – Porque você acha que vocês, por exemplo, deixaram de fazer o bizotê que é tão lindo?

R – Valor de máquina. Foi mais valor mesmo. Falta de investimento. Investimento para crescer, foi deixando de trabalhar e foi ficando com o que dava mais dinheiro, digamos assim, né? Hoje, eu com idéias novas, eu estou tentando resgatar alguma coisa que a gente trabalhava antes. Mas a maior transformação foi essa, em vez de crescer, nós decrescemos um pouco.

P1 – Você acredita que, as transformações, você disse que deixaram de fazer os vidros de carro, por quê?

R – Por quê? Muito serviço de vidraçaria. A gente tinha muito serviço de vidraçaria e, por exemplo, tinha pouco de automóvel. Então foi deixando de lado automóvel, foi deixando de trabalhar com automóvel. Foi pegando o que estava, foi ficando com o ramo que dava mais dinheiro, digamos assim. E, no fim, foi o ramo que teve mais concorrência. Não, hoje em dia tudo tem concorrência, né?

P1 – Por quê? Tudo tem concorrência, por quê?

R – Não. Eu ia falar que ficou com a vidraçaria que tem mais concorrência, mas não. Vidro de carro tem concorrência também.

P1 – Certo.

R – Hoje em dia era para trabalhar com vidro de carro. A gente era para dominar Campinas, digamos assim, mas estamos tentando voltar.

P1 – Quantos funcionários vocês tinham? Você sabe, quantos funcionários?

R – Já chegou a ter mais de 20 funcionários.

P1 – E hoje?

R – Hoje estamos com três.

P1 – Três funcionários?

R – É.

P1 – Nos artigos comercializados, então, você disse que houve uma modificação bastante significativa, dos artigos que vocês comercializam. E no bairro em que está localizado seu estabelecimento?

R – O que tem o bairro?

P1 – Quais foram essas transformações no bairro onde você está localizado?

R – No bairro? É, eu sei de histórias, né, que antes tinha o bonde em Campinas, andava a cidade inteira, hoje não tem mais. Ali perto da minha loja tinha um brejo, que hoje não tem mais o brejo, é um terminal. Então, eu só sei de histórias, né, porque eu mesmo não vivenciei essa época, né?

P1 – Claro. Você teria alguma observação a fazer a respeito das embalagens, dos equipamentos que eram utilizados? Você disse que o seu avô, o seu pai, usavam as mãos para colocar os vidros, queria que você falasse um pouco sobre os equipamentos utilizados na loja. Como que eram as embalagens, como eram feitas as embalagens?

R – Antes os vidros vinham todos embalados em caixas de madeira, né? Hoje não tem mais isso. Hoje vem tudo em caminhão, tudo solto, né? Mas antes vinha tudo embaladinho, bem fechado, em chapas pequenas. Não dava um metro e meio cada chapa. Hoje tem chapa de três metros e vinte por dois e vinte. Então hoje está bem mais fácil de se trabalhar com isso. Agora, você quer saber?

P1 – Os equipamentos que vocês usavam.

R – Equipamentos.

P1 – Na loja.

R – Tinha máquina de bizotê, mas tudo manual, tudo na pedra, né, fazendo tudo manualmente. Tinha máquina de fazer massa para vidro, que até era a minha bisavó que fazia. Preparava, ela ajudava, fazia a massa. Hoje já compra tudo de fora. Mais fácil, né?

P1 – E a disposição, assim, os móveis. Que móveis vocês utilizavam antes, as histórias que contam a respeito dos móveis para as prateleiras, as gôndolas, as cadeiras, os balcões, como que era?

R – É até hoje. O jeito que está lá é o jeito que era. O balcão é o mesmo. O balcão da loja, eu até restaurei ele, é o mesmo balcão da época que meu avô fundou a loja. Aí a gente tem lá as máquinas antigas, as máquinas de bizotê, de massa.

P1 – Você mantém tudo?

R – Tem as cadeiras, tenho a escrivaninha, tenho a penteadeira, tem vários móveis. Estão todos expostos lá na loja.

P1 – Você poderia dizer quais são as demandas dos consumidores? O que os consumidores, você que é administrador, como que você poderia fazer uma avaliação das demandas, das mudanças nas demandas dos consumidores dos seus produtos?

R – Não entendi. Como assim mudanças?

P1 – Aconteceram desde que você está na loja há bastante tempo...

R – Sim.

P1 – Apesar de ter iniciado muito jovem, você está há bastante tempo na loja. Você percebeu uma mudança no padrão de consumo dos compradores, dos clientes de vocês?

R – É. Hoje em dia, o público prefere preço, né? O público quer preço hoje. Quanto mais barato, melhor. Antigamente, eu acho que não ligava tanto para isso. Se bem que para a gente lá é difícil falar, que quem conhece a minha loja lá, já sabe como que a gente trabalha. Não tem assim uma mudança. Quem é de Campinas e conhece o padrão de qualidade da Casa Paulo não deixa de trabalhar com a gente. Não somos o mais barato, mas temos a melhor qualidade.

P1 – Fala um pouco dessa qualidade da Casa Paulo.

R – Acabamento, né? A gente faz tudo muito bem acabado, não deixa, cliente vai lá não tem reclamação da gente. A gente procura fazer tudo da melhor maneira possível para não ter uma reclamação posterior.

P1 – Quais as peças que vocês mais produzem lá, que vocês mais vendem na loja?

R – Molduras, vidros, espelhos. O que eu mais vendo é moldura, vidro e espelho.

P1 – Fora isso, quais são os outros artigos?

R – Eu tenho aula de pintura, tem tinta, tela, tem todo acessório para artesanato. A gama de produtos é muito grande, se eu for falar tudo, eu não consigo expor tudo o que eu tenho.

P1 – Claro. E qual o perfil da sua clientela? Como você falaria a respeito do perfil da sua clientela.

R – Eu atendo desde o público mais simples, até o mais abonado. Então, hoje em dia, é muito diversificado. Que ali no centro, onde eu fico, é muito, digamos, povão, né, bem público bem simples. Mas o meu público que já conhece a loja são, é um público mais abonado do dinheiro, né? Então é bem diversificado.

P1 – Você percebe, Hans, que existe uma certa fidelidade da clientela? Como é que você trabalha essa fidelidade, se é que ela existe. Quais são as estratégias que você utiliza?

R – Que existe, existe. Muita fidelidade. Dos meus clientes, quem já foi meu cliente um dia, com certeza vai voltar. É o atendimento pessoal, né, não é uma coisa tão fria. Trabalho uma coisa mais pessoal, conversar bastante, tenho cafezinho, tenho mala direta. Tem várias coisas que a gente trabalha que mantém a fidelidade do cliente.

P1 – Você acredita que essas estratégias para abordagem do cliente, elas sejam efetivas?

R – Eu acredito que sim. Até hoje eu estou tendo retorno do que estou fazendo, está me dando retorno.

P1 – Uma questão que seria interessante, seria perguntar, que você nos disse, seria que você falasse um pouquinho sobre as formas de pagamento. Quais as transformações nas formas de pagamento, como é que você...

R – Meu pai, meu avô, eles só trabalhavam à vista, só à vista. Depois quando eu entrei definitivo na loja, comecei a trabalhar com meu pai, a gente começou a parcelar em cheque, em duas vezes, três vezes. Hoje, já tem cartão de crédito, a gente parcela em até seis vezes. Então, pela estabilidade do país, um país estável, a gente pode parcelar em até mais vezes. No cartão, hoje em dia, facilidade é o cartão, né?

P1 – Você tem uma avaliação, como você percebe a questão da inadimplência? Existe inadimplência? Seu pai falava para você, o seu avô sobre o compromisso do fio do bigode?

R – Sim.

P1 – Fala um pouco disso para a gente.

R – Que antes valia muito a palavra da pessoa. A pessoa falava que era aquilo, podia confiar na pessoa que tudo bem. E conhecia-se muita gente, né? A cidade era pequena, então você conhecia todo mundo. Hoje em dia, você não conhece ninguém. Hoje em dia quem vai, todo dia é um desconhecido que eu converso, então é complicado de a gente trabalhar. Antigamente era mais fácil, eu acredito, esse fio do bigode aí, era bem mais fácil, pelo conhecimento, né?

P1 – Vocês realizam promoções na loja?

R – Não. Muito pouco.

P1 – Quais que vocês fizeram já? Seu pai falava, seu avô?

R – Não. Nunca trabalhamos com promoção. Hoje que eu tenho uns vidrinhos lá, são sobras de vidros que eu ponho em promoção, mas é muito pouco.

P1 – E liquidações?

R – Também não.

P1 – Também não?

R – Não.

P1 – E as estratégias de propaganda da loja, como era feita a propaganda antes e como é feita?

R – Propaganda é uma coisa interessante. Eu já cheguei encontrar na loja documentos que meu bisavô mandava, em 1946, ele mandava mala direta para os clientes.

P1 – Você tem esse material?

R – Tenho. Até trouxe. Está comigo. Ele mandava mala direta que, hoje em dia, isso aí é uma coisa nova, mala direta. E ele já tinha essa idéia na cabeça, tanto é que ele cresceu muito na cidade, né? Mas, o que a gente mais trabalha com anúncio é lista telefônica mesmo. Rádio, televisão, jornal, revista, não, nada.

P1 – Por quê?

R – Por quê?

P1 – É.

R – Acho que o alto custo do investimento, né? Investimento meio alto não sei se dá o retorno necessário.

P1 – Você poderia dizer quais seriam os segredos para um estabelecimento ser bem sucedido como o seu? Você poderia contar essa trajetória de segredos, que foram passados de pai para filho, porque é a quarta geração.

R – Eu sou a quarta geração. O que acontece muito, eu acho que é bastante o atendimento, né? Não desmerecer ninguém. Às vezes chega um cara de chinelo, bermuda, descalço e chega é o cara que te compra o melhor quadro, o quadro mais caro que você tem na loja. Então você tem que atender bem todo mundo, não importa quem seja a pessoa. Não pode fazer um pré-conceito da pessoa antes de atendê-la. E eu acho que é muito a, como posso falar, a qualidade. Não está vindo a palavra agora, honestidade, né? Não querer enganar ninguém. Trabalhar sempre honesto, sempre, não consegue fazer uma coisa, fala para o cliente: “Não consigo fazer assim, faço do outro jeito, pode ser?”. Não vai falar uma coisa que você faz, que você não pode fazer. Então você tem que ser honesto.

P1 – E você acredita que os desafios que eles tenham vencido, o seu bisavô, o seu avô, quais seriam esses desafios?

R – Desafios que eles venceram?

P1 – É, os desafios que eles venceram para manter a loja nesse padrão.

R – Um foi, querendo ou não, nós passamos por todos os planos econômicos que teve o país, né? Então cada virada de plano é uma mudança de, querendo ou não, de poder de compra, né, sempre dá uma mudada. E mesmo assim conseguiu manter os clientes, né? Outro desafio foi, que nem eu te falei da importação. Para você importar vidro há 80 anos atrás, imagina como não era. Hoje, eu acho que deve ser difícil. Que, hoje, eu não preciso importar, mas se eu precisasse importar, eu acho que ia ficar meio perdido. Eu imagino ele, naquela época, conseguindo importar vidro. Eu acho que um dos maiores desafios foi esse aí.

P1 – E na sua loja, você disse que você comercializa quadros. Você tem freqüentadores da loja, como é a dinâmica da sua loja, assim, aulas de pintura, fala um pouco sobre isso da loja.

R – É, eu tenho as aulas de pintura e tem os alunos fixos, então eles já compram a tela comigo, compra a tinta comigo, terminou de pintar, ele faz a moldura comigo. Então, quer dizer, de um jeito ou de outro, eu amarro o cliente. De todas as maneiras ele está ali comigo. Outros são os clientes, que eu vou, eu faço uma obra, vou, faço um serviço de vidraçaria para o cliente, depois do serviço de vidraçaria, eu faço o serviço de espelho, decoração, quadros, serviço de box. Então já, querendo ou não, eu faço uma gama grande de serviços. Então, e um cliente que me conhece, ele está sempre voltando, fazendo foto de filho, certificado de filho que se formou na faculdade. Então está sempre voltando na loja.

P1 – E, assim, existe a presença de artistas plásticos, como é?

R – Sim. Já teve bastante artista plástico. Tem Lélio Corrutini, que sempre foi na loja. Tem Roberto Branco, que vai muito lá também. Tinha Di Biasi, que sempre foi. Tinha o V8, fotógrafo, sempre foi enquadrar na loja. Agora, de nome, são esses aí que eu me recordo.

P1 – Como você percebe a cidade de Campinas hoje, e a cidade de Campinas antigamente? A cidade de Campinas e a região metropolitana, né, a grande Campinas?

R – A região metropolitana, na verdade, é hoje que tem, né? Antigamente era mais Campinas. Não era tão junta a cidade. Você queria ir para Indaiatuba, era longe. Hoje, Indaiatuba, você pega uma pista para Indaiatuba. Então é, agora eu não vivenciei muito, é difícil eu te falar isso aí.

P1 – Claro. Me fala um pouco dessa facilidade que você coloca que é a questão que você disse: “pega uma pista e chega lá”.

R – É que hoje é tudo muito perto, muito fácil. Não é que é perto, é qualidade das rodovias.

P1 – Fala um pouco das rodovias, então.

R – Que nem, você quer ir para Paulínia, é tudo asfaltado, tudo da melhor qualidade possível. Quer ir para Barão Geraldo, hoje em dia Barão é uma cidade grande, está crescendo. É uma outra cidade. Você pega para Barão Geraldo, tudo por vias fáceis, Dom Pedro. Você vai para Paulínia, esqueci o nome da rodovia. Tem a Campinas-Mogi, que é Tapetão.

P1 – Por que chama Tapetão?

R – Tapetão é ali que vai para Barão Geraldo. Eu não sei. Não sei também. É o apelido que deram para aquele pedaço de estrada, que é o Tapetão.

P1 – Certo.

R – Você quer ir para Jaguariúna, tem a Campinas-Mogi. Quer ir para Valinhos, é uma avenida só que vai para Valinhos. Hoje está muito fácil. E eu estou no centro, né? No centro você vai para qualquer lugar ali, bem fácil.

P1 – Como que você percebe o comércio da cidade e da região, hoje?

R – Como assim?

P1 – Como é que você vê o comércio, como você interpreta e avalia esse comércio de Campinas e da região de Campinas?

R – É que antes o comércio era só o centro, né? Era só o centro, era onde todo mundo ia fazer as suas compras. Hoje não. Hoje tem o comércio do centro, tem o Cambuí, tem Guanabara, tem Ouro Verde. Cada lugar tem o seu centrinho, digamos assim, né? Tem tudo que você precisa. Hoje em dia você não precisa do bairro para fazer suas compras. Antigamente o povo todo ia no centro fazer as compras. Hoje não tem uma necessidade.

P2 – Isso afetou a sua loja?

R – Bastante.

P2 – E que maneira vocês inventaram para passar por cima disso?

R – É que assim, a gente perdeu bastante cliente, mas não, como é que eu posso te dizer, na verdade não reinventei muito não. Hoje é que estou reinventando. Hoje eu estou trabalhando com muito mais coisas que, meu avô, na época que ele estava saindo da loja, ele trabalhava. Ele deixou de trabalhar com muita coisa também. Hoje eu estou voltando a trabalhar com serviço de vidraria externa. Isso a gente tinha parado de trabalhar. Há cinco anos atrás eu voltei com corda total e estamos recolocando no mercado esse tipo de serviço. Então, mas não reinventamos muito não, manter o mesmo jeitinho.

P1 – Que lições de vida você acredita que o comércio tenha oferecido para você?

R – Lições de vida?

P1 – É. O que você vê como lições de vida, que vieram da sua experiência comercial?

R – É. O que eu vejo aí, é lidar com público, né? Público é complicado. Mesmo que você faça da melhor maneira possível para agradar todo mundo, sempre tem um que vai discutir com você, que vai querer falar que está errado. Mas, eu acho que é mais isso mesmo, lidar com o público mesmo. Público, fornecedor. Então, tem que saber lidar com todo tipo de pessoa.

P1 – Como você vê a iniciativa do SESC Campinas em buscar o resgate da história do comércio de Campinas?

R – Eu acho muito interessante. Até um tempo atrás já fizeram isso, foi o pessoal do Sindi Varejista. Eles fizeram um trabalho bem legal também, resgatando a memória do comércio de Campinas, lojas que já fecharam, lojas que permanecem e lojas que estão começando. Eu acho legal. Eu acho muito interessante. Eu acho que deveria ter mais órgãos fazendo esse tipo de coisa. Para gente é muito bom.

P1 – E como você vê a sua participação no projeto?

R – Eu acho muito importante, porque querendo ou não, a minha loja, eu acho, é uma das mais antigas. Se não a mais antiga, deve ter uma ou duas aí que seja mais antiga com a mesma família. Eu acho muito importante e necessário.

P1 – Você teria alguma loja que você acredita que seja uma referência em Campinas ou lojas que seriam referências para você em Campinas?

R – Lojas antigas?

P1 – Isso.

R – Tem. Tem a Ezequiel Modas. Tem Casa Paulista de Ferragem. Até Casa Paulista é mais antigo que a gente, só que hoje eles não estão no mesmo local de fundação. Eles estão em outro local. Tem Casa Paulista de Ferragem, Ezequiel, Farmácia São Luiz, que também não é mais da mesma família. Eu acho que essas são as mais lembradas, assim, por mim.

P1 – Hans, a gente só tem a agradecer a sua participação. Muito obrigada.

R – Obrigado também.Recolher