A sala estava gelada. Por dentro eu fervia. Estaria preparada para ser mãe de um bebê? Alguma mulher está, em algum momento, preparada para ser mãe? Por que ainda não inventaram cartilhas realmente eficientes? Com tanta tecnologia ninguém foi capaz de criar um aplicativo, um portal, um robô.....Continuar leitura
A sala estava gelada. Por dentro eu fervia. Estaria preparada para ser mãe de um bebê? Alguma mulher está, em algum momento, preparada para ser mãe? Por que ainda não inventaram cartilhas realmente eficientes? Com tanta tecnologia ninguém foi capaz de criar um aplicativo, um portal, um robô... algo que desse o passo a passo de como criar um bebê. Minuto 1 faça isso, minuto 2 faça aquilo. A sala assim tão gelada não ajudava em nada a amenizar minhas expectativas e inseguranças. O contraste entre a ebulição interna e o clima polar no exterior deixavam tudo mais difícil. Interrompendo meus devaneios, entrou o japonês. Jaleco branco comprido, óculos quadrados, cabelo engomado perfeitamente fixado ao couro cabeludo e um olhar entre altivo e profundamente sério. Mal me cumprimentou. Aquilo acrescentou mais um cubo de gelo à atmosfera glacial. O japonês começou o ultrassom. Olhando para a imagem projetada na TV, vi que não faltavam braços, pernas, orelhas, dedos... A temperatura parecia começar a amenizar. Mas a expressão facial do japonês não aumentava nem um grau. Ele girava o instrumento frenético na minha barriga, mudava de posição, apertava mais, fazia medições indecifráveis.
Em determinado momento, aqueles olhinhos puxados deram a notícia em câmera lenta. As palavras iam ficando suspensas pela densidade do ar: Eu carregava dois corações, quatro pulmões, 20 dedos do pé e mais vinte da mão. Então, ele arrematou com a pergunta que mudaria tudo, muito além daquela sala fria, daquele momento congelante: “Você sabe quantos bebês têm aqui?” No mesmo instante em que eu não sabia se ria ou se chorava, se ardia em chamas ou enrijecia ainda mais, milhares e milhares de células se proliferavam no meu ventre. Eram duas bolsas. Um estava meio espremido, mas perfeitamente acomodado na parte de cima e outro preguiçosamente esticado no andar de baixo. Depois do comunicado do japonês, a porta do banheiro pareceu ser a saída, o carro verde foi confundido com um preto, a comida da lanchonete já tinha outro sabor. Mais amargo? Mais doce? Difícil descrever. Então veio o nascimento. Novamente o calor vulcânico e o frio paralisante se fundiam em um misto de alegria e extremo medo. Um orgulho pela capacidade de dar a luz a duas crianças mesclado com o pânico do desconhecido.
Passados alguns meses de amamentar e amamentar, trocar fralda e trocar fralda, fazer dormir e fazer dormir, noites em claro e mais noites em claro cheguei a pensar que não iria conseguir. A situação não parecia se acalmar nunca, o choro era constante. Seria eterno? Mas, em uma dessas madrugadas intermináveis, enquanto uma névoa fria se adensava lá fora, um pensamento veio me aconchegar:
“Cada um tem o peso que consegue carregar”. Hoje percebo o encantamento de ter um sorriso e outro sorriso, o primeiro amor e mais um primeiro amor, a descoberta de um talento e outra descoberta de talento. Hoje já não tenho frio.Recolher