Entrevista de Eliceuda Silva de França
Entrevistada por Luiz Egypto
25/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV011
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
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P/1 – Bom dia Eliceuda! Muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Eu queria que você começasse...Continuar leitura
Entrevista de Eliceuda Silva de França
Entrevistada por Luiz Egypto
25/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV011
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
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P/1 – Bom dia Eliceuda! Muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Eu queria que você começasse, por favor, dizendo seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R - Meu nome é Eliceuda Silva de França, eu nasci na cidade de Parnaíba, no Piauí, no dia 29 de março de 1964, essa data que nos persegue aí.
0:35
P/1 – Qual é a sua atividade Eliceuda?
R - Eu sou professora, nesse momento eu sou aposentada, mas estou diretora do Sindicato dos Professores. Sou professora de Artes, trabalhei por 33 anos na rede e atualmente eu coordeno no sindicato, a Secretaria de Cultura do SINPRO.
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P/1 - Como é o nome dos seus pais, por favor?
R - Meus pais, meu pai é o Francisco Alves de França, motorista, já está falecido e minha mãe Maria Vitória Silva de França, artesã, mãe-crecheira, também está falecida.
1:29
P/1 – Eu ia te perguntar da atividade dos seus pais, seu pai era motorista de que, caminhão, viaja muito? Como é que era essa história?
R - Meu pai foi um caminhoneiro lá de Parnaíba do Piauí, ele fazia o trabalho de carregar carradas de sal para o estado do Pará, do Maranhão, e como você sabe, Parnaíba é litoral, é nós temos lá produção de sal, ele fazia o carregamento para lá. Mas quando a gente veio para Brasília ele passou a ser motorista de ônibus.
2:09
P/1 – E a sua mãe, que tipo de trabalho exercia afora as tarefas domésticas?
R - Minha mãe, ela realmente era uma liderança comunitária, quando tomou a decisão de vir para Brasília com os seus sete filhos, pelas circunstâncias que é comum a todo nordestino, em 1978, meu pai veio na frente e ela veio depois com as sete crianças, eu era mais velha, tinha 13 anos e o mais novo tinha um ano, e se aventurou três dias nas estradas do Piauí, Maranhão. E chegando aqui ela trouxe a sua arte, que era o artesanato, ela era crochezeira, fazia fuxico, costureira, era uma excelente artista desses artesanatos populares, fazia de tudo: das bonecas de pano às bolsas, tudo ela reinventava.
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P/1 - Você conheceu os seus avós?
R - Eu tive uma convivência muito pequena com a minha avó materna, não conheci meu avô materno, mas a minha avó materna eu tive uma convivência ainda muito na infância, ali pelos 3, 4 anos. Agora a convivência com os meus avós paternos ela foi muito forte, foi uma convivência de trocas, eu como neta mais velha de tantos netos... Meus avós maternos que eu tive uma convivência muito pequena, com os avós, mas com os tios maternos foi uma convivência muito forte, muito grande, de relações mesmo de amizade com tios e primos. Com os avôs paternos eu tive uma relação muito próxima, de muita parceria com o meu avô Benedito e com minha vó Emília que a gente trocou, quando eu vim para cá eu fui o elo entre eles lá e aqui, escrevia muitas cartas eu contava as histórias daqui, e essas cartas até hoje vira documento histórico, de trocar informações que para o meu avô era importantes. Então assim, eu fui uma neta muito presente na vida deles, quando eu comecei a trabalhar, como professora eu me comprometi, e desde então eu sempre fui para lá, e era um mês de convivência do dia a dia, então foi muito forte e eu fui muito presente, todos reconheceram que isso foi importante para que eles não ficassem lá esquecidos, e foi um elo muito grande com nós que moramos aqui em Brasília, com os tios do Rio, tios de Manaus, acabou que a gente foi criando uma conexão muito grande. Eles estão falecidos, mas a história deles vive com a gente.
6:01
P/1 – Como é que era a sua casa lá em Parnaíba? Como é que era o local? Descreve a sua casa, por favor!
R – Gente, minha casa até hoje ela ainda está lá de um jeito muito humilde, eu morava... Como diz, eu sou aquela ribeirinha, morava na praticamente na beira do rio, com a minha mãe e meu pai, era uma casa de aluguel, nós éramos pessoas bem humildes, realmente com muita dificuldade de ter patrimônio lá. Mas era uma casa simples, era aquela casa como muitas casas nordestinas, você abre a porta da frente e você vê lá o fundo, a gente tinha muito disso, tinhas os quartos espalhados, era uma casa grande. Eu conto muito para as minhas meninas, que eu tenho três filhas, eu falo que a gente foi tão feliz, porque a gente brincava era no leito do rio, a gente, “vamos banhar, vamos banhar no rio”, a gente brincava era nos quintais, às vezes eu mostro para ela as marcas, eu falo, “isso aqui a gente passou dentro quintal”. A gente brincava, quando eu vejo as enchentes do Brasil afora, aí eu falo: gente eu vivi isso, vivi de andar de canoa. Porque quando o rio enchia, a nossa casa que ficava ali na primeira rua, logo após o rio, era a primeira casa a ser atingida, era aqueles vizinhos que logo sendo retirados. Às vezes eu ficava feliz, porque eu ia para casa da minha avó, para casa de uma minha tia, às vezes eu ficava chateada porque os colegas ficavam brincando, banhando nos rios. Então assim, era uma casa simples, tinha uns três quartos, uma cozinha grande, mas tinha um quintal, o quintal era o grande barato, porque o meu pai era criador de porco, era criador de galinha, então assim, tudo isso que você imagina no quintal a gente fazia. E as cerquinhas, cerquinhas que passavam para fazer uma ideia de uma divisão de um quintal para ou outro, nem dividiu para nós, era tudo grande. Muitos pés de frutas, mangueiras, cajás, goiabeiras, a gente teve uma infância muito rica do ponto de vista de viver essas experiências todas, de ser menina. Eu menina de 10, 11, 12 anos de banhar no rio, de lavar roupa no rio, eu ia com trouxa de roupa, porque como eu tinha muitos irmãos pequenos, era lá no rio que eu ia lavar as roupas com a minha mãe às vezes, ficava sempre no resguardo, no período que eu vivi muito ali perto dela. Então assim, foi uma infância muito feliz, aprendi tudo, lembro com muita saudade, eu falo para as minhas meninas as histórias que eram contadas as noites nas calçadas, aquelas histórias de beira de rio, de assombração, então ficava ali aquele tanto de meninos escutando e depois não conseguia dormir. E minha mãe era uma pessoa muito sensível espiritualmente, e às vezes ela tinha essas sensibilidades, eram muito evidentes, e a gente vivia todo mundo muito assustado assim, com as brincadeiras que ela via e dizia. Nesse todo imaginário mesmo popular.
9:05
P/1 - Você era primogênita. Quantos irmãos são?
R - Somos sete, eu fui a primeira da família do meu pai, a primeira neta, depois tem mais de 20 netos agora, e da família da minha mãe eu já fui a segunda neta. Na minha família eu nasci, depois vieram... No ano seguinte, a gente até brinca, era um atrás da outra, eu nasci em 1964, aí quando foi 1965 já nasceu a Elineuda: Eliceuda, Elineuda, Elizete, aí veio o Givaldo, a Eliane, Eliene, tudo assim, bem nomes nordestinos, então a gente acabou... É aquela coisa, pega uma letra se apaixona e vai embora.
9:56
P/1 - A sua mãe fazia uma certa divisão de tarefas entre as crianças da casa, tinha obrigações domésticas a cumprir?
R – Sim, nós éramos estimulados. No Piauí minha mãe era também além de artesã, uma pequena empreendedora; ela tinha uma pequena fábrica que fazia condimentos, pimenta, colorau, cachaça. Ela tinha uma relação com o pessoal de Viçosa do Ceará, e lá eles produziam cana-de-açúcar, rapadura e também produziam cachaça, e aí minha mãe era uma pequena comerciante no Piauí, com esses condimentos. É nós tínhamos a tarefa de moer, de preparar lá tudo, mesmo criança a gente trabalhava a gente nunca ficou sem trabalhar. E ela dizia: tem que estudar. E a gente estudava, tinha que fazer as tarefas domésticas e também estudar.
11:02
P/1 - E a sua primeira escola Eliceuda, qual foi a sua primeira escola?
R – A minha primeira escola que eu fui alfabetizada na vida, foi com o Zé Barbeiro, veja bem, era um professor que nós tínhamos, existe muito isso no Nordeste, eu também passei por isso, eu, minhas irmãs e um grupo de amigas, antes de irmos para a escola formalmente, nós tínhamos aquele trabalho ali comunitário desse senhor, que ele reunia a criançada, e naquela Cartilha ABC e também com palmatória, olha só como a gente foi lá. Eu fui alfabetizada na Cartilha ABC e na palmatória, lá eu aprendi as primeiras lições, era como ele ocupava ali a garotada, e tudo, hoje eu vejo que foi importante, mas trouxe alguns traumas. E aí as escolas públicas do Piauí, sempre foram escolas boas, quando eu cheguei aqui para fazer a sétima série em Brasília, eu senti muita diferença, eu vinha com conteúdo de oitavo ano, primeiro, porque para mim era tudo muito fácil o que aqui estava ensinando, e eu trazia de lá, porque lá sempre teve uma exigência muito grande. Tanto que até hoje o Piauí, ele tem um destaque nacional com relação à formação. Então foi uma escola simples, próximo de casa, que a gente ia a pé. Na verdade, era perto da casa da minha avó, quando a aula um dia terminava mais cedo, eu sempre ia na casa da minha avó, minha avó paterna para comer doce de goiaba, que ela era uma ótima doceira, para ir lá, passava, “ó vem aqui, vocês vêm aqui, pega, pega, vão embora que a mãe de vocês vai brigar”, aquela coisa de avó, mas coisa de avó era muito próximo na minha vida.
12:54
P/1 - Você chegou a levar algum bolo de palmatória?
R – Levei, eu sempre fui muito das artes, sempre fui muito das humanas, então quando se tratava de escrever, de produzir, das sílabas, eu ia embora; mas quando falava das matemáticas, quando vinha à parte exatas, aí era chororó, porque eu sabia que eu não ia dar conta, às vezes. Quando tinha a história dos noves fora, noves fora que a gente fazia naquela época, então assim, eu apanhei muito, mas também bato, entendeu? A palmatória não ardeu tanto em minhas mãos, mas eu apanhei também, apanhei, e era assim bem difícil. Mas foi uma experiência rica, acho que foi bom aquele momento para gente, entendeu?
13:43
P/1 - Afora o barbeiro, alguma outra professora na escola que tivesse ficado na sua lembrança, que tivesse te marcado?
R – Pois é! Lá no Piauí, assim eu não trago muitas lembranças, porque quando a gente mudou aqui para Brasília, vim morar aqui em Ceilândia, foi muito forte a mudança, para mim foi muito bruto, eu acabei que eu criei mais laços aqui. Eu lembro da escola, eu lembro dos percursos, dos caminhos, isso eu conto até para as minhas meninas, vocês hoje é muita facilidade, “mãe me leva aqui, me traz ali”, eu andava metade da cidade para ir para a escola, caminhando com o meu grupo de amigos, até brinco com elas sobre isso, da gente caminhar, porque também não tinha transporte público, e você não tinha pai e mãe para levar, é você que ia caminhando mesmo, a gente era muito grupo. Então assim, eu lembro muito das escolas, por onde eu passei, até porque quando eu volto lá, já voltamos outras vezes, muitas vezes com a família, quando passa perto de uma escola, “estudei nessa escola, estudei nessa escola”, então eu tenho essa lembrança mais das escolas, não muito dos professores.
15:00
P/1 - Você sabe o que é que motivou os seus pais decidirem a mudança para Brasília?
R – Então, no Piauí, em Parnaíba, minha mãe ainda na juventude ela veio para Brasília com minha avó, minha avó materna era dona de pensão, ela era uma ótima cozinheira, isso ficou na família toda. Então minha avó veio para Brasília, e lá no Núcleo Bandeirante, alugou um barraco e ela cozinhava para os peões, quando voltavam, e fazia aquelas comidas maravilhosas, sarapatel, as paneladas, essas comidas bem nordestinas, carne assada de panela, baião-de-dois. Então minha avó fazia isso aqui e minha mãe veio para ajudar como adolescente e tudo, mas minha mãe não se adaptou aqui, porque minha vó ficou muito preocupada, porque minha mãe era uma mulher morena muito bonita. Então ela tinha muita preocupação, porque eram muitos homens, assediavam demais minha mãe, então minha avó mandou minha mãe voltar. E nisso ficaram aqui dois tios meus mais novos, adolescentes, inclusive foram eles que continuaram aqui. Então minha mãe voltou para Parnaíba, mas ela disse que sempre ficou com aquilo no imaginário. Meu pai era um homem muito forte, muito corajoso, mas ele, minha mãe era mais forte ainda, mais corajosa ainda. Meu pai se envolveu com jogo, tinha dinheiro, nós tínhamos dinheiro, a condição estava fácil, estava boa para gente, aí meu pai se envolveu com jogo de sinuca, bebida, e com isso ele foi perdendo muito dinheiro. Aí perdeu o dinheiro, e nisso a gente foi obrigado por não ter mais condições de trabalhar lá, vender, entregar o caminhão para empresa, e as coisas foram ficando mais difíceis, aí minha mãe optou de vir para Brasília a partir do incentivo desses meus tios. “Vem para cá, Vitória, aqui o Francisco vai ter mais chance de conseguir um trabalho, a gente vai ajudar mais vocês.” Aí ela mandou meu pai vir na frente, deu o dinheiro para ele vir, alugar um barraco, e nós ficamos vendendo as coisinhas para poder a gente voltar depois, aí foi essa a decisão, foi mesmo uma situação financeira, foi uma decisão corajosa que ela tomou. E ela de uma maneira muito forte, decidida, ela cruzou esse Nordeste todo com essas sete crianças, três, quatro dias, dentro de um ônibus do Piauí para cá.
17:57
P/1 - Descreva essa viagem até Brasília, por favor?
R – Essa viagem eu lembro muito, eu lembro porque eu tinha 13 anos e minha mãe só teve apoio de uma sobrinha dela, filha da irmã dela que veio para ajudar a gente, e ver se também daria certo morar por aqui. Eliceuda 13, Elineuda 12, aí você imagina tudo isso. Nós entramos no ônibus, minha mãe trazia na bagagem... Quando ela veio embora, ela falou muitos anos uma frase para gente, “quando eu vim embora, eu quis vender muito os meus crochês lá”. Ela produziu muito, nós também, eu também sou crochezeira, e ela disse que teve muita dificuldade de vender aqueles trabalhos lá, e muita gente questionou que era uma loucura ela vir para Brasília, muita gente foi contra, inclusive os familiares, irmãs dela lá. E ela estava muito decidida, aí muito disseram para ela, “Vitória tu vai fazer o que lá, o que você tem para ir lá, você vai sem dinheiro, sem nada”. E ela disse: “Olha, eu estou indo para Brasília com o que eu tenho de mais precioso, o que é mais rico para mim, são os meus sete filhos”. Quatro mulheres e os dois homens, cinco mulheres e os dois homens. Então ela disse muitas vezes para gente, eu não me arrependo de ter vindo para Brasília com vocês, eu sabia que aqui vocês teriam uma outra vida, porque vocês sempre foram as minhas riquezas. E na estrada, eu lembro que ela trouxe muitas coisas para a gente comer, e nós passávamos muito mal, todos nós, quando um começava a passar mal pelo balanço do carro, era muito buraco, eram estradas em 1978, você imagina, não tinha estrada, eram só buracos, aquele ônibus balançava para lá e para cá, entendeu? A gente chorava, outra era a situação dos ônibus sem estrutura de apoio, mas ela sempre com cuidado, não, vai dar certo, rasgava lençóis para a gente poder vomitar e ela enrolava e jogava fora. E aí dava remédio, ela trouxe remédios, dava frutas, isso quando parava, quando era obrigado o ônibus parar, ela sempre procurava um lugar ali perto que pudesse nós todos tomar banho, cuidar. Então quando chegou aqui... Então foi assim a estrada, a gente trouxe tudo que tinha que comer, praticamente, porque ela não vinha com muito dinheiro. Eu lembro de uma noite que a gente precisou, o ônibus quebrou, por isso que ficou 3, 4 dias na estrada ou até mais, eu nem lembro direito agora, mas acho que foi uns 4, 5 dias, ficamos dois dias parado num lugarzinho lá, e ela arranjou amizade lá com umas amigas, mulheres próximo ali da rodoviária onde o ônibus tinha quebrado, que hoje eu sei que eram mulheres que tinham seu trabalho, prostitutas mesmo, mas elas acolheram tão bem a gente, e muito mais tarde eu vim descobrir porque minha mãe tinha uma relação tão fraterna com as prostitutas. Um dia a gente conversando com essas mulheres que faziam esse trabalho. E assim a gente chegou em Brasília na madrugada de 20 de janeiro, de 1978, que era dia de São Sebastião, que minha mãe sempre foi uma religiosa muito fervorosa. E ela chegou, e nós olhamos, eu lembro que eu olhei para o Congresso e falei, “Ai, Brasília. Chegamos em Brasília”. Só que nós não sabíamos que nós passaríamos ainda mais 4, 5, 6 horas rodando, procurando um transporte para que trouxesse nós aqui para a Ceilândia. Aí chegamos em Ceilândia, uma cidade toda escura já na madrugada, uma pessoa muito amiga lá, que ela fez amizade dentro do carro, “Dona Vitória, eu já estou contratado aqui com a família, eu vou levar a família bem ali em Sobradinho, a senhora fica aí com as crianças esperando na rodoviária, eu vou lá deixar essa família, e volto e levo a senhora lá na Ceilândia”. Olha gente a loucura que é, Sobradinho da rodoviária, e a gente tudo cansado, aquela coisa toda, esperando na rodoviária mesmo, bem família nordestina. Aí viemos para Ceilândia, aqui eu tinha um tio, meu tio Orlando que já é falecido, ele era policial, então nós chegamos, minha mãe veio para Ceilândia, todas as noites eles iam esperar o ônibus, não tinha comunicação, não tinha telefone, não tinha carro, então nós estávamos na estrada, e eles foram várias vezes, sabiam o dia que nós tínhamos saído, mas não sabia aonde é que estava o ônibus nesse momento. Nessa noite que nós chegamos, eles não foram nos buscar, então nós fizemos essa contratação desta Kombi que a minha mãe fez. Quando o motorista voltou, depois de umas 2, 3 horas de ter ido a Sobradinho e voltou para nós pegar, viemos para Ceilândia, que olha, rodoviária Ceilândia outra novela, chegamos na madrugada e não conseguia encontrar nada, era tudo muito escuro, minha mãe de uma maneira muito espirituosa, falou: espera ai que vou pegar informação. Desceu onde tinha uns rapazes fumando e foi pegar informação, falou: é um policial que mora por aqui. Depois nós descobrimos, dias depois, que nós não podíamos ter dito isso, porque o meu tio era policial e ele pegava os bandidos tudo, mas os caras foram tão legais com a gente, que entregaram, mostraram onde o meu tio morava e tudo, levaram a gente até lá. Então assim, foi uma aventura essa viagem, e ela não se encerra. Quando a gente chegou lá, a ideia é que meu pai viesse para alugar um barraco, quando chegou lá, meu pai tinha sido convencido pelo meu tio e pela minha tia a construir um quarto maior, no mesmo lote, que esses lotes de Ceilândia são 250 metros quadrados. Mesmo sendo irmão dela, não deu certo, não prestou.
23:58
P/1: Depois de instalados como é que você continuou os seus estudos, que escola você foi frequentar?
R – Então, instalados, o passo dela imediatamente, foi buscar matricular a todos nós. Eu fui estudar numa escola, que é uma escola que eu tive uma relação muito forte no decorrer de toda minha vida, que foi o CEFE 7, que hoje é o Centro Educacional 7, aqui na Ceilândia, hoje ela está uma escola militarizada, e eu fiz parte de do enfrentamento a essa escola. Então o Educacional 7, foi uma escola muito importante na minha vida, porque fiz muitas amizades, era uma escola muito perto ali de onde eu morava, na Ceilândia Norte, era uma escola grande, bonita, até então eu não tinha estudado em escolas tão grandes assim, era uma escola muito grande, a época ela ainda estava muito organizada, com um trabalho bom. E foi lá que eu fui me encontrando e fiz opções importantes para a história da minha vida. Aí sim, lá eu tenho dois professores que marcaram muito minha vida, um professor que ele era um padre, que eu não lembro o nome dele, mas ele foi um professor que era de ensino religioso, só que ele trabalhava religião dá forma como deve ser trabalhada, ele não impunha a questão religiosa dele, mas ele falava sobre a ética, sobre a vida, ele falava sobre a gente, e fui num desses trabalhos, numa dessas experiências que ele fez com a gente de trabalho, que eu me descobri como professora de artes, porque eu gostava de desenhar, de pintar, de fazer coisas, e ele pediu em uma das aulas que todo mundo fizesse um desenho, muitos não sabiam, não queriam fazer nada, e aí ele teve o cuidado de falar de cada um daqueles desenhos, e quando ele falou do meu, quando ele pegou o meu, que eu fiz uma árvore com frutos e tudo, flores, ele falou: aqui nós temos uma artista. Todo mundo ficou esperando para ver quem era, isso foi muito significativo, porque aquela palavra dele me encaminhou, olha, dos 13 anos, hoje aos 56 anos, quase 57, me fez entender que seria uma opção boa, eu me senti ali incentivada. E a outra, era uma professora de Educação Física, uma professora pequenininha, negra, maravilhosa, que incentivava a gente como ninguém, ela era gigante no seu fazer de educadora, e ela muitas vezes me incentivou, e eu era uma pessoa que eu gostava de correr, pular, fazer salto em distância, eu era do time de handebol, então assim, eu era incentivada muito por ela.
26:43
P/1 - E o que essa garotinha de 13 anos queria ser quando crescesse?
R – Eu queria ser secretária, quis ser professora, quis exercer todas aquelas profissões que no Piauí elas davam status, “vou ser professora, vou ser secretária”, aí quando eu já estava no final da minha série, eu falei: não, eu quero fazer Turismo gente, porque eu quero viajar muito. Que ensino que dá para fazer Turismo, eu quero viajar pelo Brasil, pelo mundo. Aí não tinha faculdade de Turismo, até fui ver na época uma escola particular, mas eu fiz
UnB, como todo bom estudante de escola pública tem que tentar um dia, foi por isso que eu fui fazer mais tarde um movimento muito grande pela universidade aqui em Ceilândia, que esse é um capítulo importante, mas eu fiz a UnB e não passei. Passei na Faculdade [de Artes] Dulcina [de Moraes], e aí fui fazer o Magistério que era de praxe, todos nós filhos de trabalhadores daqui, ou você tinha as escolas técnicas, ou você ia fazer técnico em Administração, técnico em Enfermagem, ou fazia o Magistério, tudo em nível de ensino médio. E eu fiz o Magistério, me encontrei nele, e decidi mesmo que era por aí que eu ia seguir a minha vida, ser professora, professora de Artes.
28:08
P/1 - Qual foi o seu primeiro trabalho, a sua primeira atividade profissional?
R – Eu era uma estudante muito participativa, porque dentro da Faculdade de Artes Dulcina, depois de já ser formada no Magistério, eu era assim, eu tinha um perfil diferente, que muitos que faziam artes ali, faziam artes por hobby, eu tinha colegas meus que eram do lado, filho de procurador, que fazia arte por hobby, e eu queria fazer arte para trazer a arte para dentro da escola, para fazer a mudança na vida das pessoas, então o meu olhar de arte era sempre diferente. Esse olhar hoje, hoje eu observo daqui, isso agradava alguns professores de artes, e esse meu jeito comunicativo, de falar, essa coisa meu “nordestinês”, eu agradava a galera, eles gostavam disso, tanto que um dia eu tive a coragem de chamar todo mundo para vir almoçar na minha casa em Ceilândia, todos os meus amigos, os ricos e os pobres. E minha mãe fez uma grande galinha caipira e foi uma coisa muito legal, e eles nunca esqueceram disso. Hoje eu falo, “gente essa bichinha foi corajosa”, porque chamar essa galera lá da Dulcina, um monte de gente que era empoderada. Mas assim, a gente tinha uma relação muito bacana, eu nunca cobrava por eles terem um padrão de vida, eu até às vezes dormia na casa deles, porque vir da Dulcina para a Ceilândia de noite, se eu perdesse o ônibus das 11h30 da rodoviária, eu estava no saldo, eu chegava em casa uma hora, e eu sempre ficava na preocupação com a minha mãe, porque ela me esperava todas as noites. Então assim, essa jovem, idealista, ela foi na faculdade, ela foi se redescobrindo que tinha um papel importante nesse trabalho, e eu já estava, quando eu fui para faculdade, logo no segundo ano eu passei na Secretaria de Educação para ser professora da rede, em 1986 eu passei, 10/06/1986, aí eu me tornei professora. E como professora e estudante da Dulcina, eu logo, logo, quis fazer dentro da escola, fazer trabalhos na tal da dinamização,
que era um espaço de fazer trabalho que ninguém queria, “os meninos ficam muito bagunçados, os meninos se soltam muito, esses meninos só querem fazer isso”. E foi justamente aí que eu falei, mas eu quero esse tipo de menino, então assim, eu cheguei em escolas... Eu trabalhei em poucas escolas em Ceilândia, eu fiquei muito tempo nas escolas, porque eu fui criando raiz, eu fui trabalhando e fui gostando, então não fui mudando de muita escola, cada escola que eu fiquei... A minha primeira escola foi a Escola Classe 39, era muito próximo da minha casa, e lá eu fiz um trabalho muito bacana como dinamizadora, já comecei daí a pular fora da sala de aula, não ficava limitado a sala de aula.
30:55
P/1 – O que você fez com o seu primeiro salário?
R – Fiz uma aventura! Porque nós morávamos então nesse período todo, voltando lá, minha mãe não aceitou a história de morar com a minha tia, minha mãe correu para alugar um barraco, a minha mãe trouxe coisas que para ela eram significativas, como uma máquina de costura, uma panela de pressão e as agulhas de crochê, e o ferro de brasa, até hoje o ferro de brasa ele é meu, eu herdei o ferro de brasa, está aqui na minha estante. Então ela disse: quando eu chegar lá eu vou arranjar trabalho, eu vou passar roupa, eu vou fazer crochê, eu vou costurar, e vocês não vão passar fome, que essa panela de pressão aqui ela vai cozinhar tudo, ela cozinha o feijão, ela cozinha a carne, ela faz tudo. Olha que coisa maravilhosa gente. Aí a minha mãe ela não aceitou ficar morando com o meu tio, porque nós éramos muito pequenos, e ela achou que a gente ficava muito limitado, e os filhos do meu tio também. Aí ela foi alugar um barraco, e nesse alugar um barraco, ela foi tão.. Já correu atrás, entrou num programa da SHIS na época, nós fomos morar no P Norte, então era uma casinha... Primeiro o pessoal falou, assim: como é que essa mulher conseguiu isso? Chegou aqui não tem nem um ano e já está conseguindo uma casa no P Norte pelo sistema habitacional. E aí foi legal Luiz, porque ela, a casa era pequena, então meu primeiro salário, o que eu fiz, nós dormíamos os cinco no mesmo quarto, meus dois irmãos dormiam na sala e minha mãe no outro quarto. Meu primeiro salário, gente, eu fiz uma loucura, eu fui com a minha mãe em várias madeireiras, pela Losango, comprei materiais diferentes em vários lugares, tudo que precisava, o que o meu salário fosse possível comprar. Aí como não existia sistema interligado, um não sabia que eu tinha comprado na outra madeireira, um não sabia que eu tinha comprado na outra. Eu passei assim, uns dois, três anos, a Losango me ligando todo mês, porque eu sempre deixava de pagar um lugar, para pagar o outro, eu sempre deixava de pagar um lugar para pagar outro, desde então, desde então, desse primeiro salário eu nunca mais deixei de ter parcelas no meu contracheque para alguma coisa, sempre foi assim. Esse foi um compromisso, então a gente fez mais um quarto, ampliamos a cozinha e fizemos uma varanda, minha mãe falava latada, que era um amarrado lá no fundo do quintal para botar o tanque dela lavar as coisas. Então foi isso, e a partir daí eu passei a ser parceira do meu pai e com a minha mãe, a fazer compras dentro de casa, porque eu passei a ter o maior salário da família. E desde então também eu assumi o compromisso com os meus avós, e até o pouquinho tempo depois que minha avó faleceu, a diferença foi de 10 anos entre um e outro, eu mantive um salário para eles todo mês, todo mês eu enviava o salário para eles. Eu fiz greve demais, fiquei sem salário muito tempo, mas eu nunca deixei de mandar o salário dos meus avós, eu sempre dava um jeito de arranjar o salário, de empréstimo e tudo no BRB [Banco Regional de Brasília] para mandar para os meus avós. Eu me orgulho muito disso, sabe, dessa construção com eles, com todos eles, e aí desde então meu salário sempre foi, não foi o meu, foi o nosso salário.
34:13
P/1 - Como é que se deram as suas primeiras aproximações com movimento social, como é que você se aproximou do movimento social?
R – Isso vem do meu DNA. Meu DNA materno, a minha mãe, dona Vitória, o nome já carrega toda essa coragem. Lá no Piauí, eu descobri muito de tempo depois, que como minha avó é dona de pensão no Piauí, do lado dela tinha rodoviária que chegava os caminhoneiros, e claro, ali perto tinha as casas das meninas, de prostitutas e tudo, e minha mãe cuidava daquelas mais idosas, que não conseguiam mais trabalho, elas falavam: “Vitorinha consegue lá umas marmitas para nós”. E minha mãe fazia as marmitas e escondia debaixo das cercas, botava as marmitas ali escondidas, e depois a gente descobriu através da minha tia, que a minha mãe apanhou muito por isso, que minha avó quando descobria batia na minha mãe e dizia: “Você fica dando comida para essas mulheres”. Então minha mãe trouxe isso para cá, quando a gente chegou aqui em Ceilândia, foi morar no P Norte, nós estamos assim... Fomos crescendo muito rápido a coisa toda, chegou uma época que minha mãe começou a cuidar de criança de outras mulheres, e eu estava fazendo o Magistério como professora, então aquele cuidar, que a gente chamou de mãe “crecheira”. Minha mãe fundou aqui na Ceilândia, a primeira associação das mães “crecheiras”, que eram mulheres que depois que criavam os seus filhos, elas abriam a casa para cuidar dos filhos de outras mulheres, nisso eu já fazendo Magistério, eu tive uma formação no meu ensino médio, paralelo ao Magistério, uma formação de um grupo jovem na comunidade. A comunidade aqui em Ceilândia, elas sempre tiveram uma força muito grande de organização, e eu me inseri dentro da comunidade, dentro da igreja da Ceilândia Norte e tinha um grupo de padres muito forte que eram voltados, e irmãs, voltados e comprometidos com as Comunidades Eclesiais de Base, a teologia da libertação. Então eu costumo dizer dentro do sindicato que eu não tive formação acadêmica de sindicato não, eu fui formada ali na comunidade, junto, ouvindo à luz do Evangelho, como a gente pode transformar a vida das pessoas, como a gente pode ser uma agente realmente, um agente político na comunidade, eu ouvia isso na fala dos padres, o sermão do padre na missa era um sermão comprometido, do padre Antônio, do padre Léo, da irmã Nívea, eles falavam com a gente, vocês podem mudar a realidade de vocês. Tanto que muitos de nós que passamos por esse grupo de jovens, ocupamos espaços de poder nas nossas vidas, na sociedade. Isso foi na Ceilândia Norte, quando eu mudei para o P Norte, eu também levei esse trabalho todo, me inseri na outra igreja da comunidade, e lá eu vivi um choque de igreja, porque o outro padre tinha uma outra, trazia uma outra formação, e assim mesmo eu estando dentro do conselho da igreja que era muito ativa, minha mãe era do encontro de casais, mesmo assim eles me boicotavam. Então eu fui criando uma situação muito difícil, aí eu passei a atuar dentro da escola, mais dentro da escola. Foi quando em 1986, já aprovada, eu me aproximei, fiz muitos cursos de delegado sindical, então eu passei a ser uma delegada sindical dentro das escolas e desde então nunca deixei de ser delegada sindical, e participando de todas as lutas, organizando, trazendo as formações para dentro das escolas; paralelo a isso, dentro da comunidade participando dos movimentos, que a gente brigava para ter as coisas, ter o asfalto, ter a luz, sempre foi assim, na Ceilândia foi brigar para ter asfalto, para ter luz, e lá também. Quando tivemos a primeira, aí eu mudei para uma outra escola, que foi como eu passei no concurso, terminei o curso de formação de professores de faculdade, eu passei num outro concurso interno e fui reclassificada, e eu mudei de escola fui trabalhar no fundamental, trabalhar com artes. Quando eu fui trabalhar com artes, era uma escola muito boa, mas foi na época do governo [Joaquim] Roriz, muito difícil, e foi quando a gente conquistou, depois de muita luta, o governo com o governo do PT com o Cristovam [Buarque]. E dentro da escola eu fazia oposição à direção, essa outra escola já que eu trabalhava, Centro de Ensino Fundamental 10 na Ceilândia Norte, eu fazia oposição à direção junto com um grupo de colegas professores muito bons, fazíamos as festas, fazíamos tudo, os trabalhos, a gente enfrentava a direção. Por exemplo, uma situação que eu vivi que foi muito importante até hoje eu carrego essa parceria, abrir a escola para comunidade, a direção não queria, por que não?, vamos abrir a quadra, aí abrimos a quadra com a capoeira, final de tarde a gente saía os meninos ficavam na capoeira. Aí o diretor percebendo que estava ficando muito forte, proibiu o companheiro capoeirista de dar aula lá na quadra da escola, aí ele veio, passamos o dia, cadê o companheiro Valmir, não está por aqui, o mestre Valmir? Aí eu procurei ele, “professora, o diretor me proibiu”. Falei: te proibiu por quê? “Disse que estava difícil, estava juntando muita gente”. Falei: a é, e você quer continuar o trabalho? “Quero!” “Você pode dar numa sala de aula?” “Posso!” Ai eu reorganizai o meu planejamento para dar aula de cultura popular, e dar a capoeira, a arte capoeira, música, dança, isso! Aí trouxe o Valmir, o vamos ficar, que dia que você pode? Tal, tal dia, vou ver nas minhas aulas. Ele chegava lá, me procurava, entrava para sala, eu afastava as cadeiras tudo, embora gente, passa o pandeiro na mão de todo mundo, como é que é isso, aí brinca, aí professora eu não sei! Pega o pandeiro, bota no coração, sente o pandeiro, bota na cabeça, onde quiser botar. O Valmir, ele é maravilhoso com trabalho comunitário, aí um dia era um pandeiro, outro dia era outro, vamos lá, vamos dançar, tem o gingado. Aí um dia bate na minha porta, era o diretor, “Eliceuda o que está acontecendo aqui?” “Por quê?” “Porque os professores estão reclamando.” Falei: quem está reclamando? Porque não veio ninguém falar comigo não! “Mas estão reclamando da aula, já tem professor que está reclamando da questão da desorganização da sala...” e isso e aquilo. Negócio seguinte diretor, você proibiu o capoeirista te dar aula ali fora, lá fora você manda na quadra, mas aqui dentro da na minha sala de aula quem manda sou eu! Eu sou a professora de artes, e ele vai ele vai ficar trabalhando aqui com os meus alunos, a não ser que ele não queira. “Não, mas não pode Eliceuda, por que...” “Então chama uma reunião com os professores, eu quero saber quem é que está reclamando, quem foi reclamar de mim na direção, porque não é possível...” Aí tivemos uma reunião de conselho, teve uns caras mesmo que disseram que eu bagunçava a sala e tudo, falei: eu acho que você que organiza demais a sala, eu tenho que chegar lá e ver aquelas cadeirinhas uma atrás da outra, que um aluno tem que ver o cangote do outro, eu não gosto disso, as minhas aulas pode preparar, ou vocês me dão uma sala especial, ou toda aula que terminar eu vou mudar a sala do jeito que eu quiser! Aí pronto! Aí veio a derrota do Cristovam, do Roriz, e foi muito bom, porque nessa história toda, vamos botar alguém que tenho peito para assumir isso aqui. Aí lá o meu nome foi para roda, e eu fiquei depois.... Se você fala, você tem que assumir. Aí eu tive que ser direção da escola, no mandato tampão do Cristovam, depois eu fui eleita por mais três anos. E aí rapaz, você imagina a direção daquela escola, foi maravilhoso, derrubamos tudo que tinha que derrubar, até sofrer fiscalização da administração, porque eu cresci as sala e tudo, tiramos lixo, tem cada episódio maravilhoso, mas vou parar por aqui para você me orientar aí.
42:09
P/1 - Você começa a dar aula e a sua aproximação com o SINPRO é imediata, isto é, você já se sindicaliza nesse momento, correto? E aí chegando a esse ponto em que você estava como é que se deu o embate entre as demandas sindicais e o governo supostamente aliado naquele momento, que era do Cristovam Buarque?
R – Para a gente tudo foi muito novo, porque na verdade até então nós nunca tínhamos vivido a experiência de uma de uma gestão democrática, a gente sempre tinha as indicações dos governos, para os diretores das escolas, e a gente a partir do Sindicato, da orientação, a gente começou a discutir, fazer um planejamento estratégico democrático. Então assim, nós assumimos aqui na Ceilândia, em muitas cidades do DF, os diretores que eram até então militantes, porque a gente tinha que assumir. E aí nisso foi muito bom, porque a gente viveu a experiência de ser governo, a gente, aqui em Ceilândia nós éramos um grupo muito crítico ao governo Cristovam, nós várias vezes não concordamos com as decisões encaminhada pela Regional, íamos falar com o secretário, nós formamos aqui um grupo muito crítico na cidade, de diretores de escola. E tivemos às vezes embates também com o Sindicato, porque nós às vezes não concordávamos com algumas situações, mas assim, a parceria com sindicato desde então, ela foi muito no sentido de que passou-se a ter dentro da escola, o próprio diretor ou a diretora, a compreensão da importância do sindicato, que até então não tinha isso, era meio por vontade nossa, era mesmo decisão de algumas poucas pessoas. Então, o diretor falava: gente o sindicato está aí, vamos parar a aula para todo mundo se reunir com o sindicato. Aí tinha professor que gostava professor que não gostava, porque esse DNA de você ser “reaça” está lá atrás também. Então assim, a gente desde então teve uma relação do fortalecimento do sindicato, a partir dessa gestão que nós vivemos, que foi a primeira gestão democrática de fato aqui no DF.
44:27
P/1 – E que balanço você faz desse seu período do outro lado do balcão, isso é, na direção de uma escola, como é que você avalia o teu desempenho nesse momento?
R - Eu me propus junto com outro... Primeiro eu não me não me dizia diretora, eu dizia que nós éramos uma direção, nós fizemos, nós tínhamos uma construção, retomamos, ou não, iniciamos diálogos que não existiam antes, por exemplo, a gente passou a ter dentro da escola que era uma escola fundamental, ela tinha uma divisão, quem era de quinta a oitava para um lado, de primeira a quarta para outro. A partir da minha gestão, da nossa gestão, a gente passou a reunir todo mundo junto, professores. Nós tínhamos um conselho que era fictício, aí passamos a ter um conselho efetivo, de debate, de discussão, com representação dentro comunidade mesmo. Então o balanço assim que eu faço, é que foi, e nós temos hoje isso entre nós muito consolidado, que foi uma experiência rica para todos nós, e todos nós que tivemos naquele espaço, naquele momento. Porque a escola ela teve cuidado com as escutas, a gente teve coragem de fazer mudanças ali internas, então isso foi um aprendizado muito grande para todos nós, por exemplo, a gente derrubou salas que até então eram salas de depósito, e nós fizemos como o espaço mais importante da escola. Dois espaços mais importantes, um foi a biblioteca, que ela era uma salinha de livro, nós passamos ela a ser um espaço de leitura, de contação de histórias, de rodas de turmas, então a gente tinha os meninos... Então a gente derrubou parede, e aí foi onde eu sofri uma perseguiçãozinha da administração, porque não consultou lá eles, mas eu consultei gente da comunidade que era especialista, pai de aluno. A relação com os pais de aluno ela foi aprofundada, muito porque a gente passou a buscar nos pais de alunos apoio para algumas coisas: preciso de um pintor, vamos buscar na comunidade, preciso de alguém que mexe com isso, na comunidade, então isso foi fortalecendo a comunidade dentro da escola, então isso foi muito bom. E o outro espaço que a gente também cresceu e ficou muito importante para a escola por um bom tempo, foi a sala cultural Teodoro Freire, que era o espaço onde a gente fazia as brincadeiras do bumba-meu-boi, porque eu também trouxe o boi para as minhas salas de aula, também foi bumbante de boi, a gente montou um boi, a gente brincou com esse boi em muitas escolas, teve um batizado oficial do boi, seu Teodoro era o padrinho, veio batizar o boi, não sei se você conhece o senhor Teodoro aqui em Brasília, ele foi um agente cultural muito forte, ele até hoje representa essa resistência da Cultura. Então ele e a minha mãe que foi a bordadeira das roupas do boi, ela era madrinha do boi, a gente fez o batizado do boi na escola. Então nessa gestão, tudo a gente fazia era coletinho, tudo, plantamos árvores, fizemos horta, pintamos quadra, tiramos lixões de perto da escola, fizemos passeatas em volta da escola com a comunidade, juntos, batucando, foi uma experiência linda, que a gente levou para a vida.
47:51
P/1 – Eliceuda, afora esse seu tempo na direção da escola e toda essa relação com a comunidade que você estabeleceu e tudo mais, quais foram as mobilizações mais importantes das quais você participou como militante do SINPRO?
R – Então vamos lá, primeiro vivíamos num conflito, porque nós éramos direção de escola, e até então perfil de direção de escola, era aquele perfil que você é diretor da escola, você não tem que estar envolvida nas lutas, e nós então, um grupo grande de diretores aqui a época, fazíamos o que, nós éramos os principais ativos dentro da própria escola, éramos nós as direções que falava, gente vamos fazer reunião, vamos fazer então paralisação, aí mais como é que é isso? A história dos descontos, dos dias, vamos fazer... Nós chegamos ao ponto de nós diretores fazermos greve, “estou indo para a greve, eu como diretora da escola estou indo para a greve, você como administrativo se quiser assumir a escola, assuma”. Então nós vivemos um conflito muito grande na direção, esse grupo de colegas diretores de escolas, porque a gente confundia às vezes, entendeu? Não era confundir, a gente não tinha uma referência anterior de um perfil de gestores democráticos, então nós participamos das paralisações, das greves, a gente foi inserido nisso tudo, naturalmente. Mas eu fiquei três anos nesse mandato, quando terminou o mandato do SINPRO, da gestão da escola, 3 anos não, 4 anos, eu não quis continuar, indicamos, construímos um outro nome de uma outra companheira, e eu fui fazer um trabalho junto à Regional à época, para fortalecer os conselhos escolares, aí foi onde eu tive a percepção de um caminhar... Quando eu saí da direção da escola que eu assumi um trabalho junto a Regional de Ensino para organizar os conselhos escolares das escolas, foi onde eu fui andar em muitas escolas na cidade, fazendo reunião, que eu percebi que era importante essa tarefa de organizar, muito além da minha escola. E aí nisso eu saí dessa escola, deixei a direção e fui para uma escola maior, eu já estava muito inserida na luta. Mas entrar no Sindicato, não requer só você ser um bom militante, requer você também ter uma boa participação e atuação nas organizações partidárias, porque você não é somente um militante da categoria, você é um militante da sociedade. E essa percepção, esse DNA de ser uma agente mais comprometida, com muito além do muro da escola, com muito além do corporativismo, da luta da categoria, eu trazia isso muito bem definido em mim, então eu passei a ter uma atuação maior, desde que eu fui direção de escola, dentro do Partido dos Trabalhadores, e eu me filiei, eu fiquei numa atuação maior, tinha um compromisso maior, eu tinha muita resistência das tendências, porque muitas vezes eu queria ter uma independência, mas ai... Não sei se vocês são do PT, deve ser também, deve ter companheiro aí, companheira, mas de alguma forma eu tive resistência, eu era da ala esquerda do PT, era mais sempre à esquerda, isso me causou alguns problemas. Mas compor o sindicato foi pela atuação partidária, lá fora, e principalmente nos movimentos sociais, porque eu descobri que a gente podia fazer política, não precisava estar dentro da sala de aula, então eu pulei o muro da escola mesmo, e com o trabalho cultural do bumba-meu-boi, e com o movimento que depois dessa escola, eu fui trabalhar num Centro de Ensino Médio, e fui ver que a gente não tinha como de fato trazer para esses alunos a possibilidade de ir para Universidade, a gente se embrenhou aqui numa luta de um movimento social muito forte, aqui na cidade, pela luta pela construção do campus da UnB aqui na Ceilândia, e eu sou uma das coordenadoras, até hoje a gente está à frente por outras tarefas, e nós fomos a partir da minha atuação no ensino médio, com os alunos, a gente passa a fazer muito movimento. Paralelo a isso, estava a discussão da composição da nova chapa no SINPRO, e o meu grupo político partidário do PT, também estava na discussão de que nomes iriam para lá. Claro que nisso, pela minha atuação social na comunidade, pela minha caminhada, e por que eu falei: e aí, qual é a discussão que tem? E aí algumas reticências, de indica, não indica, eu aceitei o desafio! Eu me coloquei e fui convidada, foi uma coisa meio paralela, não foi assim, “ah você é o nome”. Eu falei: por que eu não posso disputar? Porque esse espaço aí? O que tem nesse sindicato? Na verdade, eu não tinha muita concepção da organicidade do sindicato, eu tinha a concepção do papel do sindicato dentro da escola, nas lutas, mas não dessa dinâmica de você estar ali na direção. Aí... às vezes, na minha impetuosidade de uma ariana, falei: não eu quero disputar esse negócio. Vamos para a disputa interna primeiro. Que aí dentro do meu grupo político também, nós tínhamos as disputas internas. Aí quando vieram com alguns nomes, eu falei: na boa, eu vou dizer porque eu acho que deve ser o meu nome, por isso, por isso, por aquilo outro, porque se esse grupo político é somente o nome para defender as bandeiras da categoria, o aumento, aí tudo bem, mas se quer algo maior, se quer uma luta, um olhar maior. Nisso eu vou dizer porque eu me coloquei, por interesseira mesmo, porque o meu interesse era: a gente conversava enquanto os professores, e falava: gente é muito difícil fazer essa luta pela universidade, tudo a gente pagava, o carro de som, pagava faixas, pagava aquilo, aí eu falei: se a gente conseguisse entrar no Sindicato? E de lá usasse o sindicato para fortalecer essa luta. Eu tinha esse compromisso com esse grupo da comunidade, os professores, estudantes, aí o que eu fiz? Eu entrei no SINPRO, até já falei para o companheiros: eu entrei por interesse diferente, não foi só para lutar pela categoria, eu entrei para usara a estrutura do SINPRO, para lutar pela universidade lá para
a Ceilândia. Eu não vou fazer esses cursos de formação não, que eu me formei foi ali na Igreja, na comunidade, foi lutando pela água, pela luz, pelo posto de saúde, vou ficar aqui fazendo curso de formação, eu sei, minha liderança, referência política e formação é Paulo Freire, acabou! Aí algumas vezes eu sou meio assim, arisca na direção do sindicato.
54:52
P/1 - Como é que você avalia a atuação do SINPRO neste momento, como é que você avalia o papel do sindicato, tanto para categoria, quanto para a sociedade?
R – Então, o SINPRO, ele é um instrumento de luta importante para essa cidade, ele já traz na sua história, que eu acabei não entrando aqui ainda na história do SINPRO, muitas pautas importantes que foram adotadas também por outros companheiros de outros estados. Então o SINPRO, ele tem hoje uma grande responsabilidade, e ontem também, mas digamos hoje muito mais. E uma responsabilidade e um cuidado, porque o jogo político ele é muito duro, a categoria... Quando a gente se formou, nós éramos todos oriundos e muito da classe trabalhadora, com formação de perspectiva da gente se... Lutar para conquistar, algumas formações de parte da categoria nesse processo aí, foi meio capenga, foi meio direcionado por algumas faculdades particulares, hoje nós temos no nosso quadro, muitos professores que são avessos à política, aí eles fazem a política da omissão. E aí o sindicato... Nós temos que fazer um trabalho assim, ao mesmo tempo nós temos que caminhar fazendo a luta dos interesses, do fortalecimento da carreira, de estar atenção nas questões corporativas mesmo, a questão da nossa luta como educador, de melhorar o salário, de melhorar o plano de carreira, e melhorar as condições de trabalho, mas ao mesmo tempo a gente tem que estar ali fazendo a luta com o pé fora da escola. Como é esse dialogar para fortalecer a educação pública, como é que a gente pode trazer para dentro da escola a comunidade, porque a escola não é do professor, não é da professora, a escola é da comunidade, é do público. Então o SINPRO hoje ele é um instrumento que a gente tem tido cuidado, inclusive na proteção da sua ação. Porque nós temos uma categoria com o meu perfil, vamos para cima, vamos atacar, é sempre para cima, e nós temos uma categoria, aí gente eu não sei, será que o sindicato pode ir para justiça brigar por isso. Então esse perfil de categoria hoje, com o freio maior puxado, tá muito grande, porque a velha guarda como eu, uma galera com eu, a Rosilene, com quem vocês estão falando aí, o Tadeu, esse povo todo, é vamos para cima, para cima, e agora essa nova geração é: calma gente, será que é por esse caminho, é tudo muita luta virtual, tocando agora mais do que nunca nesse momento, mas já era antes, muito virtual, muito WhatsApp. Então assim o sindicato ele é um instrumento da cidade, nesse momento agora da questão da pandemia, nós fizemos muitas campanhas que foram estratégicas, primeiro não volta às aulas, enfrentamos governo, esse governo Ibaneis que é aliado do Bolsonaro, não volta às aulas, depois dissemos por que não íamos voltar, fizemos várias campanhas durante esse processo todo, de esclarecer a própria categoria que ficou um pouco receosa. Teve momentos de ameaça, de devolver os colegas de contratos temporários. Então assim, o sindicato hoje ele tem um papel que tem que fazer as duas coisas, porque a gente entende que não dá para fazer só um papel moderado, ele também tem que ir para cima, não dá só para você dialogar, tem hora que você tem que parar o diálogo, e eu costumo dizer, tem hora que tem que bater na mesa, levantar e falar: vamos para a luta! Nós vamos enfrentar vocês é na rua! E aí como é que a gente faz isso agora? Esse nosso jeito de fazer política, de ir para rua enfrentar o governo, nós estamos tudo recuado dentro de casa, todos nós, as gerações todas que compõem o SINPRO. E também preservar, porque nós vivemos um momento de exceção, nós sabemos o que o fascismo pode fazer, várias ameaças sobre outros companheiros sindicalizados no país afora, a gente tem muito receio mesmo da questão de uma invasão, de uma ocupação no SINPRO, com aval da categoria. A gente tem hoje o reflexo de uma Câmara Legislativa toda comprometida aí com projeto de direita, temos três ou quatro deputados dos 24 que são aliados nossos, nós temos esses erros históricos aqui, e nós temos um DF que... Vocês não são daqui, né? Nós temos um Distrito Federal que no passado era esquerda, e aí, ai já votei muito no PT, hoje eu não voto mais. Votou no PT e não vota mais, o cara nunca foi de esquerda. Então o sindicato hoje... Nós temos que ter o cuidado de proteger essa instituição chamada sindicato, fortalecer e não deixar de fazer a luta, no momento a luta maior aqui nossa hoje é pela vida. Nós estamos numa campanha para fora, vacina já! Pelo direito à vida!
1:00:05
P/1 – Eliceuda me diga uma coisa, você está diante de uma jovem, de um garoto ou de uma garota que resolvem ser professor ou professora, o que você diria para ele ou para ela?
R – Vou falar o que eu já disse, porque eu estou dentro da minha casa, eu tenho três jovens, eu tenho uma de 30 anos, que é professora da rede pública, formada em Geografia e que nesse momento está até fazendo doutorado, está concluindo doutorado, eu tenho uma de 25 que se formou em História, e não quer seguir a profissão de ser professora, avaliou que não quer, e uma de 19 que está fazendo Relações Internacionais, que também falou que não. Bom, essas meninas foram geradas, porque o meu companheiro, o meu marido de 33 anos, ele é professor da rede, e nós temos a mesma posição política, então essas meninas foram geradas, todas elas, da luta, barriguda, pequenininhas, carregando bandeira, vamos para lá, para assembleia, vamos para aquilo tudo, vamos para as passeatas, vamos para as eleições. Então as três foram geradas assim, e a mais velha que hoje é professora, quando entrou na rede, muito empolgada e tudo, recém-formada e tudo, ela falou: “Mãe, e aí a luta?” Quando ela viu as bandeiras, são as mesmas bandeiras que eu entrei na idade dela, tão jovem, os mesmos sonhos, ou seja, para nós da classe trabalhadora é sempre estar resgatando o que perdeu, é ampliando, mas estar resgatando para segurar, então assim, o que eu diria para elas, para eles, eu digo para muitos jovens, digo para as minhas. Primeiro respeitar sua escolha, primeiro não é fácil ser filho de dois professores que realmente estavam muito sempre na luta, como uma diz: mãe, mas vocês estavam brigando por isso no passado! Acabamos de ter uma conquista aqui, de uma parcela 3.75%, e ganhamos lá na greve de 2015, com o governo Agnelo, olha só, ganhamos de novo na justiça. E aí a briga é sempre a mesma, mas o que eu direi e o seguinte: a educação transforma vidas, se você decidir, se você tem no seu DNA ser professor, ser professora, vai seguir, mas se não você pode também ser esse agente que transforma vidas em outros espaços, no seu fazer, no seu trabalho. Então eu digo que tem que ter, eu tenho um genro professor da escola privada, casado com essa minha filha da escola pública, ele fala é muito diferente, “sogra eu quero ser professora da escola pública, quero estar caminhada junto com você, porque é muito bom essa coisa de fazer a luta, de fazer as mudanças”.
Então eu não nunca vou deixar de incentivar aquele que quer estar na luta ali como educador, porque assim como a minha vida, de muitos companheiros e companheiras foi mudada a partir da educação. E essa nossa possibilidade real de mudança, a partir da educação. Diga assim, siga o seu coração, faça sua escolha para ser feliz onde você estiver, se você decidir ser webdesign, cuidar de vídeos, mas nunca perca essa chama da resistência, nunca pode perder isso, onde estiver fazendo, o que estiver fazendo. Eu separei algumas coisas importantes de dizer, do fazer do SINPRO, desse período, não sei que momento eu vou ter aí.
1:03:40
P/1 - Você pode dizer o que você queira dizer.
R – Então, eu quero dizer que quando eu entrei como diretora do Sindicato dos Professores, em 2007, nós tínhamos saído de um congresso, e esse congresso aprovou a criação da Secretaria de Assuntos de Política para Mulheres Educadoras. Quando eu entrei depois dessa batalha lá fora política, entramos, disputamos tudo mais, eu assumi a coordenação dessa secretaria, que era uma secretaria nova no SINPRO. Então foi um baita desafio, que até então, eu sempre estive na luta social, mas eu nunca tinha estado na luta feminista. Só que mais tarde eu vim perceber, que eu já fazia a luta feminista quando eu atuava junto com a minha mãe na defesa das mulheres por creche, contra a violência, pelo empoderamento, só que até então eu não sabia, na minha cabeça era luta, era luta, fazer a luta por todo mundo. Bom, quando eu assumi a secretaria de mulheres do SINPRO, muito empolgada, com muita vontade, com toda essa bagagem de muita gente que veio junto, eu somei junto
com duas companheiras, que foi a companheira Rejane e a companheira Taís, a companheira Rejane Pitanga você deve entrevista-la, já traz toda essa bagagem, e a companheira Taís, muito nova, então éramos três gerações, mas a gente teve um olhar muito de vamos formar a categoria com um viés feminista, vamos cuidar disso, e fomos fazer curso de formação para dentro da categoria, trazendo debate da questão mesmo do
empoderamento da mulher trabalhadora, da gente discutir o espaço de poder dessas mulheres. Aonde? A partir de ser diretora de uma escola, qual é o papel que você tem nessa comunidade, qual o papel que você tem na vida de outras mulheres. Então a gente foi discutir isso, e a secretaria, ela foi ganhando muita força com esse diálogo com a categoria. Então a gente decidiu que deveríamos fortalecer mais esse diálogo, em 2007, 2008, 2009 e nós criamos um jornal chamado “SINPRO Mulher”, à época na direção do SINPRO nós éramos 30%, cumpria aquela cota estatutária, 30% de mulheres e o restante... E eu lembro que quando eu fui com a proposta do “SINPRO Mulher”, dentro da direção do sindicato a gente recebeu assim muita piadinha de colegas diretores. Diretores do SINPRO, homens, aquilo foi o meu primeiro grande desafio, porque fazer um jornal... “ah, tá, o jornal ‘SINPRO Mulher’”, só que esse jornal a gente fez com tanto cuidado que ele ganhou uma força tão grande, fizemos 10 exemplares, ele era semestral, que nós passamos mais tarde, mais à frente, a defender a construção de uma revista, a “SINPRO Mulher”, porque lá atrás nós conseguimos explicar para aqueles companheiros machistas, diretores do SINPRO, que era assim, que eles estavam em maioria num espaço, que eles deveriam ser minoria, porque proporcionalmente nós éramos maioria na categoria, éramos e somos, até então 80%. E a representatividade ali, não era equivalente à nossa força, mas vê essa argumentação, aí nós criamos, até trouxe aqui, eu não achei todas, a “SINPRO Mulher”, uma revista, nós temos acho que cinco exemplares dessa revista. E elas sempre trazem pautas, por exemplo, essa aqui “Uma soube e puxa a outra”, é a pauta do movimento das mulheres, mulheres negras, indígenas, quilombolas, aí contra violência, “Mexeu com uma, mexeu com todas”, e aqui dentro tem tesouros importantes que vocês têm que se apropriar disso, dessas revistas que são cinco, para poder fazer o debate. Marido passou aqui e deu um oi. Ele estava me lembrando de uma coisa importante, que essa revista aqui, ela foi referência quando a gente fazia os encontros nacionais de mulheres educadoras, eu ia como secretária de mulheres do SINPRO, a coordenadora, a gente começou a levar a ideia do jornal, aí outras companheiras, em outros estados, passaram também a fazer o jornal. E a gente passou depois a levar a revista, e ela circulou no Brasil e na América Latina, porque cada encontro as pessoas pediam mais, “traz para gente, me manda isso, me manda aquilo”, então aqui dentro tem as experiências nossas do DF, mas também como um diálogo nacional, entrevistas desde a professora Gina, que trazia um trabalho de tratamento a violência das mulheres, até a Maria da Penha, por exemplo. Então a gente foi ousada nisso, de construir esse documento nesse período, mas sempre fazendo a formação paralela. Aí tem uma outra coisa importante, além do jornal, da revista, é que a gente passou a dialogar com muitas companheiras que já faziam no seu fazer pedagógico dia a dia, este enfrentamento, a partir da gente levar para dentro da revista, para o jornal. Aí a gente criou um prêmio, que ele ficou ali por uns 5 anos no SINPRO que foi, “Mulher educadora cidadã do mundo”. Muitas mulheres foram homenageadas, foram quatro edições, e a gente passou a fazer equivalência ao aniversário do SINPRO, então 34 anos, 34 mulheres educadoras serão homenageadas, só que nós não sabíamos o quanto esse momento seria importante e gratificante para essas mulheres. Então a cada encontro que fazia, eram histórias muito grandes, histórias de mulheres que a sua vida se juntou com o fazer pedagógico, e trouxe revolução para aquela pequena comunidade, para aquela escola. Então é importante que nesse livro, nesse registro, este encontro, “Mulher educadora cidadã do mundo”, ele esteja representado, tem fotos belíssimas dos movimentos. Essa revista como foi uma força, a forma de fazer o debate. Também registrar que várias companheiras compuseram essa secretaria de mulheres, quando estive como coordenadora por três mandatos, 9 anos, acompanhei a companheira Rejane, depois eu posso pegar o nome completo dela, a Taís, a Leliane, a Vilmara, a Fatinha, a Leilane e a Ruth, foram as mulheres que nesse período de 2007 para cá, estiveram à frente. No mandato passado eu saí da coordenação da secretária das mulheres, por uma questão mesmo política interna, e eu assumi a secretaria de cultura, estou agora a frente da secretária de cultura e também tem umas coisas para dizer para você sobre isso, mas só para dizer, e ficar registrado para você, Wini
e Alisson, é que esta secretaria, ela trouxe um novo olhar sobre o fazer do SINPRO, porque desde então a gente passou a entender que nós educadoras, tínhamos uma tarefa que também para dentro do sindicato e para fora, que era a construir a participação, a igualdade e que isso não estava. Estava escrito, mas isso não estava efetivamente na vida, no nosso cotidiano. Então a primeira coisa foi que no mandato que eu assumi lá, junto com as companheiras, nós fomos para um congresso dentro do mandato de 2008, acho que foi por aí, 2009, e nesse congresso, aonde nós éramos maioria, a gente apresentou a proposta da paridade na composição de uma chapa, você não imagina Luiz, como os meus companheiros eram machistas, eu cheguei a fazer o enfrentamento duro de botar o dedo na cara, “então tá bom, eu quero ver você, se você vai honrar mesmo que você é macho, e vai agora enfrentar aquele auditório ali, e você vai dizer, porque eu vou defender para aquelas companheiras que a gente vote pela paridade já, é igualdade, veja bem, que hoje é paridade, porque a proporcionalidade não vai se perder de vista, no futuro ela vai voltar ao debate”. E nós fomos para esse congresso, foi tenso, a primeira minha participação nessa diretoria, foi a história da revista, história do jornal, depois a coisa paridade que pegou eles de surpresa, “mas você não discutiu isso na diretoria, não pode vir para o congresso”,
falei: vou discutir na diretoria com vocês sendo maioria, vamos agora. E foi em cima do palco, eu fui lá, fiz a defesa, e a mulherada, empolguei a mulherada, todo mundo votou, e o companheiro ficou recuado, os companheiros recuados. E a partir de então no outro mandato, 2010, a gente já teve a paridade. E a paridade, é assim, nós somos 39, então nós podemos ser 19, 19, 20, a paridade respeitando isso, você pode ser 19, pode ser 20, e nós investimos na formação das mulheres, e hoje naquele sindicato, você tem à frente, você vai conversar com muita mulher que é muito forte no sindicato, eu posso até dizer que os homens estão no segundo plano, e ai Wini! A mulher assumiu seu papel no sindicato, mas não ficamos só aí, então grave bem, garantimos a paridade, composição de chapa, vamos também discutir mesa de negociação, nós queremos a mesma paridade na mesa de negociação, “há, mas as mulheres não sabem negociar...” “Pois é, nós vamos ter que aprender!” Fizemos até formação de curso de como negociar, como falar em microfone, pensa que não é fácil pegar um microfone e tremer na assembleia, entendeu? Fizemos isso, quantas vezes eu tremi, falei: “eu estou tremendo gente, mas vou falar aqui para vocês aqui nessa assembleia de 7 mil, entendeu. Estou tremendo aqui, a voz está saindo falhada, mas eu tenho que falar para vocês, e as companheiras tem que se encorajar e também pegar no microfone e a gente falar.” Fizemos curso de como falar oratória, pegar o microfone, essas coisas todas, como se comportar na Assembleia, mas sem perder a autenticidade, essa foi uma conquista importante. A outra conquista importante: mesa de Assembleia, nunca mais haverá uma mesa só com homens, mesas, qualquer mesa tem que ter uma mulher presente, mesmo que a mulher fica ali gagueje fale, mas nós vamos estar, hoje nos comandamos as mesas, a dificuldade hoje é achar homem para ir para as mesas. Cadê gente? Não tem nenhum homem para ir para essa mesa? Tem duas mulheres, cadê um homem? Está chegando nesse estado. Essa foi uma coisa importante que tem que entrar no livro, isso é significativo na conquista da categoria, porque fez esse sindicato ter um novo olhar sobre a sua atuação, para dentro e para fora, porque ao mesmo tempo que a gente faz isso aqui, a gente levava esse debate para os encontros nacionais e nos encontros internacionais. Porque a gente escutava das companheiras latinas, como elas são fortes, as argentinas, as uruguaias, as chilenas. Então aquilo, essa troca, nesse nosso caminhar das mulheres pela América Latina e Brasil, foi nos empoderando muito, poder a gente pode, como disse a Dilma, sim nós podemos! Até fizemos isso como capa de uma revista ai deu maior “bóbóbó” dentro da categoria. Então essa participação nas assembleias, a questão da paridade, desculpa gente, me empolguei!
1:15:18
P/1 – Foi importante você dizer isso, porque eu ia te perguntar mais adiante se teria alguma coisa que você quisesse falar e não tinha dito, então você já disse, já adiantou o expediente. Mas eu queria te fazer uma outra pergunta agora. Sem te pedir nenhum exercício de futurologia, mas eu queria que você refletisse sobre qual é o futuro da educação no Brasil? Como é que você enxerga o futuro da educação em nosso país?
R – Essa pandemia deixou a gente mais doido da cabeça. Olha, eu ainda continuo acreditando que a educação é a que transformará nossas vidas, e hoje eu acrescento mais ainda, a educação e a cultura, como eu estou hoje na pasta da cultura, eu costumo dizer que elas são irmãs. Irmãs que têm que caminhar juntas, a educação e a cultura para fazer o enfrentamento que é necessário. Porque não tem como a gente ir lá para dentro da escola, fazer uma formação com estudantes, sem olhar o que envolve a vida desse estudante, o que ele está trazendo para dentro de casa e está levando da escola, então essa troca ela é importante, eu penso que a educação é ainda o nosso instrumento de defesa. De defesa de nós enquanto nação soberana, nação democrática. Agora, como nós estamos vivendo uma pandemia, e muitos de nós, a nossa geração nunca passou por isso, nem os mais novos. Nós estamos enfrentando além da pandemia, estamos enfrentando um processo muito sério, que é do medo, da depressão, essa situação toda está mexendo com muita parte da nossa categoria. Nós somos forçados rapidamente a trabalhar com esse instrumento aqui que muitos de nós não tínhamos esse diálogo. Que é trabalhar com essas coisas tudo formada aí, que é plataforma e tudo isso, a gente foi impulsionado muito rápido. E a gente traz também muito das gerações que estão hoje na ativa, traz uma formação acadêmica muito descomprometida, assim muito capenga, muito capitalista, porque muitos dos nossos foram formados aqui, nas escolas particulares, a gente sabe que às vezes a escola particular ela traz um DNA muito de escolhas, as escolhas mais do individualismo. Mas tudo que eu aprendi na minha caminhada de educadora, e continuando ainda, eu boto fé na educação, eu acho que a gente tem ainda esse instrumento de luta para fazer, para reverter as coisas, é tanto que isso faz a diferença, que os estudiosos da direita eles estão atacando as escolas, eles estão trazendo para dentro da escola a militarização, porque eles também têm conhecimento de que a escola que pode transformar a vida da pessoa e daquela comunidade, da nação, então eles têm isso. Agora nós precisamos fazer uma frente muito grande, nós educadores, nós trabalhadores da educação, nós trabalhadores da cultura e de outras áreas que também tem afinidades, precisamos fazer uma frente para fazer a defesa da Educação. Hoje a gente vive também a nossa defesa de como ser professor, porque muitos, o capitalismo selvagem ele foi colocando a gente no patamar tão aquém do nosso papel, e que hoje a gente vê outras profissões aí... A gente vê o menino que a gente acabou de formar ali no ensino médio, entrar para ser bombeiro, e a gente vê o bombeiro mais importante que o professor, a gente vê o menino que é policial, que tem ali só segundo grau, olhando para gente nas assembleias e a gente olhando para eles, “menino tu foi meu aluno, que tá fazendo aí, que tu quer levantar o cacetete contra a gente”. Então assim, tem falha nesse processo da gente formar essa juventude, e nos temos que nos apropriar dessas falhas para reverter isso, porque o instrumento ainda que nós temos enquanto nação é a educação, e ela transforma vidas, é só olhar para a gente aqui, onde nós estávamos se não tivéssemos passado por uma escola, que tivesse tido um professor, uma professora que olhou para você, “continue, temos um desafio”, mas continuemos. Então eu quero acreditar, eu sou daquelas que eu acho que a gente tem que... Como diz o mestre Paulo Freire, a gente não pode perder essa capacidade de se indignar, de esperançar. Eu sempre quero ter em mim viva essa chama da esperança, para a gente manter vivo o nosso ser, ser coletivo, ser transformador, ser que sonha, ser que planta, e deixemos que todos possam colher. O fato de você plantar não quer dizer que você vai colher, mas plantar já te ajuda a colher. E acreditar nessa educação, que ela vai enfrentar todo esse racismo que está impregnada aí na nossa cultura, acreditar nessa educação, em que ela vai trazer essa coisa da equidade mesmo, da igualdade de participação, eu acredito, eu acredito nisso, eu acredito que a gente tem isso.
E nesse ponto o SINPRO tem um caminhar, é porque o SINPRO também é um instrumento político de disputa interno e externo.
1:20:00
P/1 - Muito bonito isso! É importante é relevante o que você diz, porque fora da educação não tem salvação. Eu disse que não ia fazer a pergunta, mas vou fazer assim mesmo, alguma coisa que você gostaria de ter dito e não disse?
R – Tem! Eu quero dizer, quando eu estou como diretora do sindicato, e que eu vou nas escolas, e agora eu vou virtualmente, quando eu chegava nas escolas, a primeira coisa que eu fazia, era aquelas mesas dos professores, eu falava: gente, bora afastar... eu mesma já afastava as cadeiras, então aquilo que eu fazia lá quando professora, que eu afastava as cadeiras para os meninos brincar de capoeira. Eu afastava as cadeiras do professores e fazia logo um círculo, quando os colegas chegavam, sentavam, falava: então gente... Aí eu sempre levava um algo que tinha visto na comunidade, mas dizia que tinha ouvido, eu nunca chego a falar das coisas, eu quero falar um pouco ali de vida com os colegas e tudo, falar um pouco da vida, porque eu acho que ser direção do sindicato, é lidar com esse ser, ser sensível, esse ser amoroso, esse ser lutador, esse ser medroso. Então lá eu conversava, e como nós somos maioria mulheres, eu levei muito, muito, esse debate do nosso empoderamento, da nossa força como mulher, nós somos... Cara, olha hoje a nossa tarefa, estou aqui a três passos do meu fogão, saindo daqui eu vou organizar o almoço, entendeu? Porque a minha companheira diarista está protegida, porque ela não pode vir para a condição mais grave ainda que esta. Então nós somos mulheres nesse sentido. Então eu quero dizer que como dirigente sindical, sempre que eu fui para dentro e uma escola, eu nunca perdi de vista o papel nosso social, e o papel também solidário de ser mulher, eu sempre fiz um debate, a partir do momento que eu assumi o sindicato, um debate feminista, ecofeminista, de olhar para a gente, olhar em volta da gente, então assim, e hoje ele continua fazendo isso nos espaços. Para encerrar mesmo, eu quero assim, agradecer, agradecer a Deus, agradecer principalmente a geração das nossas mulheres, a nossa senhora que ninguém fala, mas ela tá ali, agradecer a minha vó Rosa, sabe, a minha vó Emília, agradecer as muitas tias minhas que muitas vezes nos acolheram das enchentes, nos momentos difíceis, agradecer a minha mãe Vitória, que essa mulher foi uma referência, uma inspiração, até hoje ela é viva demais aqui pela coragem que ela trouxe, de se indignar com as injustiças, mas de dizer, mas vamos fazer por aqui, de fazer o crochê, de fazer tijolo para fazer casa, que nunca deixei, nós sempre junto com ela, agradecer as minhas cinco irmãs, estão ali hoje, nós estamos solidárias hoje cuidando de uma outra irmã que está adoecida, nós estamos aqui entre nós conversando, agradecer as minhas três filhas, a Aguida, a Samantha e a Mariana pelas suas escolhas e pelas suas liberdades, e a toda essa companheirada que tá em sala de aula hoje em Brasília, e no Brasil, que dividi a tarefa de ser muitas mulheres em uma só, mas que não deixa, que não perde a esperança de ser essa mulher que acredita, que sonha. Então em nome desse encontro da geração de todas essas nossas ancestralidades, e essa nossa contemporaneidade, que eu quero agradecer aqui, que fique registrado para posteridade, eu sou muito grata a vida pelo que ela me ofertou até esse momento, e pelo que vai me ofertar ainda mais. Eu sempre agradeço por estar aqui agora, e dizer que eu seja instrumento, se a minha vida tem alguma importância, que seja para ser instrumento de lutas, de desafios, de coragens, de plantios, de colheitas, de amorosidade, gratidão a todos vocês que me escutaram aqui hoje.
1:25:09
P/1 – Eu queria mais um pouquinho de você, eu queria que você dissesse como é que você se sentiu participando dessa entrevista?
R – Então, eu me senti honrada, a categoria é muito grande, com muitas histórias bonitas de lutas, de dedicação. E me senti muito honrada de estar entre esse grupo seleto, de falar um pouco dessas nossas histórias, de falar a importância que esse Sindicato tem na minha vida e na vida de outras pessoas, da responsabilidade que nós temos que ter e temos diante de tudo que a gente representa, eu me senti honrada de estar aqui hoje e poder fazer parte dessa história, como tantas outras. Me sinto honrado de estar aqui e saber que amanhã muitos companheiros e companheiras poderão escutar isso e dizer: a gente pode continuar essa história. Esse foi só o volume 1, a gente vai fazer o 2, o 3, porque o grande barato da gente é isso, educação é olhar para frente, plantar aqui e colher lá. E como nós temos além da educação, nós temos a cultura, a cultura é essa troca, hoje vocês escutam, amanhã vocês falam.
1:26:26
P/1 - Para fechar eu queria que você nos dissesse quais são os seus sonhos?
R – Sonhos? Quer limitar ou eu posso viajar?
1:26:58
P/1 – Seus sonhos, os sonhos são seus.
R – Eu tenho muitos sonhos. Segunda-feira dia 29 eu faço 57 anos, então assim, é claro que nesse período que a gente está próximo a renascer, a gente fica numa ebulição, e vocês me pegaram nessa ebulição de refletir tudo que foi feito até então, o que a gente pode fazer? Então assim, tenho muitos sonhos, primeiro tenho o sonho de não precisar mais, de olhar mais para perto, para as coisas menores. Eu vivi experiências grandes de dirigir escolas, ser candidata a deputada distrital, porque se você fala que as mulheres tentam ocupar espaços de poder, ai você vai para a disputa interna de um partido machista, que o pessoal fica puto quando eu falo, PT. Mas assim, me coloquei no pleito passado, fui candidata a deputada distrital, uma experiência bem dura, não é fácil, sempre lutei pela universidade aqui em Ceilândia junto com um grupo grande, hoje a gente tem uma universidade aqui, são coisas grandes. Mas hoje, hoje diante desse momento que nós estamos vivendo de pandemia, desse luto de mais de 300 mil famílias sofrendo no país, eu estou me propondo a rever e redirecionar os meus sonhos, os meus fazeres, para as coisas que são grandes, mas que não são longes, as coisas que são grandes, mas elas são perto da gente, são pequenas, são mais perto, é cuidar melhor de mim como mulher, me olhar mais, cuidar melhor do meu equilíbrio, físico, biológico, espiritual, e cuidar melhor de quem estar perto de mim, que esse tempo inteiro eu já ouvi delas algumas vezes, “que a senhora está sempre aqui, mas está lá”, cuidar melhor das escutas das minhas irmãs, de amigas, eu estou tentando me reorganizar para ver se eu trago para mais perto, não sei, eu estou sensível demais a este momento da pandemia, as perdas de amigos e amigas que nos já tivemos, eu estou sensível a isso, então olhar para uma flor que eu estou vendo ali no meu jardim, que legal a gente plantou e agora estou colhendo essa flor, dá valor a essas pequenas coisas, porque eu sou tão ativa de fazer coisas grandes, de repente agora eu quero, eu preciso me reorganizar que não precisa ser grandes sonhos, sonho de uma horta, sonho de uma conversa na escola, sonho pequeno, sonho de ajudar você hoje que está precisando de uma escuta, então esse sonho. Eu tenho tantos sonhos, mas eu estou vivendo esse momento de reorganizar essa nova fase da vida, inclusive o sonho de deixar que outras, outros mais jovens da geração que vem, assumam espaços, porque se não a gente não cumpre a tarefa da luta geracional, inclusive nisso.
1:30:24
P/1 – Muito bem Eliceuda, eu só tenho a te agradecer a gentileza do seu depoimento, o tempo que você nos dedicou e as histórias bonitas que você nos contou, pode ter certeza que valerão muito para o nosso trabalho e foi um prazer ouvi-la.
R – Eu quero agradecer você que está aí Luiz, que me orientou, acho que foi uma manhã para mim muito rica essa experiência aqui, a Wini, essa garota linda, maravilhosa que está aí, com certeza com uma sensibilidade também, nós mulheres, e o Alisson também que esta aí para reorganizar isso, o que precisar de mim eu estou aqui, 57 anos eu ainda sou uma criança, muitas coisas poderão acontecer. Eu sempre me coloquei, sempre coloquei isso espiritualmente, socialmente e politicamente, a minha vida, se eu estou aqui hoje, se esse universo me colocou e se ela servir para ajudar a construir, pode usar, estou aqui, sou instrumento. Agradeço muito a vocês pelo carinho dessa escuta.Recolher