Conte sua História – Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Stela Tredice
Depoimento de Sintia Câmara Soares
Marataízes, 05 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV026
Transcrição por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – En...Continuar leitura
Conte sua História – Mulheres Empreendedoras Chevron
Entrevistada por Stela Tredice
Depoimento de Sintia Câmara Soares
Marataízes, 05 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Código MEC_HV026
Transcrição por Ana Paula Corazza Kovacevich
Revisado por Letícia Maiumi Mendonça
P/1 – Então, queria que você começasse com seu nome completo, onde você nasceu e a data de seu nascimento.
R – Sintia Câmara Soares, 22 de abril de 1976. Nasci aqui mesmo, Itapemirim, Marataízes.
P/1 – Tá. E você passou sua infância aqui mesmo?
R – Sim. Toda a infância aqui.
P/1 – E seus pais faziam o que? Ou fazem, Sintia?
R – Meu pai era comerciante. Tinha açougue, supermercado. Nasci nesse meio de comércio mesmo. Desde que eu nasci ele já tinha comércio aqui, local.
P/1 – E a sua mãe?
R – Com ele, trabalhava com ele.
P/1 – E você gostava de ir ao açougue do seu pai?
R – Adorava. Eu trabalhava com meu pai. Chegou uma certa idade que eu trabalhava com ele dentro do açougue, ajudava… Ele me levava para matar boi com ele, desossar boi… Eu adorava, amava trabalhar.
P/1 – E o seu pai matava o boi?
R – Aham, a gente ia para o interior e matava mesmo, assim, e trazia para o açougue.
P/1 – E era tranquilo para você isso?
R – Super tranquilo, super.
P/1 – Os bois… Ele tinha os bois?
R – É. A gente comprava alguns de fora de terceiros. E a gente tinha um local que se chama matadouro e ali a gente matava o boi, desossava todo ele, quando trazia para cá pro açougue já estava abatido.
P/1 – Isso, quantos anos você tinha?
R – Acho que começou com 13 doze anos, 12 para 13 anos. Mas antes disso ele tinha um supermercado e depois abriu um açougue, depois a gente ficou entre o supermercado e o açougue um bom tempo.
P/1 – E a sua mãe trabalhando com vocês…
R – … Sempre com meu pai. Eles eram do interior uma localidade chamada Brejo Grande, que faz parte do município de Itapemirim, e ele sempre teve esse jeito para negócio o meu pai. E a minha mãe, foi o primeiro namorado dela, 15 anos de idade, e o sonho dela era sair do interior. Aí ela conseguiu depois que teve meu irmão vir para cá.
P/1 – Então ele veio por causa dos negócios?
R – É, para tentar uma vida nova. Porque lá no interior não tinha como. O sonho da minha mãe era sair de lá. Aí com criança pequena, ele veio para cá tentar a vida, na época deu muito certo. E conseguiu conquistar o espaço dele aqui. Conquistar o espaço deles no caso.
P/1 – E quando você era pequenininha, o que você se lembra deles? Qual imagem você ficou dos seus pais?
R – Então, a imagem do meu pai… A minha mãe sempre aquela que abaixava a cabeça, assim, sempre. Meu pai o que mandava em tudo o tempo todo, em todos, mas o coração absurdamente grande… É… Um amor incondicional com os filhos. Mas, bruto, assim, muito bruto. Mas tudo que fazia era para os filhos, envolvendo todo mundo. Mas extremamente bruto. Muito bruto mesmo, assim de falar, mas era o jeito dele mesmo, sabe? E veio para cá com a quarta série, cresceu, criou o nome dele aqui, deles. Eu acho bem bacana. A imagem que eu tenho dele é sempre brigando com a gente por tudo, mas um bobão ao mesmo tempo. Sempre brigando, muito agressivo ele era, assim, muito, muito agressivo. Mas eu acho que era… Hoje eu entendo que era um jeito de proteger, entendeu? A proteção dele era dessa forma de agressividade.
P/1 – Em quantos irmãos vocês são?
R – Nós somos em três, o meu irmão faleceu, eu tenho uma irmã mais nova do que eu. Meu irmão faleceu com 14 anos. Ele já trabalhava com meu pai desde muito novo. Assim, sempre gostou de trabalhar. Era o orgulho da minha mãe também, assim. Foi o que nasceu quando ela ainda estava no interior. E desde os 10 anos ele já assumia o comércio do meu pai. Ele nunca foi muito de rua, não. Sempre teve muita responsabilidade. Então, num certo dia ele saiu para matar boi com meu tio, num fusca, e sofreu um acidente e morreu ele e meu tio juntos, entendeu? Aí foi um problema que meu pai teve seríssimo na época, porque ele não admitiu a morte, muito menos falar sobre a morte em momento nenhum. Aí nós vendemos tudo que nós tínhamos para passar para outro local, foi quando nós saímos do supermercado para o açougue. E a minha mãe sofreu dobrado, porque ela não podia falar dos sentimentos dela com ele de maneira nenhuma, ninguém podia falar sobre meu irmão com ele, nada, nada. E ele começou a ficar rebelde, ter amantes. Então, foi uma fase da minha mãe, assim, além de perder o filho, ela sofreu muito com o marido. E, para mim, foi muito difícil porque a minha diferença de idade dele era de quatro anos. Então, brigava muito, porque eu sempre fui muito implicante. E brigava muito…
E minha irmã quando veio eu já tinha 10 e ela 3 anos, aí voltou toda para ela a atenção. Eu era meio rebelde.
P/1 – Você passou a ser a filha mais velha.
R – A ser a filha mais velha, exatamente. Aí foi muito difícil essa época. Meu pai foi, abriu… Foi quando ele abriu o açougue, ficou só no açougue… É. Na verdade, ele assumiu o açougue. O nome da minha filha é o nome do meu irmão que eu perdi. E na época eu já estava assim quase no oitavo mês e a gente, eu não conseguia decidir o nome dela e eu do nada pensei: “Poxa, podia chamar o nome do meu irmão.” Só que eu fiquei com medo, assim, do meu pai, porque ele não aceitava falar, assim, no nome do meu irmão, falar sobre o meu irmão, nada que lembrasse o meu irmão. Aí nós falamos, acho que ele gostou, mas, assim, se manteve… E ele nem a chamava pelo nome, chamava de boneca, queridinha… Mas ele sentia orgulho, assim, dela ter o nome dela.
P/1 – E esse mudança que vocês fizeram, de uma casa para outra, nesse período, foi… Onde foi isso?
R – É. Só mudamos de local, mesma rua, só do ambiente em que ele vivia, entendeu?
P/1 – E essa mudança para você gerou alguma…
R – … Não. Não sei se inconsciente. Mas não gerou nada. Problema algum para mim, ter saído daquela casa para ter ido para outra. Problema… Não tive problema nenhum em relação a isso. Não sei. As minhas tias falavam que eu fiquei mais rebelde. Não sei. Mas eu não consigo lembrar que isso tenha me revoltado, nada disso. Eu me adaptei muito bem na outra casa. Eu gostava também. Eu comecei a ficar adolescente. Já sabia outras coisas… Mas não tive problema nenhum em relação a isso. Eu sempre fui muito moleque, muito errada… Eu gostava de estourar bomba na casa dos outros, sabe? Para explodir alguma coisa. Sempre alguma coisa muito errada eu gostava de fazer. Machucar as pessoas, assim… Brincava… Era muito bruta. E meu pai ficava assim no supermercado: “Gente, quem está fazendo isso?” E eu estourava bomba, a gente… Alguma coisa em cima… E estourava tudo. Na casa de gente mais velha, só para fazer arruaça, bagunça mesmo. Meu pai era muito rígido, tudo que eu tinha que fazer era muito escondido, extremamente escondido, senão não tinha como. Eu gostava dessas brincadeiras, os meus primos quando vinham para o Rio, do Rio que moram todos no Rio, e praticamente da mesma idade, a gente tem um vínculo muito grande de irmãos entre primos, sabe, de muito irmãos. Então, era sempre uma festa quando eles vinham do Rio e a gente ia para casa dos meus avós, que era no interior, onde meus pais moravam. E era sempre festa, brincadeira, safari, assim, no pomar, ficar acampado no pomar. E a gente tinha uma tia que fazia todas as vontades nossas. As brincadeiras foram ótimas, sempre brinquei, nunca tive problema em relação a isso. Entendeu?
P/1 – E além dos seus primos você tinha outros amigos, assim?
R – Sempre tive muitos amigos nas escolas, sempre homens, por causa da bagunça. Nunca gostei muito de ter amizade com mulheres, com meninas, eu acho que é porque eu achava elas, assim, meio chatinhas, na época, sabe? E eu sempre me identifiquei muito com os meninos. Então, sempre com as partes mais bagunceiras, com certeza, numa sala de aula estava sempre no… Dei muito trabalho ao meu pai na escola, muito trabalho por causa de bagunça. E tudo que eu fazia era muito escondido e… Mas foi ótimo. As brincadeiras… Uma delas… A minha filha estava me lembrando disso, que eu tinha esquecido um pouco, tinha um programa no SBT, acho, chamado Torta, Passa ou Repassa, Torta na Cara… Pô, a gente foi fazer isso na escola. E na época não tinha ninguém que filmava aquela coisa toda. Então, eu consegui com que os professores fizessem as fichas para fazer perguntas, selecionei os melhores da sala e foi um evento na escola, bárbaro. E um rapaz, não sei de onde que surgiu para filmar, eu tenho um DVD disso. E fez toda… A torta mesmo… Coloquei todo mundo da escola, assim, as merendeiras para preparar as tortas, só que era assim, tipo de gema, e dentro botava alguma coisa para sacanear, tipo ovo mesmo inteiro, assim. E tinha prêmios, tinha todos os passos do Passa ou Repassa. Foi um evento na escola. Foi bárbaro. Eu sempre fui muito tímida, só gostava de organizar, de participar, não.
P/1 – E você organizou isso espontaneamente?
R – Espontaneamente, assim. Fiz todos os passos… Os professores, os mais… Foi uma torcida absurda, que eram duas oitavas séries na época, A e B. E tinha que ser… Eram os melhores. Você ia ser o melhor da escola. Foi bárbaro, bárbaro.
P/1 – E como é que você se sentiu quando você viu que a coisa deu certo?
R – Eu não tinha essa noção de conseguir organizar isso, na época. Eu acho… Tudo para mim era uma desculpa de ter alguma coisa diferente. Como eu não saía muito, meu pai não me deixava sair pelo fato de eu ser bem bagunceira, eu estava sempre inventando alguma coisa. E hoje quando minha amiga conseguiu esse DVD, recuperar, eu fiquei imaginando naquela época, eu consegui organizar tudo, porque eu envolvi tudo, professor, coordenador, diretor, a diretora da escola, as pessoas da cozinha, sabe? Prêmio. Alguém para gravar. Então… Hoje eu acho engraçado.
P/1 – Quantos anos?
R – Acho que eu tinha 14 anos, alguma coisa assim. Quatorze anos ou menos.
P/1 – Você já gostava desse tipo de coisa?
R – É. Acho que eu sempre gostei de organizar as coisas assim. É verdade.
P/1 – Você tinha um sonho de ser alguma coisa, assim, quando crescesse?
R –Sonho? Eu… Em relação à profissão, eu sempre, como eu sempre fiquei no comércio com meu pai e minha mãe, eu sempre fazia serviço de banco, depositar, e eu ficava admirando todas as pessoas, que ficavam no caixa do banco. Eu tinha certeza que eu ia ser caixa. Aí eu falei: “Eu vou fazer administração só para ser.” Mas como eu sempre não levei meus estudos muito a sério, sempre fui muito assim. E eu comecei namorar muito mais nova e casei muito rápido e engravidei, parei de estudar, resolvi parar de estudar. Na verdade, eu parei de estudar porque como meu pai era comerciante e a gente tinha uma estabilidade bem legal, eu não via o porquê que eu tinha que estudar: “Pô, meu pai, eu vou estudar para que? Eu vou terminar aqui no comércio, eu vou fazer isso mesmo, não quero outra coisa.” Então eu resolvi parar. Para mim, aquilo ali já estava bom. E… Mas aí logo casei. Aí, quer dizer, fiquei sem o comércio, sem nada, fui para o interior, com três meses eu resolvi engravidar. Foi tudo muito rápido. Aí eu retornei a estudar depois.
P/1 – Você casou com quantos anos?
R – Eu casei com 17 anos e tive a Márcia com 18, entendeu?
P/1 – Mas antes disso, voltando um pouquinho ainda na sua adolescência, além dessas gincanas, dessas brincadeiras na escola, que você organizava, o que você costumava fazer nesse período? Você já, você estava trabalhando com seu pai?
R – É. Eu trabalhava com meu pai, mas eu, a gente, eu não fazia muita coisa, assim. Porque ele não deixava eu sair. E minha mãe não era daquela que enfrentava para deixar. Meu pai dava a palavra e era aquilo. A gente viajava pouco, muito pouco, só devido ao comércio a gente só conseguia viajar no período da Semana Santa, porque a mãe do meu pai não admitia matar nenhum animal na época da Semana Santa. A gente ia muito para o Rio, que eu amo o Rio. Então, ia para casa dos meus primos, ali a gente passeava. Então, tenho isso muito forte. Eu gosto muito… Acho que é uma ligação muito forte que eu tenho com o Rio e Cabo Frio, foram essas as viagens que eu fiz com minha família, que me marcou muito. E brincava no interior com meus primos, na rua com meus amigos de rua, de queimada, de… Eu sempre brincava de alguma coisa meio bruta, assim. E eu sempre dei muito trabalho. Então, eu não tinha muita liberdade. Na verdade, eu não tinha liberdade nenhuma. Meu pai sempre foi muito rígido. Não dava liberdade para gente.
P/1 – E como é que você conheceu seu primeiro namorado?
R –Nossa! Meu primeiro namorado? Foi engraçadíssimo. Tinha um casamento de uma prima minha que era de Belo Horizonte, que vinha para o interior, que era onde meu pai nasceu. Ela falou assim: “Olha, tem um primo do meu marido que você vai adorar, tal.” E eu não sabia nem beijar, nem nunca tinha ficado com ninguém, eu: “É esse.” Fui pedir a um amigo meu para me ensinar a beijar, ele me ensinou. Aí fui para o casamento e fiquei com esse garoto lá escondido de todo mundo. Meu pai nunca ele ia imaginar. E eu nunca fui de namorar. Mas ficava com um aqui bem escondido, na escola, mas muito rápido. Aí foi quando comecei a namorar logo meu ex-marido.
P/1 – Com quem você casou?
R – Com quem eu… Que é o pai da minha filha, que eu casei.
P/1 – E você casou de noiva, na igreja?
R – Ah, noiva. A melhor festa do mundo. Três dias de festa… Com tudo que eu tinha direito eu casei, foi bacanérrimo.
P/1 – E vocês foram morar onde?
R – Eu fui morar no interior onde ele morava, que era Lagoa D’ Anta, o local. Eu estranhei muito, porque como eu morava em beira, assim, avenida. Sempre morei em avenida e comércio, então sempre tinha barulho de alguma coisa. É… Comércio perto, lá era interior, então quando era cinco horas não tinha barulho, não tinha nada. Fiquei desesperada. Só que ele era vendedor de abacaxi, então ele viajava muito, ficava muitos dias fora. Aí, eu vinha para casa dos meus pais. Meu pai me deu um carro para eu poder ir e voltar. Eu ficava muito na casa dos meus pais. Aí logo comecei a vender roupa para poder fazer alguma coisa. Eu viajava, comprava roupa, revendia. Mas eu tinha muita vontade de voltar para cá. Meu casamento foi muito tumultuado, assim. Aí logo me separei, voltava. Separei. Levei uns quatro anos nessa vida de separar e voltar. Brigas horrorosas. Até que por definitivo meu pai me deu uma casa aqui e eu fiquei aqui. Nós chegamos a morar um tempo aqui, mas não deu certo. Impossível.
P/1 – E o que significou ser mãe para você?
R – Eu amo. Eu amei. Eu não tenho arrependimento nenhum de ter sido mãe nova. Não que tenha que acontecer isso com os outros. Mas eu gosto muito do que eu curto com ela hoje. Mas como veio de um casamento tumultuado, eu sem profissão nenhuma. Tendo apoio dos meus pais, graças a Deus, meus pais apoiaram muito, tiveram uma filha e assumiram ela comigo. Nesse período de separação eu resolvi ir para o Rio. Porque nesse período teve a troca do dinheiro para o Real e meu pai deu uma queda muito grande financeiramente. Então, ele alugou tudo o que ele tinha e ficou vivendo de renda. Aí eu não tinha estudo, porque eu achei que eu fosse viver o resto da minha vida no comércio com os meus pais e eu resolvi… Não admitia estar trabalhando aqui, porque eu dona e de repente ia trabalhar para alguém, eu achei isso muito difícil. Para mim foi muito difícil eu entender isso. Aí eu fui para o Rio. Deixei a Márcia com a minha mãe e com meu pai, que eles também, que eles não iam deixar eu levá-la. Trabalhei um período lá, me fortaleci, assim, em relação a minha separação. Quando eu retornei aí comecei a trabalhar com um amigo meu e logo, depois, eu conheci meu marido agora, que é o meu marido atual. Um ano depois eu o conheci…
P/1 – … E quais foram esses trabalhos que você fez nesse período?
R – No Rio? No Rio eu trabalhei em hipermercados, eu era caixa lá, no tempo em que eu fiquei lá. Tentei voltar a estudar, mas eu não consegui voltar a estudar lá. E quando eu vim para cá também fiquei no supermercado de um amigo do meu pai e comecei a estudar à noite. Aí eu voltei a estudar para terminar meu segundo grau… E, aí comecei a namorar com o Fabiano, foi o que eu casei. Mas me fazia uma falta no meu estudo. Eu precisava ter o diploma. Não era nem trabalhar no que eu faço. Eu precisava ter o meu diploma. Isso fazia parte do meu ciclo, isso, sabe? Do meu ciclo de vida. Eu tinha que passar por aquilo ali. Mas eu queria viver em república, meu sonho era viver numa república com um monte de estudantes. Como que eu ia conseguir fazer isso? Já casada pela segunda vez, com filho. Aí foi o curso que eu escolhi fazer, que Administração já não estava muito bacana na época. Era em Campos, que é estado do Rio de Janeiro, que é um local do Rio de Janeiro, e a gente saía de ônibus daqui às quatro da tarde e retornava às onze e chegava às duas horas da manhã em casa. Mas eu fui me adaptando muito bem, a gente vai fazendo amigos, inventava várias coisas no ônibus, várias festas temáticas. Mas foi muito difícil. Foram cinco anos bem difíceis, assim. Bem cansativo para mim, mas com apoio total de família e principalmente do meu marido, especialmente dele. O apoio dele foi muito grande para o meu estudo. E ele me deixou viver assim, não como república, mas como eu tinha aula aos sábado, eu tinha que dormir em Campos, então eu podia ficar em casa de amigos, curtir festa com eles, viajar com eles, fazer congresso…
Ele sempre me deu essa liberdade, então eu vivi tudo isso na minha faculdade, bem mais velha. Tudo. Então, eu consegui passar essa etapa. Foi bem bacana.
P/1 – Que curso você acabou fazendo?
R –
Eu fiz Engenharia de Produção. E eu engordei muito, cheguei a 127 quilos. Eu engordei uns vinte quilos na faculdade. Mas eu já venho em um processo desde que eu tive minha filha de só engordar, eu nunca consegui manter meu peso. Quando eu terminei minha faculdade era 127 quilos, eu muito cansada…
E eu nunca aceitei fazer estágio, porque eu tinha preconceito de mim mesma: “Quem que vai me dar um estágio gorda desse jeito?” Sempre tive esse medo. E foi um erro que eu tive na minha faculdade de não ter feito nenhum estágio, me deixou muito insegura. Aí eu achava o máximo, porque eu estava com meninas de 18, 19 anos, eles eram meus amigos e eu mais velha, com filho, saía com eles, eles amavam. Saem comigo até hoje. Aí logo que eu terminei a faculdade, acho que um ano depois, eu fiz redução, eu perdi quarenta e três quilos na época. Eu não tinha… Eu passei um período depois disso também, quando eu formei, que eu não queria, eu não tinha coragem de voltar a trabalhar. Eu não tinha, eu não sabia, eu não queria mais vender roupa e eu não tinha coragem de ir atrás de nenhum trabalho para mim. Eu sempre tive muito contato com todo mundo aqui, mas eu nunca gostei de chegar e pedir alguma coisa a ninguém, assim, para trabalhar. E já estava me fazendo mal o fato de não estar trabalhando e minha preocupação, que eu tinha, de ter que bancar os estudos da minha filha, de ter que dar educação a ela até o final. Foi um fato também de eu não ter tido outro filho, eu não quis ter outro filho, porque eu imaginei que eu não ia dar conta, sabe? Eu queria formar a minha filha e poder dar estrutura a ela. Aí foi quando surgiu a oportunidade do meu trabalho, que é o que eu faço agora.
P/1 – Conta um pouquinho, como foi que surgiu essa oportunidade? Você imaginava um dia trabalhar aqui?
R – Nunca, nunca imaginava. Nunca imaginei que existisse isso assim, esse tipo de trabalho. Eu fiz uma entrevista e meio que chutei o balde. Fui fazer uma entrevista em Cachoeiro e foi horrorosa a minha entrevista, foi horrível.
P/1 – Isso você fez com quem a entrevista?
R – Um dos sócios é muito meu amigo. Só que essa parte da engenharia era do outro sócio dele. E foi horrorosa a minha entrevista. Aí no outro dia, eu já estava, assim, mal para caramba, uma conhecida minha me ligou e falou que tinha um trabalho. Ela não conseguiu explicar muito bem qual era o trabalho, mas que ela viu que parecia que era o meu perfil e me indicou. Aí eu fui fazer entrevista com a Solange.
P/1 – Que é da onde a Solange?
R – Que é do Instituto Aliança, uma das diretoras do Instituto Aliança, que é minha coordenadora. Meio também ela estava desesperada, porque, tipo, ela tinha que ir embora, deixar alguém aqui. Eu fiz entrevista, mas meio que chutei o balde também, fiz de qualquer jeito, não estava nem aí para nada. E ela gostou. Foi embora e me contatou por e-mail, me jogou o projeto, assim, na hora sem eu saber de nada direito, fiquei meio perdida, mas logo peguei o que era para fazer e amei, e amo o que eu faço. Adoro. Gosto muito, muito, muito mesmo.
P/1 – Qual que era esse projeto que ela te passou?
R – O projeto em que eu trabalho é de inclusão comunitária. Geração de renda para mulheres… E a gente tem que gerar renda para cento e vinte mulheres nesse período. E a gente foi formando, conseguindo formar os grupos. Reunir as mulheres. Conversar com elas. Aceitar. Fazer com que elas confiem nisso. Entender que o que elas façam possa vender, se aquilo não vender, contratar ou conseguir alguém para que faça com que aquilo seja vendido. E mexer com tantas mulheres, com o jeito de cada uma. Conseguir coordenar uma é trabalhoso, mas é prazeroso para mim. Assim, eu gosto muito. Às vezes, eu brinco que parece um filho. Porque você vê, assim, do nada, e hoje elas já estão assim produzindo, capacitadas, conseguindo vender… É bárbaro. Muito bom mesmo.
P/1 – Engraçado. Eu entendo que você vem de uma área de exatas, Engenharia.
R – Exatamente.
P/1 – Como é que foi essa atuação numa área de humanas, que é lidar com gente?
R – Então, mas como eu sempre gostei muito de… Acho que porque eu cresci no comércio e sempre tive essa… E sempre gostei de conversar muito com todo mundo. Eu estou sempre em contato, falando… Eu estou sempre em algum local, sempre envolvida com festas, com eventos. Paralelo também trabalho com produção de eventos. Então, eu estou sempre mexendo em alguma coisa em organização, que eu lembro, desde criança, eu estava sempre mexendo… Organizar uma excursão, organizar um passeio, sempre organizando alguma coisa. Um festival para uma turma ir… Então, hoje coordenar elas para mim é como se fosse organizar alguma coisa. É organizar… Começar ali debaixo organizando, organizando, tentando ajustar…
De trabalhar nessa administração, assim, eu gosto.
P/1 – E trabalhar com essas mulheres, com esse público feminino?
R – Ótimo. É… Você vê uma esperança, assim, nelas, que eu acho isso… São muito diferentes os grupos, comportamentos também bem diferentes, mas você vê em cada uma delas uma esperança e que… Um grupo que eu iniciei, que são as Delícias de Graúna, que são as mulheres de Graúna. Você percebia nitidamente que elas não confiavam em você, não confiavam no que você estava falando, como se elas tivessem sido, assim… Alguém tivesse dado esperança anteriormente e não tivesse conseguido ir ao fim. E eu sempre falei com elas em reuniões: “Gente, aproveitem a oportunidade que vocês estão tendo, porque vai ser única.” Sempre, nas reuniões, antes delas começarem o grupo: “Eu acredito, eu recebo para estar aqui, tá? Eu não estou fazendo política nenhuma com vocês, nenhum tipo de política. Só estou falando que eu quero que vocês acreditem nisso e aproveitem e segurem isso, essa oportunidade que vocês estão tendo.” E hoje eu as vejo fazendo feira, dentro de uma cozinha. Conseguiram agora com que a prefeitura de Itapemirim as apoiasse e desse uma cozinha para elas. E elas participando de reportagens. A etiqueta delas, a primeira feira que elas fizeram, elas têm a etiqueta do produto, eu fiquei emocionada quando eu vi o nome de Graúna, assim, delas, e elas também, sabe? Acreditar e ter fé, elas tiveram, e garra, elas tiveram. Não sei se eu teria se eu tivesse no lugar delas. Sinceramente, não sei. Mas elas acreditaram. O nome delas sendo reconhecido, sabe? É bem bacana.
P/1 – Como é que funciona, Sintia, você chega numa comunidade…
R –
… Geralmente, é… O primeiro contato nosso foi com a Prefeitura. Eles indicam algumas comunidades, alguns grupos que já existem e não tem esse tipo de apoio, que é o apoio da Chevron, que é o projeto da Chevron. Nós começamos com alguns, nessa época eu não tinha começado a trabalhar ainda, mas eu participei do final… Mulheres de Guarandi, uma localidade que tem aqui que tem uma lagoa chamada Lagoa do Gomes. E elas trabalham com semente, no final já estavam fazendo calcinha, costurando calcinhas, porque não teve uma pessoa para chegar e explicar, identificar o produto, ter um designer para trabalhar em cima daquilo ali para poder vender. Então, nós tentamos vários grupos que não foram para frente, que não valiam. Outros grupos não eram grupo, tinha uma pessoa que mandava. Não é assim que funciona. Mas vou citar o exemplo de Bom Será. Aí a Prefeitura falou…
É uma localidade que fazia um tipo de bordado. Eles aceitaram mudar dentro da essência deles e hoje eles fazem bordado com pontos turísticos do local. São super reconhecidas também. Graúna foi um pedido de um rapaz que trabalha na Prefeitura que meio que organiza também a comunidade. Ela faz parte dos quilombolas e pediu que fossem até lá e eu fui. Aí elas, como eu disse, elas todas meio inseguras. E eu cheguei, fiz a reunião, perguntei que era para pensar, que eu retornaria dez dias depois: “Então; agora a gente vai fazer o que?” “Ah, eu gostaria de trabalhar com alimentos.” “Pô, mas alimentos? Mas congelado? É difícil lidar com congelado, tem que ter carro, tem que ter isopor. O que é que vocês têm na cultura de vocês aqui na localidade?” “Ah, a gente tem muito doce, a gente tem muita fruta.” “Então vamos fazer alguma coisa ligada à fruta?” “Vamos.” Aí a gente entra em contato com alguém que possa capacitá-las nessa área. Elas tiveram cursos, até com parcerias, de doces, geleias, e hoje elas fazem. Tem biscoito, doce, geléia, licor. E foi assim. Aí a gente vai estruturando, apoiando. Vou coordenando, ajudando. Tem sempre alguém que… A Solange, o Tadeu, que são coordenadores também, que vem sempre, estão sempre aqui também coordenando, ajudando, visitando, conversando. É um trabalho de dia a dia mesmo, assim…
P/1 – … E para você, teve assim um grande desafio que você enfrentou nesse processo?
R – Começar. Foi um desafio muito grande começar, para mim, porque eu não sabia direito do que se tratava, não sabia. E a minha coordenadora ri, que fala que me jogou assim. E lá no escritório ela: “Gente, eu joguei uma menina lá e meio que ela não sabe nem onde ela está.” E foi exatamente isso o desafio. Começar, entender… Às vezes: “Sintia, você faz o que?” “Não, trabalho num projeto.” Mas tentava sair fora rápido, porque eu não conseguia explicar exatamente o que é que era. Graúna foi um grande desafio para mim também. Começar, chegar até elas, enfrentá-las, para mim foi um desafio muito grande, de ver… Muita insegurança. Eu tive medo de chegar até elas, muito medo. Mas foi ótimo. Você vê o olhar delas, assim… É muito bom.
P/1 – Esse primeiro contato, os contatos que você faz, você costuma ir sozinha?
R –Então, em Graúna eu fui sozinha. Foi essa insegurança que eu tive foi porque eu fui sozinha. Minha coordenadora: “Vai, você é mulher. Você está com medo de quê?” Eu: “Pelo amor de Deus, Solange, não me deixa sozinha.” Ela: “Não, você vai.” Ela sempre assim, me colocando muito para cima. E eu fui e foi um desafio bem grande a princípio. E você olhar e ver que elas estão ali desconfiadas de você, na comunidade delas. Mas eu fui bem acolhida lá. Muito bem acolhida lá. O desafio que eu passei foi esse. Foi por isso.
P/1 – E o seu marido e a sua filha?
R – Total apoio em tudo. Na verdade eu sempre misturo eles. Mas apoiam em tudo. Meu marido é maravilhoso, me apoia em tudo, presente em tudo, companheiro sempre, paizão para minha filha, super marido. Só tenho coisas boas para falar dele. Muito bom.
P/1 – E, assim, eu entendo que você também ajuda a organizar umas feiras.
R – Sim, ligado ao projeto. Organizo feiras para que elas se mostrem, para que sejam reconhecidas. Isso também faz parte, assim, até do projeto. Mas eu estou sempre fuçando alguma coisa, para achar, para que elas se mostrem. Porque o projeto acaba e elas têm que estar, assim, fortalecidas aqui para continuar sozinhas… Com certeza… Para que não acabe. De forma que elas não possam receber pessoas depois do jeito que a gente foi recebido, com desconfiança, com medo, insegurança. Então eu estou sempre colocando elas à frente de tudo assim. O que puder ser de reportagem, que puder ser bom para elas. Porque é bom para elas. Elas estavam em casa, ali sem saber o que fazer. Meninas muito novinhas, meninas que foram mães novas, pessoas mais velhas, que perderam filho, que tem problema em casa, que se unem ali, que conversam, que podem até brigar, mas que batem papo e que se distraem. Nossa, é uma mudança muito grande para elas. Assim, são depoimentos que eu ouço delas que, tipo: “Nunca imaginei estar em frente a uma secretaria falando de negócios.” “Nunca imaginei estar neste lugar, ter meu nome.” A Chevron fez uma encomenda para elas de toalhinhas para dar de brinde e a gente tinha um prazo de quatro dias para entregar essas quinhentas e trinta toalhas bordadas. Eu cheguei e elas: “Vocês topam?” “Sim.” E trabalharam, trabalharam e a comunidade toda foi envolvida, e visitas da comunidade, do padrinho, do marido, da tia, alguém sem… Então, para elas, assim, elas conseguem se enxergar: “Não, eu posso. Eu consigo mesmo. Eu sou super importante.” Um evento que nós fizemos também, que marcou muito para elas, foi um café da manhã, que foi a apresentação do projeto, que foi convidada… Foi a prefeita, tivemos a presença de pessoas de Vitória importantes, falando delas e elas se sentiram muito importantes, muito, muito importantes mesmo. Fez muito bem para elas. Em Montserrat as meninas desfilaram no meio da festa, umas senhoras e a gente, minha filha ajudando a produzi-las, maquiando. E eu levei uns lencinhos, aí eu fui colocar um lencinho numa senhora, aí a outra: “Você vai pôr o que em mim? Você não tem nada?” Aí tive que botar uma florzinha. Ah, elas amaram ter desfilado no meio da comunidade. Bem bacana.
P/1 – E você que faz a articulação com o poder público?
R – É.
P/1 – Com os meios de comunicação?
R – Eu faço essa articulação. A primeira coisa, na minha entrevista, eu não podia ter vínculo nenhum político, para que não tivesse… A minha coordenadora ela falou assim para mim: “As pessoas têm que enxergar como Instituto Aliança e não como algum vínculo político.” E eu nunca tive vínculo político. Meu marido não suporta política. Mas eu sempre tive muito contato com as pessoas, mas sem me envolver politicamente. Eu falei assim: “Não. Isso aí, com certeza, eu não tenho vínculo nenhum.” Então eu consigo chegar até eles e eles me enxergando como Instituto Aliança. Sempre trabalhei uniformizada para que me olhassem como Instituto Aliança. Sempre falando do meu projeto, sempre. Não misturando as coisas. Então eu faço essa articulação, sim. Gosto de sair muito. Gosto de dançar. Gosto de curtir. Isso, para mim, é um sonho, que eu vivo, que eu adoro fazer, e tenho um parceiro que topa, que gosta de estar com a minha filha, com amigos da minha filha, vive inventando fazer alguma coisa com elas. Isso é, para mim, o meu sonho. Eu tendo condições de viajar, de passear, de poder trabalhar, é isso daí.
Sonho assim, sonho que está virando realidade é a realização delas de poder… Hoje eu posso falar que eu posso pagar a escola da minha filha, eu posso comprar alguma coisa para ela. Sempre tive o apoio do meu marido ao extremo. Mas eu posso, é diferente. Eu que vim de uma família, assim, que eu sempre tive tudo. Então eu peguei uma fase quando eu tive minha filha que eu não era desse jeito. Eu sempre tive carro, comércio, eu sempre pude ter tudo. Aí na época que eu tinha que estar estabilizada eu não estava. Então, para mim, é hoje, poder minha filha estar estudando, estar com ela lá, ver ela hoje já começando a caminhar. Isso é um sonho mesmo, para mim, assim, que está se realizando na verdade.
P/1 – Tem alguma coisa em relação ao projeto que eu não tenha perguntado a você? Ou em relação…
R – … Não. Acho que não.
P/1 – Que você gostaria de deixar registrado?
R – Não... Eu gosto muito do que eu faço. Eu estou vivendo uma fase muito legal em relação ao projeto, ao crescimento dele, aos grupos, ao reconhecimento delas, à minha geração de renda também, à geração de renda delas. Isso para mim, assim, está super importante. A minha coordenadora, ela me fortalece muito, ela me ensina muito, e ela está sempre: “Você tem que se mostrar. Você tem que falar.” “Mas eu não consigo. Eu não quero participar de nada.” Ela: “Você tem, porque a gente vai embora também. Você vai ficar aí.” Ela está sempre falando isso comigo. É a mesma coisa que eu falo com as meninas. Assim, uma coincidência. Mas, assim, muito bacana, muito bom. Era isso que eu queria falar. E agora estou participando disso. Muito bom.
P/1 – E como foi para você contar sua história aqui?
R – Ah, foi bom. Bacana. Foi bem legal. Foi muito bom. Todo mundo se sente importante. Agora você imagina para as meninas, ter passado por isso também. É bem importante.
P/1 – Obrigada.
R – De nada. Eu é que agradeço a vocês.
--- FIM DA ENTREVISTA---Recolher