Memórias do Golpe de 64
Depoimento de José Ricardo Campolim de Almeida
Entrevistado por Ricardo Tacioli
São Paulo, 31/03/2004
Realização Armazém da Memória e Museu da Pessoa
Código: CMG_CB004
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Seu José, o senhor pode ...Continuar leitura
Memórias do Golpe de 64
Depoimento de José Ricardo Campolim de Almeida
Entrevistado por Ricardo Tacioli
São Paulo, 31/03/2004
Realização Armazém da Memória e Museu da Pessoa
Código: CMG_CB004
Transcrito por Karina Medici Barrella
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Seu José, o senhor pode falar o seu nome completo, por favor?
R – José Ricardo Campolim de Almeida.
P/1 – E a data e local de nascimento?
R – Vinte de março de 44. Buri, estado de São Paulo.
P/1 – José Ricardo, onde o senhor estava no dia do Golpe?
R – No dia do Golpe eu estava em Itapeva. Eu estava terminando o curso colegial e estava na cidade onde eu vivi meus primeiros anos de vida antes de vir para São Paulo.
P/1 – Qual foi a primeira reação do senhor ao saber do Golpe?
R – Foi muito impressionante, porque nós tivemos notícias de que um dentista da cidade, doutor Camilo, que por sinal era meu dentista, e era do Partido Comunista, havia sido preso com muita violência, e que muitas pessoas que eram conhecidas nossas estavam sendo procuradas ou presas naquele dia.
P/1 – O senhor já tinha algum envolvimento com a política, a cultura?
R – O meu envolvimento começou no colegial mesmo, hoje segundo grau. Nós tínhamos um grupo de jovens que era da JEC, Juventude Estudantil Católica.
P/1 – José Ricardo, quando o senhor veio pra São Paulo?
R – Eu vim pra São Paulo no final de 65, quando fui admitido no Banco do Estado de São Paulo através de concurso, então eu vim pra São Paulo para trabalhar na matriz do banco.
P/1 – E qual foi a primeira impressão que o senhor teve ao chegar em São Paulo, nesse período, nessa conjuntura?
R – Imediatamente eu comecei a fazer o cursinho pré-universitário, e tive contato com as organizações que estavam organizando a resistência ao golpe militar. E comecei, naturalmente, a participar do movimento estudantil.
P/1 – E ao longo da ditadura, qual foi a atividade do senhor?
R – Eu entrei na Pontifícia Universidade Católica, no curso de Economia e, juntamente com outros colegas de faculdade, nós integramos uma célula do Partido Comunista do Brasil na PUC, na Rua Monte Alegre. Em 72, durante a ditadura Medici, nós fomos presos, grande parte do nosso grupo foi preso, e eu fiquei na OBAN [Operação Bandeirante] por aproximadamente oito meses, na Rua Tutoia, uma antiga delegacia que servia de prisão da ditadura militar. Nesse período eu ainda fui transferido, nos últimos três meses, para o DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], pra fazer o que eles chamavam de “cartório”. Ou seja, nesses últimos três meses a prisão era oficial, nós éramos fichados e tal. Mas no período anterior éramos presos clandestinos, ou seja, nós não éramos reconhecidos como presos.
P/1 – O senhor passou por outras prisões?
R – Eu passei apenas por essas duas prisões, da OBAN e do DOPS. Depois, ao sair do DOPS eu fui processado, num processo do Partido Comunista do Brasil. O meu advogado foi o doutor Belisário dos Santos, que hoje também é uma das pessoas lembradas nesse evento. Esse processo revelou que as acusações eram acusações infundadas, não havia provas concretas da nossa participação. Depois eu voltei a estudar, fiz o curso de mestrado. Nessa época eu resolvi ficar fora do Brasil por quatro anos, fiquei na França e retornando depois ao Brasil, comecei a dar aula em faculdade e a militar nos movimentos populares, e também no movimento sindical. Hoje eu continuo militando no movimento social, mais precisamente no Movimento pela Democracia das Comunicações. Faço parte do grupo que compõe a Abraço, Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, que é... O companheiro que está aqui do lado, o Zé Guilherme, que é de Minas, também faz parte desse movimento da direção nacional da Abraço.
P/1 – José Ricardo, e quando o senhor voltou para o Brasil? Que ano foi?
R – Eu voltei para o Brasil em 80, na formação do Partido dos Trabalhadores, e imediatamente eu entrei pro Núcleo dos Professores do partido, um dos primeiros núcleos a compor o partido. Nós fizemos a compilação e edição dos discursos do Lula naquela época, esse livro foi então editado e nós começamos a militância. Nessa época eu entrei numa empresa, no setor elétrico, comecei a militância no movimento sindical, pelo Partido dos Trabalhadores. E depois, ao sair dessa empresa, nós organizamos, juntamente com outros companheiros, a Associação dos Empregados da Cespe e fizemos oposição ao Sindicato dos Eletricitários, cujo presidente era Antonio Rogério Magri, que foi Ministro do Collor. Fizemos oposição a ele e depois voltei a participar do movimento popular. Como eu te disse, hoje eu estou no movimento pela democracia das comunicações.
P/1 – José Ricardo, para encerrar: Que resquícios do golpe há no Brasil, hoje?
R – Eu acho que muitos. Eu acho que nós vivemos um atraso histórico, praticamente irrecuperável, porque o golpe mexeu na parte mais profunda do nosso povo, que é a questão cultural, a questão da individualidade das pessoas. O autoritarismo deixa marcas profundas que dificilmente são superáveis. Eu acredito, espero, que aos poucos isso seja superado, mas toda a situação que hoje nós vivemos no país, de construção dessa democracia, tornou-se, logicamente, uma tarefa muito difícil. Nós sentimos que o Brasil poderia hoje estar colocado entre os primeiros países do mundo, economicamente, socialmente, não tivesse havido esse período de atraso de 21 anos de ditadura, que realmente dificultou muito o nosso desenvolvimento, o desenvolvimento do nosso povo, a questão da liberdade, os nossos sonhos, que permanecem, e nós estaremos sempre lutando, queremos que o povo brasileiro seja livre, porque os nossos ideais de igualdade, de justiça social, jamais morrerão.
P/1 – Senhor José Ricardo, muito obrigado pelo depoimento.
R – Obrigado.Recolher