Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Orlando Aleixo Dias
Entrevistado por Manuel Manrinque e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 11 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 14
Transcrita por Luciana Tosetti
P...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Orlando Aleixo Dias
Entrevistado por Manuel Manrinque e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 11 de outubro de 1996.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista
nº 14
Transcrita por Luciana Tosetti
P - Qual o seu nome completo, data e local de nascimento?
R - Orlando Aleixo Dias, 12 de fevereiro de 1929, Óleo, Estado de São Paulo
P - 12 de dezembro?
R - Não, 12 do 2.
P - De fevereiro.
R - Fevereiro.
P - Qual o nome dos seus pais?
R - Evaristo Aleixo Dias, Maria Francisca Nobero.
P - Onde eles nasceram?
R - Minha mãe nasceu em Bocaina, Estado de São Paulo, meu pai nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo, no sítio Santa Cruz do Rio Pardo.
P - O senhor tem irmãos?
R - Tenho quatro irmãos.
P - Qual o nome deles?
R - Posso... Oscar, já falecido, Oscar Aleixo Dias, Olavo Aleixo Dias, vivo, José Aleixo Dias, também vivo, e Tereza Aleixo Dias.
P - O senhor é o caçula?
R - Não, eu sou o mais velho.
P - O mais velho.
R - Sou o mais velho.
P - Que lembranças tem da sua casa na época de infância, com os irmãos?
R - Infância? Ah, eu tenho uma lembrança boa disso aí. Eu fui criado no sítio e a gente vivia entre, com os irmãos, e tinha muita amizade. Brincava muito junto. Depois de moço saía passear, ia em festas, sempre junto. É uma lembrança boa. Dos meus pais também tenho boa lembrança.
P - Como descreveria os seus pais?
R - Os meus pais, embora o meu pai era analfabeto, minha mãe não sabia ler, mas eram pessoas bastante inteligentes. Eles orientavam muito bem a gente. Tudo o que eu conheço hoje como educação, de família, eu aprendi com eles. E eles eram daquele sistema tradicional, mas não eram enérgicos em excesso. Eram 100%.
P - Que tipo de brincadeiras tinha na infância?
R - Na infância, como nós morávamos no sítio, então as brincadeiras eram mais coisas de sítio mesmo. A gente gostava de nadar, de ir no rio, caçar passarinho, andar no meio do mato. O que nós gostávamos muito é nadar, isso, principalmente nos rios. Pescar também, tinha uns rios lá que era bom de pegar peixe, a gente ia pescar. Tudo isso a gente fazia.
P - Quando entrou na escola de primeiro grau?
R - Primeiro grau entrei acho que foi em 1936, porque eu saí em 40, foi quatro anos. Cursei entre 36 a 40.
P - O senhor se lembra de alguma coisa daquela época?
R - Ah, eu lembro mais ou menos de alguns professores. Tinha um professor que tinha ataque epiléptico, às vezes caía na escola, lá. A gente, às vezes, precisava socorrer ele. Isso a gente não esquece. A outra professora que eu tive, também, que me deu aula no segundo ano, depois deu aula no quarto, também. Depois quando a turma do quarto ano tirou o diploma do primário ela fez uma festinha para os alunos. Então isso tudo é coisa que a gente não esquece. Às vezes quando, eu era bom para gravar poesias, eu recitava poesia também. Tudo quase a gente não esquece da escola.
P - E aonde ficava a escola?
R - A escola ficava na cidade Óleo mesmo, no Estado de São Paulo.
P - O senhor morava no sítio.
R - Eu morava no sítio.
P - Como o senhor fazia para ir para a escola?
R - Ah, vinha a pé. Era 3 quilômetros, a gente vinha a pé.
P - Você com quem?
R - Vinha eu e meu irmão mais novo, que era abaixo de mim. Nós dois estudávamos na mesma escola, nós vínhamos junto. Oscar, esse era o segundo irmão meu. E os vizinho, tinha um bocado de colega do sítio lá que vinha tudo junto com a gente. Voltava, voltava tudo junto também. Era o ritmo da gente lá era esse.
P - Depois que terminou o primeiro grau continuou estudando?
R - Não, eu parei porque a gente trabalhava no sítio e lá para , por exemplo, para mim fazer um ginásio lá, do Óleo a Comarca lá que pertence, o município de Óleo pertence a Comarca de Piraju. Só tinha ginásio em Piraju. Em Piraju sempre precisava ou estudar interno ou ficar durante o tempo todo lá, pagando pensão, coisa assim. E eu, sendo o mais velho em casa, eu tinha que ajudar meu pai na lavoura, na roça. A gente plantava lavoura. O ritmo era esse. Não tinha jeito de fazer o ginásio. A não ser que ele fosse, tivesse possibilidade para poder pagar, mas não tinha. Então parei no primário, só.
P - Como era o trabalho na lavoura?
R - O trabalho na lavoura, a gente plantava vários tipos de alimento, por exemplo, plantava arroz, plantava milho, feijão, amendoim. Isso a gente tinha tudo, lá no sítio. Mandioca, abóbora, cana. E agora, depois tinha a preparação da terra para essas coisas. Para você plantar, por exemplo, você tinha que arar toda a terra, virar tudo com arado, depois passar uma grade, preparar, depois riscar, plantar, jogar semente. Depois tratar dela até a colheita. Tinha café também, nós tinha também um bom pedaço de café. Dava bastante café, também.
P - E isso que a sua família colhia...
R - Colhia.
P - Era para consumo próprio...
R - Não só...
P - Depois era comercializado?
R - Não só para consumo, uma parte era para negócio também.
P - Que parte?
R - Que parte?
P - É.
R - O café, por exemplo, só tirava um pouquinho para o gasto, o resto era tudo vendido. Para o próprio sustento da família. Arroz a mesma coisa. Tinha ano que nós escolhíamos 400 sacos de arroz, mas nós gastá vamos, por exemplo, por ano, 12, 13 ou 14 sacos em casca. O resto era tudo para negócio. Feijão também plantava bastante, também uma parte era para negócio, o milho a mesma coisa. Cana que não, cana, mandioca, essas coisas era tudo para o gasto. Já era plantada para o gasto. Abóbora, tanta gente alimentava. Porque abóbora também é bom para a gente se alimentar. E também tinha porco, para tratar dos porcos.
P - Havia funcionários trabalhando com vocês?
R - Não, era só nós. Quando apertava na colheita, por exemplo, então a gente pagava, lá naquele tempo a gente chamava de camarada, pago por dia. Pagava por dia, ou quando era, por exemplo, a colheita do arroz, naquele tempo não existia máquina igual hoje, então reunia os vizinhos em mutirão. A gente ia ajudar eles no tempo que eles precisavam, eles vinham ajudar a gente. Aquele tempo de mutirão. Então era, no dia, era trabalho e no tempo era brincadeira. Brincadeira o dia inteiro e trabalhando.
P - A que horas mais ou menos vocês acordavam?
R - Ah, quando o sol clareava, que estava saindo o sol, nós já estávamos indo para a roça. Antes das 6 horas que a gente ia já para a roça.
P - E a que horas voltavam?
R - Só voltava à tarde, porque o almoço a mulherada levava o almoço na roça mesmo. A gente comia lá na roça.
P - O que era, arroz, feijão?
R - Arroz, feijão, carne, frango, matava porco, era carne de porco, carne de vaca. O que tinha mais no jeito. Salada, de verdura.
P - O senhor ficou muito tempo trabalhando na lavoura?
R - Até 19, quase 20 anos. Depois que eu vim. 49 vim para São Paulo, eu já estava dispensado do serviço do Exército. Enquanto não dispensava não adiantava vir porque era difícil arrumar emprego, então eu não vinha. P/2: Por que o senhor veio para São Paulo?
R - Aquela ilusão de cidade. Embora nós tínhamos sítio, trabalhava para a gente, mas é a ilusão de trabalhar na cidade. Como muitos colegas já tinha vindo, todo mundo naquele tempo tinha muito emprego, não havia o problema de hoje, então a gente vinha sem medo de arrumar emprego, porque arrumava mesmo. Vim mais por isso. Vontade de morar na cidade e trabalhar em outro ramo sem ser lavoura.
P - Qual foi a sua primeira impressão de São Paulo?
R - A primeira impressão foi, eu achei boa porque para mim parece que eu já tinha sido nascido aqui. O gozado foi isso. (riso) O meu tio foi me esperar aí, que eu vim de trem, naquele tempo vinha de Maria-fumaça da Sorocabana. Cheguei aqui, meu tio foi esperar e ele morava lá no Carandiru, para atravessar a Tiradentes, eu atravessei junto com ele, a mesma coisa que uma pessoa que já foi criada aqui. Ele falava: "Pôxa vida, mas você parece que já foi criado aqui. Se veio a primeira..." Primeira vez que eu vim em São Paulo, nunca tinha vindo. Eu atravessei a cidade, andei por tudo aí, mesma coisa que uma pessoa que já está acostumada aqui há muito tempo. Não tinha aquele medo, aquele acanhamento de carro pegar. O pessoal chega do Interior tem aquele medo. Porque às vezes a pessoa que não está acostumada aqui. Mais naquele tempo, hoje não é tanto. Ainda mais que as cidades evoluíram muito. Aquele tempo o pessoal tinha mais medo. Mas eu me dei bem logo de cara, já. Logo arrumei serviço. Mais difícil naquele tempo era tirar a Profissional aqui em São Paulo. Era uma fila horrível, você não conseguia tirar no mesmo dia. Mas às vezes no segundo dia ela já estava pronta, aí era só começar a trabalhar.
P - Em que bairro morou quando chegou aqui?
R - Primeiro lugar que eu morei, morei lá na Rua Carandiru, em frente à Penitenciária. Meu tio morava lá, eu morei lá. Morei três, quatro meses. Depois eu mudei para, onde hoje é a Estação Armênia, era a Praça José Roberto. Eu mudei para uma pensão, depois em quatro colegas nós alugamos um quarto, num sobradinho lá na Tiradentes 1.408, aí lá eu morei até casar. Aí quando casei, mudei para Ermelino Matarazzo. Meu sogro tinha casa lá e tinha uns cômodos vazios, já aluguei dele e fui morar lá. Fui trabalhar lá em Ermelino, na Badoni. Nessa época eu fui trabalhar na Badoni, por isso é que eu já mudei para lá.
P - Não foi difícil arrumar trabalho?
R - Não, aqui não.
P - Qual foi o seu primeiro trabalho aqui em São Paulo?
R - O primeiro trabalho aqui, esse eu não pus aqui porque eu trabalhei um mês só, foi numa casa de armarinho, na Rua Cavalheiro Basílio Jaffet, ali perto da 25 de Março. Eu trabalhei um mês só lá, nem registro teve então eu nem marquei aqui no relatório. Lá eu trabalhei um mês só.
P - Como assim?
R - Era ramo de, como é que chama? De armarinhos. Era coisa em geral, negócios de produtos e miudezas, papelaria, negócio de boneca. Era tudo, armarinho em geral, um negócio completo. Só que eu fiquei um mês só lá.
P - Qual foi o motivo da saída?
R - O motivo é porque muito pouco. Não valia a pena. Então eu falei: "O negócio é procurar outro ramo", que eu não ia vim do Interior e ficar num lugar assim, não era vantagem.
P - E daí?
R - Daí foi quando eu entrei na fabricadora de papel. Também lá não trabalhei muito tempo porque o meu interesse era aprender uma profissão e lá eles não se interessavam. Você entrava numa seção de produção e não tiravam você. Assim se você entrou naquela seção tinha que ficar lá. Aí eu pedi transferência, não quiseram me dar, aí eu trabalhava em horários, revezamento de horários, aproveitei quando estava trabalhando das 3 horas da tarde às 11 da noite, aí eu comecei a procurar oficina mecânica, até que eu arrumei. Aí foi quando eu entrei na Mayer Schreader. Aí entrei como jato mecânico. E já entrei ganhando mais do que na companhia fabricadora. E foi assim depois uma firma atrás da outra.
P - Como foi que o senhor conheceu a sua esposa?
R - Eu conheci na Vila Galvão, num piquenique, que meu irmão trabalhava numa fábrica de móvel então fizeram um piquenique lá no clube na Vila Galvão, e ele me convidou, e fui lá. Tinha um bailinho lá, durante o dia, a gente pegou dançar lá e nessas alturas conheci ela, tirei para dançar e começamos a conversar e dali já iniciou o namoro.
P - Como era o namoro antigamente?
R - O namoro era mais difícil que hoje. Para você dar um beijinho, pôr a mão em cima do ombro, tudo era mais difícil. Hoje é mais simples, logo está beijando,es tá abraçando. O tempo não era assim não, pô Mas, com o tempo a gente também conseguia (riso). É a mesma coisa que hoje. Todo mundo quer namorar. Beijar é a principal coisa.
P - E quais eram os lugares aqui em São Paulo onde os moços iam para encontrar as moças?
R - Naquele tempo tinha muitos lugares. Quando eu morava na Tiradentes... Quando eu namorava ela, eu ia lá em Tucuruvi, lá na Avenida Tucuruvi, ali tinha um, eles chamam footing, que as moças vão de um lado e os homens do outro e a gente fica encontrando. Naquele tempo a Rua São Bento também era a noite no domingo. Sábado era o footing da gente andar para lá e para cá namorando. Rua Direita. Na Rua Direita ficava o pessoal de cor. Rua Direita inteira era cheia de pessoas de cor, todinha. Não sei se você sabe disso aí.
P - Não.
R - Naquele tempo, o pessoal de cor se reunia na Rua Direita. Ali era puro pessoal de cor.
P - E lá no Ipiranga?
R - No Ipiranga também a gente ia no domingo para visitar o Museu e também dar uma namorada. É o que a gente fazia.
P - O senhor foi muito namorador?
R - É, mais ou menos. Eu não arrumei muita namorada mas gostava de apreciar. (riso)
P - Qual era a sua função na fábrica de papel?
R - Lá era ajudante geral, o serviço lá era serviço braçal mesmo. Tinha uns carrinhos, a gente vinha com uns caixões, umas caixas com duas alças, eles iam numa máquina, enchiam daquela, daquele produto lá, o papel craft, que eles moíam na máquina e a gente pegava e tinha que manual jogar ele dentro de um tanque lá, que era a preparação da massa para o papel. Esse era o serviço da gente lá, era esse. Carregava um cilindro, aquilo chamava cilindro. Aí, depois, tinha três cilindros, um atrás do outro, descarregava os três, aí tinha que dar um tempo até fica a massa no ponto, aí nesse tempo você ficava esperando. Mas naquele momento você trabalhava, e era pesado. Eu falei: "Isso aqui não pode. Venho da roça que trabalhava no serviço pesado para ficar nisso?" Também saí fora.
P - E foi para onde?
R - Aí que quando eu entrei no Mayer Schreader. Entrei de ajudante mecânico. Lá eu fiquei dois anos.
P - Aí começou a aprender o ofício?
R - Eu comecei a aprender mecânica. Lá eu saí mais ou menos. Em mecânica já dava para mim fazer até ajustagem. Só que como nesse tempo eu entrei na Getúlio Vargas, a fazer o curso de torneiro, aí eu arrumei nessa firma, que foi lá no Tornos Irã, que ele era um rapaz que trabalhou com nós lá que montou essa firma. Aí ele me chamou para trabalhar com ele, aí eu entrei para trabalhar com ele como meio-oficial torneiro. Só fiquei pouco tempo lá. Não deu certo também. Não combinei com ele. Ele era meio... Quando era colega da gente era uma coisa, depois que ele passou a ser patrão não era pá de agüentar ele. Aí eu saí fora. Aí fui para o Mateusia e Amadeo Ltda. Lá em vez de eu ir como torneiro, como já tinha prática de ajustagem, eu fiz um teste de ajustagem e entrei como ajustador mecânico.
P - E qual era o trabalho?
R - Como ajustador mecânico?
P - É
R - Ah, era a ajustagem de peça em geral, para montagem dos tornos. Passava na seção de preparação e a gente fazia a ajustagem para deixar as peças no jeito. Aí depois que a gente preparava todas, elas iam para a seção de montagem, e os montadores montava. Mas, quando vinha da usinagem, vinha para ajustagem. Peça que era necessária ajustagem, passava na ajustagem. Aí a gente ajustava, e depois ia para seção de montagem.
P - Como se faz para ajustar a peça?
R - Ajustar tem vários sistemas. Se é mankaiser, por exemplo, às vezes é buchas de metal patente ou bronze, você usa um rosquete triângulo. Tem que entrar um eixo, você tem que passar um produto que eles chamam Azul da Prússia. Tem que passar para ver onde está marcando para você ajustar para fazer certinha. E quando é ajustagem de rasquete, você ia ajustar com carrinho de torno. Tem os prismas, em 45 graus. Então você tem que ajustar com ajustagem de rasquete de topo. Aí depois você tem passar Azul da Prússia também para ver onde está pegando. Porque aquilo tem que, por isso chama ajustagem, tem que ficar ajustado mesmo. Esse é o serviço da ajustagem.
P - Como era o ambiente de trabalho?
R - Era bom lá. Os colegas eram bom, o dono também era 100%. O dono lá era bom. Era dois cunhados, e eu até morava perto deles, eles me levavam às vezes. Nesse tempo tinha casado de novo. Às vezes ia na hora de almoço, eles iam, diziam:"Ô, vamos comigo". Me levavam. Eles eram gente boa. Nesse ponto, lá eu não pude reclamar não. São poucos patrões assim. Mas eles eram assim.
P - E as condições de trabalho?
R - As condições não eram ruim também, não. Não tinha grande coisa, igual tem hoje nas firma, são firmas grandes, tem condições melhores. Mas nas condição da época, eu acho que não era ruim. Acho que era boa.
P - Por que saiu de lá?
R - Não eu saí também por causa de salário, porque o salário não era ruim, mas também não era um salário bom. Então você sempre tem interesse de ganhar mais. Eu saí de lá por causa de salário.
P - Era fácil assim arrumar trabalho?
R - Ah, era fácil. Eu saí, no dia que eu saí já no outro dia já estava trabalhando, já arrumei outro serviço.
P - Aonde?
R - É, daí eu entrei na Sofunge. Eu entrei ganhando mais na Sofunge. Só que a Sofunge também só tinha promessa. Entrava lá: "Não, depois da experiência vai ter um bom aumento, e tal", mas era conversa, só. Acho que eu fiquei três, fiquei pouco, três ou quatro meses na Sofunge. Aí saí, fui para a Refinação de Milho Brasil, a Maizena. Eu nem sei se eu marquei a Maizena. Ah, marquei sim. Lá também eu fiquei uns tempos aí eu peguei, vi que o pessoal de lá, com 15, 18 anos, ganhava aquele salário quase com que eu entrei, eu falei: "Não, não vale a pena". Aí foi quando eu saí, aí da Refinação. Aí, meu sogro morava em Ermelino e um domingo eu fui passear lá e conversando com um rapaz lá, eu sempre gostei de pegar amizade com todo o mundo. Então conversando com o rapaz ele falou: "Olha eu trabalho numa firma aí, e está precisando de um mecânico lá." Aí eu falei: "Mas é boa a firma?". "Não, é boa, es tá começando, agora e se eu falar", ele era soldador, lá. "E se eu falar lá com o Mandelli," que era o diretor lá na época "falar com o Mandelli, você vai lá, ele faz uma entrevista, se der certo, aí você vem segunda-feira aí, eu já falo com ele." Eu sei que eu fui na segunda-feira e já arrumei. Saí da Refinação de Milho Brasil, já entrei para a Badoni. Aí eu entrei na Badoni.
P - Como ajustador?
R - Como ajustador mecânico.
P - Quem foi que lhe ensinou a trabalhar com...
R - A ajustagem?
P - É.
R - A ajustagem eu comecei a aprender com um alemão, que era meu chefe no Mayer Schreder. Também eu achei que foi muito boa gente comigo, que ele tinha paciência de explicar. Não são todas as pessoas que têm paciência, ele tinha paciência de explicar. Ele chamava Otto. Sobre o começo da minha profissão, eu devo muito a ele, que ele me ensinou, ensinou bem, ensinou bastante coisa. E por isso que depois eu fiz teste no Mateusia e Amadeo Ltda e que passei porque, parece que o que ele ensinou lá serviu.
P - O senhor entrou como ajustador na Badoni?
R - Eu entrei como ajustador mas, como a firma tinha muita manutenção também, tinha muitas máquinas de produção, então a gente, na mecânica, não era só ajustador. A gente era ajustador e mecânico de manutenção ao mesmo tempo. Então nessa época eu fiquei quatro anos na Badoni, como ajustador, mas fazendo mais manutenção quase do que ajustagem. Mas todo serviço de ajustagem que precisava, que vinha para a gente, a gente fazia também.
P - Como era a relação com os chefes, na Badoni?
R - Era boa também. Não era ruim, não. Também era boa, tinha boa relação com o chefe.
P - O senhor participava de sindicatos, ou não?
R - Nesse tempo, na Badoni, eu entrei de sócio no Sindicato do Metalúrgico de São Paulo.
P - Foi lá ...
R - Na Badoni que eu comecei. Quando eu trabalhei na companhia fabricadora de papel, lá me trouxeram uma ficha, se eu queria entrar. Eu cheguei a entrar de sócio do Sindicato do Papel e Papelão. Mas eu fiquei pouco tempo, porque depois eu fui para a Badoni, lá eu já era metalúrgico então... Aí eu entrei como sócio do Sindicato do Metalúrgico. Até eu sair da Badoni eu era sócio do Sindicato do Metalúrgico. Aí, depois da Badoni, então, eu fui para uma indústria de móveis, que é a Braford. Essa indústria era mista, então ela tinha metalúrgica e madeira. Então, como a madeira era a parte maior, pertencia ao Sindicato dos Marceneiros. Aí eu pedi transferência do Sindicato dos Metalúrgicos para o dos Marceneiros. Continuei como sócio antigo. Aí de lá eu saí, depois da Braford e eu vim para a SACE Brasileira Material Elétrico. Também aí já pertencia à metalúrgica. Aí eu pedi transferência do Marceneiro para o Metalúrgico, e continuei. Até hoje eu sou sócio do Metalúrgico, desde aquela época.
P - Mas o senhor sempre procurou trabalhar como...
R - No ramo metalúrgico.
P - Ajustador mecânico?
R - Ajustador mecânico, manutenção. Mas eu quase sempre trabalhei dentro do mesmo ramo.
P - A sua profissão é perigosa?
R - É perigosa, sim. Perigosa que eu perdi até uma ponta de dedo lá numa prensa.
P - Como foi isso?
R - Isso aqui é porque eu fui endireitar uma peça. Tinha uma prensa, que eles chamam prensa fricção, e quando eu bati... A gente dá uma batida, igual ao martelo. Ela tinha uma rosca e a gente vem e dá umas batidas para espichar ou endireitar. E numa daquelas, ela veio sozinha. Ela retornou... Ela retornou e, quando eu vi que ela vinha, eu tirei a mão, mas ainda pegou o dedo aqui, e isso aqui também arrancou a carne desse lado. Mas como não fez nada no outro... Isso aqui quebrou tudo. É perigosa, porque o mecânico ajustador, que também faz manutenção... Você precisa fazer uma peça que vai numa máquina, sempre as máquinas têm perigo. Por mais cuidado que você tenha, uma hora ou outra ...
P - E aconteceram muitos acidentes, então?
R - Não, para mim aconteceu esse. Grave, foi esse. Uma outra vez eu machuquei a perna. Foi furando as peças lá. Era broca muito grande, saiu aquela faixa de ferro, daquela fita grossa. Então, ela subiu lá de um jeito, veio e rolou na minha perna e cortou aqui. Esse aí foi um corte feio, também. É o que eu lembro, que foi mais grave, foram esses aí.
P - E a empresa, naquela época, dava assistência médica?Como era?
R - Dava. Eles tinham convênio. E, no caso de acidente, eles já levavam direto para a assistência. Lá tinha departamento médico, tinha isso tudo. Firma grande. Teve época lá que estava mais de mil, mil e 200 pessoas. Esses acidentes todos que eu tive, tanto esse corte que eu te falei, como aqui, foi na Badoni.
P - O senhor ficou parado quanto tempo?
R - Esse do dedo aqui, eu fiquei mais de um mês parado. O outro foi poucos dias, porque corte assim logo deu os pontos. E, acho que uns seis, sete dias, eu já estava trabalhando de novo.
P - Quanto tempo o senhor ficou na Badoni?
R - Na Badoni, dessa primeira vez, quatro anos.
P - Qual foi o motivo da sua saída?
R - O motivo lá foi um motivo gozado. Sei lá, foram ignorantes os dois lados. Porque eu fui testemunha de um colega lá, e eu trouxe um atestado do Juiz, que eu fui testemunha... E a firma tem que pagar o dia. E a firma disse que não pagava o dia. Se eu for testemunha dela, me pagava o dia. Mas como eu não fui, não ia pagar. Falei: "Então eu vou procurar a lei, pô." Quando eu falei procurar a lei, no outro dia eu estava na rua, pô. (risos) Eles me mandaram embora.
P - O que o senhor fez?
R - Ah, não valia a pena, né, procurar a lei. Eu falei aquilo, mas por causa de um dia procurar a lei? Falei para ver se eles se mancavam e pagavam o dia. Mas não pagaram e me mandaram embora, pô?
P - E depois eles acertaram tudo com o senhor?
R - Não, indenizaram. Naquele tempo me pagaram tudo direitinho. Não houve erro, não. (risos)
P - E depois foi para onde? Saiu da Badoni...
R - Da Badoni, aí eu saí...
P - Para procurar o quê?
R - Foi quando eu entrei na Braford. Depois saí da SACE Brasileira. Aí depois eu fui para a montagem. Aí foi quando eu entrei, como o pessoal fala, o pessoal do trecho, o pessoal que trabalha em montagem externa. Aí fui para a Empresa Brasileira de Engenharia, fazer a montagem da Champion Celulose, em Mogi Guaçu. Lá eu fiquei na montagem, acho que um ano e dois meses, um ano e três meses. Quando terminou a montagem eles indenizaram a gente. E como eu tinha muito conhecimento,eu trabalhei muito com técnicos lá, nas montagens das máquinas. Conhecia muita regulagem de máquina, muita coisa que eu aprendi direto com os técnicos. Então eles pediram para mim passar para a firma, para a Champion Celulose. Aí eu passei para a Champion. Aí fiquei, na Champion, um ano e sete meses, quase dois anos.
P - Aonde ficava?
R - Mogi Guaçu.
P - O senhor morava aqui em São Paulo?
R - Não, eu mudei para lá.
P - Mudou?
R - Eu deixei minha casa fechada e aluguei casa lá. Morei um tempo na cidade, depois a firma fez casa para os trabalhadores, aqueles que mais interessava que ficasse lá perto. E eu fiquei. Mudei para a casa da firma. A regalia minha lá foi tão grande que, quando foi para fazer as casas, eles vieram com a planta do terreno todo, e a gente escolheu a casa que a gente ia morar, o local que ia morar. Então, como ia fazer a cooperativa, eu escolhi logo a da frente da cooperativa. Qual era mais perto (risos). Era uma casa muito boa, pôxa, com cinco cômodos, banheiro tudo embutido, terreno quase de 500 metros, tudo fechado em muro. Eu trabalhava e fazia horta no meu quintal. Vendia até verdura para os colegas meu, lá
P - Naquela época o senhor estava casado?
R - Já, estava casado já.
P - O que a sua esposa achou da mudança, ela gostou?
R - Não, ela gostava. Ela gostava de Mogi Guaçu para danar, pô. Gostava muito de lá. Eu fui para o Paraná depois. Fiquei dois anos, ela foi também junto comigo. Não tinha problema.
P - Depois de Mogi Guaçu?
R - Depois de Mogi Guaçu eu estive no Paraná, também.
P - Aonde o senhor trabalhou no Paraná?
R - Eu trabalhei perto de Guarapuava, que é... Eu nem sei se eu marquei aqui esse trecho. Vamos ver se eu marquei. Será que eu pulei essa firma? (consulta anotações) Ah, eu pulei Aqui, entre a Champion e a Nordon, tinha a Luther Celulose e Papel. Lá eu fiquei dois anos. De 62 a 64, eu fiquei lá. Foi na montagem e fiquei na manutenção, porque eu já era empregado direto da indústria de papel. Lá eu entrei como mecânico montador, depois passei a encarregado de montagem, turma de montagem e, quando passou para a manutenção, que aí terminou a montagem e ficou manutenção. Aí veio um engenheiro canadense para chefiar a gente. Aí eles me puseram, na minha carteira, como mecânico mestre. Aí eu fiquei até sair de lá. Fiquei dois anos lá, depois... Mas eu saí da Champion não foi por causa de salário, foi por causa da situação. Eles tinham uma fabricação de cloro e soda. Tem eletrólise, assim que eles falam. Fabrica cloro e soda. E aquele produto sobrava da produção para uso da firma, e eles estavamm jogando muito cloro fora. E aquele cloro descia para o rio. Então tinha um aparelho lá que misturava na água, mas aquele gás do cloro subia e vinha na vila, onde a gente morava. Então, estava fazendo mal para as minha crianças. Eu tinha dois filhos nesse tempo. As crianças não comiam, estavam ficando doentes. Eu falei: "Não vale a pena ficar aqui." Aí quando eu fui pedir a conta, os caras não queriam me dar a conta, de jeito nenhum, porque eu conhecia a fábrica toda, pô Trabalhei na montagem inteira, não queriam me dar a conta não. Foi lá que eu montei turbina, montei um monte de aparelho lá. Então a gente tinha muito conhecimento de tudo. Conhecia até a produção, até o movimento da produção, a circulação, tudo, sabia tudo. Que a gente trabalhou desde o começo. Se for inteligente guarda tudo. Aí o engenheiro não queria me deixar vir embora. "É por causa do salário?", perguntou. "O salário há influência, um pouco. Mas não é bem por causa de salário. É por causa da saúde dos meu filhos." Aí ele falou: "Bom, aí a gente não pode fazer nada." Aí deu um trabalho danado, eu precisei assinar uma carta pedindo a demissão. Lá eu não tive a indenização. Pedi a demissão, eles me pagaram a viagem para São Paulo de novo. A viagem eles pagaram, deram dinheiro para a viagem, e tudo, mas...
P - Foi lá que o senhor foi mestre de...
R - É, lá eu era mecânico mestre. Primeiro eu fui encarregado de turma de montagem, depois mecânico mestre. É como se fosse o mestre mecânico, só que eles puseram na minha carteira mecânico mestre. Pelo conhecimento, eles achavam que eu era mestre.
P - Esse é cargo de chefia?
R - É, cargo de chefia.
P - Como o senhor lidava...
R - Ah, tinha que coordenar tudo. O negócio não era brincadeira, não.
P - Mas o senhor era...
R - Eu não era muito enérgico. Eu era dentro do necessário, mas não também com grosseria, não. Tratava como eu gostava que me tratasse também. Porque quando saiu o supervisor geral, eu ficava cuidando da manutenção inteira da firma. Eram produzidas 200 toneladas de celulose por dia. A manutenção era pesada, não era brincadeira. Tinha bastante gente. Só na manutenção tinha quase umas 20 pessoas. Então, a gente tinha que olhar tudo. Era complicado
P - E quando o senhor foi chefe, passou por alguma greve?
R - Não. Não teve nenhuma greve, não. Não valia a pena. Ter greve lá para quê? O salário era bom, o salário era alto lá, pô A turma faz greve quando o salário está baixo, mas o salário era bom, pô
P - E o senhor participou das greves alguma vez?
R - Participei na Badoni, mas já na segunda vez.
P - Quando?
R - Olha, o ano, eu não lembro o ano agora. Só sei que eu fui de uma comissão. Formou lá uma comissão de greve.Isso na segunda vez que eu entrei na Badoni. E a turma lá me pediram para mim ser da comissão, e eu fui da comissão. Nós éramos acho que em 22 pessoas, a comissão de greve. Nós ficamos três dias só parados, também. E fizemos greve porque a firma não atendeu os pedidos nossos. Porque todas as firmas naquele ano estavam dando aumento, por causa da inflação que estava subindo muito. E a Badoni não queria nem saber. Aí a turma resolveu em comissão lá, e fizemos uma greve. Uma greve pacífica. A gente tinha café às 8h30. 8h30 paramos as máquina todas. Silenciou. Aí a diretoria se apavora. Porque nunca viu uma greve. Lá nunca teve greve, pô Mas em três dias resolveu também. Aí reuniu o Ministério do Trabalho e Sindicato, ficamos o dia inteiro em debate lá e, cálculo daqui, cálculo de lá. Primeiro cálculo deles já queriam tomar dinheiro da gente. Que o truque da diretoria é esse (risos). Eu sei que no fim entramos de acordo. E fizeram um acordo bom, mesmo. Foi em faixa de salário. Mas eu, como ganhava mais, eu peguei faixa menor. Naquela época, eu lembro até hoje, eu peguei uma faixa de 8%, a faixa segunda foi 11% e a outra menor, para o salário mais baixo, 14%. E garantia de emprego de um ano. Assinaram um compromisso. Esse aí é um acordo difícil de conseguir também. Mas foi porque o Ministério do Trabalho mesmo falou para eles: "Olha, essa greve é culpa todinha de vocês. Porque vocês têm um pessoal aqui excelente, se vocês não atenderem às reivindicações deles... Mas o pessoal é muito bom." Aí a firma reconheceu. E para dar a garantia de um ano de emprego é difícil, mas eles deram. Assinaram o compromisso, documento do Ministério do Trabalho, Sindicato, para nós. E não mandaram ninguém embora, não. Mesmo depois de um ano quase não mandou. Mandou naqueles problemas de falta de serviço, problema assim. Mas por causa da greve não mandou, não.
P - A categoria apoiava outras categorias em greve ou eram greves isoladas?
R - Não, naquele tempo era mais os grupos metalúrgicos, mesmo. Não era igual a hoje, que hoje há mais apoio das categorias. Naquele tempo era mais separado. Metalúrgico era metalúrgico, e vidreiro era vidreiro. Embora você era favor, claro. Quando eles tinham a greve, você era, se era necessário, a favor da greve. Mas dar apoio, parar por causa de que eles pararam, a gente não parava não. E não tinha isso, não. Eu lembro até hoje, não tinha isso.
P - E o que o senhor acha das greves?
R - Não é boa. Greve nenhuma eu não acho boa.
P - Por quê?
R - Porque, sei lá, é meu ponto de vista. Porque tem greve... No caso nosso da greve com a Badoni, nós não saímos tão mal. Mas, a maior parte das greves, quem sai perdendo é o trabalhador. Porque pessoas são mandadas embora, perde o emprego, fica sujo. Porque hoje, parece que, agora, eles mandam tudo para o computador da Fiesp. Assim me falou um dia um colega. Eles mandam tudo para lá e seu nome fica lá. Quando você vai arrumar emprego, a primeira coisa, eles puxam no computador, seu nome está lá. Grevista, bagunceiro, já viu, você não arruma serviço. Isso é o que eu sei assim por alto, mas acho que é a realidade da coisa. Naquele tempo sei que os, como é que chama, o selecionador de pessoal na firma, eles comunicavam com outro e te prejudicava também. A firma telefonava, o pessoal de seleção de pessoal falava: "Não, fulano aqui fez isso, fez aquilo." Você já estava sujo na outra firma. Então são... Depois de uns anos que a gente vive, então a gente vai entendendo que tem certas coisas que não compensa. Embora uma arma do trabalhador é a greve. Mas muitas vezes prejudica. Mais o trabalhador do que a firma. É o meu raciocínio.
P - O senhor pode continuar contando a trajetória trabalhista? Veio para São Paulo?
R - É, aí...
P - Aí voltou para Badoni?
R - Eu voltei para a Badoni. Aí eu entrei na Badoni, de novo. Deixa eu ver aqui.
P - E lá ficou mais tempo, na Badoni?
R - É Luther que eu trabalhei no Paraná, que eu tinha pulado. É Maizena que eu pulei. Aqui, ó Badoni eu entrei de novo em 64. Foi nesse meio de 64 aí que teve essa greve. Porque na primeira vez não teve greve. Em 64 fiquei até 80. Fiquei 16 anos. Porque o chefe lá, ele sempre falava: "Ô, Orlando, volta para a Badoni. Teu nome lá, você foi mandado embora, mas teu nome lá é limpo. Você não tem a ficha suja na Badoni." Quando você fez coisa errada, a firma suja a sua ficha. Mas no caso, não. Foi um pouquinho de cabeça quente dos homem lá.(riso) Mas não tinha problema, não tinha motivo para isso. Aí eu fiquei 16 anos e, quando eu voltei do Paraná, eu falei com o chefe lá. Ele falou: "Não, eu vou falar com eles lá e depois te dou uma resposta." Aí eu fiz, nesse meio tempo que estava esperando, fiz um teste na Villares, lá em São Caetano. Aí numa sexta-feira, eu voltei para casa, que eu fiquei três dias fazendo teste dentro da Villares. Aí eu voltei para casa, e minha esposa falou: "Por que você não vai na Badoni? Você falou lá, com os homem lá? Vai ver que está até o emprego arrumado, você vai trabalhar daqui na Villares?" Porque é longe da Ermelino trabalhar na Villares, né? "Não, tudo bem, eu vou lá sim." Fui lá, já estava certo minha vaga, lá. Aí me chamaram lá para dentro. Fui conversar logo com o diretor. Aí ele falou: "Você vai entrar aqui ganhando a mesma coisa que os outros. Nós não podemos dar mais para você", porque eu vim do Paraná, eu tinha salário mais alto. Mas como em 64 houve aquele problema de Revolução, estava difícil emprego. Então eu não vou procurar serviço de encarregado que é mais difícil. Como mecânico eu sei que é mais fácil. Na minha profissão eu sei que eu saio bem com isso. "Aí você vai entrar ganhando igual os outros, quando vier os aumentos por lei você acompanha." Falei: "Tudo bem." Aí entrei. Nessas altura fiquei 16 anos lá.
P - Senhor Orlando, quando começou a ficar dificil arrumar emprego?
R - A coisa começou a ficar difícil já na época da Revolução de 64. Que eles falam Revolução, que nós não vimos nada de Revolução, Mas disse que é Revolução. É uma revolução política. Então, dali para cá, já começou a dar alguns problemas para arrumar emprego. Porque em 64 mesmo, você ficava um bocado de dias para arrumar emprego. Depois melhorou. No Governo Militar teve certas épocas que melhorou. Mas de Sarney já começou. No Collor, então Desses anos para cá, aí piorou de uma vez. Tem gente parada há quanto tempo, aí, que não arruma serviço? Deve fazer quanto? Uns oito anos ou mais que já começou problema de emprego no Brasil. Eu não tive esse problema, porque quando eu saí, ainda não tinha esse problema. E eu tinha muito conhecimento. Depois que eu saí da Badoni, mesmo, trabalhei em vários lugares ainda. Depois de aposentado. Que na Badoni eu aposentei. A última vez eu já aposentei, lá. Depois de aposentado eu marquei aqui. Aí nós pegamos a montagem, seis colegas. Tinha um colega nosso, que era comprador da Badoni, então ele saiu da Badoni, entrou no grupo BCN. Ele era gerente de uma fazenda, lá em Goiás, em Couto Magalhães, quase divisa do Pará. Aí eles iam montar uma mineradora de calcário, e precisavam de uma firma para montar a mineradora. Como ele lembrou da turma lá da Badoni, que estava aposentada, então ele convidou nós. Se nós queríamos pegar essa montagem. Aí nós pegamos, em seis colegas. Montamos 150 toneladas de material de refinação de calcário. Era moagem de calcário. Era mineradora de calcário, chamava Cocal, lá em Couto Magalhães. Lá nós montamos ela. Estava calculada a montagem em 50 dias. Mas como atrasou material, nós ficamos mais de 70 dias, quase 80 dias. Deixamos funcionando.
P - Senhor Orlando, voltando um pouco para a Badoni, em 64, o senhor voltou exercendo que função?
R - Como ajustador mecânico, mesmo.
P - Até 80?
R - Não, até 80, não. Depois de um tempo, para classificar o salário, para subir salário, eles puseram como ajustador especializado primeira categoria. Tinha esses negócios de ...
P - E qual era a diferença?
R - A diferença é o salário.
P - O trabalho é o mesmo?
R - Não, o trabalho meu era o mesmo. Acontece que eu, como ajustador, eu conhecia tudo de ajustagem, fazia tudo que era preciso. Não eram todos que faziam, não. Sempre tem algum que sobressai dos outros.
P - O senhor quer parar, tomar uma água?
R - Não, é porque eu tenho alergia na garganta. Tenho alergia a isso aí.
P - Quando começou a modernização?
R - O que mudou?
P - É.
R - É que a Badoni ela... Quando eu entrei lá, eles fabricavam butijão de gás, também. Era estrutura e fabricação de butijão de gás. Depois de uns anos, não sei, eles acharam melhor deixar o butijão do lado. Então aí entrou só no ramo de estrutura e caldeiraria pesada. Mas eles acabaram com a parte de fabricação de butijão.
P - E investiram?
R - E investiram mais na caldeiraria pesada. Aí começaram a trabalhar para a Petrobrás, para as hidroelétricas do Brasil todo. Serviços pesados. Montaram máquinas pesadas. Máquinas de solda automática.
P - Senhor Orlando, quando o senhor...
R - Essa gripe me perturba, viu?
P - Qual era a diversão do senhor?
R - Quando saía do trabalho?
P - É. Final de semana.
R - No final de semana, às vezes, a gente ia passear com a família. Alergia coça a garganta, sai água dos olhos. (riso)
P - Ia passear...
R - Ia passear, visitar familiares, amigos. Tinha passeios que não era visitas familiares. Outros era visita de família, também. Eu tinha família em Osasco, família em vários lugares. Então, a gente ia fazer visita. E a igreja, freqüentar igreja.
P - Senhor Orlando, o ajustador mecânico trabalha com alguma ferramenta, algum instrumento específico?
R - Trabalha.
P - Quais?
R - Ajustador mecânico trabalha com um bocado de ferramenta. Ele usa furadeiras, para furar peças. Lima, para ajustar a peça na lima. Têm rasquetes, triângulo, que é para ajustar a bucha. Rasquete de topo, para ajustar barramentos. E usa as ferramenta como trena, paquímetro, micrômetro.
P - Como é o rasquete?
R - O rasquete... A gente lá tanto tem de se comprar pronto, ou então a gente fazia de lima triângulo, mesmo. A gente vai no esmeril e ajusta ele, tira toda aquela grana da lima e faz dar corte nos três lado. Deixa um tanto assim triângulo com corte e a outra parte de trás se tira todo. Deixa redondo e põe num cabo de lima, para ajustar bucha. Já o de topo é diferente. É uma ferramenta que ele corta no topo, esfregando assim. Agora as ferramentas de medida é o calibro, para você medir uma peça redonda, quadrada. O micrômetro a mesma coisa. Você quer medir um cano desses de microfone, você mede na medida exata, de precisão.
P - Essa peça que o senhor ajustava, era a peça que ia para o torno ou a que era feita pelo torno?
R - Não, todas as peças quase que você ajusta, ela primeiro passa ou na usinagem, que pode ser na plaina, na fresa, madrilhadeira, tem várias máquinas de usinagem. Então depois é que vem para o ajustador dar o acabamento da ajustagem, para ir para a máquina para montar.
P - Montar um torno?
R - Fazer o corpo inteiro de uma máquina. Mas as peças são separadas e ajustadas pelo ajustador.
P - Senhor Orlando, o senhor trabalhou em muitas firmas, qual foi a melhor firma, onde se sentiu mais contente de trabalhar?
R - Aí tem várias firmas que foram boas. Difícil separar a que foi melhor.
P - Pode falar.
R - A Champion Celulose. Eu fui para a lá, foi muito bom, porque na época fui com o dobro do salário daqui. Porque lá o salário era alto, mesmo. Quando eu ganhava 30 mil cruzeiros, naquela época, lá eu fui com 65. Foi muita diferença. E a situação lá era boa, também. Bom restaurante. Tinha família. Às vezes a mulher não estava boa, eu ia no restaurante pegar comida já pronta. Só tinha os tíquete. Eu pagava pouquinho para daná. Então a situação era boa. Depois a segunda foi a Badoni, que eu trabalhei muitos anos. Porque se ela não fosse boa, não fazia tantos anos lá. Foi boa, e as condições de trabalho também para mim eram boas, lá. Ganhei dinheiro, lá. Com a montagem, com a Badoni, eu comprei terreno, fiz casa e todas coisas. Foi a Badoni e a Champion. Depois de aposentado eu entrei numa firma, que eu também entrei para ficar pouco tempo. Depois dessas montagens que eu peguei, entrei numa firma e lá trabalhei seis anos. Entrei para ficar um ano, fiquei seis anos. Também foi boa a firma. Condições boas, restaurante no local. O cardápio mudava todo o dia. Só não tinha condução. Mas eu tinha carro e, como era perto, eu ia de carro todo o dia. Era mais fácil para mim ir de carro do que pegar ônibus.
P - E a pior, senhor Orlando?
R - A pior, deixa eu ver... Pelo dono, a pior que eu trabalhei é essa Irã, que o dono era ignorante. Um bocado de coisas que não entrava bem com o meu gosto. Acho que foi uma das piores.
P - Com o salário de um metalúrgico daqui de São Paulo, o que dava para fazer durante o mês?
R - Na época dava para fazer muita coisa. Eu comprei carro, eu comprei terreno, eu consegui pagar prestação, fazer minha casa. Na época era um salário razoável. Metalúrgico era um dos salários mais altos. Até 80, quando aposentei, era um dos salários mais altos que tinha. No quadro de categoria profissional era. Tinha os gráficos, que é mais ou menos equivalente. Os gráficos também tinham bom salário. Tecelão, a categoria já caiu muito. Mas metalúrgico estava bom. Hoje, nem o metalúrgico está com a categoria boa. Está ruim também. Isso pelo que a gente conversa com os colegas. Não está boa a situação. O salário não está razoável, de acordo com o custo de vida.
P - Na sua casa só o senhor trabalhava. Os seus filhos não?
R - Só eu. Porque a minha esposa, logo que nós casamos, ela trabalhava de tecelã. Ficou grávida, teve problemas na condução, condução muito apertada, ela abortou a criança por causa disso aí. Eu falei: "Olha, meu salário dá para nós vivermos. É melhor você não trabalhar." Ela pediu a conta lá, entrou num acordo, indenizaram ela, e depois não trabalhou mais. Até ela falecer, nunca trabalhou mais em firma, só em casa.
P - O senhor tem saudades do seu trabalho?
R - É, a gente nunca esquece. Eu hoje já não quero mais trabalhar porque eu acho que já trabalhei o suficiente, tem gente mais nova para trabalhar. Mas se fosse necessário, ainda eu trabalharia dentro do ramo mesmo. Porque é um ramo que eu aprendi, e gostava dele. Se você trabalha num ramo, você tem que gostar dele. Se não gosta, não vale a pena. Essa é a realidade. Para você ser bom, tem que gostar também Se não, você nunca se aperfeiçoa.
P - Quer dizer, se tiver que voltar tudo de novo, repetia?
R - Eu voltaria para o mesmo ramo. Não trocaria.
P - Atualmente o senhor mora com quem?
R - Eu, na minha casa, moro sozinho. Agora tem o quintal, tem uma casa de três cômodos. Meu filho mora lá, com a minha nora e dois netos. É que eu não moro sozinho de tudo, porque tem eles no quintal. Mas na casa grande eu moro sozinho. Uma casa de seis para sete cômodos.
P - O que o senhor gostaria que os seus netos fossem?
R - Ah, sobre profissão, isso vai da vocação de cada um. Não adianta querer que o neto fosse isso, ou aquilo, se a vocação dele é outra. Então eu acho que cada um tem o direito de escolher o que gosta. Meu filho estudou técnico mecânico, fez ajustagem, e hoje é policial, investigador de polícia. Ele teve chances de técnico mecânico. Entrou na Infraero, trabalhou lá. Hoje o pessoal da Infraero, que é técnico lá, está ganhando três ou quatro, cinco vezes mais do que ele ganha como investigador. Mas ele, acho que gostou mais de investigador do que ser técnico de mecânica. Fazer o quê? É vocação de cada um.
P - Se o senhor tivesse que mudar alguma coisa na sua vida, o que que mudaria?
R - Eu acho que nada. A única coisa que eu mudaria, se tivesse na época chance, eu tinha estudado mais. Fazer uma faculdade. Isso sim que eu deveria ter feito. Mas era difícil, por causa do tipo de trabalho, não dava tempo. Lá na Badoni, por exemplo, eu trabalhei 16 anos. Fazia muita hora extra. Quebrava máquina, tinha que ficar até tarde. Por isso que eu fiquei muitos anos. Porque lá, também, se eu não fizesse a vontade da firma, nos momentos que a máquina estava quebrada... Precisava arrumar por causa da produção no outro dia. O cara ficava pouco tempo, logo tinha um corte, lá. Eles punham no meio da rua. Então, quando a pessoa colaborava, era difícil ser mandado embora. É isso aí.
P - O senhor tem algum sonho?
R - Agora?
P - É.
R - Não. No momento, qual é o sonho? Casar de novo? Estou viúvo, pode ser. Mas você achar uma companheira muito boa, de idade mais ou menos com a minha... Ganhar mais na aposentadoria, que eu ganho pouco. Mas isso aí o governo cada vez está piorando mais. Pelo que nós ganhamos, falta dinheiro para chegar até o fim do mês. O governo não vê isso aí. Acabou com o salário dos aposentados. Essa é a realidade do Brasil E cada aumento que vem, ele tira mais ainda. Meu sonho é esse: ganhar mais para poder viver melhor. Eu não reclamo que estou vivendo tão mal. Mas se eu ganhasse um salário mais de acordo com o que eu ganhava trabalhando, eu estaria em melhor situação, hoje. Podia passear mais, podia fazer muita coisa que eu gosto e não posso fazer. Só isso.
P - O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa, antes de terminar?
R - Não, eu acho que o que eu já falei está bom.
P - Então, muito obrigado pela atenção.
R - Tudo bem. Obrigado vocês pela atenção que me prestaram também.Recolher