P/1 – Oi, Joana, tudo bem? Você poderia começar me falando seu nome completo, onde você nasceu e a data de nascimento?
R – Bom, eu sou Joana D'arc Rosalvo. Nasci no dia 2 de maio de 1969, então já tenho mais de meio século, estou com 51 anos. Sou de uma cidade pequena no interior de Pernambuco, Ipubi, uma cidadezinha que na verdade, não conheço. Vim de lá muito pequena, com menos de um ano, e nunca voltei, então não conheço o local.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Francisco de Assis Rosalvo, e minha mãe, que é falecida, Neuza Ovídio da Silva Rosalvo. Minha mãe faleceu já tem 15 anos.
P/1 – E você sabe qual é origem, de onde veio a sua família?
R – Meu pai, do Ceará, e minha mãe, da Paraíba. É uma mistura danada, pense, cearense, paraibano, e eu pernambucana. Pense só! (Risos). E as minhas avós… Eu sei que uma das minhas tataravós, uma coisa bem distante, era índia, e foi pega no laço assim. Pegou no laço, levou para casa e formou família. Eu tenho uma mistura muito grande. A minha avó por parte de mãe, era branca de cabelos lisos, o meu avô já era mais voltado para o moreno. O meu pai, que é da família dos índios… Eu tenho primos que têm os cabelos lisos. São índios assim, idênticos, você olha e tem muita expressão indígena, então é uma miscigenação muito grande na minha família.
P/1 – E você sabe de alguma história da família da parte indígena?
R – Não, porque assim, o contato… Quando meus pais vieram para São Paulo, como eu disse, eu era muito pequena. Com os familiares por parte da minha mãe, eu tive um contato maior durante esses anos todos, mas em relação a do meu pai, não. Por exemplo, meu pai reencontrou a mãe… Quando ele saiu de casa, tinha 14 anos, e quando reencontrou a família, principalmente a mãe, foi agora, uns três anos atrás. Passaram muito tempo sem contato um com o outro. Tinha um irmão que estava aqui em São Paulo, tio Rosalvo e tio Espedito, que nós chegamos a conhecer, há uns 20 anos. Nós íamos a casa deles, mas foram embora de São Paulo, perdemos o contato, e há pouco tempo, com a questão das redes sociais, nós conseguimos localizar. Pelo sobrenome, encontrei uma prima e tivemos esse contato. Meu pai e um dos meus irmãos, o Antônio… O Antônio foi com a família e levou o meu pai lá no Ceará para rever a minha avó. Inclusive ela faleceu agora, há pouco tempo. No meio dessa pandemia ela faleceu, mas não de Coronavírus, e sim por conta da idade. Eles moram todos no Ceará.
P/1 – E você sabe porque… O seu nome tem alguma história? Te contaram o porquê da escolha do seu nome?
R – Sim. Primeiro, particularmente eu adoro o meu nome, então assim, quando me apresento eu digo, "Joana D'arc", porque acho um nome muito forte e gosto muito dele. A história do meu nome… Quem escolheu, foi minha avó materna, avó Maria, vó Lia, que conviveu muito tempo com a gente e já é falecida. Que sempre a vó (choro)... Desculpa. A vó sempre esteve comigo, sempre me apoiou, sempre morou com a gente, no mesmo quintal. Foi a vó Maria que escolheu o meu nome, ela disse que a Santa Joana D'arc… Minha vó sempre foi muito católica e disse que eu tinha cara de quem iria ser guerreira e ela escolheu esse nome para mim. Inclusive quando eu era pequena, na casa da minha mãe tinha um quadro da imagem da Santa Joana D'arc. Depois que eu me entendi por gente, fui pesquisar a história da Joana D'arc, da guerreira que foi, e tento me espelhar sempre muito nisso, na força. Eu procuro honrar o nome constantemente.
P/1 – Quer um papelzinho? Tem um papel aí?
R – Tem.
P/1 – Já deixou do lado, né?
R – Eu trouxe na bolsa, falei, "vou levar um", porque só de mexer nas fotos, eu já me emocionei bastante, "contando vai ser muito…", então eu ia pegar, mas vi que tinha aqui do lado (risos).
P/1 – E o que os seus pais faziam profissionalmente?
R – A minha mãe sempre foi dona de casa. Muito batalhadora, para ajudar em casa, lavava roupa para fora, tomava conta de crianças… A casa sempre vivia cheia de criança, porque ela tomava conta. Minha mãe sempre foi aquela mãezona, sabe?! Até hoje, quando falam da minha mãe, algumas pessoas se emocionam. Sempre foi uma pessoa muito querida no bairro. Ontem, por exemplo, eu encontrei uma senhora e mostrei as fotos que tinha mandado imprimir e ela falou, "nossa, eu conheci essa mulher, ela foi muito minha amiga", e aí me fez chorar de novo, "ai, até conhecer sua mãe eu não conversava com ninguém, mas a sua mãe me fez me abrir e me mostrou que eu tinha que conversar, tinha que ter pessoas ao redor, que eu tinha que ser aberta às pessoas". A minha mãe era assim. No velório da minha mãe, o engraçado é que nós, a família, tínhamos que confortar as pessoas em volta, porque assim, foi muito comovente. Ela sempre foi uma pessoa muito querida, e sempre foi do lar, então assim, a rua inteira gostava dela. Ela gostava de plantas, conversava com as plantas, ficava sentada tirando as formiguinhas das plantas dela… Minha mãe sempre foi uma pessoa muito doce. Dava um trabalho às vezes, porque não raciocinava muito ao falar, era muito espontânea. Às vezes ela nos colocava em situações constrangedoras por falar alguma coisa que não devia (risos), mas isso era sem maldade, na simplicidade da pessoa criada na roça, da pessoa criada no interior, lavoura e tudo mais. O meu pai saiu de casa muito jovem, com 13 para 14 anos. Ele teve uma briga com o pai, e o pai iria bater nele, então como… É uma história engraçada, porque assim, tinha uma amante e ele descobriu. Ele foi lá, deu uma surra na amante do pai, e o pai queria bater nele de qualquer jeito, dar uma surra nele (risos). Com medo do pai, ele fugiu de casa. É uma coisa que ele contava e se emocionava ao dizer, que escondido no mato, a mãe dele falava assim da porta, "do terreno" como ele dizia, "vem para casa, meu filho. Se ele tiver que bater em você, ele vai ter que bater em mim também. Vem para casa". E como ele sabia que o pai estava muito bravo, que a mãe iria entrar e que ele iria bater na mãe, ele resolveu não voltar para casa e fugiu com 14 anos. Então ele passou todos esses anos… Saiu do Ceará, foi para a Paraíba.... Ele rodou o interior todo, até que chegou em Pernambuco e foi quando ele conheceu a família da minha mãe e eles se casaram. Lá ele também teve inúmeras profissões. Vieram para São Paulo. Aqui em São Paulo, quando ele chegou, foi o que na época se chamavam de peão de obra, que era na construção civil. Ele trabalhava… Não só ele, como os meus tios quando vieram para São Paulo, trabalhavam em obras de construção, eles faziam a fundação dos prédios. Agora tem máquina para fazer tudo isso, mas antes não, eles cavavam os poços mesmo. Um homem descia, cavava, subiam os baldes, era aquele trabalho braçal mesmo. O meu pai trabalhou em obra de construção durante muitos anos, então nós fomos criados com muito suor de obras de construção. Uma vida bem simples, bem humilde, mas assim, dentro dos padrões de educação e respeito muito grandes. Minha mãe era muito rígida, nossa! Minha mãe era assim, muito boazinha. Se algum vizinho chegasse lá e falasse, "a Joana fez isso", não havia a questão… Ela nunca permitiu que um vizinho fizesse reclamação de um de nós, isso não podia acontecer, não podia. Então com relação à educação, ela sempre nos manteve muito, muito dentro da moral e do respeito. Não podíamos responder ninguém, se acontecesse alguma coisa a gente tinha que ir para casa falar com ela, que ela iria até lá conversar, mas nós não podíamos responder ninguém que fosse mais velho que nós. A nossa educação foi meio rígida. Dentro dos padrões de simplicidade, mas bem rígida nesse sentido.
P/1 – Você tem quantos irmãos e qual o nome deles?
R – Nós somos em quatro irmãos, e eu sou a mais velha. Depois de mim tem… Os nomes são assim, bem diferentes. Depois de mim, vem o Lino. A gente chama de Lino, mas chama-se Severino do Ramos Rosalvo. Depois tem a Marília Rivalda Rosalvo, que é a terceira, e tem o Antônio Francisco, que é o caçula entre nós. Entre eles, tem também uma pessoa que a minha mãe criou, e com quem a gente não tem muito contato. É uma pessoa que está distanciada agora, mas que também foi criada por nós, então meus pais criaram cinco filhos, criados mesmo. Tivemos muitas crianças que passaram nesse período e moraram com a gente por um tempo, foram embora… Netos que… A Stefane, por exemplo, que é filha da Marília, que a gente chama de Vanda e é uma das minhas irmãs, também morou com a gente durante algum tempo. Então filhos legítimos, nós somos em quatro. Todos casados, só não o Lino, e ele não tem filhos biológicos, mas todos os outros têm. O Antônio que é o caçula e a gente chama de Tonho ou Toninho, tem dois filhos, o Mateus e a Julia. Olha, me dando branco do nome dos sobrinhos. A Vanda, que é mais velha que o Tonho, tem a Stefane - que já é mãe e tem três filhos -, o Eric, Edgar, Elen e a Neuzinha, que é a Emily, então a Vanda tem cinco. O Lino que não tem nenhum filho, né?! E eu, que tenho três filhos. A casa vivia sempre cheia de crianças, com filhos dos vizinhos, todo mundo ia sair e deixava lá. Minha mãe tomava conta de crianças mesmo. Essa pessoa que eu disse que minha mãe criou, veio para a minha casa para minha mãe tomar conta dela, então ela passava a semana em casa, e a mãe vinha buscar no final de semana, como algumas das crianças que ficaram lá em casa. Com a Vitória, que é uma das minhas filhas, também aconteceu isso, de ir para minha casa, ficar com a gente para minha mãe tomar conta, e depois não ir embora, ficar com a gente para sempre. Eu tenho três filhos. Tenho a Vitória de 35, que tem paralisia cerebral espástica. Tenho a Viviane que tem 25 anos, e é casada e tem um filho. Eu tenho um neto! E tenho o João Vitor, que é o meu único biológico. As meninas são adotivas, e o Vitor que é o meu único biológico, está com 18 anos agora. Acho que é isso. A família é grande (risos), quando se junta todo mundo, é uma bagunça só.
P/1 – O que os seus irmãos fazem?
R – O Lino é porteiro, a Vanda é dona de casa, e o Tonho é motorista, a maior parte das vezes ele trabalha com transporte de caminhões. Eu falo motorista, porque às vezes ele trabalha em empresa e às vezes trabalha em transporte mesmo como caminhoneiro, então eu determino ele mesmo como motorista, que é o que ele ama fazer, ama dirigir caminhões e tudo mais.
P/1 – E na sua infância, onde você morava? Como era a sua casa?
R – Bom, eu fui criada onde eu moro, no bairro onde eu moro. Eu me lembro de com três, quatro, ou cinco anos, eu já morar no bairro.
P/1 – Qual bairro?
R - Brasilândia, que é onde moro mesmo. E onde eu resido hoje, é onde passei a maior parte da minha vida. Meus pais compraram lá eu devia ter uns seis para sete anos. Eu me mudei de lá quando minha mãe faleceu, e fui pagar aluguel com as crianças, mas tem cerca de uns seis anos que voltei para o mesmo local, então eu resido onde fui criada. A casa era pequena, dividida a princípio em dois cômodos e morávamos nós seis… Sete com a pessoa que minha mãe criou. Tinha um quarto só para todo mundo, com beliche, e a gente dividia a cozinha com a sala. Depois, quando o Tonho começou a trabalhar, fez um cômodo, que seria a cozinha da minha mãe, porque o sonho dela era ter a casa grande. A casa não tinha acabamento, meu pai nunca foi cuidadoso com isso. Não era uma casa grande e acabada, não. Nós morávamos em uma casa pequena, até mesmo porque… Tinha uma época em que ele até tinha condições, mas era desligadão para esse tipo de coisa. O Tonho fez esse cômodo para eles, mas minha cunhada Edite ficou grávida (risos), e a cozinha que seria da minha mãe, passou a ser a casa dele. Depois, eu era noiva, e eu e meu noivo fizemos um quarto para a minha mãe, o Renato, que é o pai do João Vitor, eu fui casada com ele durante algum tempo. Então fizemos um quarto para minha mãe depois de alguns anos… Na verdade, depois de nós já estarmos adultos. Então minha mãe tinha o quarto dela, que era o sonho dela, e todos nós dormíamos no outro cômodo que era a sala, e tinha a cozinha. Foram casando, saindo de casa, e a casa continuou lá com os três cômodos durante muito tempo. É a casa que eu moro hoje e assim, eu reformei… Reformei?! Estou reformando. Você sabe como é a situação, pobre tem que fazer tudo devagarinho. Eu mudei muito a estrutura da casa, então a casa que antes tinha um quarto, a sala e a cozinha… O canto que meu irmão morou, o Tonho… Ele conseguiu comprar um cantinho e saiu. A Vanda morou lá durante algum tempo com as crianças. Hoje, essa casa inteira é a minha. Onde era a casa deles, eu fiz a cozinha, onde era a cozinha e a sala ficou minha sala, onde era o quarto que dormia todo mundo eu dividi, então ficou um quarto para a Vitória e um para o João Vitor, e onde era o quarto da minha mãe e do meu pai é onde é o meu quarto. O quintal é bem grande, tem garagem… Tanto que mantenho a garagem alugada para dois carros. Eu tenho plantas. Minha mãe adorava plantas, como eu já disse, então eu mantenho. Tenho uma roseira que era dela e ela amava, então mantenho lá. Meu quintal tem bastante plantas, tem árvores, jaca, pé de manga… E dão frutos que a gente distribui para a comunidade, porque o pessoal me enlouquece, porque o pé de jaca fica todo cheio de jaca. O quintal é muito grande. Então é o mesmo local onde eu fui criada.
P/1 – E como era a rua que você morava? Como era o bairro? Que brincadeiras vocês faziam quando eram pequenos?
R – Bom, eu sempre brincava que a minha casa era a última casa o asfalto. Da casa do vizinho em diante, não tinha mais asfalto, então minha referência era, "minha casa é a última casa do asfalto na rua" (risos). E tinha muitas pedras. Em frente à minha casa tinha uma pedra muito grande, enorme. Enorme não em altura e sim em largura, e nós brincávamos em cima daquela pedra. Ela é tão grande, para você ter uma ideia, que tem uma casa feita em cima dela. A estrutura da casa é a pedra, e é um sobrado, então é uma pedra muito grande. A gente ficava muito em cima daquela pedra, corria, brincava de esconde-esconde, pulava corda na rua, brincava de amarelinha… Até hoje tem um terreno baldio ao lado da minha casa. Inclusive esse terreno, até o começo da pandemia, era um terreno onde tinha um ponto viciado de lixo e entulho da comunidade e da não comunidade. Todo mundo vinha jogar entulho, era uma coisa medonha. E como o terreno é particular, então a prefeitura só vinha e limpava meio que por cima, e era uma coisa deplorável. Então eu não tinha mais como referência a última casa do asfalto, e sim o lixão. Isso acabava comigo (risos), me deixava muito triste. Eu tentava de várias formas resolver a questão do terreno e não tinha jeito, então agora no começo, bem no início quando estava na história de "entra em pandemia ou não entra", como os vizinhos estavam todos em casa, nós começamos a mexer no terreno e limpar. Nós fizemos uma praça com plantas, com jardim… Então a referência agora da minha casa é ao lado da praça, olha que bonito, mudou (risos). Agora de manhã eu recebi a notícia de que o terreno foi vendido, e ele estava lá abandonado, desde que eu era criança. Como nós melhoramos o espaço, o terreno foi vendido. O pessoal estava falando, "mas a gente teve tanto trabalho", e eu disse, "mas o importante é que acabou. A praça estava ótima para as crianças brincarem, mas o importante é que não deixe chegar na situação que chegou. Os lixos, os entulhos, ratos…", porque até cobra nós encontramos durante a limpeza. Era uma coisa terrível, assustadora a situação.
P/1 – Você sabe o que vai ser nesse lugar?
R – Bom, a pessoa pretende, segundo comentários da rua, fazer casas para alugar. Vamos ver.
P/1 – Poxa, e não dá para vocês brigarem por ser um lugar público? Porque vocês fizeram…
R – Na verdade, o terreno é particular, não é da prefeitura, e os impostos estão pagos. Eu já tinha visto tudo isso, porque como nós não temos um espaço voltado aos deficientes da região, eu tentei ir atrás da prefeitura para ver se a gente conseguia fazer um espaço para o atendimento deles, mas é particular, os impostos estão pagos. O que tinha muito, eram multas, pelo fato da prefeitura ter que limpar esse espaço. Quando compraram o terreno, as multas foram quitadas, então não tem o que se fazer.
P/1 – E quais eram as brincadeiras preferidas de vocês? Do que vocês brincavam?
R – Ah, eu sempre fui meio moleque, né?! Então eu rodava pião e pegava rodando na mão… E as brincadeiras de antes eram completamente diferentes. As crianças de hoje mal brincam. A gente pulava corda, brincava de amarelinha, brincava de esconde-esconde, porque tinha muito espaço, os quintais não eram fechados, eram abertos. Então eram brincadeiras… Pula mula, caiu no poço.. Aquele caiu no poço era uma loucura (risos), então eram brincadeiras que hoje não se tem mais, infelizmente. A gente tenta resgatar, às vezes a gente coloca a molecada para pular corda. Tem uns três anos nós fizemos um cinema na rua. Como minha rua não tem saída, nós fechamos um trecho bem próximo da minha casa. Consegui um pula-pula, uma cama elástica e uma piscina de bolinhas. Coloquei a piscina de bolinhas no meu quintal e a cama elástica na rua. Pegamos a garagem de um dos vizInhos e colocamos o cinema lá depois de seis horas com a molecada, com pipoca, refrigerante, cachorro quente… Então assim, fizemos uma tarde para as crianças, e nessa tarde, fizemos brincadeiras típicas: corrida de saco, corrida do ovo… Mostramos para as crianças que temos brincadeiras que não estão ligadas aos eletrônicos e às redes sociais. Foi uma tarde bem interessante. Alguém me perguntou, "mas o que você ganha com isso?". Depois de alguns dias passado esse evento, eu estava na rua e veio uma criança correndo, grudou nas minhas pernas e disse, "tia, foi tão gostoso o cinema, quando é que você vai fazer outro?", então assim, o que eu ganho? Isso eu ganho. A criança ter visto… Quantas crianças da periferia, da Brasilândia, vão ao cinema? Quantas crianças têm esse privilégio? Porque são tantos irmãos, que os pais não têm condições de levar essas crianças ao cinema. Saber que você pode sentar lá no cinema, comer pipoca e tomar refrigerante… Pode? Não pode. É um momento de lazer, uma coisa diferente que lá na frente eles vão perceber. Quando eu faço esse tipo de trabalho, é pensando que, "bom, se a Joana conseguiu fazer, se ela conseguiu ter a visão para fazer, eu também posso", que as pessoas saibam que são capazes. Você não tem o dinheiro… Por exemplo, na alimentação que nós fizemos naquele dia, distribuímos 270 cachorros-quentes. Como conseguimos isso? Um vizinho deu um pacote de salsicha, o outro deu um fardo de refrigerante, o outro deu dez pães… E assim nós fizemos. Tivemos uma participação muito grande da associação de moradores do bairro. O presidente Cláudio Café projetou, os brinquedos quem forneceu para gente foi a Solange que faz eventos, então assim, são pessoas parceiras que vamos bater na porta. Eu fazia parte da associação, então o Cláudio me ajudou a organizar esse cinema na rua. O Cláudio é sempre muito meu parceiro no que eu invento de fazer, nas loucuras que eu penso na vida, estamos sempre juntos nesse sentido. E que as pessoas consigam enxergar que são capazes, é capaz de acontecer. Não precisa ter muito dinheiro, não precisa bater na porta da prefeitura, porque a própria comunidade pode fazer isso. Já te dei dois exemplos do que a comunidade fez: o cinema na rua para as crianças e a praça pronta. É a força da própria comunidade.
P/1 – A força do coletivo, né?
R – Sim, sim. O coletivo é fundamental nesse momento, porque sozinho você não consegue fazer nada. Você precisa de apoio principalmente de pessoas que acreditem no seu trabalho, acreditem no que você pode fazer. Você tem que ter a consciência de que sozinho você não faz absolutamente nada. Você pode saber o que fazer, pode ter a força de vontade, mas sozinho, não consegue, você não tem como fazer isso. É aquela história de "uma andorinha só não faz verão", é a mais pura verdade. É preciso um bando delas para fazer aquele céu ficar todo bonito.
P/1 – E Joana, eu fiquei curiosa para saber como era essa brincadeira do poço.
R – Caiu no poço? Na brincadeira do caiu no poço, uma criança vendava seus olhos e as outras ficavam todas a frente. E aí, a pessoa que cobria os olhos, dizia assim, "caiu no poço", a outra respondia, "quem te tira?", "meu bem". Ela ficava apontando, "é essa?", "não"... Você com olhos vendados, respondia aleatoriamente "sim" ou "não". Se você dissesse sim, "o que você quer dela?", aí você dizia se queria um abraço, um beijo, um aperto de mão… Você dizia o que queria daquela pessoa sem saber quem era, e quando você abria os olhos, a pessoa que você escolhia, vinha e te dava um abraço, se fosse aquilo que você escolheu. Depois a pessoa entrava no seu lugar e você entrava no dela. Essa era a brincadeira do caiu no poço, "caiu no poço", "quem te tira?", "meu bem", "o que você quer dela?", "um aperto de mão", "é essa?", "não", "é essa?", "sim", e então a pessoa levantava e te dava um aperto de mão. A gente brincava disso na escola também, nas aulas vagas da vida, ixe! A galera vivia se beijando. Os meninos sempre pediam beijo na boca, ah meu Deus! (Risos). A gente brincava de caiu no poço nas aulas vagas e era uma loucura, entendeu? Os meninos aproveitavam e viviam beijando a gente, mas tudo bem (risos).
P/1 – Eu conheço essa como "pêra, uva ou maçã".
R – É, também tinha essa versão, mas é uma versão mais jovem. A minha é mais antiga, eu sou mais velha que você, então é caiu no poço (risos).
P/1 – É nada, a gente tem a mesma idade. E você sabia o que queria ser quando crescesse?
R – Eu queria ser professora ou advogada, porque eu sempre gostei muito de falar, sempre tive mania de ser tagarela, sempre falei demais. Eu amava o fato de você ensinar. Eu sempre fui boa aluna, então sempre fui encantada. Apesar de certos preconceitos pela cor da pele, pelo lugar que se mora e esse tipo de coisa, isso nunca me abalou. Eu ouvi quando crianças várias vezes que… Me chamavam de metida, "a negrinha com cabelo metido a ser cabelo de branco", entendeu? Porque meu cabelo não é tão crespo, mas é um cabelo fino, então a minha mãe amarrava ele em um rabo de cavalo e ficavam os cachos na ponta, porque meu cabelo era muito comprido. Com ele preso, nitidamente percebe que a raiz dele não é crespa, é fina, então tinha muito disso. Eu sempre fui muito magra, então assim, bulliyng na escola era uma loucura, "pó de vira tripa", "tira coco sem vara"... Mas mesmo assim, eu sempre achei a escola um lugar maravilhoso. No decorrer do tempo, quando eu fiquei mais velha, vi a paixão que eu tinha pelo cuidar, e então apareceu a Vitória na minha vida. Por que eu escolhi a enfermagem? Porque eu me formei auxiliar de enfermagem primeiro e depois fiz o técnico de enfermagem... Quando me imaginei cuidando, foi quando a Vi apareceu na minha vida, porque como eu disse, a Vitória tem paralisia cerebral espástica. Quando ela chegou na minha casa, tinha três meses. Tinha a Tatiane… Elas têm dois meses de diferença, então eram dois bebês de três ou quatro meses. A Tatiane se mexia, um bebê de três meses já quer brincar e tal. A Vitória, não, ela ficava ali paradinha, só chorava. Ela passou uns três ou quatro dias só chorando, aquela coisa de… E aquela criança me chamou atenção. Eu devia ter uns 15 anos quando a Vitória apareceu em casa, mas aquela criança me chamou atenção. Ela passava a semana em casa e a mãe vinha buscá-la no final de semana. Quando a mãe dela chegou eu disse, "traz para mim a certidão de nascimento da Vi e a carteirinha de vacina, porque essa criança chora demais e eu vou levá-la no posto", e a mãe me disse que ela não tinha carteirinha de vacina, eu falei "então me traz a certidão". Passou-se mais uma semana, a mãe trouxe, eu levei a Vitória até a OBS, e nós descobrimos que a Vitória não era uma criança dita "normal", ela era diferente. Nós conversamos com a doutora, começamos a fazer pesquisa e fazer exames. O que a Vitória tinha, nós não sabíamos, eu não sabia. Fomos fazendo exames, e quando a Vitória estava com oito para nove meses, eu fui para a escola, - eu estudava, era adolescente - um dia, e quando eu fui para casa meu pai e minha mãe me disseram o seguinte, que a mãe da Vitória tinha aparecido no meio da semana e ido lá em casa, perguntando a eles se eu podia ficar com a Vitória, se ela podia me dar a Vitória, porque ela não tinha condições de cuidar da Vi e sabia que se alguém poderia cuidar dela, essa pessoa seria eu, e se eles não permitissem, ela iria entregar a Vitória na época ao juizado de menores, porque não tinha condições. Quando eu cheguei em casa e meu pai me contou, eu me ajoelhei nos pés dele, "deixa, pai, pelo amor de Deus, deixa". Na verdade, meus pais acharam que seria mais um filho para eles criarem, mais uma criança para eles tomarem conta, ninguém imaginou que eu teria essa paixão pela Vitória. Essa paixão pela Vitória foi desde o primeiro instante. A Vi ficou comigo, começamos os tratamentos e a mãe dela sumiu. Nós conseguimos tratamento na Santa Casa e foi interessante na primeira consulta, porque eu a levei na Santa Casa de Misericórdia, entramos no consultório e o médico queria saber como foi a gestação, como foi o parto e toda… "Não sei", "como não sabe? Você não é a mãe?", "não", "e quem é você?", "ah, a mãe dela me deu", "como assim te deu?", eu era menor de idade e ele disse, "não, não dá, vamos remarcar e chamar a mãe". A mãe já tinha sumido. Eu tinha ido uma vez na casa da irmã dela, e nem sei onde fica. E para achar essa mulher? O que eu ia fazer? Eu trabalhava de segunda a sexta, no domingo eu saía de manhã, ia para o terminal Bandeira, pegava o primeiro ônibus de uma daquelas plataformas, ia até o final e voltava tentando reconhecer o lugar. Eu fiz isso por mais ou menos um mês e meio, mas eu achei o lugar, desci do ônibus e fui bater na casa da irmã dela. A irmã dela me disse que não sabia que ela tinha me dado a menina. Bom, resumindo, a irmã dela apareceu, fomos na consulta e foi a última vez… Depois a Vitória fez um ano, eu fiz o aniversário dela, e ela não veio, mas 15 dias depois veio trazer um presente para a Vitória. Qual foi a surpresa? Ela trouxe um bebê. Quando ela me deu a Vitória, ela já estava gestante, então a Vitória tem um irmão. Na verdade, a Vitória tem um irmão mais velho que ela, a mãe deixou na Bahia, e tem uma irmã mais nova, que aí eu não sei… Foi a última vez que ela apareceu e trouxe essa criança para eu conhecer. Nunca mais ela apareceu. A Vi está na minha, então… Nós começamos a fazer fisioterapia, e eu comecei a ver que precisava aprender a cuidar, então decidi que iria fazer enfermagem e fiz. Fui até o juiz para pegar a guarda da Vitória, porque eu tinha muito medo que a mãe chegasse a qualquer momento e a levasse embora. O juiz me perguntou minha idade e falou, "o correto é eu recolher essa criança. Você é menor de idade. A mãe tinha 23 e não quis, você com 16 para 17… Não, não posso", e eu me desesperei, né? Falei, "vai tomar a menina", e ele falou, "vamos fazer o seguinte? Eu estou vendo que você tem a maior boa vontade do mundo. Peça para os seus pais virem aqui, e eu dou a guarda a eles, mas vamos combinar uma coisa, você estuda, se forma e volta", e foi o que eu fiz. Eu fiz enfermagem, estava começando a trabalhar e voltei. Por uma coincidência do universo, eu encontrei o mesmo juiz. Quando ele leu, falou assim para mim, "você já esteve aqui anos atrás, não é?". Eu também não lembrava que era o mesmo juiz. Ele falou para mim, "eu lembro do seu caso, você estudou?".
P/1 – Mas foi depois de quantos anos isso?
R – Ah, eu acho que uns cinco anos, porque eu era menor, e quando fiz enfermagem tinha uns vinte e poucos. Depois de uns cinco ou seis anos, ele falou, "eu lembro do seu caso, você estudou?", "estudei", "o que você fez?", "fiz auxiliar de enfermagem", "trabalha?", "sim" (eu já trabalhava em dois hospitais), ele falou, "é, você realmente quer essa menina" (risos). Ele me deu a guarda durante seis meses, mandou me convocar três meses depois, me deu a guarda aos 18, depois de alguns meses me chamou de novo e me deu a guarda permanente. Uns seis meses depois desse processo todo, ele mandou me chamar novamente, eu fui até lá, e foi todo aquele processo com psicológica e assistente social, e ele me deu o direito de adoção, então a Vitória é registrada no meu nome. Uma pergunta que foi feita… Até aí, eu não tinha me atentado, que no registro que sairia da Vitória, não teria nome do pai, eu estaria assumindo que era uma mãe solteira sem ser (risos). E eu não vi problema. Nunca tinha parado para pensar nisso, mas também não vi problemas, e ele me deu o direito de adoção, então a Vitória é registrada no meu nome e não tem o nome do pai, só consta o nome da mãe. Assim, foi uma lição de vida, porque até hoje nós temos uma ligação muito grande. A Vitória não fala verbalmente, mas ela consegue me contar sonhos, a gente tem uma ligação muito grande. No decorrer dessa vida, desses 35 anos da Vitória, nós encontramos muitas pessoas para ajudar no desenvolvimento dela, por exemplo com o dom de ser artesã. A Vitória pinta umas telas maravilhosas. Quem descobriu isso, foi um espaço que nós tínhamos na comunidade, o Cedesp, onde tinham profissionais… O Paulo Leonardo, que foi quem descobriu isso, sabe? Inclusive eles têm uma ligação muito forte até hoje. Temos a Simone que também trabalhava no Cedesp, a Sirlene que também estava lá… São pessoas que ajudaram que ela tivesse esse empoderamento de ser capaz. Eu sempre fiz com que ela se sentisse dentro das suas limitações, uma pessoa capaz, mas sozinho a gente também não consegue, porque assim, o olhar de mãe é uma coisa, e o olhar das pessoas de fora, é outro. O Cedesp deu essa força. Nós tínhamos a Marluce que era diretora, depois entrou a Iracilda, que nos deu um grande incentivo e um apoio muito grande. Teve uma época que a Vitória teve suspeita de câncer, uns dois anos atrás, um câncer no útero. Foi só suspeita, graças a Deus. Ela teve que fazer cirurgia. Para você ter uma ideia da intensidade desse laço que fiz com algumas pessoas da Cedesp… Eu estava trabalhando, sempre trabalho a noite, porque como tenho uma cirurgia na coluna, não consigo mais trabalhar no hospital. Eu tinha uma hérnia de disco que obtusou e pinçou o nervo ciático, então eu tive que fazer a cirurgia para soltar. Eu passei três meses de muleta, então imagina meu desespero tendo uma filha cadeirante e estando de muleta. Foi muito desesperador. Nesse período… Agora eu não trabalho mais na área da saúde por conta disso, mas na época eu estava trabalhando não em hospital, mas sim com paciente particular. Eu tinha que trabalhar a noite e algumas pessoas do Cedep iam ficar com ela uma parte durante o dia. Teve uma, a Simone por exemplo, que foi passar uma noite com a Vitória para eu trabalhar. Então foram vínculos muito fortes de pessoas que me ajudaram no decorrer desse quadro, desse medo que eu estava de perder meu passarinho, como eu sempre a chamo. Só que assim, eu sempre pedi a Deus que… Para nós que temos um filho especial, é o medo de você morrer e quem vai cuidar (choro). Por mais que as pessoas gostem e cuidem, não é a mesma coisa. O meu filho, João Vitor, é meu super parceiro, super parceiro. Hoje por exemplo, para estar aqui, o João Vitor ficou com ela. Ela ficou dormindo e ele tira da cama, dá o café da manhã, coloca no banheiro, coloca no sofá, se ela quer ir para a cadeira… Então assim, ele é meu parceiro, mas ele tem uma vida pela frente, vai se casar, e a esposa dele vai ser tão parceira? Então é um medo muito grande que a gente tem, se você morrer e quem vai cuidar do seu passarinho. Por outro lado, quando a Vitória teve suspeita de câncer, eu sofri menos, vamos pôr assim, porque eu sempre conversei com Deus, "Senhor, não me leve, deixando ela, o Senhor sabe que eu não vou partir em paz, que eu vou morrer sofrendo, pensando nisso". Então quando ela teve a suspeita de câncer e o diagnóstico era de que estava bem avançado e não sabiam como iriam fazer, eu me conformava pensando, "foi o que eu pedi a Deus, que levasse ela antes de mim", então assim, o conformar era de um sofrimento menor de pensar dessa forma, mas foi o que eu pedi, eu só rogava a Deus para não permitir que ela sofresse tanto, porque nós sabemos o quanto o câncer é dolorido para a pessoa que está sofrendo, passando por ele. A minha mãe faleceu de câncer, então eu sei bem o que é isso. Eu sou da área da saúde, sei o que é uma pessoa falecer de câncer. Para nós que somos da área, é muito pior, porque as pessoas que estão de fora acham… O câncer é uma doença que mata você consciente, você sente tudo, então imagina o ser humano estar morrendo, saber que tem pouco tempo de vida e que está morrendo. Como é que fica a cabeça dessa pessoa pensando nos familiares, pensando no… Muitas pessoas da minha família me criticaram porque eu mandei sedar minha mãe. Ela passou sete anos bem, e quando ele voltou, voltou fulminante e matou ela em seis meses. Eu mandei sedar minha mãe por que? Porque quando ela estava acordada, não podia comer, usava sonda para alimentação e dizia para mim que estava com fome. Quando a gente pedia para liberar a alimentação, ela vomitava, só que vomitava fezes. Como você vai deixar um ser humano em um sofrimento desse? Então eu mandei sedar. Eu tenho alguns familiares, parentes da minha mãe, que assim, a gente mal tem contato por causa disso, porque algumas pessoas falam que eu sedei a mãe porque não queria ter trabalho (choro). Não, eu sedei a minha mãe porque ela sempre foi muito cuidadora, muito mãezona, ela tinha uma preocupação muito grande com os filhos. Como deixar um ser humano pensar que está morrendo e como vão ficar os filhos e netos dela, por quem ela tinha paixão? Além disso, uma pessoa que ou está com fome ou está vomitando fezes, então mandei sedar minha mãe e não me arrependo, não me arrependo. Se eu errei, acho que é uma conta minha com Deus, mas a minha consciência está tranquila com o motivo. Eu sei bem o que é isso, então eu só rogava a Deus para que não permitisse que ela sofresse, mas me conformava, porque foi meu pedido a ele a vida inteira, que não me levasse e a deixasse. Só que não era câncer, era um cisto e um pólipo no útero que estavam muito juntos e a imagem ficou muito distorcida no exame, então por isso achavam que… Porque cada vez que eu passava no médico com ela, o médico dizia… Porque assim, o nosso sistema de saúde é uma beleza. Você vai na porta do hospital, está com diagnóstico de câncer e o médico não pode te atender, não pode dar andamento no seu tratamento, porque tem que vir o pedido da OBS. Com esse diagnóstico em mãos, eu fui na Santa Casa, fui no Hospital São Paulo, fui no Pérola Byington, empurrando a cadeira de rodas, batendo de porta em porta, e ouvia a mesma coisa em todas as portas, "não podemos fazer nada, e mãe, pelo diagnóstico você está correndo contra o tempo". Como uma mãe se sente? Como um ser humano se sente? O médico dizer para você, "pelo diagnóstico que tem aqui em mãos é grave, mas eu não posso atender, tem que vir da OBS". Eu fui ao ministério público, fui bater lá na defensoria pública com os documentos para tentar resolver. Porque assim, você fazer um tratamento e a pessoa falecer é uma coisa, ela está assistida, tem como não sentir dor. Agora, você deixar alguém morrer sem assistência é desumano. Fui na defensoria pública, levei na OBS, foi encaminhada para o Pérola Byington, fizemos o tratamento lá e foi diagnosticado que não era um câncer, era um pólipo e um cisto que estavam muito juntos e por isso a imagem distorcida. Foi retirado e a Vitória ficou bem. Ela ficou internada, porque tinha anemias constantes. Em um ano, ela tomou nove bolsas de sangue, entendeu? Então ela ficou muito ruim, e isso para mim só serviu para deixar a minha fé mais forte e ter certeza de que a minha missão de vida para com a Vitória é mostrar a capacidade que ela tem. Onde eu vou, nos cursos que faço, eu sempre a levo comigo, porque assim, ela não fala verbalmente, mas o cognitivo dela é perfeito, então ela está sempre aprendendo, evoluindo e crescendo. Eu não sou eterna, e se a Joana morrer hoje, já morre mais tranquila. Aquele medo todo que eu tinha lá atrás eu já não tenho, porque a Vitória não fala verbalmente, mas tem um aplicativo, que se chama "Aplicativo Vitória", que é online. Nós fizemos, criamos esse aplicativo por conta dela, ele fala por ela. Ela aperta os ícones, aperta o play, e ele fala a frase, então ela já tem como falar, tem como gritar. A Vitória já tem as telas que podem ser vendidas, então ela tem um meio para ter uma renda. Ela pinta, e nós já fizemos exposições das telas dela, já vendemos… Fizemos exposição no CCJ da Cachoeirinha, na Casa de Cultura…. Inclusive no mês que vem nós temos uma exposição que já está agendada do dia primeiro ao dia 30 de setembro, exposição das telas da Vitória. Então assim, tendo alguém que gerencie isso, a Vitória pode se manter, e ela é auto suficiente para dizer "isso eu quero" ou "isso eu não quero". Ela tem o benefício dela que pode pagar alguém para estar cuidando dela, então se eu morrer hoje, morro tranquila, porque ninguém é eterno. A luta de mostrar e conseguir visualização, empoderamento e pessoas que tenham essa visão para os deficientes, é isso, é que se eu morrer hoje, ela tem uma estrutura de base. Não só ela, como outros deficientes que têm aí e que vão vir. Nem toda mãe é louca como a Joana, que sai batendo em porta, que sai gritando pelo que pode e tem que ser feito, mas tem que ser iniciado em algum lugar e em algum momento e acho que isso eu já consegui semear. Agora por exemplo, a gente faz parte do núcleo de deficiência. Nós temos a Rede Brasilândia e nos juntamos agora na pandemia para ajudar as pessoas da comunidade. Como é um território muito amplo o da Brasilândia, nós dividimos em núcleos, então tem o núcleo da assistência, o núcleo da deficiência, o núcleo de estudantes, o núcleo da educação… São dez núcleos no total, onde cada núcleo se foca em algo determinado. Eu faço parte do núcleo da deficiência e da assistência. E nesse núcleo, eu consegui encontrar outras pessoas que têm o mesmo foco, o foco do desenvolvimento da pessoa com deficiência. Por exemplo a Adriana, ela tem paralisia cerebral e é diretora do João Amos, diretora de uma escola pública, então é disso que as pessoas precisam, exemplos de pessoas com deficiência empoderadas. Você me perguntou sobre a minha formação, eu fiz a enfermagem como eu disse, pensando nisso, mas até o ano passado eu comecei a fazer Serviço Social, porque descobri que o meu cuidar… Hoje eu faço uma autoavaliação, estou fazendo um curso de autoavaliação onde diz sobre as escolhas que a gente faz na vida, sobre as escolhas de profissão e do que você vai trabalhar. Hoje com o que eu aprendi com as pessoas que conheci, com os cursos que fiz, vejo que eu não escolhi errado a minha profissão e em ser da área da saúde, o que eu escolhi… Porque assim, eu sempre quis cuidar, mas é o cuidar de uma forma diferente, porque dentro da enfermagem, você tem uma limitação, tem a medicação, tem o procedimento médico que tem que ser liberado pelo médico, então você tem uma limitação. Já dentro do âmbito social, é muito maior esse leque, então não há limites para essa ajuda, para esse empoderamento. Na área da saúde no máximo que você pode empoderar a pessoa, é que ela tenha… Porque vai do psicológico… Quando o paciente decide não mais viver, decide que não quer mais viver e opta por morrer, você vê uma pessoa morrer aos seus olhos. Às vezes a depressão mata a pessoa de uma forma fulminante diante dos seus olhos. Então a área da saúde é limitada nesse sentido. Eu amo a minha profissão na área da saúde, é minha paixão. Têm casos no decorrer da vida, porque assim, eu já estou há muito tempo nessa área, que me emocionam até hoje ao lembrar. Pessoas que já faleceram e que eu pude em alguns instantes da vida deles, ajudar em alguma coisa. O primeiro emprego foi no Hospital de Jandir. É um hospital pequeno, eu tinha começado há pouco tempo. Tinha uma paciente, a dona Maria. Quando eu entrei no hospital, passei a trabalhar a noite e a dona Maria tinha um câncer de anos, e tinha um cheiro assim, muito desagradável. Tanto que ela só ficava sozinha no quarto, as pessoas entravam lá só para fazer a medicação e saíam. Quando eu entrei, percebi que ela era muito triste, então eu fazia o que tinha que fazer e procurava ficar pelo menos uns 15 minutos lá conversando com ela. Foi assim durante o tempo em que ela ficou lá internada. Um dia eu cheguei para o plantão e me falaram assim, "Joana, a dona Maria está acompanhada, porque ela está nos momentos finais. Ela já não tem mais reação, dormiu o dia inteiro e não está sedada, mas também não acordou". Okay, peguei o plantão, passei em todos os quartos, e quando entrei no quarto, que dei boa noite para a filha, ela abriu os olhos. "Ah, acordou, dorminhoca?", ela falou, "Joana, você chegou", eu falei, "cheguei", e a dona Maria falou assim, "eu queria te dar um abraço, posso?", falei, "claro". Encostei, dona Maria me abraçou, me beijou, me abençoou, me deu muito obrigada, me fez carinho no rosto, e aí eu fiz o que tinha que fazer com ela, conversei um pouquinho e saí do quarto. Falei para a filha que qualquer coisa era para me gritar, mas acho que não andei três metros e a filha saiu gritando do quarto. Gritei para chamarem o médico e quando cheguei no quarto, a dona Maria estava morta, tinha dado óbito. A dona Maria só me esperou chegar, então são coisas do decorrer da minha profissão que me fazem me sentir muito bem, entendeu? Eu não ajudei apenas no ato da minha profissão de dar a medicação e de cuidar (choro). Eu fiz o que gosto de fazer, que é conversar e ouvir. Apesar de eu falar demais, eu também gosto de ouvir (risos). Eu falo muito, mas também gosto muito de ouvir. É que se me der trela, eu falo muito mesmo, mas também gosto muito de ouvir, porque às vezes o ser humano quer apenas ser ouvido, em muitos casos ele quer apenas ser ouvido. Quando você está no âmbito hospitalar, o paciente às vezes só quer isso. Ele está lá doente, debilitado, no meio de pessoas que ele nunca viu na vida, longe dos entes queridos, sem saber o que vai acontecer com ele, com dores e só quer ser ouvido. Ele não quer alguém da enfermagem que entre lá, fure o braço dele e mal dê um "bom dia". Às vezes, se você entra no quarto do paciente, dá um sorriso e um "bom dia" para ele… "Vou furar a senhora. É só uma picadinha. Uma picadinha que vai doer, mas é só uma picadinha"... Você tem como transformar aquele dia em um dia melhor, mesmo ele estando no hospital e mesmo ele sendo furado, então você tem como transformar isso de alguma forma. Eu acho que é isso que o ser humano tem que parar e ver que ele pode sim. Sou perfeita? Claro que não, sou um ser humano, mas assim, se eu errei em algum momento com alguém, eu até peço desculpas, porque foi tentando fazer alguma coisa de bom. Nós somos seres humanos, somos falhos, mas eu procuro fazer sempre o melhor para as pessoas, por livre e espontânea vontade eu tento ajudar. Se eu vejo que não posso ajudar, também não tento prejudicar. Às vezes as pessoas nos imterpretam mal. Assim, às vezes eu não tenho papa na língua, às vezes eu falo de uma maneira não tão delicada. Eu até tento, mas existem situações em que você precisa dar um choque, mas eu procuro sempre ajudar as pessoas e não atrapalhar, e às vezes sou mal interpretada por isso. Às vezes a minha visão de ajudar não é a visão que o outro tem para ser ajudado. Eu comecei a fazer… Voltando, se não eu vou embora para outro assunto. Eu comecei a fazer Serviço Social e parei no terceiro semestre, porque perdi o emprego, e aí não dá para manter a casa e tudo mais, então acabei fechando a faculdade, mas é uma coisa que tenho muito vontade de voltar a fazer. É uma coisa que acho que tem um leque muito grande para auxílio das pessoas. Entre essas minhas profissões, eu fiz artesanato, sou formada em artesã. Tanto que sou Mei, e meu Mei é como cuidadora, porque não tem a parte da enfermagem como microempreendedor, então sou cuidadora e sou artesã. Fiz também corte de costura, sou costureira… Agora nessa época da pandemia, fiz máscara para vender, fiz um conserto ou outro para algum vizinho… E entre isso, fui babá no ano passado. Como contar a história da minha vida e não falar da Júlia? A Júlia é filha de um médico, doutor Fábio, e da Paula, que é fisioterapeuta, a Juju. Não tem como falar da minha vida e não falar da Juju. Ela me fez voltar a ser criança, sabe? Eu com 50 anos nas costas e a gente brincando de gatinho no chão, de fazer a ponte e ela passar por baixo, e dela fazer a ponte e dizer para mim, "Joana, agora passa". Pense eu passando por baixo da ponte da Julia (risos). A Júlia marcou muito a minha vida e nós temos esse laço de amizade até hoje. Inclusive liguei para a mãe dela hoje e falei, "vou falar da minha vida, posso falar de vocês?", porque afinal de contas é uma coisa que vai ficar aberta, então para algumas pessoas eu perguntei se podia estar citando o nome deles, porque é o nome de alguém, né? Tem uma pessoa que foi muito importante na minha vida durante 16 anos, e a gente rompeu exatamente por isso, porque eu fui conversar, falar o nome dele, e ele não permitiu, então a gente rompeu a amizade. Eu falei para ele, "como contar a história da minha vida e não citar você?". Aí você percebe que de todas as pessoas que falei que conversei, a única que não apoiou o que estou fazendo agora foi essa pessoa, então não tem que fazer parte da minha vida, não tem. Eu disse isso a ele, porque sou uma pessoa muito sincera. Eu acho que quando você diz a verdade para a pessoa, não tem problema. O que você não pode é dizer nas costas dele para que outra pessoa vá dizer a ele, mas eu costumo dizer para a própria pessoa. Não vem ao caso agora, mas foi uma pessoa muito importante na minha vida, muito, me ajudou em muitos momentos difíceis que eu tive nesses 16 anos e esteve me apoiando, mas só Deus sabe o motivo (risos)...
P/1 – E a Júlia, você ficou quanto tempo com ela?
R – Eu fiquei um ano com a Júlia, mas foi um… A gente teve uma ligação tão grande, que até hoje eu mando áudio, ela responde, diz "Joana, quando você vai vir aqui pra gente brincar?" (Risos).
P/1 – Que idade ela tem?
R – Agora está com quase cinco anos. Quando fiquei com ela, ela tinha três anos, e assim, sabe aquelas babás loucas? Perguntei para a mãe, "posso entrar na piscina com ela?", "pode", coloquei um maiô e um short e entrei na piscina. A gente brincava dentro da água, sabe? Na primeira vez eu não levei roupa e ficou uma beleza. Não levei peça íntima e tive que colocar depois a peça íntima molhada (risos), porque eu tinha uma roupa que ficava, porque a gente brincava, rolava no chão e tal. Eu mudava de roupa, mas não tinha roupa íntima e entrei na piscina com a molecada, porque juntava ela e as amiguinhas e a gente fazia aquela bagunça na piscina. Depois disso, eu passei a levar um maiô e um short e entrava com eles para brincar. Até hoje ela me pergunta, "Joana, quando você vem brincar comigo?" (Risos). Eu tenho várias fotos da Juju em casa e pensei em trazer uma, mas no meio de tantas fotos e tantas coisas, fiquei meio… Devia ter um leque maior de fotos para gente trazer, tá? (Risos). Porque para contar a história mesmo e mostrar alguns pontos, são poucas fotos, mas tudo bem (risos).
P/1 – E Joana, você falou que queria ser professora na infância, você se arrepende da escolha ou acha que fez a escolha certa?
R – Não, eu fiz a escolha certa, não me arrependo, porque hoje mesmo não sendo professora, eu consigo passar conhecimento, pelo menos tento fazer isso, seja ao incentivar uma criança a fazer algo de bom até a mulher que não se vê como empreendedora se enxergar como artesã. Eu não tenho acadêmico de pedagogia, mas me vejo também fazendo isso de uma forma informal, orientando, ajudando, indicando alguma coisa, então não me arrependo de não ter seguido essa área.
P/1 – E de onde você tira o seu sustento?
R – Bom, hoje eu recebo o auxílio doença da Vitória, porque já é um problema de doença. Só que trabalhar registrado por exemplo, hoje eu não posso, porque se não, eu perco o auxílio, porque você tem que ter um trabalho de fome para receber o auxílio do governo. Tanto que por exemplo, a esse auxílio emergencial, eu não tive direito. A única renda da casa é de R$1045,00 reais hoje e eu não recebi o auxílio por conta do dinheiro da Vi. Essa pessoa com quem rompi, me ajudava muito, então com o dinheiro da Vi eu pagava as despesas da casa, e com o restante, ele me ajudava, mantendo compras e tudo mais. Ele sempre me ajudou muito, sempre, durante todo esse tempo. E o Vitinho, o João Vitor, meu filho que chamo de Vitinho, até o ano passado trabalhou como jovem aprendiz. Acabou o contrato, ele saiu e estava como ajudante de pedreiro até semana passada. Ele é um garoto muito esforçado, falou, "mãe, posso sair? Eu queria estudar para uma prova", e eu falei, "pode". A gente se vira bem, porque não há um… Eu sempre criei meus filhos assim, a gente vive bem, com coisas confortáveis, uma cama confortável, um sofá confortável… Mas não há necessidade de esbanjar aquilo, então você não precisa usar uma roupa de marca para estar bem vestido. Você pode estar bem vestido com uma roupa mais em conta. É manter os pés no chão. Se eu estou trabalhando, então nós temos um padrão de vida mais elevado, podemos ir ao cinema, gastar dinheiro no shopping de vez em quando com comida e cinema… Quando não, vamos a cada dois ou três meses, quando dá. Quando não dá, não vai. Temos que tentar equilibrar nesse sentido. As coisas compradas parceladas… Se acabou de pagar agora o que comprou, então beleza, esse mês dá para gente ir ao cinema, então vamos ao cinema. Mês que vem já não dá mais, porque temos que comprar uma outra coisa e parcelar. E assim vai. Não me queixo por isso, porque acho que a tranquilidade dentro da sua casa… Dentro da minha profissão, já trabalhei e ganhei muito bem, e hoje, não tendo dinheiro para gastar, para sair e passear, eu não me queixo, porque dentro da minha casa reina a paz e a tranquilidade, dentro da minha casa é um local onde me sinto segura e feliz. Percebo que meus filhos… A Vitória reclama bastante que está dentro de casa devido a pandemia, porque adora bater perna, mas eu vejo que o Vitor adora ficar lá no quarto dele, entendeu? Ele vem, me cutuca, me belisca, me joga para cima, sabe? Mas percebo que é um ambiente bom de estar, porque muitas vezes não adianta você ter dinheiro e a sua casa não ser um lugar aconchegante, não ser um lugar onde você queira estar, e eu sinto isso dentro da minha casa. Essa questão financeira é muito passageira, então a gente sabe que uma hora vai estabilizar novamente, uma hora a gente vai se estabilizar de alguma forma ou arrumando um emprego… Dentro da área da saúde, eu não acredito mais devido a idade, e hoje o meu cuidar não é mais um cuidar no setor de enfermagem, é o cuidar no setor, como eu disse, de empoderamento. Não sei, eu não me vejo mais saindo de casa a noite para fazer o trabalho. Obviamente que se aparecer, eu vou porque afinal de contas trabalho é trabalho e todo ser humano precisa da sua renda. Não sei, vamos ver o que Deus prepara na minha vida daqui por diante. No decorrer disso, a gente fez vários cursos, e um deles que foi muito forte na minha vida e me deu esse empoderamento de poder utilizar a fala de "sou palestrante, posso palestrar", foi o Sebrae. Joice, Adriana, Débora… Então assim, me deram esse empoderamento, porque falar muito, eu sempre falei, graças a Deus, mas o falar em público foi desabrochando dentro do Sebrae, dentro das conversas e do conteúdo que foi administrado. Nós começamos com o curso do Sebrae Mil Mulheres, dentro da Brasilândia e de lá eu fiz a aceleração. A aceleração do Mil Mulheres fez isso. Eu queria até trazer uma foto do certificado do Mil Mulheres. Eu fui a oradora, eu que apresentei o projeto durante o ___________[01:15:33]. As pernas batiam tanto, os joelhos batiam um no outro. Para ficar naquele palco e não desabar… Ontem por exemplo eu estava assistindo uma aula do Leandro Karnal, se eu não me engano o nome dele. Ele é um palestrante, um professor, e diz que… Foi muito interessante, porque ele falou assim ontem na aula, "se você vai fazer algo e não tem medo de fazer, você tem um grande problema, porque a sua confiança em excesso pode te derrubar". No dia da apresentação, teve uma hora que eu disse, "não vou conseguir", cinco minutos antes eu desabei e disse, "não vou conseguir, não vou conseguir falar" e desabei no choro. As meninas do grupo que estavam comigo, a Adriana e a Meire, "como assim não vai conseguir? Vai! Você fez isso, você sabe o que vai fazer", "não, não vou". Eu encontrei a Adriana e ela disse, "como assim? É claro que você vai". Então eu tive o apoio psicológico e consegui. A partir daí, a gente fala sem parar mesmo (risos), pode ser na frente de quem for que a gente fala sem muitos problemas.
P/1 – Como que funciona? Como funcionou o Mil Mulheres? De que forma foi importante para você? Qual a mudança?
R – O Mil Mulheres… Quando me foi apresentado o projeto Mil Mulheres, eu o vi como um curso de empoderamento para mulheres da nossa região, porque é um curso de empreendedorismo que foi feito para mulheres em vulnerabilidade. No território em que eu moro, isso é algo gritante. Eu vi isso como algo muito importante para elas. Eu não tinha enxergado o quanto isso poderia mudar muito a minha vida, porque assim, eu tinha isso como algo fundamental para elas. Eu não via o quanto eu precisava disso, o quanto isso poderia me ajudar e aumentar meu nível de conhecimento ao ponto de por exemplo, palestrar. Eu não me enxergava dessa forma. O curso dentro da comunidade foi muito bom, porque depois desse curso, essas mulheres se sentiram realmente empoderadas, eu me senti mais empoderada. Dentro desse empoderamento nós conseguimos fazer por exemplo a primeira feira de artesãs pós curso Mil Mulheres na comunidade. Fizemos a primeira feira de empreendedorismo que rolou sexta, sábado e domingo, se não me engano. São tantos eventos que a gente participa. Acho que foi sábado e domingo sim. A gente pegou uma quadra que tem na comunidade e fizemos a feira de empreendedorismo. Depois disso, em dezembro nós fizemos uma… Tem uma escola estadual, a Osvaldo Rosa Leite, onde meu filho estuda. Tem a Deise, que é diretora e super, super parceira da comunidade. Ela fez uma ação social e nos convidou para levar a feira de empreendedorismo para esse local, então nós levamos algumas dessas mulheres para essa ação social e fizemos mais uma feira com elas. É aquilo, de fazer com que a mulher perceba que assim, ela vai empreender, só que não é só fazer o crochê e andar com ele na mão. Ela precisa de uma mesinha, precisa de uma cadeira para sentar enquanto está lá aguardando, precisa de um tecido para forrar a mesa para colocar… É pensar no antes, durante e depois, é saber fazer o cálculo dos gastos que vai ter e do quanto ela pode lucrar. Isso o curso do Sebrae trouxe para essas mulheres, o aguçar na imaginação e evoluir naquilo que sabe fazer. Isso nós conseguimos dentro do território da Brasilândia para algumas mulheres que participaram do curso. Bom, e para mim, Joana falando, foi como eu disse, me deu a força e o empoderamento de estar palestrando, de estar colocando isso para fora, porque você fazer isso para meia dúzia de pessoas, falar para meia dúzia de pessoas é uma coisa, agora falar para mais de 50 ou 60 pessoas, é muito diferente. Uma coisa que eu sempre digo… Por exemplo, nós fizemos uma live voltada para pessoas com deficiência do núcleo. Alguém falou, "vamos falar sobre a violência doméstica contra a mulher deficiente?", falei, "olha, nós até podemos falar sobre isso, mas não no momento, porque não é um assunto que eu domino". Eu não vou falar algo do qual eu não tenha certeza, porque se eu não for lá, não fizer um trabalho de campo, não conversar com alguns e ver isso provado, eu não vou falar. O que você me perguntar sobre deficiente físico atualmente, a situação, o que tem de terapia, o que não tem, quais órgãos atendem, o que nós temos no território para eles… Eu vou saber te responder isso na ponta da língua, porque é a minha vivência, é isso que eu sei, eu tenho a experiência própria de ser uma mãe e uma cuidadora de uma pessoa com deficiência. Eu sou uma pessoa que conhece outras pessoas com deficiência, sei do convívio e sei constantemente o que é isso. Então quando me fizeram o convite de fazer uma palestra sobre empoderamento feminino dentro da penitenciária feminina de São Paulo, eu achei o máximo. A princípio eu fiquei, "não, será que eu consigo?", e aí fui conversar com a Débora do Sebrae. Fiquei meio que na dúvida e ela perguntou, "o que você pretende falar?", nós conversamos e ela falou, "é isso". O Sebrae tem muito isso, não é apenas… Esse apoio que eles te dão, não é apenas enquanto você está lá fazendo um curso. Você forma vínculos de amizade, você tem esse apoio em qualquer momento que você precisa e não apenas voltado ao setor empreendedor - que é a visão do Sebrae. Dentro do Sebrae têm pessoas muito humanas, então eu fiz um vínculo muito grande com a Adriana, a Joice e a Débora. Inclusive essa semana eu arrastei a Débora para ir em uma reunião comigo no núcleo de assistência. Nós vamos fazer uma live sobre empreendedorismo dentro da Brasilândia. Eu também vou participar, porque como eu sou artesã, para incentivar esse empreendedorismo, nós vamos fazer uma live mostrando alguns artesanatos feitos com reciclagem. Com caixas de leite, que é um acendedor de incensos que eu faço com caixa de leite e CD velho cortado e fica uma belezinha. Cola branca, um vaso de papel que usa papel e bexiga, depois você pode enfeitar com um filtro de café usado que vai jogar fora… Têm várias coisas. Vasos feitos com saco de papel, amassando ele e decorando… Então têm várias coisas que podemos fazer. Com o que as pessoas consideram lixo, a gente pode fazer luxo. E a conscientização das pessoas principalmente na nossa comunidade, de que tem que haver a separação do lixo reciclável, então nessa live é isso que a gente vai tentar fazer, encaixar o empreendedorismo com essa visão de reciclagem. Por isso que eu digo… Quando você me perguntou se eu me arrependo de não ter escolhido a Pedagogia, não, porque dentro do que sou hoje eu tenho um pouco disso. Você acaba ensinando um pouco do que você sabe. Eu tenho um neto, né? Ele tem dois aninhos, uma figurinha. Ele é filho da menina do meio, a Viviane, que é casada e também é adotada, está comigo desde os três anos e morou comigo até os 18. Casada, tem a família dela agora… A gente não tem muito contato hoje, mas de vez em quando ela traz o menino para eu ver. O menino é uma figurinha. É pensando nele como criança hoje e em que mundo ele vai ter quando for adulto. O que ele vai ter? E se a gente não fizer com que as pessoas tenham esse entendimento, se a gente não mudar agora, lá na frente a situação vai ser muito pior. Eu acho que isso é muito importante, as pessoas terem essa visão principalmente agora no caos que está o mundo. Não é apenas no país e sim no mundo. O mundo é muito pesado, está muito pesado. A perspectiva é muito curta, a gente não consegue enxergar muito além. A gente consegue enxergar hoje e amanhã. Hoje a gente está aqui vivendo e enxergando, e o máximo que a gente consegue enxergar é o amanhã. Daqui uma semana, é impossível. Antes a gente podia ter uma pespectiva, "ah, eu vou fazer isso aqui, porque na semana que vem eu consigo fazer", e hoje é impossível fazer isso. Então a gente tem que pensar um pouco em como poderá ser daqui a uma semana e não o que eu quero e que vai acontecer daqui a uma semana. A gente ten que enxergar que pode haver duas visões do que pode acontecer semana que vem. Eu acho que isso é uma coisa que…
P/1 – E o que você faz de artesanato, você costuma vender onde?
R – Olha, na verdade, o artesanato que eu faço, eu faço para dar de presente (risos).
P/1 – Para o que?
R – Para dar de presente (risos).
P/1 – E Joana, você falou bastante da Vitória e um pouco do seu filho também, o João Vitor, né?
R – Isso.
P/1 – Como foi essa época do seu casamento? Quanto tempo você passou casada?
R – Bom, entre namoro e casamento, foram 15 anos. Quando nós nos conhecemos, eu já tinha a Vi. Durante o nosso relacionamento, nós pegamos a Viviane para criar. Eu peguei a guarda da Viviane nesse período casada. Depois fiquei grávida do Tinho quando eu tinha 33 anos, então eu sempre brincava que eu era "prime-gesta-idosa", porque era primeira gestação, o primeiro filho e idosa, era uma loucura. Foi uma coisa muito… A gestação do Vitor foi muito legal, porque assim, o Vitor é meu parceiro desde a barriga. Eu tinha muito medo na verdade de ficar grávida. Eu pensava assim, "como é que eu vou carregar a Vitória grávida? Como é que eu vou carregar a Vi em cima do bebê? Ou a Vi não vai ter total atenção ou eu vou prejudicar o bebê", mas aí Deus disse assim, "não é do jeito que você quer, é do jeito que eu quero" e por um descuido básico eu fiquei grávida do Vitor e obviamente não me arrependo. Foi uma gestação super tranquila e ele é meu parceiro desde a barriga. Eu engordei 22 quilos. Imagine eu com esse porte físico que tenho, sempre fui magrela, engordar 22 quilos na gravidez do Vitor, então eu fiquei muito grande. Ele gostava muito de ficar aqui na minha costela, do lado direito. Quando eu ia pegar a Vi para subir a escada lá para casa, eu fazia um cafuné nele, passando a mão na barriga, e falava, "bebê, eu vou pegar a Vitória", e assim, ninguém acreditava, mas eu fiz isso para minha mãe e minha avó verem, aquele bolinho descia e se encaixava aqui em baixo, na parte inferior esquerda. Eu pegava a Vi, sentava no sofá morta de cansada, me largava no sofá, fazia o mesmo movimento na barriga e falava assim, "neném, pronto, pode voltar", e o bolinho subia e vinha para onde ele queria ficar na barriga. Ele sempre foi meu parceiro. Eu fiquei com o Renato, o pai do João Vitor e ele sempre foi meu parceiro enquanto nós estávamos juntos, ele sempre me ajudou muito com as meninas e com o João depois que nasceu, sempre foi um pai muito presente. Tanto que se alguém perguntasse o que as meninas eram, "são minhas filhas", então ele era muito companheiro, era muito prestativo… Depois de um determinado tempo de casados, o Renato começou a beber demais. Eu não bebo… Eu tomo vinho, até hoje eu gosto muito de vinho, mas assim, é tomar uma ou duas taças, não é tomar para ficar embriagada, então tem uma diferença. Eu tomo um vinho quando estou com amigos, de vez em quando tomo um vinho enquanto faço o almoço no domingo… Uma coisa mais social. E o Renato sempre bebeu, mas era uma coisa controlada e aí ele passou a beber demais infelizmente, porque é uma pessoa de um coração e um carisma enorme. Só que passou a beber demais e como eu não bebo, o cheiro… Tudo que ele fazia enquanto estava sem a bebida, quando ele estava embriagado… Se tornou uma situação muito desagradável. Nos separamos e o Vitor estava com quase três anos, mas entre namoro e… Nós não casamos legalmente, nós passamos a morar juntos. Até a gravidez do Vitor por exemplo, nós não morávamos juntos, era cada um na sua casa. Depois, quando fiquei grávida, passamos a morar todos juntos, então morando juntos mesmo não foi muito tempo, foi por cerca de uns três anos, quase quatro anos apenas. Mas contando o relacionamento mesmo, foi bem duradouro, durou 15 anos. É uma pessoa que hoje infelizmente eu não tenho contato. Já tem sei lá, uns cinco ou seis anos que ele não dá sinal de vida. Eu tenho muito contato com a família dele, com os irmãos, com uma das tias, com uns parentes meio distantes como alguns primos dele, e a gente se encontra de vez em quando. Eu tenho muito contato com a tia Lili, que é tia dele. Eu vou na casa dela, tenho contato com… Inclusive o convite que foi feito para palestrar na penitenciária feminina, quem fez foi um dos primos do meu ex marido, o Alan. Ele é advogado e faz um trabalho social com o sistema carcerário e ele que fez o convite para que eu fosse fazer a palestra dentro da penitenciária, então nós temos um vínculo. Eu tenho muito mais contato com familiares dele do que ele tem com o Vitor. Às vezes… Até no final do ano passado, o Vitor estava muito chateado. O Tinho fez alguns questionamentos, e ontem eu fiz a pergunta para o Vitor se ele queria que eu tentasse localizar o pai e ele me disse que não, eu disse, "é um direito que você tem, mas se você quiser, eu tento", por que? Porque eu acho que enquanto se é pequeno, pode causar uma certa influência, então todo trabalho que eu tive de mostrar e de fazer, de repente por ser… Não sei como está hoje como pessoa nem fisicamente para apresentar… Não sei qual vai ser o impacto nisso, porque a gente sabe que jovem é meio instável. Eu sempre deixei livre, eu nunca disse, "seu pai é isso ou aquilo", eu sempre deixei para que ele mesmo tivesse essa percepção, como em tudo na vida, principalmente com o Vitor que é menino. Deixo que ele mesmo enxergue. A gente conversa sobre o assunto obviamente, mas não digo que é isso ou aquilo, eu falo, "olha, a situação é essa, têm essas linhas e a escolha é sua". Ontem eu fiz essa pergunta para ele, porque estava olhando as fotos e nos CDs encontrei fotos que… Porque eu não tinha nenhuma foto do Renato. Ontem, olhando os CDs, encontrei fotos dos dois juntos, do Vitor no colo dele, então… Mas o Vitor não viu ainda. Como eu estava na preparação para vir para cá, e eu tive três agendamentos para ontem, além de resolver a questão das fotos, não consegui mostrar para ele, mas vou mostrar. Eu preciso parar… Eu até pedi para um amigo levar todos os CDs que eu tenho e colocar tudo em um pendrive para podermos olhar essas fotos todas, para ter um resgate de coisas de quando eles eram pequenos. Hoje a gente não tem contato, porque ele não quer. Ele sumiu, porque eu moro no mesmo bairro, no mesmo lugar, a mãe e os irmãos dele moram no mesmo lugar, que é próximo da minha casa. O Celso, que é meu cunhado… Meu ex cunhado. Eu o chamo de cunhado, porque a gente tem um laço ainda muito grande. Ele é muito ligado ao Vitor, então eles têm um contato, iam ao estádio juntos, os dois são corintianos… Esse vínculo que ele deveria ter com o pai, óbvio assim, não tanto quanto, mas ele tem um vínculo sim com o tio. Agora não tanto, mas assim… E o avô dele também. O pai do Renato já é falecido, mas ele também tinha um vínculo muito grande com o Vitor na ausência do pai.
P/1 – E como foi o parto do Vitor?
R – Foi tranquilo. Quando eu digo que o Vitor foi meu parceiro desde a barriga (risos)... Já tinha sido agendado, porque parto normal e a data de previsão… Na data prevista, eu não estava sentindo nada, ele mexia normal. Na data prevista eu passei no médico e ele falou, "olha, tá tudo bem", marcou mais uma semana e pediu para eu voltar para me internar, que provavelmente faria uma cesárea. Eu conversei com Deus a gestação inteira, "Senhor, se eu tiver uma cesárea, como eu cuido da Vitória?", porque no parto normal a gente sai bem, no dia seguinte a gente está bem. Apesar de ser meu primeiro parto, era nisso que eu pensava, "vou ter que passar no mínimo 40 dias deixando que a minha mãe cuide da Vitória sozinha", porque eu não poderia pegá-la pela questão dos pontos. Fui para o hospital, mas fui o caminho todo conversando com Deus, "Senhor, por favor, dá um jeitinho (risos). Cheguei no hospital, me internei… Primeiro parecia que eu ia para uma festa. Fui fazer a unha… O pessoal do hospital até brincou, "você está indo ter um bebê?", porque cabelo cacheado, a gente tem que arrumar em casa, né? Agora você imagina ficar no hospital com esse cabelo cacheado, iria ficar parecendo uma louca, falei, "não…", as meninas até brincaram… Porque eu fiz uma escova. Não gosto de fazer escova, mas como iria ficar no hospital, falei, "não vou ficar descabelada, imagina". Fiz uma escova, fiz a unha, "para quê você se arrumou tanto?", falei, "porque quando meu filho sair e olhar para mim, não vai dizer que por dentro é mais bonito" (risos). É por isso que me arrumei toda. Fui me internar e passei o dia inteiro dormindo na sala de parto. Colocaram o soro e eu dormi o dia todo, não sentia nada. Só que cada vez que alguém começava com as dores do parto ao meu lado e a doutora falava, "faz força", eu observava aquilo. Quando foi por volta de umas seis e pouca da tarde, a minha bolsa rompeu. Molhou, eu chamei a enfermeira dizendo que tinha alguma coisa errada, e ela falou, "sua bolsa rompeu, está sentindo alguma coisa?", "não, não estou sentindo nada". Quando começaram a vir as contrações, eu comecei a fazer força sozinha, sem avisar, porque cada vez que alguém fazia força, a doutora vinha e fazia exame de toque. Falei, "não estou sentindo nada, não vai me tocar de jeito nenhum" e fiquei na minha (risos). Quando vinha a dor, eu fazia força. Quando as dores aumentaram muito, aí eu chamei. "Você estava sentindo…", "ah, eu estava sentindo um pouquinho de dor", porque na verdade eu sou muito resistente a dor, muito resistente. Para eu me queixar que está doendo muito, é porque realmente o negócio está muito feio, eu sou muito resistente a dor. Para você ter uma ideia, alguns anos atrás eu caí, subi no telhado e caí. Bati o rosto… Eu iria cair de costas e Deus me virou em um espaço mínimo e eu bati o rosto. Eu cortei a sobrancelha, abriu aqui a pala do nariz como dizia minha mãe, abriu o lábio aqui assim, eu tenho até uma cicatriz, então assim, eu deformei o rosto, foi uma pancada horrorosa. Tive que ir para o pronto socorro e levar pontos no rosto. Quando eu cheguei lá, o médico me perguntou, "o que foi isso?", "eu caí", e ele não acreditou, achou que eu tivesse apanhado, porque eu só machuquei o rosto. Eu tive que ir ao dentista, porque quebrei um dente, um dos meus dentes quebrou no meio. Foi uma coisa horrorosa, eu achei que meu rosto iria ficar deformado para o resto da vida de tão feia que ficou a situação. Os olhos inchados assim, ficou uma coisa… Então realmente quem olhasse para mim, não dizia que eu tinha simplesmente caído, diria que eu tinha apanhado. Eu perguntei para ele, "doutor, você não vai tirar um raio x do meu rosto?", e ele falou, "não, se você tivesse quebrado alguma coisa, não estava aguentando de dor", falei, "você não vai me dar nem uma injeção para dor?", aí ele foi e me deu um Voltarem. Chegando em casa, como sou da área da saúde comprei dois remédios que não vou falar o nome aqui para não fazer propaganda, porque o pessoal tem muito esse lance de auto medicação. Comprei duas medicações e tomei durante uma semana, mas a minha cabeça não parava de doer. O meu rosto doía muito depois de um mês, ou um mês e meio. Conclusão, eu tinha trincado esse ossinho aqui, então outra pessoa estaria gritando desesperadamente, porque estava com o osso do rosto trincado e eu não estava sentindo. Estava doendo, mas não era aquela coisa alucinante. Então esse lance de mensurar a dor, para mim é muito relativo, eu sou muito resistente a dor, então na hora do parto não foi diferente (risos). Quando eu chamei, o João Vitor já estava coroando, já estava nascendo. Foi aquela correria. Só que o Vitor estava… E aí foi realmente um pouco mais demorado, na hora de ele nascer. Ele coroou para sair, mas travou, porque ele estava com um volta que chamamos de volta de cervical. Ele estava com o cordão umbilical com uma volta dada no pescoço, então ele não saía. E ele era um garoto grande, nasceu com 3,780 quilos. Ele era curtinho, nasceu com 49 centímetros, mas era gordinho, então imagina ele gordinho com uma volta de cervical no pescoço, ele travou. Eu já não tinha mais forças. Então foi rápido para ele coroar, mas para ele sair, eu não conseguia, então a enfermeira teve que praticamente fazer o parto sozinha, teve que subir em mim literalmente e empurrar ele, porque eu já não tinha mais força. O Vitor nasceu, e foi engraçado, porque até aí… Eu não costumo dizer quem eu sou. Eu entrei no hospital, então sou uma mãe que está ali para dar a luz, eu não disse que era da área da saúde e que minha especialização é UTI, neonatal, eu não disse nada. Eu fui lá, "sou mãe e vou dar a luz ao meu filho", só que me entreguei na hora do parto. Quando a doutora disse, "ajuda, porque ele está com uma cervical", eu gritei, "quantas voltas?" (Risos). Porque o risco dele ter uma paralisia cerebral por falta de oxigênio, era muito grande, porque na medida que a criança puxa para sair, o cordão aperta o pescoço e ele pare de respirar. Eu gritei, "quantas voltas?", e ela disse, "calma mãe, é só uma". Obviamente teve que fazer o recorte para ajudar no parto, e enquanto ela me suturava, perguntou assim pra mim, "você trabalha em que área? Trabalha em que setor do hospital? Trabalha aqui?" (risos), eu falei que não, e nem lembro onde eu trabalhava na época. Ela falou, "você se entregou, na sua ficha não consta que você é da área da saúde. Não é comum a gente falar da cervical e a mãe perguntar quantas voltas". Foi bem, fizeram.... Eu fiquei no centro cirúrgico na maca… Teve que se aspirar um pouquinho, claro, porque ele nasceu levemente roxinho e o oxigênio… Na hora ele ficou bem. Enquanto eu esperava para descer, ouvi uma criança chorando e perguntei, "é o meu filho que está chorando?", ela falou, "é" e eu pedi para ela me dar ele, e ela perguntou o porquê e eu respondi, "porque quero dar peito, ele está chorando". Ela trouxe ele para mim, perguntou se eu eu estava e eu disse que estava, virei na maca e o Vitor começou a mamar no centro cirúrgico. Durante a gestação, eu engordei muito e meus seios cresceram muito, mas eu não tinha nem colostro, que é aquele leitinho que sai antes. O que mais tem vitamina para o bebê é aquilo. Eu não tinha nem aquilo e estava muito triste, porque falei, "não vou conseguir amamentar" e era louca para amamentar. Falei, "traz ele que vou dar peito, posso tentar?", e ela falou, "pode", me trouxe ele, colocou na maca e o Vitor grudou no peito no centro cirúrgico. Ele começou a sugar em um dos seios e o outro começou a jorrar, foi assim, maravilhoso. Meu ex marido falava, "filha, quem ia imaginar?", porque eu praticamente não tenho seios, sou muito magrinha, ele dizia, "filha, quem diria que você iria ficar parecendo uma vaca leiteira?". Foi bem na época que teve aquele surto de conjuntivite, e o remédio caseiro que tinha para conjuntivite era leite materno, então o povo vivia lá na porta para pegar leite materno (risos). Eu vivia colocando leite nos potinhos para as pessoas levarem para casa. Eu amamentei três crianças em uma época. Eu tenho um sobrinho que é oito meses mais novo que o João Vitor, o Edgar, que é filho da Marília, a Vanda. Ela teve um problema e precisou tomar antibiótico, então não podia amamentar. Eu tinha leite que o João Vitor não dava conta de tomar, e falei, "me dá aqui o Edgar" e ele mamou. Três não, quatro. Tem o filho da Cláudia, me lembrei agora. Era uma amiga, afilhada da minha mãe. Um dia a Cláudia saiu de casa, o neném estava com a avó desesperado, não queria pegar na mamadeira de jeito nenhum, e ela levou lá em casa, "Joana, toma, dá peito". E a Cláudia branca, branca, branca. Perguntei, "ela não vai se incomodar? Porque nem toda mãe gosta disso", e ela disse, "não, eu conheço, pode dar". Então eu amamentei o filho dessa amiga, e ela até fala, "mãe de leite, sua mãe é essa preta aí", sempre brinca com o garoto que tem a idade do Vitor também. O Edgar amamentou mais uma semana. E tem a Bia que é uma menina lá da rua. A mãe dela não queria amamentar, ela ficava lá em casa de vez em quando e eu acabei amamentando a Bia também durante algum tempo. Quando a mãe decidiu que não iria mais deixar, a menina ficou doente, foi para o hospital, ninguém conseguia descobrir o que ela tinha, e a tia chegou e falou para o médico, "eu sei o que é, ela mamava na vizinha e a mãe não levou mais", o médico falou, "então você leva ela para casa, coloca a menina para ser amamentada e se não melhorar, você traz que a gente vai internar para descobrir o que é". A menina foi para casa, veio para o peito e sarou. Eu desmamei a menina, mas levou uns 15 dias para poder desmamar. Eu tinha muito leite e adorava amamentar. O Vitor mamou até dois anos e oito meses. Era uma coisa engraçada, porque quando quis tirar ele do peito… Porque assim, ele sempre foi bom de garfo, sempre almoçou e jantou, mas peito para ele era sobremesa. Se eu saísse com o Vitor para algum lugar com a Vitória, eu tinha que levar um dinheiro para comprar nem que fosse um prato feito, porque ele tinha que comer arroz e feijão. Às vezes eu estava sem dinheiro nenhum, mas separava algum para comprar pelo menos um prato feito, porque precisava dar almoço para ele quando desse o horário. Era assim, terminou de almoçar, tinha que vir para o peito, que era a sobremesa. Para desmamar o Vitor, eu falei, "e agora?", porque quando ele queria peito, era em qualquer lugar e eu sempre fui muito reservada com essa exposição do meu corpo. Por mais que eu gostasse de amamentar, eu sempre tive aquilo de cobrir os seios e de não mostrar a barriga durante a gestação. Até hoje as roupas que eu uso nunca mostram partes do corpo. Eu sou meio reservada nesse sentido. Eu achava meio… Falei, "bom, vamos tirar". Para tirar ele do peito durante o dia, como ele sempre foi muito inteligente, eu falava, "você só vai mamar quando estiver escuro, tá bom assim?". Então era, "mãe, tetê", "vai olhar lá fora", ele ia lá fora, voltava e eu perguntava, "e aí?", "não tá escuro" com a carinha triste. Toda vez que ele vinha eu dizia a mesma coisa. Quando ele ia lá fora e estava escuro, ele voltava alucinado correndo, "mãe, tá escuro, tá escuro" (risos), que era para poder mamar. Ele mamou até dois anos e oito meses, mamou bastante.
P/1 – E que idade a Vitória tinha quando ele nasceu?
R – Bom, ele tem… Deixa eu ver. A Vitória tem 35 e ele tem 18, então… Alguém faz a conta rápido aí.
P/1 – E desde quando que você criou o aplicativo para ela se comunicar? Como foi a criação desse aplicativo?
R – Nós estávamos no Cedesp, onde o coordenador era o Daniel. Quando saiu o edital do Vai Tec, ele trouxe isso. O Cedesp era… Infelizmente fechou esse espaço que nós tínhamos na comunidade. Era um espaço onde se incentivava o âmbito cultural mesmo. Quando saiu o edital para abrir as inscrições para os projetos, ele incentivou que os alunos das turmas escrevessem projetos. Até aí, eu nunca tinha escrito um projeto. Nos juntamos, fomos para uma roda de conversa para ter ideias… A Vitória tinha… Na verdade ela tem uma prancha de comunicação feita há anos. Quando ela quer dizer alguma coisa, aponta as figuras e você junta a frase, então por exemplo, "eu, quero, ir e banheiro". Essa é a prancha de comunicação. A ideia foi de passar aquilo para algo eletrônico, então beleza. Assim, eu falo muito de tecnologia, mas não entendo absolutamente nada, estou apanhando feito uma louca agora com essa história de ser tudo online, estou alucinada, estou ficando doidinha. Aperto o botão errado, caio, é uma loucura, sou péssima para isso. Mas tem o Gilmar que entende muito disso, o trabalho dele é com isso, então… O Gilmar Cintra. O Daniel que fazia parte, era coordenador do Cedesp e é um cara que também faz trabalho social, então é também um cara muito ligado a trabalhos sociais dentro das comunidades. E também a Silmara, que fazia parte do Cedesp, uma das alunas, e era muito ligada à Vitória. Juntamos esse grupo de pessoas e fomos escrever o projeto Vitória. Nós fomos transformar a prancha que era física em virtual. Eu até ia trazer uma foto de um almoço em que estávamos em casa e estávamos brindando o que tínhamos encerrado do projeto Vitória e já íamos encaminhar. Foi criado, foi feito o teste, veio o pessoal do Vai Tec lá em casa para fazer o teste, onde foi financiado… Fizemos o projeto e mandamos para o Vai Tec. Nós fomos selecionados em quarto lugar com o projeto, então recebemos uma verba de R$26.000,00 reais para fazer acontecer. Fizemos, conseguimos… Na verdade o Gilmar e o Daniel que eram os T.Is da situação conseguiram fazer isso acontecer. No primeiro teste, que foi gravado pelo pessoal do Vai Tec, eles vieram para participar. Quando a Vi tocou no ícone e ele falou, foi uma emoção tão grande, que choramos tanto eu, quanto a Vitória, porque ali eu vi que estava a um passo da independência dela, que estava a um passo de não ficar tão dependente da minha pessoa, dela querer se expressar e eu ter que estar junto. Isso já foi assim, muito emocionante, muito emocionante. Nós fizemos o lançamento do projeto Vitória na Casa de Cultura da Brasilândia. O pessoal da Vai Tec veio, veio a Daiane fazer a parte dela no lançamento onde nós falamos do projeto. Nesse dia nós colocamos exposições de telas dela nesse espaço, tinha um buffet… Foi uma coisa maravilhosa. Tínhamos convidados, a galera do Cedesp veio para a inauguração, tivemos apresentação musical da Jessica… Foi um evento. Foi uma coisa muito linda! E ela usa esse aplicativo. Ela estudou na escola São Francisco, e lá eles só têm até a quarta série. Quando ela saiu da escola, eu não consegui encaixá-la em outra. Eu tentei em várias escolas públicas, de me prontificar a ficar na sala de aula para auxiliar e para eu tomar conta dela, para eu fazer as anotações e ajudá-la, e mesmo assim eu não consegui. Tinha uma professora, e inclusive eu não lembro o nome dela e seria importante dizer aqui. Ela se prontificou a deixar a Vitória na sala de aula por uma semana. E nessa semana em que fiquei na escola com a Vitória assistindo essas aulas, as únicas pessoas que se aproximaram da Vitória foram os alunos da sala, com muita curiosidade, queriam ajudar, queriam empurrar a cadeira de rodas, e uma menina da limpeza da escola. Os outros professores, o pessoal da secretaria e a direção da escola, nunca chegaram perto, nunca vieram me questionar. Vieram questionar sim a professora do porquê da menina estar na sala de aula. E aí, não consegui dar continuidade aos estudos da Vi. Ela lê alguma coisa e escreve. Hoje ela escreve muito melhor. Estávamos até conversando sobre isso na semana passada, porque ela usa o aplicativo para aprender a escrever a palavra. Ela clica, ouve qual é a palavra, e aí copiou a palavra. Ela aprendeu a escrever muitas palavras por conta do aplicativo. Ela clica, tem o som… Por exemplo "por favor", então agora ela sabe a maneira que se escreve "por favor" e consegue escrever isso no tablet dela em mensagens no Whatsapp, postagens no Facebook… Porque ela tem essas redes sociais e ela mesma posta. Ela faz montagens de vídeos com fotos dela, faz alteração em fotos… Tudo isso ela mesma faz no tablet. O aplicativo não só deu a ela o empoderamento de poder conversar com outras pessoas, como também deu a liberdade dela aprender a escrever muitas palavras, porque antes o que ela fazia? Ela me pedia para escrever a palavra que queria. Ela tem uma pasta no tablet dela onde tem várias palavras. As palavras que ela não sabia escrever, me perguntava como escrevia, porque ela sempre conheceu as letras do alfabeto. De onde eu estava, soletrava a palavra e ela escrevia. Hoje ela quase não me pede isso, porque vai lá no aplicativo e vê qual palavra ela quer.
P/1 – Você lembra qual foi a primeira coisa que ela falou quando ficou pronto o aplicativo? Ou alguma coisa importante que ela conseguiu comunicar através do aplicativo.
R – No dia em que nós fizemos o teste do aplicativo, a frase que ela disse foi, "sou feliz", então… A gente percebe isso, porque a Vi está sempre sorrindo. Claro, que como qualquer ser humano ela tem seus repentes, porque não é fácil uma pessoa com a mente de um adulto, ter um corpo de criança, onde se você não colocar um gole de água na boca, fica com sede. Obviamente têm dias em que ela está… Eu falo para ela, "hoje você está insuportável" (risos), porque têm dias que ela está assim, com os nervos a flor da pele. Isso é muito compreensível, só que assim, eu não deixo que… Eu sei da dificuldade, entendo, mas não faço com que ela me desrespeite por isso, eu mantenho que ela tem que me respeitar, mas têm dias em que é muito difícil. Tem dia que eu falo para ela, "ah, não quero conversar com você hoje", então eu vou para perto para cuidar dela, mas não dou trela, porque às vezes preciso dar um choque nela, porque a Vitória é muito exigente, amiga. Não pense vocês que… Se ela cisma que quer uma coisa e você não faz na hora, ela faz pirraça, grita, bate na parede. Quando ela quer alguma coisa, está no quarto dela e eu não quero fazer, ela bate na parede até ou eu ou o Vitor irmos lá. Ela é uma pessoa de temperamento forte e briga pelo que quer. Então eu procuro ter a maior paciência do mundo, porque eu sei que a dificuldade que é, porque eu que ando, falo, caminho e grito, muitas vezes sou travada, não posso fazer, imagine ela. Eu entendo perfeitamente, então procuro ter muita paciência. Claro, tudo dentro dos limites e para ter respeito, você tem que respeitar. Eu faço com que ela entenda isso. Às vezes ela briga com a galera pelas redes sociais, fica sem falar com alguém porque brigaram pelas redes… Então ela tem uma autonomia muito grande. São pontos emocionantes.
P/1 – E Joana, falando um pouquinho do seu lado de empreendedora, o que você acha que é preciso para a pessoa ser uma empreendedora?
R – Eu acho que falando em empreender, primeiro você tem que ter o conhecimento. Se você tem a vontade, mas não tem o conhecimento, não adianta, porque se você tem o conhecimento, você consegue ter ideias de como se fazer alguma coisa. Ser artesão não adianta se você não consegue fazer o cálculo de por quanto você pode vender uma coisa. Se você não tem o conhecimento, você não se enxerga, e se você não se enxergar como alguém capaz, não adianta. Voltando lá quando a gente estava falando sobre o empoderamento do Mil Mulheres, depois do Mil Mulheres, depois da apresentação e do encerramento do Mil Mulheres, para aumentar esse meu empoderamento de falar por exemplo, eu recebi um convite… Porque eu fui e nós temos a Rádio Cantareira na comunidade, onde a Jussara é presidente. E nós temos a Simone que tem um programa de rádio, o Manas e Manhãs. Eu fui falar no Manas e Manhãs sobre o projeto Mil Mulheres, sobre a apresentação, e resumindo toda a história, eu recebi o convite para participar desse programa da rádio ao vivo. A intenção antes da pandemia seria de que eu tivesse o meu próprio programa. Eu digo, o que é possível para se empreender é o conhecimento, porque assim, se eu não tivesse conhecimento, eu não teria o empoderamento de me sentir capaz de ter um programa de rádio. Se eu não tivesse conhecimento, eu não me sentiria empoderada para ir lá falar com pessoas e mostrar para as meninas lá dentro da penitenciária feminina que elas também são capazes. E precisa ter dinheiro para isso? Nem sempre. Academicamente falando, para você conseguir uma bolsa é tão difícil a situação hoje e são tantas exigências. Para a galera mais jovem, tem ENEM, mas por exemplo, eu não tenho como prestar o ENEM, são coisas completamente… Há muito tempo eu fiz o ensino médio. Tem que fazer uma questão preparatória… Então assim, é fácil? Claro que não. É possível? Sim, é possível. Então eu acho que quando você tem o conhecimento e as orientações corretas, é daí que você começa a empreender, porque você não vai apenas empreender no que você tem apenas a ganhar financeiramente, você empreende em você mesma.
P/1 – Que características a pessoa precisa ter além do conhecimento?
R – Eu acho que a característica de… Primeiro de ser sincero. Eu acho que em qualquer coisa que você faça na vida, tudo que se começa com mentiras, é como se você criasse um castelo de cartas, que qualquer ventania consegue te derrubar. Quando você tem a característica da sinceridade, e principalmente a da honestidade, acho que são características fortíssimas para que você consiga se dar bem em qualquer coisa que você faça, porque se você é a mesma pessoa em qualquer lugar que você esteja… Tudo bem que o ser humano usa máscaras. Não a máscara da contra contaminação, mas a máscara visível que você coloca, principalmente quando você faz aquilo que não gosta. Quando você está por exemplo dentro de uma profissão e faz algo que não gosta, você tem que pôr uma máscara de alguém que está satisfeito no seu trabalho. Porque quando você faz algo que gosta, você pode ser você mesmo. Você não precisa ser algo ou alguém que você não é para mostrar para as pessoas em volta que você é capaz de fazer aquilo. Quando você faz aquilo que você gosta, normalmente você é sincero, transparente.
P/1 – Qual o momento mais marcante para você da sua trajetória de mulher empreendedora?
R – Um dos, né? (Risos). Falar um é meio desumano (risos), é meio desumano falar um dos momentos marcantes dessa minha trajetória de empreendedorismo. Um deles, nossa… Um que foi muito marcante, foi realmente no dia da apresentação do _______[02:08:04] do Mil Mulheres. Eu acho que aquele dia foi um dos mais importantes, porque depois… Como eu disse, antes foi aquela coisa toda e eu achei que não iria conseguir, durante foi uma experiência impossível de narrar, e depois o que as pessoas me disseram… Por exemplo, a Luíza Brunet estava lá e eu fui até o banheiro, porque meu joelho batia no outro. Eu estava lavando as mãos e passando uma água no rosto, porque estava muito nervosa, e quem abre a porta do banheiro? Luíza Brunet. Ela virou para mim e fez, "Joana Darc o seu nome, não é?", eu falei, "isso", e ela virou para mim e falou, "parabéns, você falou muito bem". Então assim, as minhas pernas pararam de bater (risos), meus joelhos pararam de querer bater palma. E outras pessoas… O Wilson que estava lá e também me ajudou nessa aceleração e foi muito importante também nesse projeto, nessa trajetória. A fala de algumas pessoas depois dessa apresentação foram muito marcantes, porque quando uma pessoa de importância… A Luíza Brunet é uma das embaixadoras, então quando ela lembra o seu nome e faz um comentário do que você falou há dez minutos… Por exemplo, se fosse agora, eu acabei de falar, mas não, tinha uns dez minutos que eu tinha feito a apresentação. Tinha tido uma outra antes. Isso para mim foi um momento marcante, e dentro do projeto Mil Mulheres, teve alguns feedbacks do grupo que a gente montou. Foi muito marcante, porque os feedbacks tinham os pontos positivos e os pontos negativos e eu fiquei muito feliz com os que eu recebi, me ajudaram muito. Isso antes da apresentação. Isso ajudou muito na trajetória pós aceleração.
P/1 – Como que você está passando essa época agora da pandemia? Mudou muito a sua vida? Como que está sendo esse momento? Como era antes e o que mudou?
R – Olha, o que mudou na minha vida nessa fase de pandemia… Eu tinha uma vida muito ativa. Por exemplo, em janeiro nós fizemos o curso da PUC, Espiritualidade na cidade, que é um curso de verão, muito bom. Foram 15 dias em que eu e a Vitória fomos até lá e fizemos esse curso juntas. Excelente o curso. Nós temos uma vida bem agitada, a gente não para em casa, porque nós fazemos uma performance dançante eu e a Vitória. Essa performance se iniciou em uma homenagem na primeira formatura do Cedesp. Era aquela galera muito carinhosa e afetiva e nós decidimos fazer uma brincadeira em homenagem aos funcionários do Cedesp, então nós montamos uma coreografia com a Vitória na cadeira de rodas, onde nós fazíamos movimentos bem parecidos com os braços. Eu jogava a cadeira para lá e para cá, essa foi a primeira que nós fizemos. Depois, eu percebi que era uma maneira que eu tinha de fazer a Vi se movimentar. "Bom, então se ela movimenta os braços, por que não movimentar o corpo todo?". Então nós mudamos a performance, e ao invés de ser com a Vitória na cadeira de rodas, nós fazemos com ela no chão. O que mudou com a pandemia é que nós fazemos apresentações onde nos convidam. Eventos da igreja, festa da primavera, ações sociais, aniversários… Onde nos convidam, nós vamos fazer apresentações. Inclusive eu cheguei a mandar para vocês o vídeo da apresentação que fizemos no Teatro Tuca, no curso de verão. Aquele foi um dos dias mais emocionantes, porque a gente está acostumada a dançar com as pessoas nos olhando sim, mas as pessoas do bairro, com aquele grupo pequeno, com a rua fechada, os tatames no chão e a gente dança para as pessoas em volta. No aniversário… Outro dia o vizinho fez nove anos e foi lá no portão, o filho do André, o Braian, e falou assim para mim, "você vai no meu aniversário?", eu falei, "vou", "você vai levar a Vitória?", "vou", "você vai me dar presente?" (risos), "ah, meu anjo, eu não tenho dinheiro", "posso pedir meu presente?", falei, "pode, se eu puder… Eu só não posso te dar agora, mas posso te dar depois", e ele falou, "não, você pode sim. Dança para mim no meu aniversário? Você e a Vitória" (risos), e eu falei, "vamos fazer assim, por mim tudo bem, mas eu vou conversar com a sua mãe, porque seria no salão, mas a gente teria que tirar as mesas do meio do caminho, montar os tatames, não deixar as crianças pisarem… Teria todo um trabalho para gente poder se apresentar". Fui até lá, conversei com a mãe e com o pai e ela perguntou se me incomodava, eu disse "não, se você me ajudar a organizar lá na hora, por nós tudo bem". Falei com a Vitória e ela também topou. Então assim, nós fazíamos isso. No início do ano fizemos alguns contatos e agora nesse período de pandemia, nós íamos nos apresentar em uma casa de repouso. Assim, nós iríamos começar a ter algum rendimento financeiro com isso. Algumas pessoas já estavam nos convidando. Seria uma ajuda de custo, não um valor fechado, para fazer essas apresentações. Nós já tínhamos tido o convite de uma casa de repouso que o nome não lembro agora, mas é lá para o lado da Vila Lobos. O dia já estava agendado. E a gente recebeu o convite de um frei para a gente também se apresentar no mosteiro. Com a pandemia, parou tudo, nós não fazemos mais apresentação em lugar nenhum, então para mim, além da questão de não poder ter a conversa com as pessoas.... E outra, eu sou muito beijoqueira, adoro abraçar e beijar o povo. Então vamos começar assim, eu já não posso mais abraçar e beijar ninguém. E outro ponto é que a Vitória principalmente não pode sair de casa. Ela tem espasmos, então eu tenho medo que ela toque em alguma coisa e que eu não perceba, e as pessoas… Brasileiro é muito afetivo, gosta de abraçar, beijar e as pessoas gostam de fazer carinho nela, porque ela tem carinha de menina. Ela tem 35 anos, mas tem carinha de 15 ou 16. E ela gosta muito de mudar o cabelo. Eu tive que aprender a fazer tranças de lã, colocar cabelo, porque não tenho dinheiro para pagar para fazer, então eu mesma tive que aprender a fazer. Em cada época ela está com um cabelo diferente, com tranças diferentes, com cores de lãs diferentes. Coloca cabelo preto, pinta o cabelo de vermelho… Então ela é meio camaleão. Ela está em casa e para ela isso afetou tanto, que ela nem quer arrumar o cabelo. Ela está sempre de cabelo amarradinho para trás, não quer mais os cachinhos dela… A pandemia nos afetou no ponto de não termos mais esse contato com as pessoas principalmente no que a gente gosta muito, que é nessa performance e que as pessoas vejam o que ela é capaz de fazer. Sozinha? Não. Eu faria a performance sozinha também? Não. Nós precisamos uma da outra para a performance e para fazermos sermos vistas, as duas juntas.
P/1 – E o que você acha dessa proposta das mulheres empreendedoras da zona norte contarem suas histórias e preservarem esse projeto de memória?
R – Eu acho perfeito…
P/1 – A minha pergunta não entra. Você precisa incluir na sua resposta.
R – Eu acho que esse fato de que as mulheres possam contar a sua história… Primeiro que assim, vai ficar para a eternidade. E segundo, porque no âmbito em que a gente vive, as pessoas a nossa volta conhecem, mas isso pode ser ampliado, servir de exemplo e de forma de conhecimento para outras pessoas, para outras mulheres. Talvez ali na região onde elas estão e entre o convívio delas, não tenha ninguém para dar essa orientação. E ela vendo isso, de alguma forma, daqui a sei lá, dois meses pós pandemia, "bom, se na pandemia alguém conseguiu fazer isso, agora não dá mais, mas a gente pode utilizar a ideia para fazer alguma coisa". Normalmente as pessoas que estão a minha volta… Eu até falei para as meninas, "ai, eu fui convidada pelo Museu da Pessoa, gente, agora todo mundo vai saber da minha vida". Foi engraçado, porque me falaram assim, "mas Joana, todo mundo sabe da sua vida" (risos), e eu falei, "pior que é". E respondendo isso, a resposta que eu dei para ela foi, "não, agora isso vai ser ampliado, agora muito mais pessoas vão saber da minha vida, vão conhecer minha história", então eu acho que isso é muito importante para que as pessoas que acham que não são capazes, sim, são.
P/1 – E o que a zona norte representa na sua vida?
R – A zona norte representa na minha vida a minha existência, porque eu sempre vivi na zona norte. Para mim, que a zona norte evolua e se empodere… Não apenas as mulheres, mas os deficientes, os homens, e principalmente os jovens, porque são o futuro de amanhã. Eles serão os adultos de amanhã. Se residem na zona norte, ao invés de pensar, "vou crescer e vou para a zona sei lá", não, "vou permanecer na zona norte e vou mudar a característica da periferia". Eu nunca tive a intenção… Assim, eu até tenho a intenção de sair do território da Brasilândia, mas para ir para o interior, para ir para um lugar completamente diferente. No âmbito assim… Se eu tiver que ficar aqui para o resto da vida, sem problema nenhum, porque eu acho que você faz o local que você mora ser melhor ou pior. Com a convivência, com adaptações, com auxílios, com melhoras… Eu acho que você faz o seu âmbito.
P/1 – E Joana, tem alguma história de toda a trajetória da sua vida que você não tenha contado aqui e tenha vontade de contar?
R – Alguma parte da minha vida que eu não tenha contado… Acho que já falei tudo que aconteceu (risos). Olha, uma coisa emocionante agora, no ano passado, é que nós conseguimos reunir todos os irmãos e o meu pai. Foi muito legal, porque fazia tempo que a gente não fazia isso de lembrar alguma brincadeira idiota de quando se era pequeno, dos meninos dizerem que eu era braba e vivia dando cascudo na cabeça deles (risos). Eu sou a mais velha, né? Então sempre fui meio… Porque eu sou aquela irmã meio que mãezona, sabe? Se eu pudesse, faria de tudo para protegê-los. Obviamente que hoje assim… Eu era muito mais presente quando eu podia fazer isso, estou dizendo isso até no poder aquisitivo mesmo, porque eu sempre gostei de reunir a família. Eu sempre gostei de marcar festa junina em casa com comidas típicas de junho. Mesmo que não tenha fogueira, fazer as comidas típicas e trazer os sobrinhos. Comprar uma árvore e Natal de dois metros e chamar os sobtinhos para ajudarem a decorar… Assim, eu sempte gostei disso. Ano passado eu consegui reunir os filhos e a maioria dos sobrinhos na casa de um dos meus irmãos, e meu pai também foi para lá. Foi uma coisa bem legal. São momentos que eu acho… A família é muito importante, porque é de onde vem a sua estrutura de vida. Eu acho que quando você passa a ver a vida de uma forma carinhosa de como ajudar e cuidar, você tem que ter esse exemplo. Esse carinho, esse amor ao próximo, você tem que ter dentro do seu lar, e a minha mãe foi muito isso. A minha mãe foi muito de ajudar. Eu lembro que quando era pequena, eu tinha uma tia… Eu tenho, né? Não faleceu ainda. Não, acho que ela faleceu, meu tio é que não. Ela tinha muitos… Acho que meu tio tinha dez filhos. Minha tia teve um problema de saúde, meu tio era peão de obra, e passava a semana inteira na obra, e os filhos deles moraram meses com a gente enquanto a mãe deles estava em tratamento. Esse ato de cuidar, é um ato que a gente sempre teve. A minha avó teve 24 filhos, a mãe da minha mãe, minha avó materna. Dessas 24 gestações, se criaram 16, mas no final das contas, ela e meu avô criaram mais de 30 filhos. Filhos adotivos… E minha mãe veio trazendo isso, a casa estava sempre com sobrinhos… E eu não fico atrás (risos), entendeu? Vou seguindo essa linhagem, porque teve uma época por exemplo em que a minha irmã ficou doente, a Vanda, e as crianças dela vieram morar comigo. Ela tinha quatro filhos. Na verdade ela tinha cinco, mas o Eric já morava comigo. Então eu tinha a Vitória, Viviane, Eric que é meu sobrinho que estava morando comigo e o João Vitor, quatro. A minha irmã teve um problema e as crianças tiveram que sair de perto dela, só que ela tinha mais três. A menina ficou com uma… Com a menina que minha mãe criou, que mora próxima, e os dois menores vieram comigo. Então de uma hora para outra, eu fiquei com seis. Seis crianças dentro de casa. Uma loucura (risos), uma loucura! Depois de, sei lá, uns oito meses que as crianças estavam comigo, ela ficou doente, aí veio também para a minha casa e ficou comigo até se restabelecer. Eu peguei a guarda das crianças, porque assim, eu procuro manter tudo dentro da legalidade para não ter problemas posteriores, porque se você faz corretamente o que tem que fazer, na hora de devolver essas crianças… E outra, para você responder legalmente por uma criança que está com você… Para responder na escola, você precisa de um termo legal, se não fica muito aleatório, a criança pode não se sentir psicologicamente protegida. "Ah, não tem quem tome conta", sabe? É uma coisa que eu acho que pode lá na frente, quando se é adulto e se para pra pensar, se tem uma visão diferente. Eu penso muito no que você vai ter de lembrança amanhã do que você passou hoje. Foi uma coisa boa? Em que essa lembrança pode te ajudar? As crianças ficaram comigo, ela ficou doente e ficou bem, mas ficou fisicamente falando mais afetada que a Vitória, ela ficou muito, muito doente. Mas graças a Deus depois de um tempo ficou bem e voltou para a casa dela. As crianças ficaram algum tempo comigo ainda e depois voltaram para ela novamente. Hoje moram todos com ela, os meninos já trabalham…
P/1 – O que foi que ela teve?
R – Então, a Vanda tem… Ela tem ou tinha, não consigo classificar. Hoje ela tem bem menos, mas ela tinha um problema com bebidas. E esse problema com bebidas, gastou a tiamina do corpo dela. Tanto que hoje ela anda com muita dificuldade. Muita não, ela anda com dificuldade. Ela anda arrastando um pouco a perna, mas anda. Ela ficou bem debilitada, bem debilitada mesmo. Hoje ela tem a vida dela, os filhos moram com ela, então ela tem… O Eric por exemplo, que foi o que morou comigo durante muitos anos, está conseguindo a sua casa e tem a sua profissão. Nisso eu estou contando a parte bonita da história, porque tiveram muitos arranca rabos e muitas brigas no decorrer disso, é que não vamos lavar roupa suja, que não há necessidade (risos). Mas houve obviamente muitos questionamentos e muitas questões para se chegar nisso. Porém o importante é que estão bem hoje, se estabilizaram. São jovens ainda, o Eric está com acho que 22 ou 23 anos, a outra está com 20… Mas o importante é que tiram-se coisas boas de um passado que foi pesado, com algumas perdas e alguns desgastes, vamos pôr assim. Acho que eles estão bem agora, graças a Deus.
P/1 – E Joana, para finalizar, qual é o seu sonho?
R – Qual o meu sonho… Nossa (risos), são.... Eu acho que o que contemplaria todos os pequenos em volta de um só, é continuar sendo feliz. Acho que ser feliz é algo que contempla todos os sonhos, porque para se sentir feliz, você tem que estar realizado profissionalmente, tem que fazer aquilo que gosta, você tem que ter ao seu lado pessoas que te façam se sentir bem, porque a felicidade é um contexto de situações a sua volta. Então eu acho que como sonho, quando digo "ser feliz", é em um contexto geral de que a realidade a minha volta complete para que eu seja feliz. Minha felicidade está nisso.
P/1 – E como foi contar a sua história hoje aqui?
R – Olha, eu cheguei aqui meio que nervosa (risos), meio que não sabia muito bem como isso iria rolar. E aí, quando cheguei aqui, a moça disse, "você senta ali"; e eu disse, "ai, meu Deus! E…? Cadê?", e falei assim, "como é que vai ser?", ela falou, "ah não, senta lá, vocês vão conversar pelo vídeo". Mas antes de vir para cá, eu conversei com algumas coisas e falei, "ai gente, estou muito nervosa, não sei se vou conseguir falar", até falei com a Débora do Sebrae e ela falou, "não, vai tranquila, que quando você começar a falar, você deslancha", falei, "okay, sou assim mesmo. Só não posso começar a falar, porque depois que começo, é uma loucura" (risos). Eu até achei que fosse me emocionar muito mais, porque essa semana foi muito delicada. Foram muitas emoções de mexer nas fotos, de procurar, de escolher o que trazer… Foi mexer em emoções que estavam adormecidas, então essa semana foi muito emocionante, porque você acaba lembrando de coisas que no seu consciente você não lembra mais, mas no seu inconsciente, ela está ali vivíssima, e quando você vai ver, ela fica muito mais aguçada. Foi bem emocionante pensar no que falar, em como falar, de quem falar, então assim, foi muito bom, muito bom (risos).
P/1 – Tá bom. Queria te agradecer muito, muito obrigada por dividir com a gente.
R – Eu agradeço o convite, por me deixar fazer parte da história de vocês, porque assim, é algo muito importante, porque daqui a dez anos, o meu neto vai estar com treze. Se eu não estiver aqui, ele pode mostrar para as pessoas quem foi a avó dele. E a Vitória pode mostrar depois, "minha mãe não está aqui, mas olha o que ela conseguiu fazer, então assim, você também pode", eu acho isso importante. Eu que agradeço o convite e parabenizo vocês pelo trabalho. Foi muito, muito bom e estou muito agradecida. Muito obrigada!
P/1 – Tchau, obrigada.
P/2 – Lila, você vai falar com ela das fotos?
P/1 – Eu vou falar com ela depois. Depois eu vou te ligar, vou vendo as fotos que foram escaneadas e a gente vai falando. Vou anotar algumas coisas sobre as fotos. Tá bom?
R – Tá bom.
P/2 – Foi um prazer te conhecer, viu Joana? Eu amei a sua história. Fiquei aqui ouvindo tudo e achei incrível. Muitas passagens muito interessantes.
P/1 – Muito inspiradora, né?
P/2 – Inspiradora demais.
P/1 – Incrível. É uma abertura para doar, para se doar para a vida. É incrível.
R – Mas de vez em quando têm umas confusões aí, entendeu? De vez em quando eu fico brava (risos). De vez em quando têm uns arranca rabos nessa história toda (risos), porque afinal de contas somos seres humanos, porque a gente tenta, tenta, mas se de uma forma não vai, a gente tenta fazer de outra, nem que seja no grito ou na pancada. Eu sempre digo em casa… Às vezes a Vitória quer alguma coisa e grita, e eu digo, "olha, comigo ninguém ganha nada no grito, ou você me convence do que você quer… Porque se gritar é pior, é pior" (risos). OK meninas, obrigada pela oportunidade.
P/1 – Obrigada.
P/2 – Obrigada a você. Tchau, tchau.
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