Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Priscila da Silva Alves
Entrevistada por Julia Wagner Pereira
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MEC_HV038
Transcrito por Liliane Custódio / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Teresa de Carval...Continuar leitura
Projeto Mulheres Empreendedoras Chevron
Depoimento de Priscila da Silva Alves
Entrevistada por Julia Wagner Pereira
Rio de Janeiro, 24 de maio de 2012
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MEC_HV038
Transcrito por Liliane Custódio / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Podia dizer para a gente o seu nome, o local e a data de nascimento?
R – Bom, meu nome é Priscila da Silva Alves e eu nasci no dia 21 de janeiro de 1987 no hospital chamado Herculano Pinheiro, em Madureira.
P/1 – E os seus pais? E o nome dos seus pais?
R – O nome da minha mãe é Rosângela Moreira da Silva e do meu pai é Jorge Luís Barbosa.
P/1 – Eles são do Rio de Janeiro?
R – São. Não, minha mãe é do Espírito Santo. O meu pai que é daqui do Rio de Janeiro.
P/1 – E sua mãe conheceu seu pai no Espírito Santo ou aqui no Rio Janeiro?
R – Não, aqui no Rio, que ela veio morar aqui ela tinha uns 14 anos.
P/1 – E seu pai é do Rio?
R – Isso. É do Rio.
P/1 – E qual a ocupação dos seus pais? O que eles fazem?
R – Olha, minha mãe no momento trabalha em casa, que ela toma conta de crianças. E o meu pai trabalha no hospital, ele é do setor da área de serviços gerais, aí ele trabalha no hospital. Ele é o... Como eu posso dizer? Tipo um supervisor.
P/1 – Mas antes de a sua mãe tomar conta de crianças, ela...
R – Ela era recepcionista num hotel.
P/1 – E como você descreveria seu pai e sua mãe?
R – Ah, o meu pai, na verdade eu não tenho muito contato com ele, porque assim, depois que minha mãe me teve, ele, tipo, sumiu. Aí aparecia de vez em quando. Ele vinha, trazia alguma coisa, sumia, vinha de novo. Muito pouco assim, muito pouco que eu vejo meu pai, eu acho que já tem uns três anos que eu não o vejo. Agora, a minha mãe, minha mãe é guerreira, é muito guerreira, muito amiga, mesmo com as dificuldades dela agora que ela tá, ela sempre batalhando, sempre procurando...
P/1 – Qual a dificuldade dela?
R – A minha mãe teve um nódulo no pé, então ela não pode trabalhar em pé, entendeu? Ela não consegue ficar muito em pé, ela anda de muletas agora. Para ela poder sair daqui para ir para algum lugar, para qualquer lugar que ela for, ela tem que ir de muletas. Dentro de casa até ela anda com uma, mas assim, na rua, para ir à minha avó, sempre assim com duas, sempre assim.
P/1 – Você é filha única?
R – Sou. Da minha mãe sou. Do meu pai não.
P/1 – Seu pai teve outros casamentos antes?
R – Digamos que não eram bem uns casamentos, foram filhos assim, sem ser casado mesmo.
P/1 – Quantos filhos? Quantos irmãos você tem por parte de pai?
R – Bom, comigo somos cinco. Eu sou a mais velha.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Sou. Sou a mais velha. Comigo são cinco. Eu sou a mais velha dele.
P/1 – E você falou da sua avó.
R – Da minha avó?
P/1 – É. Da sua mãe para ir à sua avó.
R – É. Minha avó mora perto. Porque assim, eu moro no terceiro andar com a minha mãe e a minha avó mora embaixo. Como tem que descer as escadas, aí ela desce, tem que ser com duas muletas para andar assim. Para ela ir para algum lugar um pouquinho mais longe, só com duas muletas. Dentro de casa não. Dentro de casa ela se arrisca com uma, às vezes ele tenta ir sem nada, mas aí ela consegue um pouquinho, o pé dói, ela para.
P/1 – A sua avó é do Espírito Santo?
R – É. Minha avó é.
P/1 – E seu avô?
R – Também.
P/1 – Também.
R – Isso. Da parte da minha mãe todo mundo é do Espírito Santo, só do meu pai que não.
P/1 – E aí eles vieram há quanto tempo, o seu avô e a sua avó para o Rio?
R – Não. Na verdade eu acho que foi só minha avó que veio sozinha, porque na época que minha avó que veio, o meu avô já tinha falecido. Então já faz bastante tempo. Bastante tempo, porque eu não era nem nascida, eu tenho 25 anos.
P/1 – Então você não conhece seu avô?
R – Não. Não conheço. Por parte de mãe, não.
P/1 – E a sua mãe é filha única?
R – Não. Minha mãe eu acho que tem o quê? Acho que são sete, total. Com ela são sete filhos, total que minha avó teve.
P/1 – E todos no Rio de Janeiro ou no Espírito Santo?
R – Não. Todos no Espírito Santo.
P/1 – Sua mãe é a filha mais nova?
R – Agora você me pegou. Não. Não, minha mãe não era mais nova, não. O mais novo é meu tio, que ele é deficiente, ele não fala e não escuta. Muito pouco o que ele fala. O mais novo é ele.
P/1 – E você tem contato com eles no Espírito Santo?
R – Tenho.
P/1 – Você os visita?
R – Olha, só uma tia minha que mora lá. De vez em quando ela vem para cá, porque a maioria dos filhos dela mora aqui no Rio. Aí ela vem, vem assim em época de festa, Natal, Ano Novo, essas coisas, ela vem para cá. Agora também a gente não vai mais lá, porque depois que a minha bisavó morreu, minha avó preferiu não ir. Mas eu ia muito com ela, para fazer companhia, porque pelo fato de ela ser de idade, eu ia mais com ela. Aí agora ela falou que não quer ir mais, aí a gente não vai lá muito, faz muito tempo já que a gente não vai lá.
P/1 – E o que você achava dessas idas ao Espírito Santo?
R – Ah, legal. Assim, é bem pequenininho, é muito engraçado, porque quando você chega, fica tudo curioso lá: “Ih, da onde? É do Rio? Poxa, que legal, tem que vir mais gente de fora aqui”. É muito engraçado, porque lá é um lugar muito... Mesmo não te conhecendo todo mundo te dá bom dia, todo mundo fala, todo mundo ri, parece que já te conhece há anos, é sempre bom.
P/1 – Qual é a cidade?
R – É Anutiba. É uma bem pequenininha, é muito bonitinha. Tudo muito pequenininho, igrejinha pequena, os locais assim, tudo pequeno, tudo pertinho um do outro, é muito legal.
P/1 – Você ia, fazia as visitas e voltava. Ficava lá um tempo.
R – Eu ficava, mas não era muito tempo, porque como eu estudava, era menor um pouco, aí eu ia rápido. Às vezes eu ia, ficava uns três, quatro dias, só quando eu tinha férias mesmo que eu ia e ficava mais tempo.
P/1 – Aí você passava as férias.
R – É. Passava. Ficava bem mais tempo. Ficava mais tempo lá. Mas era legal, eu gosto de lá, é um lugarzinho bem tranquilo para se ficar. É bom.
P/1 – E você chegou a comentar da morte do seu avô, a sua avó veio depois.
R – Isso.
P/1 – Então esse teria sido o motivo da vinda dela? Qual foi o motivo?
R – Não. Porque também assim, o meu tio mais velho já tava aqui, ele veio. Aí minha mãe também veio. Aí foi vindo todo mundo, ela veio também. Aí veio para cá, preferiu ficar aqui, porque lá também é assim, a cidadezinha é legal, mas é muito difícil de você arranjar um trabalho, um emprego. É mais assim, trabalhar mais no campo, mais na roça mesmo e não ganha tão bem assim. E para ela ficar com sete filhos. Não ia dar muito. Aí eu acho que eles resolveram vir para cá e conseguiram morar... Antes de morar aqui moraram em outro bairro, aí depois que meu tio conseguiu aqui o terreno e foi construindo a casa e tá aqui até hoje.
P/1 – Então seu tio também mora aqui?
R – Mora. Só tem uma tia, uma filha da minha avó que não mora aqui, só uma, os outros são tudo aqui. Tudo assim, igual eu falo, tudo debaixo do teto dela, todo mundo pertinho. Uma é ali na outra rua, os outros quatro são tudo no mesmo lugar, um embaixo, minha mãe mora mais acima, dois moram com ela. Então é tudo pertinho, não tem nada longe, só minha tia mesmo que tá longe.
P/1 – Mas você quando nasceu, não nasceu neste bairro, você nasceu...
R – Quando eu nasci minha mãe morava em Padre Miguel, lá em Padre Miguel. Aí depois ela foi trabalhar em casa de família, que a moça é minha madrinha, aí ela me levou para lá. Depois, quando eu tinha uns oito anos eu vim para cá, aí fiquei de vez, que foi quando minha mãe saiu de lá, que teve alguns problemas, que o marido da moça veio a falecer, ela ficou com uma situação meio ruim e preferiu dispensar a minha mãe, aí foi quando eu vim para cá.
P/1 – E você tem alguma lembrança de Padre Miguel? O que você se lembra de lá?
R – Olha, pior que eu não lembro. Eu não tenho foto nenhuma de lá. Eu já procurei, já perguntei, minha mãe fala que ficou tudo com meu pai. Mas eu não tenho. A única coisa que eu lembro é de uma vez de eu ter ido numa festa na casa do meu pai, só isso. Eu me lembro de estar no local assim da festa, mas nada mais.
P/1 – Amigas.
R – De nada. De nada.
P/1 – Brincadeira de rua.
R – Não.
P/1 – Escola você chegou a frequentar lá em Padre Miguel?
R – Não. Eu vim estudar aqui, porque mesmo eu morando lá, a minha avó veio para cá, aí eu estudava aqui, eu comecei a estudar aqui numa escolinha que tinha aqui mesmo.
P/1 – Ah, então os seus amigos...
R – Eram daqui. São todos daqui.
P/1 – Desde pequena?
R – Isso. Desde pequena.
P/1 – E em relação a essas amizades, o que vocês faziam, como eram as brincadeiras, onde vocês iam?
R – Ah, a gente brincava muito aqui na rua. Porque antes de aqui ser a Igreja Universal, esse terreno sempre foi grande, aí morava um senhor e lá atrás tinha muito desses discos de vinil, mas era tudo pequenininho e tinha uma árvore imensa aqui na frente. A gente ficava brincando e ia correndo atrás, pegava disco, ficava tacando disco, ficava brincando assim, no meio da rua até tarde. A gente ficava brincando muito. Era de, sei lá, bandeirinha, de pique-pega, várias brincadeiras assim a gente brincava. Porque antes de ser a Universal era assim, aí depois que o senhor... Não sei. Não sei nem o que aconteceu com ele, eu sei que ele foi embora, aí a Universal comprou, aí acabou tudo, que era bem grande aqui, mas era bem legal. Brincar assim, às vezes eu sinto falta. Aí com as crianças lá em casa eu falo: “Vamos brincar”. Eles ficam tudo olhando para minha cara, eu falo assim: “Ah, não dá para brincar com vocês, não, vocês não sabem”. Mas é legal, eu sinto muito falta da minha infância.
P/1 – E da escola?
R – Também. Às vezes eu sento ali com as meninas, eu falo assim: “Ai, me deu uma vontade de comer comida da escola agora”. A comida da escola é muito boa.
P/1 – É?
R – Ah, eu gosto.
P/1 – O que é?
R – Eu falo que eu mais gostava... As meninas falavam assim: “Eu gostava de comer quando era macarrão com ovo cozido e feijão”. Eu falei assim: “Ah, eu não gostava disso, não”. Quando era assim eu não gostava, não. Eu gostava quando tinha era outras coisas, quando era peixe, quando era frango era melhor, agora ovo. Aí elas ficavam rindo: “Mas eu gosto”. Eu falei assim: “Eu também gosto, mas na escola eu não queria comer isso, não”. Mas era bom, eu sinto falta. Às vezes eu tenho contato ainda com algumas pessoas que estudaram comigo, a gente marca, sai, conversa. Às vezes eu dou uma de doida, vou à escola para ver se eu acho algum professor que eu estudei, aí chego: “Lembra-se de mim?” “Lembro”. Aí fico conversando. Às vezes vou visitar a escola que eu já estudei.
P/1 – E é aqui perto?
R – Não. É uma em Padre Miguel e a outra era no Jardim Bangu. Assim, não é muito perto. Dá para ir, mas não é muito perto.
P/1 – E como você ia?
R – Eu ia de ônibus.
P/1 – Sozinha?
R – Sozinha. Sozinha. Eu ia de ônibus. Assim, sozinha, sozinha assim, sem mãe, porque ia muita gente, todo mundo se encontrava e ia todo mundo para escola. De ônibus, era aquela bagunça toda dentro do ônibus, mas era legal.
P/1 – Aí você terminou a escola na mesma escola. Terminou o período escolar na mesma escola. Ou você mudou?
R – Não. Eu fique até a oitava série em uma, que foi no Padre Miguel, e depois eu fiz o ginásio, que eles falam, em outra, que é no Jardim Bangu, que eu fiz foi lá. Aí terminei lá, depois eu já fui lá, depois que eu saí de lá, eu já fui lá algumas vezes para poder ver assim, ver alguém, se eu acho alguém, ver até pessoas que estudaram comigo, ou não, que eram de séries abaixo à minha que acaba fazendo amizade, entendeu? Para poder ver. Eu gosto de ir à escola.
P/1 – E o que você vê de diferente quando você vai?
R – Ah, muita coisa. Muita coisa. Quando eu vejo, quando eu passo em frente a minha antiga escola eu falo: “Quando eu estudava não era assim”. Mudou muita coisa. Mudou assim, coisas pequenas, mudou portão, mudou o muro, tem vários desenhos, na outra que eu fiz o ginásio tem câmera, tem catraca, tem que entrar com cartãozinho, mudou muita coisa nas escolas. Falo: “Nossa, quando eu estudava aqui não era assim não”. Agora mudou muito, mudou muita coisa.
P/1 – E teve algum professor que te marcou em uma dessas escolas? Algum fato que você se lembre delas, ou dentro das escolas?
R – Ah, tem. Tinha um professor meu de quando eu fazia assim, quinta série, não tinha como eu esquecer, porque ele sempre... Ele era gordinho e ia sempre com uma gravata de bichinho, toda vez. Ele gostava muito do Garfield, aí a gente falava assim: “Chegou o Garfield”. Ele ficava todo assim... Eu falava: “Caramba! Que gravata feia é essa?”. Ele: “Eu gosto. Eu gosto” “Mas de bichinho? Você não tem mais idade para isso”. Porque ele sempre conversou com a gente. Ele era assim, professor, mas ele sempre deu liberdade de conversar com ele. Falei assim: “Ah, muito feia, vou te dar uma nova”. Aí em outras escolas também tinha professor que não gostava da gente, que sempre fazia intriga, sempre pegava no pé. Mas fora isso, os meus professores eu sempre gostei, sempre gostei dos meus professores, de todos. Tem uns que eu encontro aí assim na rua. Da última vez que eu encontrei uma foi no shopping, eu encontrei, ela tava lá, falei: “Professora”. Ela: “Nossa, você ainda se lembra de mim?”. Eu falei: “Claro. Tinha que lembrar, a senhora era a única que dava teste surpresa, não tinha como, não tem como esquecer”. Ela fica rindo. Ela ficou rindo. Falei assim: “Continua fazendo isso?”. Ela: “Continuo. Tem que testar o conhecimento das pessoas, se tá realmente prestando atenção nas minhas aulas”. Falei assim: “Tá bom. Fazer o quê? Há gente que gosta disso. Eu não gostava”. Ela: “Eu sei que você não gostava”. Eu falei assim: “Tá bom, então pelo menos a senhora já sabe, eu to sendo sincera”.
P/1 – E suas notas, como eram?
R – Quando eu queria, eram boas. Agora, quando eu não tava afim também não era muito assim, não. Mas aí quando eu via que já tava... É tipo aquele negócio, no primeiro momento a gente fica assim: “Ah, deixa para o próximo, no outro eu melhoro”. Agora quando você vê que o bicho tá começando a pegar, tem que começar a suar. Aí começava a ralar, era trabalho em cima de trabalho, sempre procurava assim, uma coisa para poder puxar alguma nota para poder não passar com nota baixa, ou senão ficar em alguma coisa. Mas era bom. Era boa sim.
P/1 – E com que idade você começou a namorar, a paquerar?
R – Olha, deixe-me ver... Não, assim, namorar? Namorar, namorar mesmo foi com 15 anos, foi meu primeiro namorado, 15, foi.
P/1 – E como foi?
R – Foi legal. Foi meu primeiro namorado, meu primeiro amor da minha vida. A gente ficou junto cinco anos. Cinco anos que gente ficou junto. Aí depois não deu mais certo, a gente se separou. Ele vive a vida dele hoje em dia, eu vivi a minha, casei, fiquei dois anos, praticamente, casada. Não deu certo. Isso tem três meses já que eu estou separada. Tô aí. Mas o outro assim, o primeiro a gente nunca esquece. Então... A gente se fala às vezes assim, passa na rua: “Oi, tudo bem?”. Conversa.
P/1 – O que você mais gostava nele?
R – A amizade. Acima de tudo ele não era só meu namorado, ele era meu amigo. Sempre quando eu precisava, era ele que tava ali do meu lado. Sempre assim, sufoco que eu passava às vezes em casa, ele sempre tava ali: “Não, calma”. Até mesmo ele quando passou por alguns problemas da vida dele, eu falei para ele: “Não, calma, não é assim”. A gente sonhava junto: “Ah, nossa casa vai ser assim, nossos filhos vão ser santos, vai ser nome assim, assim, assim, vamos morar em tal lugar assim, assim, você vai fazer sua faculdade de Direito, eu vou fazer a minha de Fisioterapia”. E pronto. Mas aí teve uma vez que a gente conversou aí ele falou: “Eu fiz tudo que eu falei que ia fazer, só não tenho os filhos e nem tô morando onde eu falei que ia morar com você. E você fez alguma coisa?”. Eu falei assim: “É. Fiz quase nada do que eu falei que ia fazer”. Ele: “Tá vendo, é aí que enfraquece, você tem que fazer, mesmo a gente não estando juntos, a gente tem que seguir aquela linha, a gente combinou, então vamos fazer”. Aí eu falei: “Tá bom. Pode deixar que eu vou tentar seguir tudo aquilo que a gente combinou que ia fazer. Eu vou tentar fazer, tá bom?”. Ele: “Tá bom então”. Mas a gente conversa ainda de vez em quando, hoje em dia ele é casado, ele se casou. Mas a amizade continuou, permaneceu.
P/1 – E como você o conheceu?
R – Eu o conheci na igreja. Ele passava na rua, era muito engraçado, porque ele usava aparelho e nisso o aparelho dele, eu não sei, tinha que botar um negócio assim, tipo, eu acho que era para puxar, eu falava assim: “Ai, esse garoto não tem vergonha de sair com isso na rua não? Ai que coisa feia”. Ele ficava passando, eu ficava rindo. Aí eu comentei com a minha amiga, falei assim: “Ai, cruz credo, eu teria coragem de sair com um negócio desse na rua, não”. Ela: “Deixe-o, mas ele tem que usar”. E ele passava todo se sentindo com aquilo, eu achava a coisa mais feia do mundo e ele com aquilo. Aí um belo dia tava ele e um primo dele, e tava eu e minha prima, aí eu fui e falei assim: “Nossa”. Eu achei o primo bonito e minha prima o achou bonito. Aí acabou o assunto, tal. Aí eu fui, conversei com ele, a gente ficou conversando, aí surgiu somente amizade. Aí eu fui para igreja, no grupo jovem da igreja, na época tinha, ele era, aí ele foi, deu o telefone dele e me pediu o meu. A gente começou a conversar, acabamos ficando. Ele foi um belo dia, falou assim: “Vou pedir para sua mãe para namorar você”. Eu falei assim: “Não. Não faça isso não, que ela não vai deixar”. Aí ele: “Ué, vou tentar. Eu tenho duas respostas, um sim ou um não”. Aí ele foi. Eu fiquei toda cheia de medo, falei: “Meu Deus, minha mãe vai brigar muito comigo”. Ele foi, pediu, minha mãe deixou e a gente namorou, ficamos namorando, namorando, aí começamos a namorar. Ficamos juntos cinco anos. Cinco anos. Eu falei para ele: “Se a gente estivesse junto hoje, a gente estaria com nove anos já, teria feito nove anos”. Ele: “Caraca. Tu tá velha”. Falei assim: “Você também. Ué, tu acha o quê? Que só eu que estou velha? Você também tá”. Depois foi embora para casa e eu vim sair com as meninas.
P/1 – Você frequentava o grupo de jovens da igreja?
R – Frequentava.
P/1 – Como era?
R – Era legal. Era bem legal. Tinham aquelas pessoas assim, meio metidinhas, sabe? Mas era legal. Eu frequentava o grupo de jovem, fiz a crisma, depois virei catequista, fiquei como catequista acho que uns quatro anos mais ou menos, depois o padre que tinha na igreja saiu, entrou outro, aí eu resolvi também sair. Saí e não voltei mais, não voltei mais.
P/1 – Sente falta?
R – Sinto. Sinto muita falta das crianças, de estar ali, de estar no sábado de manhãzinha sempre com elas, elas chegando, dando bom dia, abraçando. Sinto falta. Sinto falta, mas pelo fato de eu ter sido casada, eu não poderia, porque não permite. Aí como eu não era casada nem na igreja, nem no civil, aí eu não poderia. Mas eu ainda não vou. Agora eu não sei, eu to pensando, não sei se eu volto, não sei se eu não volto, tô pensando ainda. Que agora com trabalho às vezes de sábado a gente fica preso o dia todo, aí eu acho que não vai ter tempo, tem que armar, fazer tipo um jogo para ver se eu consigo um tempo. Quero também voltar a estudar agora, fazer um curso preparatório para poder... Não sei. Bom, antes eu tinha vontade de fazer Fisioterapia, agora não tenho mais, aí eu não sei. Eu ainda sei o que eu quero fazer, faculdade de quê. Sinceramente se perguntarem: “De quê?”. Não sei. Não sei mesmo. Não sei de quê eu faço.
P/1 – E aconteceu alguma coisa na sua juventude que tenha te marcado muito nesse período?
R – Assim, de bom ou de ruim?
P/1 – Tanto faz.
R – Não. Na minha juventude? Não. De bom eu acho que aconteceram muitas coisas. Sempre quando eu ia para algum lugar, quando eu conseguia alguma bolsa de algum curso, eu gostava. Assim, só coisas boas, para mim são coisas boas. O nascimento da minha prima, que eu sempre acompanhei tudinho, eu ia sempre com a minha tia junto quando ela ia fazer os pré-natais, eu ia sempre junto. Foi muita coisa boa. Coisa ruim que aconteceu para mim eu não era mais tão jovem assim, eu já tinha meus 20 anos, 21 anos.
P/1 – E o que foi?
R – Foi a morte do meu tio. Desculpa.
P/1 – E trabalho? Quando você começou a trabalhar?
R – Eu comecei a trabalhar eu tinha acho que 20 anos. Trabalhei na cidade, num call center, depois trabalhei em Bangu, depois fiquei um tempão sem fazer nada, foi quando apareceu o curso para eu fazer. Tô aí até hoje.
P/1 – E você gostava do call center? Por que você saiu?
R – Gostava.
P/1 – Por que você saiu?
R – Era legal. Às vezes você ria muito, porque você ligava para casa das pessoas para poder oferecer alguma coisa, às vezes ou a pessoa te xingava, muitas vezes recebia cantada, mas era engraçado. Aí você tinha que ficar assim, não podia rir, tinha que ficar: “Não, que não sei o quê”. E a pessoa falava um monte de besteira, até o momento de a pessoa desligar. Mas era legal. Na loja também eu trabalhei, foi legal também. Eu sempre gostei...
P/1 – Loja de quê?
R – De roupa. Vendia tudo. Roupa de cama, de criança, tudo. Eu trabalhava na parte feminina, era muito legal. Muito legal mesmo.
P/1 – E por que você saiu?
R – Porque a loja fechou. Aí eu acabei saindo. Ela fechou, o novo dono ia mandar fazer reforma, ia mandar botar outro tipo de coisa, aí não sabia se ia reaproveitar os funcionários, aí o antigo dono preferiu antes mandar todo mundo embora, pagar tudo direitinho do que ficar contando sem saber o certo. Ele não queria deixar a gente sem ter uma posição certa. Mas era legal, era muito bom trabalhar lá. Trabalhava muito, era pé o dia todo, das oito da manhã até às dez da noite. Chegava a casa, falava: “Mãe, meu pé tá doendo tanto”. Ela falava: “Bota para cima”. No outro dia aqui no meu pé parecia que tava pegando fogo. Falava assim: “Ai meu Deus. Mãe, eu vou ou não vou?”. Ela: “Vai. Tu vai ficar o quê? Vai deixar de trabalhar?” “Mas o meu pé tá doendo tanto”. Aí eu ia. Mas era bom. Chegava lá, quando começava a chegar o pessoal assim, que era muita gente, que a loja era grande, então chegava os meninos que era da parte de calçados, as meninas que eram de outro setor, eu falava assim: “Ai gente, hoje eu não to afim”. Aí falava assim: “Ah, tem que estar. Vamos embora. Vamos embora”. Aí começava subir, trocava de roupa e trabalhava, trabalhava, trabalhava. Acho que na hora do almoço era quando a gente... E trabalhei também, não posso esquecer, trabalhei no Walmart, no mercado. Eu trabalhava dentro dele, não trabalhava para ele. Trabalhava fazendo cartão. Eu adoro, eu falava que era a segunda casa. Eu levantava sete horas da manhã, ia imprensada na roleta do ônibus, que é o 7-90, ia imprensada, imprensada, daqui até a Madureira, para chegar lá e ainda pegar outra condução para ir para o shopping, porque o mercado era no estacionamento do shopping. Mas era muito bom. Quando eu chegava lá parecia que... Que assim, é muito bom trabalhar lá, era muito bom trabalhar lá. Que é divertido, é muita gente nova, várias pessoas, várias marcas diferentes, várias demonstradoras, de várias marcas diferentes. Então a gente sempre tinha alguma coisa para contar. Quando tinha amostra grátis, a gente sempre dava uma para outra, não dá, pegava, sempre dava uma para outra, ia almoçar, ia almoçar junta. Às vezes acabava meu horário, meu horário era de nove às cinco e 20, e às vezes eu ficava de nove até oito horas da noite, porque era divertido. Às vezes eu trocava, pegava mais tarde, porque tinham vários horários, pegava mais tarde e saía mais tarde. Às vezes eu trocava: “Quero pegar mais tarde”. Pegava mais tarde, ficava lá até mais tarde, que sabia que vinham todas as garotas que também pegavam mais tarde. Mas era bom, muito bom mesmo. Eu gostei assim, gostei de todos, não tenho o que reclamar de nenhum deles. Todos os trabalhos que trabalhei, eu não tenho o que reclamar.
P/1 – Você se lembra de algum fato também curioso, engraçado, difícil, nesses ambientes de trabalho?
R – Não, engraçado assim, o que teve mais coisas engraçadas foi no último, que era do mercado. Porque pelo fato de ser lá para baixo, tipo zona sul, as pessoas iam assim... Tinha um senhor lá que todo dia ele ia sempre de sunga de praia e de camiseta, e ele entrava no mercado, parecia que ele tava em casa. E ia todo, ia, ficava todo assim, dava bom dia, comprava as coisas: “E aí, o que tem na promoção hoje?”. Aí eu: “Ih, olha, vai lá que anunciou já que tem alguma promoção”. Todo dia ele ia ao mercado, todo dia. Eu falo: “Gente, será que todo dia ele tem que fazer o quê nesse mercado? Não é possível que todo dia falta alguma coisa na casa dele”. E todo dia ele ia de sunga e camiseta, e chinelinho, boné e óculos. Todo dia. Eu falei: “Todo dia quando ele sai daqui ele vai para praia”. A vida dele é essa: ir ao mercado e ir para praia. Ir ao mercado e ir para praia. Eu ficava assim: “Meu Deus, não é possível”. Mas era muito engraçado. Tinha muita gente às vezes assim, iam aquelas pessoas que... Tava um monte de gente assim, cada um... Teve uma vez que foram umas cinco pessoas, cada um com um carrinho. Eu falei: “Meu Deus, essa aí, essa compra vai ser boa”. E eu lá parada no meu canto, porque eu trabalhava perto do caixa. Daqui a pouco foi chegando um atrás do outro na fila. Eu fiquei olhando assim, falei: “Meu Deus”. Tem que comprar bastante coisa, porque a família é grande. Era engraçado ali também. Era muito bom. Tinham vezes que tinham alguma coisa de promoção no estacionamento, que tem muito... Como estacionamento grande, às vezes tem negócio de carro, feirão de carro, às vezes tem promoção assim, para um ônibus lá de tintura, aí o mercado fica cheio, porque comprando um produto, ganha tintura. Aí a gente sempre ficava batalhando atrás assim e fazia cartão. Aí tinha que aproveitar e começar a catar cartão. Fazia cartão, fazia cartão, fazia cartão. Teve uma vez que chegou um moço assim, fui oferecer o cartão para ele, ele falou assim: “Tá bom, vou tentar fazer”. Bonito ele. Aí ele sentou assim, aí tem que perguntar a renda das pessoas, e ele: “Olha, se eu falar a minha renda para você, você não vai acreditar, porque ninguém acredita, então bota aí mil e quinhentos reais”. Eu falei: “Ah, tá bom então”. Fui, botei lá tudo direitinho. Aí ele: “Eu sei que você ficou curiosa querendo saber qual é a minha renda, mas eu não vou te falar”. Eu falei assim: “Não, senhor, não to falando nada, o senhor falou, eu vou acreditar naquilo que o senhor tá falando”. Ele: “Você quer saber. Fala para mim que você quer saber quanto eu ganho”. Eu falei assim: “Eu não quero saber”. Aí ele: “Fala que você quer saber”. Eu falei: “Tá bom, o senhor tá insistindo tanto. Quanto é que o senhor ganha?”. Ele: “Cinco mil”. Eu falei: “O senhor falou o quê? Que eu não ia acreditar? O senhor faz o quê então?”. Ele: “Sou mergulhador”. Aí eu falei assim: “Ah tá”. E começou a contar a história de vida dele, começou a falar. Falei assim: “Tá bom, senhor. Agora o senhor senta ali e vai lá que ele já vai te chamar, tá bom?” “Ei, mas eu quero te contar mais”. Eu falei: “Mas eu não posso ficar aqui escutando o que o senhor quer falar comigo. Eu tenho que trabalhar, senão, tá vendo aquele moço ali? Ele é meu gerente, ele vai brigar comigo. Se ele brigar comigo, vai me mandar embora, o senhor vai ter que me dar emprego”. Aí ele ficou ouvindo assim, aí ele: “Tá bom então. Outro dia eu volto aqui e acabo de te contar a história”. Falei assim: “Tá bom”.
P/1 – Voltou?
R – Voltou, mas eu “ó”... Falei assim, eu não posso parar para conversar com ele, porque ele falava muito. E se eu ficasse sentada esperando-o, eu ia perder, aí eu ia levar “esporro”, falei: “Senhor, agora eu não posso. Depois o senhor volta aqui outro dia que eu o escuto à vontade”. Aí ele ficava rindo assim. Mas era muito engraçado, muito bom. A gente assim, trabalhar em lugar que entram vários tipos de pessoas, você fica olhando assim meio besta. É muito engraçado. O único problema ruim é acordar cedo, pegar ônibus lotado, mas quando você chega... E para voltar, a fila, nossa, falava assim: “Vamos embora. Eu vou embora, agora eu tenho que enfrentar a fila”. Era uma fila. Porque tinham dois tipos de ônibus, então a fila era enorme. Falava assim: “É. Vamos, tenho que esperar”. Às vezes eu saía cinco e 20, chegava oito e pouco da noite, porque aquilo era muito longe. E no outro dia de novo. Dia de sábado eu queria sair, mas eu ia trabalhar no domingo, eu falava assim: “Eu trabalho e vou sair assim mesmo”. Eu saía, chegava em casa, tirava um cochilo, levantava, tomava banho e ia trabalhar. Cara, domingo, o mercado vazio, sem ninguém e eu lá igual um zumbi. Ficava assim, doida para dar a hora de vir embora, para eu ir embora que eu queria dormir, mas mesmo assim eu ainda me divertia muito.
P/1 – E você saía muito.
R – Saía.
P/1 – Para onde você ia?
R – Ah, eu ia para casa de show, muito. Antes de eu ir para... Acho que todo final de semana eu saía. Todo final de semana eu saía. Todos.
P/1 – Que tipo de show? O que você gosta?
R – Ah, assim, a casa de show é muito assim, toca de tudo, toca pagode, só não toca forró. Toca pagode, toca funk. E todo final de semana eu ia. E engraçado, porque eu era mais velha das que saía. Eu ia e levava minhas primas junto. Aí todo final de semana era isso, todo, toda sexta, todo sábado. No domingo que a gente ia para algum lugar mais ou menos, pertinho. Mas era todo final de semana. Eu falava: “Gente, o que a gente tem... Onde a gente arranja dinheiro para sair todo final de semana? Não é possível”. Porque a gente às vezes falava assim: “Não vamos sair hoje para lugar nenhum”. Aí ficava: “Vamos ficar então. Vamos ficar por aqui mesmo a gente senta, come em algum lugar lanche e vamos ficar em casa. Vamos ficar em casa”. Aí tá. Aí vinha minha prima: “Olha, Fulano ligou perguntando...” “Não quero saber. Eu não vou sair” “Fulano ligou perguntando se vai para tal lugar assim, assim”. Aí começava: “Vamos sair?” “Vamos sair”. Ligava uma para outra: “Olha, tal hora assim, que não sei o quê”. E as minhas primas são mais novas do que eu, que as que saíam, uma tem 22, hoje em dia, uma tem 22, a outra tem 18 e eu tinha 22 também. Só que era assim, tinha 20, a outra tinha 17, 16. Eu falava: “Meu Deus, a gente vai acabar sendo presa por causa dessa garota, porque ela fica aí, aí acontece alguma coisa, a mais velha sou eu, quem vai ter que segurar sou eu. É isso aí, eu vou parar de sair”. Mas era sempre assim, todo final de semana a gente saía, todo. Depois não. Depois que eu casei aí foi diminuindo, aí eu parei de sair, saía só de vez em quando, saía mais com ele.
P/1 – Seu marido não gostava de sair?
R – Bom, eu o conheci dentro da casa de show, ele era segurança de uma das casas de show que eu frequentava. Mas aí como a gente tinha assim... Eu falei: “Ah, eu tinha que diminuir o ritmo. Por quê?”. Porque aí ele saiu da casa de show, começou a trabalhar direitinho, carteira assinada, porque lá não era carteira assinada. Eu falei: “Agora a gente tem que diminuir um pouquinho, tem conta, tem compra”. Então a gente saía mais nós dois, ia ao shopping, ia ao cinema, ia mais assim. Para balada a gente ia muito pouco, muito pouco.
P/1 – Mas quando você casou, você continuou morando perto da sua família?
R – Não, eu continuei morando com a minha mãe, porque minha mãe já tinha o fato, já tinha o problema no pé. Entendeu? Então ela, tipo assim, eu não poderia deixá-la sozinha, porque como ela não pode trabalhar, ela teve que fazer o quê? Pegar criança para cuidar. Ela começou com uma, hoje já tem sete. Eu falo para ela: “Pelo amor de Deus, mãe, não pega mais criança nenhuma para tomar conta, não dá. Não dá mais”. Ela: “Tá bom”. Aí quando foi esses dias apareceu mais uma, eu falei assim: “A senhora que sabe. Depois não fala nada para mim que tá cansada. Tá querendo pegar, não pega, já tá bom esses aí, tem pequenininho”. A mais nova tem oito meses. Eu falo: “Para com isso”. Ela: “Mas eu gosto, não sei o quê”. Eu falo assim: “Tá bom, mãe, a senhora gosta, mas poxa, a senhora às vezes para ir ao médico é uma dificuldade para poder ir, porque vai, às vezes ela tem consulta marcada, ela tem que ir, aí eu tenho que ficar. Às vezes só estou eu e mais uma trabalhando, igual hoje, às vezes ficam duas trabalhando para poder a outra ficar de folga. Ficando duas trabalhando, para eu poder ficar indo lá para poder ajudar a senhora, como eu vou fazer? Aí tem que arranjar alguém para ficar junto com ela, para poder ajudar pelo menos a dar banho nas crianças, nos dois menores. Os outros grandes não, ou outros grandes tomam banho sozinho, comem sozinho, vai lá, arruma comida. E os pequenininhos? Aí ela fica assim: “Tá bom, não vou pegar mais ninguém, não. Ah, mas Fulano falou que é assim, assim, assim, que não sei o quê, ele é tão bonitinho, tadinho, não tem com quem ficar”. Eu falo assim: “Tá bom então, abre uma creche logo então, faz uma creche, porque não tá dando, quanto mais a senhora tem, a senhora quer pegar mais, não dá”. Aí ela fica rindo, fica rindo lá no fundo. Eu falo: “Daqui a pouco os outros vão falar que a senhora quer montar uma creche aí, aí eu quero ver”. Fala: “Não quero creche, só quero meu dinheirinho. Não posso trabalhar”. Eu falei assim... Ela tem medo de ir ao médico, que ela não quer operar o pé. Tem como operar o pé, só que ela tem medo, ela tá com medo de os outros ficarem falando: “Ah, você tá com o pé torto, que não sei o quê, que não sei o que lá”. Eu falo: “Mãe, a senhora não tem que ir pela cabeça de ninguém. Tem que ir ao médico, o médico vai lá operar. Imagina a senhora começar a voltar a andar sem precisar de muleta. Não é o que a senhora quer?”. Ela: “Eu quero”. Eu falei: “Então pronto. Tem que deixar esse medo de lado e ir ao médico, e ver o pé”. Falei: “Qualquer dia desses eu vou amarrar a senhora, vou levar à força para ver esse pé aí”. Ela fica: “Eu não. Não vou. Vou quando eu quiser”. Falei: “Então tá bom. Então não reclama que tá doendo então depois”.
P/1 – Você tem filhos?
R – Não. Não tenho filhos.
P/1 – Com essa criançada toda em casa.
R – Já tenho uma. A mais nova, se você vir, você pensa que é minha. Ontem mesmo a menina deu banho nela e a trouxe aqui, aí a moça falou assim: “Nossa, ela parece tanto com você”. Eu falei assim: “É, mas não é minha, não. Nem fala isso perto da mãe dela, que a mãe dela fica com raiva” “Mas ela parece demais”. Eu falei assim: “Ah, mas não é minha, gente. É minha só enquanto tá na minha casa, depois que ela for embora, ela é da mãe dela”. É muito fofinha. Aí eu fico... Cada um tem um pouquinho, tem criança especial, tem dois pequenininhos que ficam, que são muito dependentes, quando tá doente ficam todo cheios de manha, quer fazer malcriação. Mas é bom.
P/1 – Deixe-me voltar uma coisa. Quando você disse que estava sem trabalhar, quando soube do projeto. Como você soube desse projeto?
R – Foi assim, uma das meninas que trabalha com a gente, a mãe dela tem uma barraca de lanche, aí eu sempre ficava ali com ela, a gente ficava, que a gente sempre foi amiga. E de noite eu acabava de fazer as coisas, eu descia e ficava ali conversando com ela. Quem trouxe a ficha para gente foi um policial daqui, o Cabo Antony, ele trouxe. Aí eu tava lá vendo a novela assim, aí ele começou a falar do projeto, eu falei: “Repete. Repete que eu não escutei”. Aí ele começou a falar: “Não, é um projeto, que não sei o quê. Quer fazer a ficha?”. Falei: “Ah, vou fazer”. Fiz. Preenchi a ficha, ela também preencheu. Aí passou um tempão... Ele explicou, mas ele não sabia explicar a fundo realmente, ele só falou que era projeto só para mulheres, de tal idade a tal idade, que iria ganhar um recurso para poder abrir um empreendimento dentro do próprio bairro. Aí eu fui e falei assim: “Então tá bom”. Aí fiz. Passou um tempo, ela tava na minha casa, eu tava em casa, aí ligaram para mim: “Ah, não sei o quê”. Acho que o nome da menina era Aline, não lembro direito, acho que era Aline. “Você fez uma inscrição para o projeto”. Eu falei assim: “Eu fiz? Fiz não”. Aí ela: “Fez sim, que não sei o quê”. Aí eu falei: “Ah, tá, tô lembrada, fiz sim”. Ela: “Então, porque você foi selecionada. Olha só, tal dia assim, assim...”. Era no outro dia. Ela me ligou num dia e no outro dia era: “Amanhã vai estar saindo um ônibus oito horas da manhã para levá-la para o diálogo, vai levá-la e vai trazer”. Eu falei assim: “Ah, tá”. Eu falei: “Ah, não tinha que levar alguma coisa, comida?”. Ela: “Não. É Tudo com eles lá”. Eu falei assim: “Então tá”. Minha mãe na época só tinha duas crianças e ainda não estava totalmente debilitada com a muleta, ela ainda andava sozinha, eu falei assim: “Então tá bom. De tal a tal hora, tá bom então”. Aí eu falei assim: “Deixe-me perguntar uma coisa. Por acaso você vai ligar para alguma Suelen?”. Ela falou assim: “Vou”. Falei assim: “Ela tá aqui, quer falar com ela?”. Ela: “Ah, então tá bom, já faço uma ligação só, já falo com as duas”. Aí foi e falou com ela. Falou com ela e fomos nós duas. Nós fomos, fizemos os dois dias de diálogo, que foram dois dias. A gente foi, ficou lá o dia todo, saímos de lá já era umas quatro, cinco e pouco da tarde, no outro dia também a mesma coisa. Depois do diálogo pediu para poder esperar mais algum tempo para depois começar a capacitação de negócio de empreendimento para poder aprender a lidar com dinheiro e para poder no final dessa capacitação ser escolhido o projeto que queria ser. Porque lá acho que se formaram três grupos, um que era de comida, que era o nosso, que o nosso objetivo não era abrir, era só fornecer quentinha para fora, entendeu? O outro era de fraldas, de algum lugar, as fraldas e outro era um Buffet. Depois no final desse curso, o curso começou com todo mundo que já tinha ido, depois foi diminuindo, foi saindo, foi saindo, foi saindo, que no final ficaram sete. Aí das sete saíram duas, ficaram cinco. E das cinco ficaram agora as duas.
P/1 – E o que você achou desse primeiro dia, desse primeiro contato?
R – Foi legal. Foi muito legal, porque a gente viu que não era assim: “Ah, tá falando que vai dar e não vai dar nada”. Foi legal. Porque a gente escutou bastante coisa, as pessoas que foram dar as palestras falaram as dificuldades que elas passaram no começo, falaram um pouquinho da vida delas. Foi bem legal, não foi assim: “Ah, foi, escutou só aquilo, fez aquilo, escreveu, tal”. Não. Foi bem legal, foi muito participativo. Porque as pessoas que foram dar palestra falaram um pouquinho da vida, falaram como começou o empreendimento, que começo não foi fácil, que no começo não é fácil, é difícil, que é ralação, ralação, ralação. Foi muito bom, eu gostei. Depois veio para cá, os encontros também eram todos os dias, de oito ao meio-dia. E também eu gostei das pessoas que vieram também para cá, a gente conversou bastante coisa, a gente conversou a respeito de negócio de violência contra mulher. Foi muito legal, eu gostei.
P/1 – E qual foi o motivo de você ter continuado no projeto?
R – Porque depois que abriu aqui o Saborearte, eu falei assim: “Caramba, é meu”. Quando que eu ia poder ter uma coisa minha. Acho que para eu poder montar, primeiro eu ia ter que juntar um dinheiro durante muito tempo. Entendeu? Aí eu fui gostando, fui aprendendo. A gente foi passando por algumas dificuldades, fomos vencendo as dificuldades. E assim, dificuldade a gente: “Não, calma, vamos pensar, vamos ter calma, porque se desesperar não vale à pena”.
P/1 – Quais foram essas dificuldades?
R – Tinha vez que não entrava ninguém para comprar. Eu falei: “Meu Deus, esse monte de comida, o que a gente vai fazer? Senhor, é contigo, vamos lá, eu to esperando, eu to aqui sentada, eu to esperando”. Tinha vez não. Tinha vez que a gente nem sentava, tinha vez que faltava prato para poder... Não tinha lugar para sentar. Falava: “Meu Deus, o que eu vou fazer?”. Pegava, corria em casa e pegava prato em casa, para poder falar assim: “Até prato da minha casa eu tenho que trazer”. Mas tá bom assim, é assim que eu quero, todo dia assim. É assim todo dia. Tem que ser assim todo dia. Que não seja todo dia, pode ser um dia sim, um dia não, eu aceito. Às vezes assim, muita conta para pagar e tá chegando o dia de vencer, não tem o dinheiro para pagar. É assim.
P/1 – Mas me conta um pouco antes, quando vocês tiveram, formataram a ideia, vocês já sabiam o que vocês queriam, o grupo. Como foi procurar o local?
R – O local, isso aqui era uma casa. Era uma casa da mãe de uma das meninas que já saiu. Aí ela falou assim: “Não, eu alugo para vocês. Alugo para vocês, vocês fazem ali, só adaptam alguma coisa”. Que nós botamos o balcão na cozinha, adaptamos a pia, que é maior para poder lavar as panelas grandes, quebramos a parede para poder fazer assim, foi um palmo assim. A gente procurou. Aí fomos comprar as coisas. Fomos comprar as coisas, aí se dividia o grupo. Como no começo eram sete, a gente se dividiu: “Olha, tanto vai para esse lado, tanto vai para esse lado, um grupo compara geladeira, as coisas, outro grupo as coisas pequenas, outro grupo compra outra coisa”. Compramos a toalha para fazer o pano da toalha da mesa. E foi assim. E compara isso aqui e chegar à frente do vendedor e chorar, falar assim: “Não, tá muito caro, abaixa um pouquinho”. E liga, fala: “Olha, Fulano não tá querendo...”. Foi assim, um caso que aconteceu comigo, o carro térmico eu que comprei, eu que fui comprar. Aí eu cheguei lá e falei... Como eu já tinha ido à loja mais vezes, o vendedor já tava meio que familiarizado, aí cheguei, falei: “Olha só, você vai me ajudar hoje, Marcelo”. Ele: “Fala”. Eu falei assim: “Eu quero um carro térmico bom, bonito e barato”. Ele: “Olha só, tenho um aqui para você ótimo, tampa de vidro, que não sei o quê, oito cubas quentes, cinco frias, que não sei o quê”. Eu falei assim: “Hã! Agora me fala o bonito dele”. Aí ele foi e falou assim: “Dois mil e...”. Eu falei assim: “Aí tu me quebras”. Falei assim: “Não, abaixa esse negócio aí um pouquinho”. Ele: “Ah, não dá. Não dá”. Eu falei assim: “Ah, abaixa só um pouquinho, não custa”. Ele: “Dois mil”. Falei: “Não. Mais um pouquinho”. Aí tá. Falei: “Calma aí que eu vou ligar para o Fulano”. Liguei, falei assim: “Fulano, olha só, tá fazendo jogo duro, não quer abaixar o carro de jeito nenhum”. Ele: “Não. Não posso, que não sei o quê, que não sei o quê”. Falei assim: “Pô, cara, vou te dar uma oferta, mil e oitocentos”. Ele foi: “Calma aí que eu vou ali dentro”. Foi lá, falou assim: “Tá bom, eu vendo por mil e oitocentos”. Falei assim: “Tá vendo? Tá vendo como uma conversa tudo... Tá vendo? Depois eu trago uma quentinha aqui para você. Tá bom?”. Aí ele ficou rindo. Acabou que... Eu tinha que chorar, porque senão... Consegui ali. Não abaixei tanto, mas abaixei. Ele: “Tá vendo? Só você mesmo. Você já vem aqui só para chorar”. Eu falei: “É claro, tu quer levar o meu dinheiro todo. Já não tem muito, tu ainda quer pegar tudo”. Aí ele ficava rindo. Falei assim: “Não, mas eu vou voltar. Semana que vem eu volto aqui para comprar...”. Eu falei assim: “Amanhã eu to voltando aqui para comprar mais coisas”. Ele: “Eu quero ver”. No outro dia fui voltar, ele: “Não é que voltou mesmo”. Falei assim: “To falando para tu. Tenho que comprar, você tá vendendo tudo que eu quero, eu venho aqui, vou a outro lugar para quê?”. Ele ficava rindo. Mas olha, a gente já teve que ralar muito. Um dia antes da inauguração a gente saiu daqui duas e meia da manhã. Era lavando, era botando tudo no lugar, era arrumando, era deixando algumas coisas, as coisas da feijoada, que na inauguração foi feijoada.
P/1 – Foi Buffet?
R – Foi. Feijoada. E no aniversário de um ano também foi feijoada. Já assim cortadinho para no outro dia só cozinhar. Mas foi muito assim, foram duas e meia da manhã, que no outro dia todo mundo tava igual um zumbi, tudo aquilo, aquele monte de gente, aquele monte de fotógrafo. Era foto, era não sei o quê. Falei assim: “Ai meu Deus do céu”. Falei assim: “Celebridade por um dia”. Não por um dia, demorou vários dias, porque depois disso várias vezes veio gente aqui poder tirar foto, fazer entrevista. Eu falo assim: “Ah, não quero mais isso não. To cansada já de dar entrevista, já”. Eles ficavam rindo. Fala: “Vai. Quando acabar eu quero ver”. Falei assim: “Não. Não vai acabar, não. Tem que continuar”. Aí elas ficavam rindo.
P/1 – E qual foi a data que inaugurou? Você lembra?
R – Foi dia 21... Olha eu acho que é outubro. Eu acho que é outubro. Eu acho que foi outubro. Foi outubro. Acho que foi isso. O mês eu não lembro ao certo, eu fico em dúvida entre outubro e novembro, mas foi dia 21. Acho que foi outubro sim.
P/1 – E quando vocês escolheram o cardápio da inauguração?
R – Porque a gente escolheu por uma coisa que a maioria das pessoas gosta. Muita gente gosta de quê? Gosta de feijoada. Aí a gente foi e fez, fez a feijoada, fez e foi o maior sucesso. A feijoada até hoje as pessoas falam: “Que dia vai ter feijoada de novo?”. Até hoje. “Calma que a gente vai fazer” “Faz a feijoada. Pô, tava muito boa, que não sei o quê”. No dia do aniversário de um ano que fez, infelizmente eu não pude estar, porque era dia de médico da minha mãe e não tinha com que... Eu não podia deixar as crianças com qualquer uma pessoa. Fiquei muito triste, chorei, porque, poxa, eu não ia estar. Aí foi feijoada também. Eu sei que da feijoada não sobrou foi nada, acabou tudo. Mas tá bom. Não pude estar, pelo menos vendeu tudo, deu um movimento bom, foi legal, tá bom.
P/1 – O que a sua família achou quando você entrou no projeto?
R – Ah, minha mãe achou legal. Minha mãe achou bem legal, gostou, falou assim: “Que dê bastante certo”. Minha mãe falou assim: “Tomara que dê certo, que vocês consigam realmente uma renda boa para poder ficar”. Minha mãe gostou mesmo. Todo mundo gostou da minha família, não teve ninguém que foi contra.
P/1 – E o que você achou de ter entrado no projeto? Valeu à pena?
R – Valeu. Valeu à pena. Mesmo passando por todas as dificuldades, assim, a nossa maior dificuldade tá sendo agora, a gente tá passando por alguns probleminhas, mas eu falei: “Enquanto eu tiver vontade eu tô aí. Enquanto eu tiver vontade, tiver ânimo, estamos ali”. Agora quando eu vir que não dá mais, eu vou chegar e falar assim: “Não dá mais”. Enquanto isso eu não tenho essa vontade, quero ficar assim e vamos continuar até onde der.
P/1 – E a vizinhança recebeu bem o projeto? Recebeu bem o restaurante?
R – Recebeu. Veio bastante gente. Às vezes vem uma pessoa que procura aquela mesma salada, quer que tenha todo dia. Falo assim: “Mas não dá. Tem que ser cada dia uma salada diferente”. Ela: “Ah, poxa, mas era tão boa”. Falo assim: “Tá bom. Amanhã eu faço de novo então para senhora”. Ela: “Então tá”. O pessoal também que a gente faz entrega, aí eles ligam: “Tem salada de tal, tal, tal? Tem não sei o quê hoje?”. Falo: “Não. Só amanhã”. Aí eles: “Poxa, então tem o quê?”. Vai e come. Mesmo assim eles compram. Mas eles sempre vêm atrás daquelas coisas que eles gostam mais.
P/1 – E como é feita a escolha do cardápio?
R – Antes a gente tinha um cardápio assim, toda segunda era a mesma coisa e toda terça também. Hoje não. Hoje a gente mudou. Hoje em dia no sábado a gente monta o da semana, mas são coisas diferentes. Tipo, uma coisa que era feita só na segunda passou para o sábado. Outra coisa que era feita só no sábado passou para terça. Assim. A gente mudou. As pessoas vêm, falam: “Pô, que legal. Não era dia tal?”. Falo assim: “Não, agora a gente vai mudar, não vai ter mais dia. Quando chegar aqui vai saber o que é”. Aí eles ficam: “Ah, assim tá bom então”.
P/1 – E qual o prato que o pessoal pede mais? Tem algum predileto?
R – Não. Assim, eles gostam muito de... Eles gostam de tudo. Tem uns que gostam assim, de lasanha, aí: “Qual o dia da lasanha?”. Aí vai, falo assim: “Tá bom. Dia tal a gente vai fazer lasanha”. Ou quer lasanha, ou quer carne ensopada, ou quer um carré assado, uma coisa assim. Entendeu? Frango assado também. “Pô, aquele frango tava bom. Vai fazer que dia? Que dia vai fazer de novo” “Ah, tal dia a gente faz”. Eles têm uma coisa assim, não tem assim, quer comer aquela mesma coisa todo dia. Gostou, quer de novo. É assim que eles ficam. Quando também tem pernil assado também eles gostam.
P/1 – Você acha que esse projeto, esse empreendimento mudou alguma coisa na sua vida?
R – Mudou. Mudou bastante coisa. Tipo assim, conheci gente nova, aprendi a lidar mais com as pessoas, porque você tem que falar com um monte de gente, às vezes você tem que negociar, aprendi a negociar, aprendi a falar com as pessoas. Você tem que falar mesmo você estando naquele dia ruim seu, naquela coisa de: “Poxa, hoje eu não to afim”. Mas enquanto o portão está fechado, tu pode ficar o dia todo sem falar nada: “Poxa, gente, hoje eu não to afim, não. Deixa quieto”. Mas quando abriu o portão, você tem que, tipo assim, jogar tudo fora e agora o “tem”, tem que rir, tem que brincar, mesmo estando com vontade chorar. Tiveram casos assim, de eu ir, estar com vontade chorar, ir para o estoque e chorar, chorar, e sair assim, o cliente olhar, o olho inchado, e olhar assim: “Você tava chorando?”. Falei assim: “Não” “Tava sim. Não chora não, minha filha, que não sei o quê, vai passar, vai melhorar”. E aquilo, sabe? Aquela pessoa chegar e falar alguma coisa para você, sem mesmo você ter falado nada. Ai eu fico assim: “Tá bom” “Aí, ria, assim que eu gosto de ver. Tem que rir. Vai chorar para quê? A vida é tão boa, se a gente ficar chorando... Vai passar e você não vai ver”. Eu falei assim: “Tá bom então”. Então esse fato de um entrar e falar: “Não chora, não”. Ficar falando: “Não chora, não”. Entrar na cozinha, ele: “Vou te dar um abraço”. Aí me dá um abraço. Eu falo assim: “Poxa, tio, você não sabe o quanto eu to gostando desse abraço”. Aí: “Poxa, não chora, não. Vai passar. Ele brigou contigo? Não chora, não. Daqui a pouco ele volta. Eu falo assim: “Ah, palhaço. Só você mesmo” “Tá vendo? É isso que eu queria, você rindo”. Eu falei assim: “Tá bom então, eu vou rir. Vamos lá. Bora lá, vai comer. Vai comer”. Ele: “Não, eu vim saber se você fez o pudim”. Eu falei assim: “Tá lá o pudim. Pode comer”. Ele: “Então tá bom”. Mas é muito bom, mesmo você estando às vezes chateada, triste. Quando abre o portão, tem que esquecer tudo, porque as pessoas não têm culpa do que tá acontecendo, então elas têm que ser tratadas do mesmo jeito que são tratadas todo dia, mesmo você triste ou feliz.
P/1 – E quais são os planos de vocês?
R – Agora a gente tá... A gente vai ter que mudar. A gente vai sair daqui. Assim, tá quase certo. A gente tá procurando um lugar para a gente ir. Nesse outro lugar a gente vai continuar com as mesmas coisas, vamos acrescentar mais coisas. Que aqui como de fato não é muito grande, é pequeno, a gente não pode botar muita coisa. E como são só duas, agora que a gente conseguiu alguém para ajudar a gente, se a gente botar muita coisa, a gente fica meio que perdida. A gente não vai poder, porque tem que... É ver o caixa, é repor comida, é botar algumas comidas, fazer quentinha para entregar, fazer quentinha para quem vem comprar. Entendeu? É muito corre-corre. Que nem ontem, ontem a gente não sentou. Ontem foi o pessoal todinho, eu falei: “Meu Deus”. Eu querendo sentar e não podia, e vamos lá, e fritando peixe. Quando eu via, que pensava que tava cheio, tava vazio, tinha que fritar mais peixe e a carne já tava quase acabando, a outra carne tava ficando pronto, falei: “Meu Deus, tá bom assim, não tô reclamando, não. Eu gosto assim, eu quero assim”. E vai, falei: “Jaqueline, corre na minha avó, pega prato com ela”. Tinham acabado os pratos. Falei: “Pega mais pratos”. Pegou mais pratos e foi. Tem uns que pegam a comida e levam para comer no seu ambiente de trabalho, eu falei: “Vai lá ao Fulano de tal, pega o prato com ele. Traga o prato para poder lavar”. Aí meu afilhado fica aqui de vez em quando. Eu falo: “Me ajuda, lava um prato aí”. Ele: “Caramba, eu não posso chegar aqui que você começa a pedir as coisas”. Eu falei assim: “Me ajuda. Você não tá vendo? Não tem prato”. Ele: “Tá”. Aí vai, lava prato. Falei: “Faz aquilo”. Ele: “Eu sou só um. Eu faço o quê? Eu lavo o prato ou eu mexo o negócio?”. Falei assim: “Tá bom, então lava o prato que é mais importante, deixa que eu mexo o negócio”. Ele fica assim: “Caraca, eu não vou vir mais aqui, não. Eu venho aqui vocês só me dão trabalho”. Falo assim: “Mas você gosta”. Ele: “Eu gosto mesmo, eu fico aqui”. Eu falei assim: “Então pronto. Pronto”. Mas é muito bom, eu gosto muito. Saborearte eu gosto muito. Aí a gente fez o negócio do boteco também à noite.
P/1 – Conte-me sobre isso?
R – Assim, a gente sempre desde o começo quis trabalhar à noite, mas tinham algumas que não queriam. Aí a Jaqueline falou assim: “Tu topa trabalhar à noite comigo?”. Eu falei assim: “Então vamos trabalhar à noite”. A gente fez o boteco. Inauguramos com pagode, aí foi. Todo sábado a gente começou a fazer pagode. Só que como aqui é muita coisa, muito pertinho uma da outra, incomodava, entendeu? Por causa do som, porque os meninos ficavam tocando até duas horas da manhã. A gente continuou com o boteco, mas o pagode a gente deu uma parada. A gente tá vendo se a gente conseguiu... A gente tá tentando construir outro local. A gente conseguindo outro local... A gente quer um local assim, mais amplo, que não tenha muita casa uma perto da outra, a gente volte, a gente vai fazer uma inauguração com o pagode de novo, uma nova reinauguração, porque um novo espaço tem que ter uma nova inauguração. A gente vai ver se consegue voltar. Que a gente tava querendo botar mais coisas.
P/1 – E vocês já tiveram retorno desse empreendimento?
R – Ahã. A gente tem. Assim, tem vez que a gente não tem, não. Então a gente primeiro tem que priorizar aquelas coisas, vamos pagar tudo direitinho. Pagando tudo, aí sim, a gente vê o que a gente vai ver para gente. Aí às vezes tem um retorninho legal, um retorninho bom.
P/1 – E você disse que começaram sete pessoas.
R – Isso.
P/1 – E hoje são...
R – Duas.
P/1 – O que aconteceu no meio do caminho?
R – Acho que algumas pessoas foram desistindo, porque eu acho que... Não sei. Não sei o que passava pela cabeça delas. Então eu não posso falar assim: “Ah, desistiu por isso”. Tiveram umas que foram desistindo, uma desistiu, a outra desistiu. Na época que a gente passou um sufoco bem assim, aí foi desistindo a outra, aí a outra desistiu e a última desistiu foi agora há pouco tempo. Só ficamos eu a Jaque. Eu a Jaque.
P/1 – E o afilhado.
R – E o meu afilhado, que é muito bom. E a Regiane que veio ajudar a gente agora. Às vezes eu fico quebrada aqui. Tem vez que a gente sai daqui cinco horas da tarde, limpar tudo. Ontem mesmo foi um dia que a gente não sentou em momento nenhum. Como o pessoal da Light tá aí, você vai ter oportunidade de ver, que chega aquele bando de homem que sai botando comida e vai botando. Ainda bem que agora eles que botam, porque quando era a gente que botava, eu acho que era pior, porque ficava filinha, um atrás do outro, e a gente ficava sem mão. Agora eles botando é melhor, porque ele mesmo se organiza, ele mesmo bota a comida dele, a gente só coloca a carne e tá bom. Mas
começa a falar: “Ah, moça, cuidado com esse moço aí, que esse aí não gosta de pagar, não, hein. Marque bem a cara dele”. Eu falo: “Ai, gente, vocês são demais”. Eles ficam falando. Que nem ontem, ontem tava um cheiro de fio queimado muito forte, eu falei: “Gente, que cheiro é esse de fio queimado?”. Aí ele falou assim: “Esse cara aqui que tá cheirando a fio queimado”. Eu falei: “Olha, eu não falei isso, não, tá moço? Eu falei que tava sentindo cheiro de fio queimado, não falei que é do senhor”. Ele ficou rindo. Falei; “Ih, esse garoto é maluco”. É muito assim... Isso quando não vem aquele batalhão também de que trabalham aqui, que vem todo mundo também, um montão comer, eu fico assim: “Eu vou botar esse pessoal para sentar aonde? Não tem lugar mais para ninguém sentar, tem que esperar”.
P/1 – E por que foi a decisão de trabalhar com alimentação?
R – Assim, aqui dentro tem algumas pensões, só que o povo normalmente fala que a comida não é muito boa. E, tipo assim, marmita e preço, é caro algumas coisas. E o nosso aqui não, é preço único e a maioria das pessoas gosta, pelo menos até hoje a gente não recebeu reclamação de nada. Entendeu? Por isso. Aí a gente resolveu botar comida. Mas o nosso intuito mesmo era só entregar, a gente não ia abrir. Mas aí a gente abriu e deu certo.
P/1 – E quais são os seus planos futuros, você Priscila, para sua vida?
R – O meu é fazer meu curso, se Deus quiser eu vou fazer agora. Depois das férias escolares sempre abrem vagas nesse curso. Fazer um curso preparatório, para que ao término desse curso eu ver se eu tenho alguma decisão de quê faculdade eu quero fazer. Fazer minha faculdade. O que eu mais queria assim mesmo era conseguir, eu não sei, juntar um dinheiro para poder comprar uma casa para minha mãe, porque como ele tem problema no pé, ela quase não vem à minha avó por causa da escada. E para ela, se eu comprasse uma casa que não precisasse subir escada era melhor para ela. É isso. Tentar assim, agora mesmo eu to vendo se eu consigo aposentá-la, que ela não pode trabalhar mesmo mais, e fazer meu curso, fazer uma faculdade e ver se eu consigo comprar uma casa. Vou tentar. Ver se eu consigo.
P/1 – E o que você achou de falar para gente essa sua história?
R – Ah, eu gostei. Vocês me fizeram chorar um pouquinho, mas eu gostei. Foi legal. Eu pensei que ia ser de outro jeito, mas foi legal, eu gostei. Porque assim, eu sou meio... Fico nervosa. Mas não, foi legal conversar assim. Foi muito bom. Acho que foi das melhores que eu já fiz, foi essa. Foi bom, foi uma conversa mais assim... Não teve muito... Uma conversa legal.
P/1 – Queria só agradecer a você pela disponibilidade, pela história maravilhosa.
R – Quem agradece sou eu. Obrigada. Se quiser de novo é só falar.
P/1 – Pode deixar.
R – Tá bom?
P/1 – Tá ótimo.
R – Então tá.
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