Esse gosto que tenho em contar, relembrar, o passado, que vai muito além do nosso tempo, tanto antes quanto depois, as vezes fico pensando, imaginando, na paisagem do tempo daqueles que viveram antes de nós, tento imaginar e contar a história dos que olharam, como olharam, enxergaram, contemplara...Continuar leitura
Esse gosto que tenho em contar, relembrar, o passado, que vai muito além do nosso tempo, tanto antes quanto depois, as vezes fico pensando, imaginando, na paisagem do tempo daqueles que viveram antes de nós, tento imaginar e contar a história dos que olharam, como olharam, enxergaram, contemplaram, se encantaram, se envolveram, com a paisagem de seu tempo.
Fico pensando, imaginando. É uma mistura de realidade com imaginação. Muitas vezes é uma paisagem imaginativa, mas que não deixa de ser também verdadeira, real. Com certeza era lindo, contemplativo, ajudava a viver.
Nada é somente aquilo que existe. As paisagens escondem a memória do sol e da chuva, da lua, do vento e das pessoas que por ali caminharam, suas marcas, os seus mistérios, o mistério do universo, o mistério do cosmo. É preciso olhar e ver bem. Num tempo histórico os afetos estão enlaçados uns com outros, uns aos outros, num grau quase insuportável de amor, não há como esconder, ele se manifesta, ele grita. Afetos de um tempo. É a marca de um momento, de um tempo, de uma vida. Que segue. Paisagem. Amor.
Desde o primeiro momento, desde a tomada da decisão de emigrar, quando era tudo inicial ainda, confuso, momento tão difícil, mas decidir era imperativo, não tinha outro caminho, tinha que decidir, a decisão trazia consequências para a vida, para sempre, no tempo. Tudo ai foi tão difícil, insegurança, solidão. Haja coragem, ousadia, responsabilidade, confiança na vida, confiança no futuro! Desde esta decisão inicial, ela vem nos influenciando, construindo uma história, nosso jeito de ser, de encarar a vida, vem se expandindo de geração a geração, tornando-se maior, viva, tem um pouco desta decisão inicial ainda hoje em nós, seus descendentes. Há muito a descobrir sobre nós neles. Por isto estamos sempre buscando a resposta para isso. A única resposta é o amor. Aos poucos tudo vai ficando mais claro, transparente e conseguimos perceber que temos um pouco deles em nós, enquanto viajamos nesta paisagem, em nosso tempo, construindo nossa história. Ainda hoje, essa radiação tão antiga, tão inicial, mas tão nova ao mesmo tempo, tão presente, basta sentir, respirar, ouvir, olhar, ver ao nosso redor, em nós, no nosso jeito de olhar, de ver, na nossa fisionomia, no nosso rosto, mariz, boca, no nosso cabelo, no jeito de andar, nosso corpo, na nossa altura, no nosso sentimento, na paisagem que nos cerca, que nos abraça, ela está ai presente ainda, continua conosco, nos liga ao passado, aos nossos antepassados, ao universo, ao cosmo, ao tempo, ao eterno. Muitos segredos estão escondidos ali. Os raios de luz vem se expandindo, viaja ainda pela nossa época. Ainda hoje, essa radiação antiga está ao nosso redor e muitos segredos do universo, do nosso passado, dos nossos antepassados, estão econdidos ali, na paisagem, em nós.
Fico imaginando a paisagem que meus tataravôs Luigi Caleffi e Luigia Bulgarelli Caleffi olharam, se envolveram, amaram lá na sua Itália dos anos de 1800 em diante, lá na Comuna de Quistello.
Havia muita pedra, dizia meu tio Valdomiro(miro), que a casa deles era construída de pedra, ele dizia pedra mesmo, fico imaginando, rústica, linda. Ele também dizia, que tinha época que era tão frio que congelava tudo, tinham que quebrar o gelo para poder descongelar e ter água. Era frio demais, lindo.
Teodoro pequeno ainda, viveu tudo isso, em Bondanello onde nasceu, em San Giácomo, em Quistello e depois em Poggio Rusco, ele nasceu no dia 22 do mês de junho do ano de 1863. Era agricultor, quando o frio atacava e era tão gelado que meu bisavô Teodoro e seus irmãos, se protegiam no meio dos animais, ficavam entre dois bois, para se esquentar um pouco. Paisagem linda!
Quando Teodoro Caleffi, já era jovem, teve que servir ao exército italiano. Passava noites fazendo ronda, fazendo guarda, em toda aquela região, geralmente na beira do Rio PÓ, rio lindo, que divide a Província de Mantova na Região da Lombardia com a de Veneto. Imagine aquele rio maravilhoso, o maior rio da Itália e ele ali contemplando aquela imagem, aquela paisagem, aquela água limpa, se banhando no Rio PÓ. Paisagem. Imaginação.Verdade. Sonho.
Depois chega o momento de emigrar para o Brasil. Imagina deixar tudo aquilo! Despedir de tudo. A viagem de Poggio Rusco até o Porto de Gênova. Fico imaginando! Era uma mistura de tristeza, melancolia, dor e sonho, esperança, desafio, vida nova. Era tudo isso e mais um pouco. Haja coragem! Que liberdade trazia com ele?
Teodoro ia contemplando a natureza, a paisagem, que estava deixando para trás, se despedindo dela com olhar, com o sentimento, com coração e alma. Tudo aquilo estava dentro de si e iria para onde ele fosse, guardado para sempre na sua memória. Nunca iria esquecer aquela paisagem, ninguém poderia roubar, era sua, guardou para sempre. Era um pouco de sua Itália que trazia consigo. Era tristeza sim, mas também saudade e uma doce lembrança, que lhe acalentava. Esta paisagem estava com ele na sua alma para sempre.
Estava no Porto de Gênova, com sua mulher e companheira de uma vida toda, em todo momento, Vincenza Bastasini Caleffi e os filhos. Um porto imenso, cidade grande, muito movimento, muita gente, estranhas, imagine o que lhe passava pela cabeça. Uma paisagem estranha e poluída, diferente, lhe chamava a atenção, ficou na mente para sempre, era um divisor de águas, em sua vida. Como esquecer esta paisagem, este momento decisivo! Memória, história, coragem, ousadia, fé.
O embarque, navio enorme, mar enorme. O Sempione começa a se movimentar! Era uma sexta-feira dia 30 de setembro de de 1898. O porto ficando para trás, a cidade de Gênova ficando para trás, a sua Itália ficando para trás, sua história. Que sensação! Quem diria que um dia ele iria viver aquela experiência. O mar o encantava. Natureza pura, lindo, bruto. O mar encontrava o céu no horizonte. Que maravilha, que espanto. Paisagem, encanto, contemplação, experiência vivida, sentida.
Vinte dias vendo o mar, quantas dúvidas, pensamentos, angustias, sonhos, esperanças, mar aberto, ondas enormes, água por todos os lados, perto de muita água tudo é bonito, mar infinito, lindo, aquilo tudo impregnou em sua alma, nunca mais saiu, carregava para sempre consigo, como esquecer, jamais. Só ele sabia. Era o seu mistério. O mar nunca mais saiu dele. Vinte dias vendo o mar, em cima do mar, navegando, imensidão de água, sentia-se o centro da paisagem. Como esquecer aquela sensação!
Estava deixando sua Itália, família, amigos, história e vindo para o Brasil, para um mundo desconhecido e entorno de si era o mar, só água, a família, a mulher, os filhos pequenos e muitos outros companheiros de viagem igual a ele, 20 dias! Teodoro Caleffi viveu aquilo tudo. Ficou com ele para sempre.
Chegando no Brasil, no Porto de Santos, era o dia 19 do mês de outubro de 1898, uma quarta-feira, verão de um país tropical. Outra paisagem, outro mundo, outra gente. Ele vai em frente. Sobe a serra em direção a cidade de São Paulo, a casa do imigrante, vai de trem, paisagem tropical, que choque, ia contemplando, assimilando, vivendo, acostumando.
Depois tomou o rumo da cidade de Mococa, mas ali só de passagem. Em seguida foi em direção a cidade de Monte Santo no Estado de Minas Gerais. Paisagem diferente, foi vendo, imaginando, assimilando, contemplando, vivendo, pensando. Viagem longa, cansativa.
Em Monte Santo, cidade ainda pequena, foi para a fazenda do Major Vicente, estrada, fazenda, paisagem. Na fazenda, acolhimento, colônia de casas para imigrante, colônia de imigrantes. Eram casas rústicas de alvenaria, todas num mesmo alinhamento, iguais, famílias grandes. Havia ainda a senzala recém desativada, com suas marcas tristes, injustas, desumanas, denunciando tudo, mas estava ali como memória recente de tudo de ruim que tinha acontecido, ali para nunca mais ser esquecido, nem se repetir nunca mais. Lembrança triste da nossa história. Teodoro ficou triste vendo aquilo. Tinha também casa de máquina, máquinas de café enormes, parede de pedra, casa grande, capela, cafezal, estranho tudo aquilo, paisagem nova, misturada com a antiga, convivendo ainda, paisagem, marcas da história. Estava muito calor. Vida nova, lembranças. O escultor invisível que trabalha com o seu cinzel para várias gerações, traços, gestos, expressões, olhar, que vem trazendo de gerações longínqua estava visível ali, e no futuro.
Santo Caleffi, meu avô, cresce vendo esta paisagem. Muda para a cidade de Guaranésia. A paisagem não muda muito. Viaja para o interior do Estado de São Paulo a procura de uma vida melhor para criar os filhos. Vai sozinho. Vai de trem, contemplando a paisagem, imaginando, sonhando. Mas não encontra nada de melhor, volta. Maria FraniaUzae Caleffi, estava lhe esperando ansiosa com os filhos. Não desiste.Vem para o interior do Estado do Paraná, terra nova a ser desbravada, plantar café, construir a vida. Paisagem.
Muda-se para a cidade de Cornélio Procópio, depois para a cidade de Cambé e finalmente vai para a cidade de Marialva, terra sua, até que enfim, vitória da luta, terra roxa, vermelha, afaga a terra, mata virgem, natureza pura, sonho. Vem pela estrada de chão batido, com mata por todos os lados. Paisagem linda, contempla.
Chega na nova terra, sua agora, entra na mata pela primeira vez, contempla, ouve o seu canto, toca a terra roxa, acaricia. Vê pela primeira vez o rio, contempla, ouve o seu chiado, água limpa, que dá para o fundo ver. Sente-se o centro do cosmo, da paisagem. Respeita, protege até onde consegue, até onde sua forças aguentam. Cria os filhos, netos, gerações, vida, história, memória, cidade, paisagem que se modifica, paisagem imaginativa, amor, paisagem que ajuda a viver. É a vida. Paisagem. Amor.Recolher