P - Oleilson, pra gente começar eu queria que você contasse o seu nome completo, a cidade e a data de nascimento.
R - Meu nome completo é Oleilson Natal Ribeiro. Eu sou de 75, nasci em Pedreiras do Mearim, a cidade que eu nasci, né?
P - É no Maranhão mesmo, né?
R - Maranhão. E tenho 29...Continuar leitura
P - Oleilson, pra gente começar eu queria que você contasse o seu nome completo, a cidade e a data de nascimento.
R - Meu nome completo é Oleilson Natal Ribeiro. Eu sou de 75, nasci em Pedreiras do Mearim, a cidade que eu nasci, né?
P - É no Maranhão mesmo, né?
R - Maranhão. E tenho 29 anos completo.
P - E qual o nome dos seus pais?
R - Osimiro Ribeiro dos Santos e Maria de Natal, nome de minha mãe.
P - Você tem irmãos?
R - Seis irmãos, homem.
P - E desses irmãos você está onde, mais novo, mais velho?
R - Não, eu sou segundo, tem o mais velho aí depois do mais velho é eu.
P - E os seis irmãos é homem, mulher, como é que é?
R - Nós somos seis irmãos homem e duas irmã mulher só.
P - É oito então? R – Oito, só homem que eu falei, né, seis homem e duas irmãs mulher.
P - E vocês cresceram tudo...
R - Antes nós morava no interior, né. Aí meu pai tinha uma terrinha, ele pegou e vendeu e nós viemos pra cidade pra estudar. Aí depois que chegamos na cidade eu e mais meus irmãos, eu trabalhei de ajudante de pedreiro, porque meu irmão mais velho é pedreiro, aí eu trabalhei de ajudante com ele, aí ele foi embora pra São Paulo aí eu fiquei, aí nós fiquemos aqui mesmo no Nordeste, aí de lá de Pedreiras nós viemos embora pra cá, pra Açailândia. Aí depois que cheguei aqui já trabalhei em vários serviços, já prestei serviço pra Vale do Rio Doce, já trabalhei em carvoaria, fazenda. Aí por último, agora, estamos aqui mesmo na cooperativa.
P - Como é que era lá em Pedreira quando você era pequeno, você lembra sua infância lá, ajudava seu pai a trabalhar, brincava com seus irmãos?
R - Lá em Pedreira quando eu era criança eu vendia geladinho, picolé, engraxava sapato, isso aí que eu fazia quando era menino.
P - Você gostava de vender geladinho, que dava pra conhecer bastante gente, né?
R - Não gostava não, mas minha mãe mandava daí era o jeito que tinha era vender.
P - Quem fazia os geladinhos?
R - Minha mãe.
P - Tinha do que, qual sabor?
R - Tinha de vários sabores, de coco, de maçâ verde, de morango, uva, abacaxi.
P - Seus irmãos também ajudavam a vender geladinho?
R - Ajudava, mas botava nós tudo pra vender, era escadinha, botava na rua pra vender e quando chegava de tarde dava o dinheiro pra ela.
P - Essa cidade que você mudou foi pra, vocês moravam no sítio daí mudaram pra cidade de Pedreira?
R - Nós morávamos no interior, aí nós mudamos pra cidade, né, aí depois que nós chegamos na cidade, uns foram estudar e outros não queriam estudar mesmo. Aí botava pra trabalhar, pra vender geladinho, vender essas coisas, engraxar sapato, eu mesmo não vendi muito geladinho não, eu engraxava mais era sapato. Saía de lá ia pra todo canto, pra Imperatriz, pra São Luis, passava de três meses, quatro meses aí andando no meio do mundo, sozinho, e minha mãe quando eu chegava minha mãe brigava comigo, ela pensava que muitas vezes eu até morria por aí andando sozinho no meio do mundo, né? Graças a Deus ainda hoje estou vivo e contando a história.
P - E como é que era que você viajava, assim, era com algum colega, amigo, era...
R - Sozinho.
P - Pegava e colocava o pé na estrada?
R - Era, eu chegava no motorista e pedia pra ele pra, pedia, falava: “Rapaz, eu quero ir pra tal lugar e não tenho dinheiro.” Ele falou: “Pois entra e senta na última poltrona.” Aí eu entrava e sentava. Aí no lugar que eu queria descer, eu descia e por lá mesmo ficava. Engraxava sapato, arrumava dinheiro de eu comer e pronto.
P - Me conta aí uma dessas histórias que você lembra aí dessas suas viagens de pequeno? R - O tempo que eu era pequeno, é, o tempo que eu era criança eu viajei pra Coroata, pra Coroata, né, pra engraxar sapato. Aí quando eu cheguei na rodoviária lá aí os caras maior do que eu, né, botaram eu pra correr, aí eu corri fui mesmo pro mercado, porque eles falaram: “Aqui na rodoviária vai ficar só quem tem a farda.” Aí eu não tinha, né, aí eu cai fora, se eu ficasse lá os caras iam me bater. Aí quando eu cheguei de noite tinha um dos caras que correu atrás de mim, né, pra querer me matar. Aí eu peguei e corri, vim embora de noite mesmo no carro, no ônibus. De lá aí eu peguei e fiquei lá em Peritoró, pra lá de Coroata eu vim e fiquei na rodoviária de Peritoró, aí eu passei uns três meses lá em Peritoró, depois que eu fui pra casa. Quando eu era criança também meu pai me expulsou de casa, meu pai, porque eu era danado demais, me expulsou de casa. E eu tinha 11 anos, aí minha mãe foi atrás de mim, lá em São Luis, foi atrás de mim chorando, eu nem queria vir, só vim mesmo por causa da minha mãe, mas se fosse pelo meu pai eu não ia vir não.
P - Aí você voltou?
R - Voltei pra casa e agora, minha mãe mesmo mora em Brasília minha mãe. Agora está só eu e meus irmãos aqui em Açailândia.
P - E a sua mãe ela fazia o que além do geladinho e essas coisas?
R - Ela trabalhava mesmo só em casa mesmo, só de doméstica.
P - Você lembra alguma coisa que você gostava de brincar quando você era pequeno?
R - Eu, pra falar a verdade eu nunca brinquei não, todo o tempo era trabalhando. A não ser quando era mesmo criançinha, né, pequeninho, dois anos, três anos, mas de cinco anos pra frente já comecei a trabalhar já, quando fiz cinco anos meu pai me chamava pra nós ir pra roça, apanhar arroz, na pirandeira doida. Eu abaixava o pé de arroz pra eu poder apanhar, caia, descia embolando, enganchava nos tocos, sofria Eu sofri muito quando era criança e agora depois de grande também, né, trabalhando pros outros. Tinha vez que o cabra não pagava a gente e ainda fazia humilhar ainda, aí nas carvoarias por aí.
P - Nas carvoarias?
R - Aham, nas carvoarias. Trabalhei muito em carvoarias também.
P - Como é que você ficou sabendo desse trabalho aí nas carvoarias?
R - O Gabriel tem uma “voz”, ele vai e bota na “voz”. O gato, chega e bota na “voz” aí a gente vai lá: “Estamo precisando de tantos trabalhadores pra levar pro Pará.” Aí o cabra pega e vai.
P - A “voz” que você fala é rádio, né?
R - É, é uma “voz” num fone lá em cima, né, aí o cabra vai e fala aqui e sai a voz lá: “Estamos precisando de tantos trabalhadores.” A gente ia, quando chegava lá ele dizia: “Lá é bom e tal.” Aí quando chegava lá, era nada daquilo, o cara tinha que trabalhar vigiado e tinha meta pra atingir, era encher dois fornos e tirar dois, muitas vezes ajudar a encher gaiola ainda, gaiola de carvão acho que você não conhece não, né, gaiola de carvão?
P - Gaiola é tipo? Como é que é?
R - É igual aquela gaiola de carregar boi só que o serviço é mais pesado, encher a gaiola de carvão, o carinha enche um balaio dessa altura assim, aí joga nas costas e sobe uma “escadona” então joga lá dentro. Ele forçava o cara encher, tirar forno, tinha aquela meta, ou ele enche dois fornos ou então não come. Aí o cara tinha que encher e tirar, e muitas vezes quando era fim de mês pra fazer o pagamento ainda enrolava a gente ainda. Antes de eu vir trabalhar aqui na cooperativa, a última vez eu estava trabalhando numa carvoaria, o cabra tinha que trabalhar mesmo. Aí eu peguei e fugi de lá, deixei minha roupa, deixei minha rede, deixei a boroca e vim embora de novo. Nunca mais eu pisei lá, nem pra ir buscar minhas coisas, porque o cabra lá disse que se nego pisasse lá ele me matava. Não fui lá nem buscar meu dinheiro nem nada, aí eu peguei e fichei aqui na Cooperativa para a Dignidade. Comecei a trabalhar aqui, já estamos com dois anos aqui na cooperativa.
P - Oleilson, me conta mais o, como é que é, tipo, o cara falava na cidade, né, aí você ia lá, aí o cara falava assim: “Ah, vamos.”. Aí como é que era a viagem?
R - A viagem a gente ia mesmo de van, ele fretava uma van e levava a gente, mas podia só levar, pra trazer era obrigado o cara fugir pra poder vir embora pra ver a família, né, que eu tenho mulher e tenho família também, tenho dois filhos. Aí muitas vezes eu chegava em casa não tinha nem nada, não tinha nada pra mulher comer nem pro meus filhos, mas eu estou lá no mato, sofrendo, vou sofrer aqui mesmo junto com minha família.
P - E como que era, daí você chegava lá e tinha pessoal armado, como é que era?
R - Tinha, muitas vezes ele botava a gente pra ir bater tora, né, aí tinha aquela meta do cara, da gente atingir, botar seis “carradas” de tora, se não botar seis carrada, perde o dia.
P - Seis “carradas” é derrubar seis?
R - Não, seis “carradas” pra encher o carro, encher o carro de tora de pau dessa grossura.
P - E como é que derrubava as toras?
R - O motoqueiro saía cortando e saia um “embandeirador”, botando tora um do lado do outro e a gente chegava com caminhão e botava o caminhão no meio aí enchia.
P - Carregava nos braços, devia ser muito pesado.
R - É peso, é peso, é peso mesmo. É por isso que serviço de carvoeiro o povo diz que é trabalho escravo, que é pesado demais. Aí tinha aquela meta, todo dia o cara tinha que acordar cinco horas. A primeira “carrada” a gente botava e a gente nem tomava café não, era mesmo puro mesmo, e ia até as cinco, até as seis da noite.
P - Eles que acordavam vocês?
R - Era o homem que acordava, saia batendo na rede “Acorda peãozada, acorda, acorda, vamos embora trabalhar.” Que lá dizia assim, o passarinho não deve ninguém e já estava voando, o ditado dele lá na carvoaria. Eu sei que eu sofri demais, trabalhando lá.
P - Esses gatos aí, como é que é que eles são?
R - Os gatos? Os gatos são mandados pelo dono das carvoarias: “Vai pra lá, vai buscar fulano, vai caçar trabalhador assim, assim.” Aí ele chega, bota na voz do Gabriel e aparece meio mundo porque serviço aqui, quando aparece um servicinho já tem mais de mil na cola.
P - Oleilson, você, quando você foi trabalhar na carvoaria você já conhecia sua mulher?
R - Já.
P - Como é que você conheceu ela?
R - A minha mulher ela era vizinha minha mãe. Ela morava na casa da mãe dela. Aí era vizinho assim, aqui a casa da minha mãe e aqui a casa da mãe dela, aí eu tive por lá. Aí o velho mesmo não queria que eu namorasse com a filha dele não, que é meu sogro, né. Aí brigaram, brigaram. Aí um dia eu criei coragem e cheguei nele, né, aí falei pra ele, ele falou: “Se você quer e ela quer não tem jeito.” Aí nós fomos e se “ajuntemos”.
P - Já tem dois filhos?
R - Tenho dois filhos. Tenho um menino com três anos e tenho uma menina com sete meses. Uma meninazinha mulher.
P - Você já trabalhou em quantas carvoarias, você lembra?
R - Rapaz, se não sai da mente umas doze carvoarias.
P - Doze?
R - É, no tempo que eu trabalhava.
P - E a maioria foi assim, com gato?
R - A maioria, quase toda carvoaria é enrolada. O cara trabalha pra receber eles ficavam enrolando o cara, vem amanhã, vem depois. Aí eu trabalhei também em fazenda, lá em São Junqueira. Trabalhei também de ajudante de trator, trabalhei cavando vala beirando linha de ferro. Já fiz vários serviços pesados, entendem? Quando dá de tarde está moído de trabalhar.
P - Era muita gente que trabalhava com você?
R - Era, uns 60 peão aí jogado aí pras cobras.
P - E os caras davam comida, como é que era? R - É, comida ruim, era, o cara come mesmo porque ia morrer de fome.
P - Era o que a comida?
R - Arroz com feijão e coisa, né, de ossada, essas coisas. Não prestava não. O cara comia mesmo porque já chegava cansado, com fome, vai e come mesmo, às vezes ruim mesmo. Ou come ou morre.
P - Quantas vezes você fugiu dessas carvoarias?
R - Eu fugi, da última agora, foi a última que eu trabalhei. Eu saí dela mesmo porque eu não agüentava não, de tanta pressão, a gente atingia aquela meta eles diziam: “Não, ainda dá pra tirar outro forno ainda.” Não sei o que, não, quando dava de noite eu chamava os colega meus que tinha na época, né, “Vamos embora, cair fora.” Eles diziam: “Não, não vamos não que o cabra mata nós.” “Mata nada rapaz.” Eu caía fora sozinho. Ia pra beira da estrada e pegava os carros, os caminhões que puxa tora mesmo pra serrar, né, e vinha embora pra casa.
P - Vinha no meio das toras, escondido?
R - Era. Subia, eu pedia carona, o homem dava, eu entrava no meio das toras e...
P - Não era perigoso?
R - Era perigoso, mas o cara tinha de fazer isso, estava fugindo, né, se por exemplo, eles pegassem o cara no meio da estrada matava.
P - O caminhoneiro?
R - Não, o dono das carvoarias.
P - O gato?
R - O gato, é tipo um jagunço. Ele fica vigiando a gente armado, com espingarda, com rifle, ou trabalhava ou então ele estourava uma bala dentro do mato. Dentro do mato, mata e lá mesmo joga, aí os urubus comem.
P - Você já ficou sabendo de histórias de alguém que matou?
R - Já, já fiquei sabendo. Lá mesmo, lá mesmo perto mataram um e foi judiando, queimando ele com óleo diesel, vivinho, jogando óleo diesel em cima dele e largando fogo. Trabalhador o cara, era trabalhador.
P - Nossa, ele tentou fugir...
R - Tentou fugir e eles pegaram.
P - Você conhecia ele?
R - Conhecia, inclusive a mulher dele, que ficou viúva ela mora lá perto de casa, aí ela se acabou.
P - Oleilson, deixa eu te perguntar uma coisa: a primeira vez que você foi, você não sabia como que era, aí você fugiu.
R - Era, não a primeira vez que eu fui, a primeira carvoaria que eu trabalhei foi boa, o cabra pagava certinho e tudo e eu ainda trabalhei seis meses, isso porque o cara não agüenta falar que ele trabalhou um ano, dois anos em carvoaria que ele não agüenta não.
P - Por causa do calor?
R - Hein?
P - Por causa do calor?
R - Por causa do calor e o serviço também é pesado demais, o cara não agüenta não. Aí eu trabalhei seis meses na primeira carvoaria, aí eu saí né, saí recebi minha rescisão, recebi meus direitos também.
P - Tinha carteira e tudo?
R - Tinha carteira assinada. E esses outros que diz que pega o cara e diz: “Não, eu levo tua carteira pra assinar.” Aí leva a carteira do cara e deixa lá, não assina nem nada, esses assim é enrolado.
P - E porque você acabou indo cinco vezes, assim, pra fugir? Você tinha ilusão de que...
P - Não, era promessa, promessa boa que dizia é isso, é aquilo, e...
P - Aí você acreditava?
R - É, aí a gente acredita e vamos embora. Ele dava um dinheiro, né, pra enganar o cara, pra ficar pra tua família, chegava lá passava um mês: “Não, eu quero ir embora.” “Não, pois não vai não. Vai trabalhar mais pra depois ir embora.”
P - O pessoal comentou com a gente que dão pinga, dão drogas, você chegou a presenciar alguma coisa dessas?
R - Aham.
P - Como é que era, assim?
R - Eles dão, eles dão lá na carvoaria lá pros cabras que fumam, e os que não fumam oferecem pros que fumam. Daí os cabra: “Não, eu só vou se tiver, só se tiver maconha.” Tem os cabra que diz: “Não, pois isso aí lá tem é no balde.” Droga, cachaça, tudo.
P - Aí os caras deixam disponível pra você?
R - É, chega e já fala: “Eu vou querer tanto.” Aí pega lá, entrega lá pro cara e o cara vai lá no mato.
P - E tem que pagar?
R - Tem que pagar.
P - E outras coisas eles vendiam também lá, né?
R - Eles vendem, tem a cantina, tem a cantina deles, aí o cara vai lá e faz a compra, por exemplo, o cara compra dez reais, né. Aí quando vai pagar, paga 20, 30. Bota que vale 20 reais eles cobram 40, aí quando dá no final do mês o salário vai embora, dá pra pagar mesmo só as coisas deles lá mesmo.
P - Ia embora sem dinheiro?
R - Ia embora sem dinheiro, e ainda ia de pé ainda. É por isso que eu fugi, que não ia morrer de trabalhar de graça.
P - E as ferramentas que vocês usavam pra trabalhar paga?
R - Paga, tudo paga. Se, por exemplo, o motoqueiro quebrar a corrente da motosserra pra trocar corrente ali eles não dão não: “Então, você vai pagar, você quebrou.” “Não, mas eu vou trabalhar.” “Pois é, por isso que você vai pagar mesmo.” Vida de carvoeiro é ruim, viu, eu não quero mais trabalhar de carvoeiro não, sofri demais, muito mesmo.
P - Você chegou a fazer algum forno?
R - Não, fazer mesmo não, mas encher eu enchi demais. Enchia e tirava. A gente está falando aqui aí dá fogo lá, aí o gato não quer que a gente apague o fogo, quer que mexe ele com fogo, com tudo. Só falta é morrer estuporado de quentura. Meu sogro mesmo hoje trabalha de carvoeiro, porque meu sogro é carbonizador, ele faz só queimar, só queimar o forno aí os outros é que tira.
P - Mas ele trabalha numa carvoaria legal ou...
R - É legal, a carvoaria que ele trabalha é carteira assinada e tudo, todo mês ele vem, trás o dinheiro pra minha sogra e logo, ele não tira não, ele faz só queimar o forno e fecha a boca dele. Pronto. O serviço dele é bom, agora o ruim é encher forno, bater tora, encher gaiola, aí é serviço do diabo. Eu já fiz isso aí tudo já.
P - Deve desgastar muito, né, porque ...
R - A gente fica fraquinho...
P - E onde vocês dormiam?
R - Dormia no barracão aí de lona todo aí. Onde vinha a chuva o cara ficava doido correndo pra ver, água pingando em cima.
P - Devia ser bem, muito trabalho mesmo, né, conta pra mim como é que foi nessa última carvoaria aí, o que aconteceu, como é que eles te chamaram, como é que ele levou?
R - A última, essa última que eu fui, o dono mesmo da carvoaria estava lá no Gabriel chamando. Aí eu cheguei lá, eu estava precisando mesmo do serviço aí, eu já conhecia ele, né, ele disse assim: “Ê neguinho, vamos trabalhar mais nós?” Aí eu disse “Qual é o serviço lá Johnny?” “É encher forno e tirar, bater tora.” Eu falei “Eu vou” Aí fui, foi eu mais o Johnny. Aí quando nós chegamos lá, o carvoeiro era longe, nós chegamos lá foi de noite. Aí pra começar logo os cabras já tinham comido a comida toda. Ah, já fiquei... Disse: “Rapaz, isso aqui não vai dar certo não.” No outro dia a cozinheira que estava cozinhando pra nós, estava cozinhando pra eles lá, acordou logo tarde. “Não, não, vamos cedinho botar carro de tora.” Cedo, já com fome, já não tinha almoçado e nem jantado, aí eu disse logo: “Rapaz, eu mesmo vou trabalhar com fome não, só vou, só desço quando eu merendar pelo menos alguma coisa.” Aí a mulher lá fez uma coisa lá de milharina lá, aí eu comi, né, estava com fome mesmo e comi. Aí vamos carregar o caminhão, aí nós fomos pra queimada, né, pra carregar. Aí eu botei uma, dois, umas três carradas foi que já estava tarde mesmo, né, já estava dando umas duas e meia já: “Agora vamos almoçar.” Almocei. Aí quando acabamos de almoçar, quando demorou um pouco mais voltemos as três, aí estava quase escurecendo já a noite mesmo: “Vamos parar agora. Só amanhã.” Aí nos outros dias, aí quando foi de manhã ele já me chamou pra mim ir bandeirar lenha. “Bandeirar” lenha é pegar madeira e fazer o monte, monte de um lado e monte de um outro, que é pro caminhão chegar e ficar bem no meio e a gente botar pra cima do caminhão, né? Eu trabalhei... seis dias, uma semana, aí chegou um cara lá e disse que meu menino estava doente, né, em casa, o meu menino que tinha três anos. Aí eu peguei e falei pra ele: “Ei, Johnny Rapaz eu vou lá em casa, cara, que meu menino está doente.” Aí ele disse: “Não, não é obrigado tu ir não, pode deixar que nós mesmo vamos e damos dinheiro lá pra tua mulher pra comprar remédio pra ele.” Aí eu confiei, né, nele: “Tu vai mesmo?” “Vou.” Ele sabia onde era minha casa aí ele veio pra rua, né, de moto. Aí quando chegou lá que eu perguntei: “E aí (Jonny?), tu passou lá em casa, deixou o dinheiro?” “Deixei.” Eu também acreditei, né, aí eu trabalhei, trabalhei, quando foi com 15 dias chegou um amigo meu lá e eu disse: “Rapaz, ele não passou lá não o Johnny.” Eu disse: “Pois eu vou embora hoje.” “Ah, não vai, não vai.” Aí quando eles estavam tudo dormindo, eu caí fora. Fui indo pra beira da estrada, caminhei uns 15 quilômetro de pé, pra poder chegar na beira da estrada de rodagem que passava carro, né. E caminhei, caminhei, quando deu assim umas duas horas da madrugada, quase três horas eu cheguei na beira da estrada. Aí eu peguei e esperei um carro. Quando eu vi aparecendo um carro foi de manhã, aí eu peguei e vim embora no caminhão de tora. E eles ficaram lá, eles ficaram lá na carvoaria. Eu vim embora. Aí o Johnny, eu fui lá na casa dele pra mim receber meu dinheiro ele disse que lá não tinha dinheiro não, tinha era bala, eu digo: “Ah, está certo.” Aí vim embora sem receber dinheiro. Ainda hoje tem dinheiro pra eu receber na mão dele, nunca mais, falei: “Pois está bom, nunca mais eu piso aqui.” Tinha um cabra lá que foi cobrar ele e ele foi fatiar o cara, sabe o que é? Matou o cabra dentro do eucalipto, dentro dos eucaliptos. Foi embora ele, o Johnny. Mas o bicho era enrolado. Aí essa foi a última vez que eu trabalhei em carvoaria. Aí o Antônio foi e me chamou pra trabalhar aqui na cooperativa, aí já to com dois anos já que trabalho, e eu não quero mais ir pra carvoaria não. Primeiro, fizemos o curso, né, passamos seis meses fazendo curso pra mexer na máquina, aí eu aprendi, aqui está melhor e muito. Estou pertinho de casa, todo dia durmo eu mais minha família, na carvoaria passava um mês, dois mês.
P - Oleilson, quem é o Gabriel?
R - O Gabriel é um que tem uma “voz” ali embaixo.
P - Ele tem tipo um megafone ali no centro, um...
R - É, aqui mesmo na Vila Ildemar.
P - Ah, aqui mesmo na Vila.
R - É, os cabras chegam, os caras que vem atrás de trabalhador chegam e falam pra ele: “Tô precisando de tantos trabalhador.” Ele arruma na mesma hora ali, é só ligar lá o fone lá dele e ele fala: “Estamos precisando de tantos trabalhadores.” Aí, desempregado tem muito aqui na Vila Ildemar, aí na hora aparece. Aí os cabras levam pro mato pra ir sofrer lá e morrer de fome, trabalhar.
P - Como é que foi que você conheceu o Centro de Defesa?
R - O Centro de Defesa eu conheci porque eu fui denunciar um caboclo, que eu trabalhei pra ele, aí foi que eu conheci o Centro de Defesa. Não conhecia não, aí eu fui denunciar um caboclo que eu trabalhei pra ele e ele não me pagou, né. Mas lá no Centro de Defesa ele me pagou.
P - Que legal.
R - Lá ele pagou na hora.
P - Foi quando isso, foi a dois anos atrás?
R - Foi, há dois anos atrás. Lá ele me pagou até mais do que ele me devia.
P - Mas foi alguém que te falou pra você ir lá?
R - Foi um menino que já tinha denunciado alguém lá, né?
P - E aí ele te pagou, foi embora e continuou tendo a ...
R - Não, ele me pagou, foi embora e ficou por isso mesmo, que ele não podia fazer nada comigo que ele estava lascado.
P - Aí você começou a ir no Centro de Defesa, como é que foi que você ficou sabendo do trabalho da cooperativa?
R - O trabalho da cooperativa eu fiquei sabendo foi através do Antônio, ele me falou que eles iam abrir, duas fábricas aqui na Vila Ildemar pra esse pessoal carente que não tinha serviço, não tinha profissão. Falou que ia fazer essa cooperativa, os dois lucros: de brinquedo e de carvão. Eu falei: “Rapaz, eu vou trabalhar no de brinquedo.” Ele falou: “Você tem que fazer o curso, tem que se pri...” como é o nome rapaz? Se pri... tem que se ... a palavra não quer sair da minha boca.
P - Profissionalizar?
R - Isso. Só que minha língua não estava dando pra chamar não.
P - É difícil mesmo essa palavra.
R - Pois é, aí eu peguei, né, disse: “Eu vou.” Aí nós começamos a fazer o curso, aí quando nós começamos a fazer o curso eu sofri muito porque não tinha renda nenhuma, né, e era eu e minha mulher, minha mulher pegou e saiu e fiquei só eu. Agora está melhor que nós já estamos recebendo já um benefício já, né, por conta da empresa e a nossa produção também, né, que a gente faz de brinquedo, e está bom demais, né?
P - E o pessoal é bacana?
R - É, todo mundo aí 100%.
P - Trabalhar aqui na cooperativa é melhor?
R - É melhor e muito, não tem nem comparação de quem sofre no mato. Logo quem trabalha no mato a gente só trabalha em serviço pesado só, bota força demais que quando é de tarde está morto, dorme, cansado e morto. Aqui não, aí na cooperativa não, o cara fica tranqüilo.
P - E o que você faz mais aí na cooperativa, o que você gosta mais?
R - Eu gosto mesmo de fazer é serrar madeira nas máquinas. Eu faço de tudo, né, de tudo, tudo eu faço, toda a manutenção da máquina, tudinho, e o que eu gosto mais mesmo é de fazer os brinquedos, cortar nas máquinas tudinho, acho bom.
P - E você falou que, comentou que entrou pra esse projeto Alfa da escola. Como é que foi que começou a idéia, assim, de entrar?
R - Não, é porque o menino falou que a gente tinha que estudar, né, a gente tinha que estudar pra fazer pelo menos o segundo grau. Aí ou estudava ou então ia sair da cooperativa. Aí eu disse: “Pô, agora eu vou ter que estudar mesmo.” Aí o menino foi lá e me matriculou, fui eu mesmo que fui e me matriculei eu digo, aí estou estudando a noite, trabalho de dia e estudo de noite.
P - Era bom, é bom?
R - É bom.
P - Deve ter sido difícil no começo, né?
R - É, no começo é mais, é mais... mas o cara vai indo, vai indo, acostuma. É bom demais.
P - O que você gostou de aprender lá na escola que você fala: “Agora ta legal.” ?
R - O que eu aprendi mesmo, o que eu gostei mesmo mais foi de ler, porque escrever mesmo só se for daqui mais uns cinco anos que eu escrevo bem mais até agora. Mas a ler também estou aprendendo, né, mais um pouco. Já sabia mas era mais rude...
P - E só o pessoal do seu trabalho aqui que estuda com você?
R - Tem, esse pessoal aí a maioria estuda, né, esses que não tem o segundo, só quem não estuda lá é os que tem o segundo grau, né. Aí os que tem só a sexta série, a quarta, eu tenho só a quarta série eu, eu tenho que estudar, os outros também. Um bocado também estuda lá, os que tem a quarta série, a segunda.
P - E o professor como é que é, é legal?
R - Professor? É. É outro professor já, o que estava estudando nós agora mesmo saiu e agora é outro. O outro é mais bacana, esse outro que entrou agora, né?
P - E o que ele dá pra vocês lerem?
R - Dá, ele passa o dever, né, ele passa o dever lá no quadro lá, aí tem o livro, ele dá o livro pra gente ler, o livro da quarta série, quarta e da quinta.
P - Conta pra gente um dia, agora, da sua vida, que você acorda, trabalha aqui, vai pra escola, como é que é?
R - Não, aqui é melhor porque a gente acorda, eu pelo menos acordo cedo, escovo o dente, tomo café, eu já sei já pra onde eu venho, né, pra cá pra cooperativa trabalhar. De primeiro não, eu acordava, quando não estava trabalhando ficava em casa mesmo à vontade, só mesmo brincando mais com meus meninos. Agora não, acordo cedo, escovo os dentes, aí a mulher passa o café, bebo, aí venho pra cá pra cooperativa todo dia.
P - Aí você sai daqui...
R - Saio daqui à tarde, tomo um banho, pego o livro e vou pro colégio, aí quando dá nove e meia, eu desço pra casa aí pronto, aí só no outro dia de novo eu volto pra trabalhar.
P - O que você gosta na escola, lá, que você acha legal, assim?
R - Acho legal mesmo ver e aprender, né, aprender mais um pouco.
P - A sua mulher ela fica lá cuidando do seu filho?
R - Ela fica em casa cuidando dos dois meninos, né, e fazendo as coisas mesmo de casa.
P - Com essa mudança do seu trabalho, das carvoarias para a cooperativa o que você acha que mudou, assim, o que você acha que transformou na sua vida?
R - Pra mim mudou muitas coisas porque a gente, no tempo que eu vivia trabalhando no mato a gente vive em casa, mas só passava três dias, quatro dias e caia de novo pro mato. Agora não, fico todo o tempo, pra mim está bom demais, eu estou achando bom, né? Eu estou todo o tempo com minha família, sabendo como que está, como é que não está. É melhor, é melhor assim, pra mim está 100% de bom.
P - E depois que você entrou na escola tem coisa que você faz agora que você não fazia antes?
R - Tem, porque antes, oh, por exemplo, se chegasse, se chegasse uma carta lá em casa pra mim aí eu não leria não, dava pra mulher ler, agora já pego e já leio, né?
P - O que você espera, Oleilson, da cooperativa aí, do futuro?
R - Rapaz, o que eu espero pro futuro é que melhore cada vez mais, né, e daqui a dez anos tenha pelo menos mais serviço, né, pras pessoas que tiverem sofrendo que nem eu vivia, no mato, que tenha mais serviço na cidade pra eles trabalhar, né, o que eu espero é isso, mais melhoria pra nós que, pra poder mudar.
P - Quando foi que o pessoal começou a falar pra você que esse trabalho que você fazia na carvoaria era trabalho escravo?
R - Foi agora mesmo, depois que eu comecei a trabalhar aqui que disseram que esse serviço de carvoeiro é, todo ele é trabalho escravo. Aí eu vim ver que é mesmo, que o cara sofre mais, ainda é humilhado, é humilhado... Eu trabalhei numa carvoaria que a gente bebia água era junto com a água que os animais bebiam, cavalo, bebia aquela água que era a única que tinha dentro do mato aí, na lagoa. Agora não, agora...
P - E o que você acha, achou, porque você contando essa história pra gente, né, a gente podendo passar isso pra outras pessoas, mostrar um pouco do que você viveu, o que você acha disso, assim, dessa experiência de contar pra nós, assim?
R - Dessa experiência de contar pra vocês eu estou, assim, eu estou dizendo um pouco do que eu passei, né, das coisas ruim que eu passei trabalhando em carvoaria, em fazenda, e é ruim mesmo.
P - Eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa, desejar muita força aí na sua luta, na luta da cooperativa e muita saúde pra sua família também, pra esse povo.
R - Eu também desejo o mesmo pra vocês.
P - Obrigada.
P - Obrigada.
R - De nada.Recolher