Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Inácio Cassupá
Entrevistado por Márcia Mura
Entrevista concedida via Zoom (Porto Velho), 28/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV027
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 − Bom dia, seu Inácio ______. É com muita alegria, com muita satisfaç...Continuar leitura
Projeto: Indígenas Pela Terra e Pela Vida
Entrevista de Inácio Cassupá
Entrevistado por Márcia Mura
Entrevista concedida via Zoom (Porto Velho), 28/11/2022
Entrevista n.º: ARMIND_HV027
Realizada por Museu da Pessoa
P/1 − Bom dia, seu Inácio ______. É com muita alegria, com muita satisfação que eu venho aqui conversar com o senhor, fazer essa conversa entre parentes. Então, eu gostaria que o senhor começasse a falar sobre a sua história de vida, que o senhor escolhesse o seu início, começasse a falar por onde o senhor achar melhor. Pode ficar à vontade.
R − Começando a nossa história pelo que o meu pai contava, a gente veio daquela história das minas de ouro Camaquã nos tempos do Projeto Rondon. Seu ___________ era o engenheiro naquela época. Quando estiveram, acho assim, que eles subiram o Rio Machado, que hoje é o Rio Ji-paraná. eles subiram o rio e encontraram os povos indígenas. Eu não sei quanto tempo subindo de barco, a gente sabe que o Rio Ji-paraná ele é cheio de cachoeira, eu não sei quantos dias eles subiram até chegar nesse lugar chamado de Cascata. Não sei, mas foi que conheceram primeiro a Aldeia Salamãi, depois a aldeia dos Cassupá, que eram Massaká, que é o povo Aicanã hoje. Hoje, pelas histórias que eu conheci e depois eu vou contar, que faz mesmo, toda essa parte, mesmo, é Aicanã. Mas daí a gente veio quando as minas acabaram, vieram para... o povo indígena já tinha acostumado com o pessoal da mineração, a gente veio... aliás, eles vieram pelo varadouro que o Américo Casara tinha feito, porque na época eles estavam colhendo coalha, caucho, borracha, tudo, e o chefe dessa cidade da frente ___________ daquela época era o Américo Casara, que hoje ele tem uma grande fazenda lá. Naquela época era seringalista, agora, hoje ele tem uma fazenda lá. Quem toma conta lá é Seu Hamilton Casara, segundo que eu fiquei sabendo. depois de lá o pessoal veio para o Barranco Alto, muitos fugiram à noite, fugiram de noite, correu tanto, a noite toda, e quando foi de manhã cedo, sentiram falta de uma mulher, de uma menina, mas não teve problema não. Quando uns tempos vieram duas pessoas, levaram o meu pai, a família do meu avô, que chama de ___________ chamaram ele para ir para outro canto, ficou uma menina. Essa menina vai se refletir com o pessoal lá de Costa Marques. Depois eu vou contar isso daí, logo depois. então eles vieram para Ricardo Franco, e de Ricardo Franco vieram para o Rio Laje. Eu acho que foi aí que eu nasci. É dessa história toda que eu me lembro desse Rio Laje. Hoje tem um outro tipo de parente lá, que chamam ___________ , ___________, ___________, uma coisa assim. Mas a gente ficou em Ribeirão muito tempo, onde eu comecei a crescer e comecei a estudar, o meu pai ia cortar a seringa e ia cortar castanha, tudo isso. Tinha umas plantações de canavial, coisa do SPI. Naquela época plantava laranja, tangerina, cana. Depois, na colheita da cana, fazia o mel e tal. Então... e, também, tinha uma serraria, que era para tirar madeira, para vender ou mesmo para fazer a casa, construir a casa deles. Foi quando eu tenho uma pequena história aí, vou até pedir para você olhar naquela hora, mas depois você me dá essa resposta. Então foi quando eu cresci, estudei, eu aprendi muitas coisas no garimpo, mas eu já voltei quando eu já tava homem, quando eu fui ser soldado lá em Guajará-mirim. Já não era mais Ribeirão, não era mais trem, era ônibus, porque o trem já tinha desfeito. Mas com o passar do tempo a gente veio para Porto Velho de novo, porque foi exterminado SPI, aí foi criado a Funai - Fundação Nacional do Índio. Mas só que o povo da Funai não aceitaram os funcionários do SPI. Quem apoiava o SPI na época era o Ministério da Agricultura, aí foi quando o Ministério da Agricultura chamou todo, recolheu seus funcionários para vir trabalhar no canto aqui, no campo, no Ministério da Agricultura, em Porto Velho. Na época não existia Embrapa ainda, toda aquela terra que hoje é da Embrapa era do Ministério da Agricultura. Isso na década de, em 1970, mais ou menos... em 1972 nós chegamos aqui. Daí então meus pais foram construindo, fazendo casa, fazendo roça lá para trás da terra do Ministério, mas logo após eles foram se aposentar, foram se aposentando e quem morasse em uma daquelas casas lá podiam sair, podiam alugar casa em Porto Velho ou voltar para suas terras. Não sei, tinha que desocupar aquele lugar lá. E depois dessa aposentadoria do meu pai ele ficou em Porto Velho alugando, pagando aluguel de casa. Tirou um terreno, não deu certo, não ressarciram o terreno para ele, aí ele continua pagando a terra. aí isso, como a gente vai crescendo, a gente vai evoluindo, por exemplo, procurando se casar, sei lá, procurando emprego, alguma coisa na cidade e eu fiquei na cidade uns tempos, pagando aluguel. e meu pai ficou muito tempo na cidade de Porto Velho - como diz - ‘batendo cabeça’ em Porto Velho e aí, com o tempo, a Funai chamou ele para trabalhar lá, pelo menos catar as folhas do pátio lá da Funai e ele ficou. Pagavam serviço prestado para ele. quando foi uns tempos, eu arrumei um emprego na Companhia de Pesquisa Recursos Minerais - CPRM e eu fui andar na cidade, quer dizer, nos lugares. Por exemplo, na época, Ji-paraná chamava-se Vila de Rondônia. A gente passou uns tempos lá, acampado lá na Vila de Rondônia, não tinha quase nada, a estrada era de chão, não era asfalto. Aí no Alto Pacas Novas não tinha aldeia nenhuma também. Muitos lugares, por exemplo, em Alta Floresta, a gente foi de caminho de burro, caminhando. Não tinha estrada ainda, Pimenta Bueno também, do outro lado, na linha 45. A gente andou... bom, essas partes que a gente trabalhou. E daí eu passei esses tempos sem acompanhar o meu pai, mas eu tinha um irmão, o Clóvis, que ficou mais perto dele um pouco. Quando ele viajava, eu ficava perto, mais próximo dele e quando eu viajava, ele ficava. Assim, era vice-versa. Mas aí foi quando o Clóvis conseguiu um emprego de topografia, aí ele também conheceu essas partes, muitas partes dessa terra do, bom, do estado. Então, dessa vez a gente, já na década de 1970.... aliás, já na década de 1980 a 1990, por aí assim, veio o Zé Luiz conhecer a história, a nossa história, dos povos indígenas, o direito, e ele sentou com a gente explicando sobre os direitos e tal, se a gente podia fazer uma associação, uma... aquela história toda. “Tá bom”, e a gente fez a gente fez a associação. E hoje nós temos a Opics - Organização dos Povos Indígenas Cassupá e Salamãi, porque tinha uma pessoa Salamãi no meio. Para não deixar de fora, também são eles que vieram desse tempo em companhia com a gente e uma delas estava também pagando aluguel também na rua. Até hoje ainda tá lá, eles não quiseram vir para essa terra que a gente conquistou. E a gente já começou a procurar os nossos direitos, inclusive, já em 98, já no meio do movimento, já na Cunpir, a gente começou a reivindicar terras para os nossos povos e a gente fez um documento, pediu para o povo Cassupá a terra. Aí aquela manifestação da Cunpir, fazia sempre na BR, tudo, fechando BR, ponte do Ji-paraná. Então tudo isso fazia parte da manifestação da Cunpir, fazendo essa manifestação para conseguir o que queremos. Então, quando foi 1990... aliás, em 2005, a gente parou... aliás, eu parei de trabalhar no movimento da Cunpir por falta de recursos. E foi daí então que a gente conheceu o ___________ que é o seu marido, e ele viveu um pouco da nossa história também lá na Cunpir. E foi o tempo que eu me afastei do movimento porque eu fui... não trabalhar, mas - como é que diz - fui ser pastor evangélico e fui pregar o evangelho e saí para Guajará, para Bolívia. Voltei, fui para Manaus, passei um ano em Manaus. Aí foi indo, vim ali no Castanha, no Amazonas também. Vim para Humaitá e só no Humaitá a gente passou três anos. Aí de lá eu vim para cá. De vez em quando eu me encontrava com o Clóvis, que tinha ficado no movimento lá na frente, como presidente da Opics. E de lá ele - como diz ele - aguentou muito abuso, até dos próprios parentes, do próprio irmão, perseguição e tal. Mas eu sempre falava com ele e ele me contava que o pedido era aquele: a terra para o povo Cassupá. Pelo menos para deixar que a minha mãe morasse com tranquilidade. Sempre que eu falava com ele... quando foi em 2010, eu vim para Porto Velho de novo, acompanhei um pouco o Clóvis nas reuniões, nas reivindicações. Foi naquela vez que ele recebeu o carro do Planafloro. Inclusive, eu nem sei para onde que foi esse carro, eu não sei o endereço dela. Passamos uns dias em Guajará-mirim de novo, e aquela história, né? E depois que chegou a idade em 2014, consegui a aposentadoria, aí vim pra Porto Velho de novo, 2015/2016. E pronto, não saí mais para canto nenhum. Fiquei aqui em Porto Velho. E quando foi em 2011, foi quando foi doada aquela terra lá, o Seu Antônio lá do, secretário do SPI, na reunião lá, ele se apresentou lá e mostrou um documento, que ele tinha tirado a doação da terra para nós, uma parte daquela terra do Ministério da Agricultura e a gente ficou muito tranquilo com essas coisas. Agora, a nossa pendência no público é o seguinte: é sobre, por exemplo, a direção; tem Presidente, mas não se mexe, não chega muito, é muito lento com as coisas e muitas vezes acontece algumas coisas na mídia, assim, com os parentes, às vezes a gente não tem, não fica sabendo, mas a gente ficou sempre querendo dar apoio, assim, olhando assim para frente dos povos indígenas, como que dava, e a gente acompanha sempre o noticiário. Mas agora, dois dias para cá, que só tinha minha irmã, a Helena, que assistiu a reunião de vez em quando pelo Cimi Rondônia. Convidava ela, ela ia para Brasília, ia para o Ceará, ia para encontros, mas era coisa religiosa, mas era encontro religioso assim do Cimi. Mas o movimento mesmo, não era tanto, não. Pois é, como eu vinha contando, eu peguei uma passagem, o Cimi me deu uma passagem e fui para Costa Marques. Chegando lá, eu fui muito bem recebido, os povos lá parece já que sabiam que eu ia, até porque o Ministério Público cobrou, tinha que levantar uma pessoa para ir lá fazer alguns conhecimentos, escrever em algum lugar e tal. E eu falando para missionária Laura, e ela falou que eu podia ir sim escrever lá, tomar conhecimento que eu era o cacique do povo aqui em Porto Velho e eu podia ir, que ela estava muito ocupada e não podia ir. Aí eu fui. Eu cheguei lá e fui muito bem recebido, graças a Deus. Eu fui ouvir... fizemos, houve uma pessoa mais de idade lá e ele contou a história dele, aí eu perguntei por que que ele escreveu sobrenome dele como Cassupá e ele disse assim, que era a mãe dele que tinha tirado, morava com um povo que o pessoal chamava de Cassupá. Então quando ele falou que era a mãe dele, eu me lembrei da mulher que ficou lá, porque, antes de eu ir lá, eu falei com seu Manoel Aicanã e ele disse que, contava a história, quando eles fugiram à noite, esqueceram lá. Acho que a tia dela nessa época ela tinha mais ou menos 11, 12 anos, por aí assim, ela ficou lá dormindo, que dormia lá na casa da família dos Cassupá. Quando foi de manhã, lembraram dela e cadê ela? Não estava, sentiram falta dela. E ela ficou para lá. Com a saída do meu pai, como eu tava contando, que vieram dois homens e levaram ele para Itaipã e ela ficou só. Segundo a história que o Seu Pedro me contou, que ela ficou sozinha, aí apareceu o Seu, um tal de, Manoel - não é Ferreira, não, é Moreira, alguma coisa assim. Só que ele era boliviano, meu pai contava que ele era congueiro, aquele que trabalha com burro e trazendo borracha, levando alguma coalha, alguma coisa assim. Transportando produto. E essa mulher viveu com os meus pais, assim, dessa maneira, morou lá uns tempos e ficou lá sem ninguém. Aí esse Seu Emanuel, congueiro do seu Americo Casara, casou com ela e levou ela para o seringal. De lá obteve os filhos dela, que esse Pedro é o filho mais velho que ela teve com ele. Ela já é falecida. Aí eles vieram para Pedras Negras na época e eles cresceram lá em Pedras Negras. Depois da morte dela, aí as suas irmãs casaram e geraram mais pessoas. Costa Marques é cheio dos Cassupá lá. Então, aí diz que quando vieram para Costa Marques, porque precisava estudar, precisava fazer alguma coisa de médico, essas coisas assim, tudo eles dependiam lá da Bolívia, para consultar eles iam lá na Bolívia, porque era difícil o médico daqui do Brasil chegar lá. Mas aí eles vieram pra Costa Marques e aí se instalaram lá, então a família cresceu aí em Costa Marques. Veio o Seu Pedro, não sei, é cadeirante ele, não pode mais andar, cadeirante, aí tem a Dona Rosa, tem a Dona Ana, que falam, e tem a Maria Rita. São esses os quatro irmãos que ele tem. Então todos eles falaram a mesma história. Aí quando a gente fez a reunião e todos contaram a mesma história também. Então eu fiz um relatório e protocolei no Ministério Público Federal e ficou assim, mas só que quando foi para eles legalizarem aquela __________ lá de Costa Marques, aí entrou o meu povo, que justamente era o filho do Clóvis, como disse, que estudou para advogado, ele entrou com processo para cima de mim, que eu não podia estar fazendo isso por debaixo dos panos. Eu disse: “Eu não tenho nada a ver com debaixo dos panos, porque todo mundo tá sabendo que eu tinha ido”, porque, aqui mesmo, a minha comunidade nunca ninguém aprovou eu ir para lá. E eu acho assim, que o receio deles, por exemplo, é eu tomar conhecimento... as pessoas querem vir também para cá, que a terra é pouca. É como eles falaram lá: eles não precisam de terra, porque terra, cada um tem a sua casa, tem sua chácara lá, tem sua fazendinha, tudo, tem seus pertences lá. E outro: que eles queriam saber mesmo se eles são índios, mas de que tribo, de que etnia. Era isso que eles queriam saber. Então, mas o Ministério Público, quando chamou a Funai para legalizar, aí levantou um advogado lá do... como é que diz lá? Como é que é? AGU - Advogado Geral da União. Aí tava lá também. E aí falou que tinha que botar um, colocar... como é aquelas pessoas que faz conhecimento? Antropólogo! Tinha que ‘colocar’ a antropologia lá e tal para saber se realmente era... Tá, tudo bem, eles atenderam, mas só que eles pediram 20 dias, e esses 20 dias, nunca saiu. Eu sempre tenho perguntado para as pessoas lá: “E aí, apareceu algum antropólogo por aí”, “Nada, até agora nada”. Então, mas eles estão aguardando qualquer coisa. Mas quando a gente vai para Brasília, lá na Secretaria Especial de Saúde Indígena, tá tudo lá o nome deles tudinho também. Está o nosso, está o deles lá também, tudinho. E aí eu não sei como é que tá isso aí, mas eles dizem que eles não tem direito à saúde. Quando eles vão fazer, procurar uma coisa como Cassupá, parece que as próprias pessoas de lá não aceitam. Então, e a gente já foi lá de novo, já foi lá com o Zé Luiz, o Zé Luiz falou que ele podia assinar qualquer coisa com Cassupá: “Não, pode, não sei o quê”, “Por quê?”, “Porque não é reconhecido e tal”. E isso... mas eu fiz a minha parte. Como diz, eu fiz a minha parte. Aí eu estou, estava querendo ir lá outra vez, mas eu não sei como que eu vou. Eu não sei como é que eu vou falar, porque eu ainda não fui na Funai. Agora a central da Funai é em Ji-paraná e eu não tenho conhecimento dessa história ainda. E aí para eu ir lá... antes de eu ir lá, tenho que conversar com o pessoal da Funai. Aí lá no Aicanã, eu conversando com o Seu Manoel, ele contou essa história da filha dele... aliás, da tia dele, que ficou lá no meio dos Cassupá e que posteriormente poderia ser ela que teria casado com o boliviano, pai daquele pessoal lá. E a mãe seria... eu não tô lembrado o nome dela da parente lá. Mas, então, ela é a matriarca daquele pessoal que tá tudo lá. Aí agora a minha mãe já falecida, a gente mora tudo junto ali. Mas está assim, nós somos... talvez os índios mais que não assistem reunião, não assistem nada. Não sei, acho que são os índios assim meio... como é que chama? Meio guardados na nossa tradição e cultura, o porquê não sei. Mas, para mim, assim, eu acho que precisa de uma liderança que represente nós, represente assim na nossa cultura, senão a nossa cultura vai por água abaixo. Aliás, nós somos já da terceira geração. Além de que a gente já não fala a língua, a nossa língua materna. Eu só conheço a língua materna porque sempre vou ali no Aicanã, lá com o povo Aicanã, a maior parte deles são meus primos, e quando eu vou para lá, é só primo para cá, primo para acolá e pronto. Aí só tem uma senhora lá, uma parente lá que ela ainda é minha tia, ela tá viva ainda. É a Maria Tadeu, que ela foi casada com o irmão de minha mãe e meu tio morreu e ela ficou. Aí tem duas filhas com ela. E ela está lá, diz ela que já está - segundo a Eliete, a minha prima - sentindo dores para lá, dores pra acolá. Já foi no médico para consultar, já consultaram ela, mas diz que ela não tem nada. E tá assim, tá ‘caminhando’ também para o final. Aí tinha o Peri, do qual eu conversei, que contou aquela história também da fuga deles. Aí ele contou também que - eu perguntando: por que o povo tem uns Cassupá, tem outros Salamãi? Aí ele disse: “Tem até ___________ até o povo (Quasar?) faz parte dos Aicanã também”, diz que foi a primeira família que fugiu. A família deles crescerem e aí eles saíram, foram para as aldeias muito longe, como ele falou, muito longe daqui. Aí o Quasar, o nome dele era ___________. Aí com o tempo também saiu os Salamãi, os Salamãi também foram fazer aldeia. Aí por último saíram os Massaka, que são os Cassupá. “Por que Cassupá?”, ele disse: “Porque eles são o mesmo Massaka. Cassupá porque é Massaka”, “Ah tá”. Então eles falaram que no final dessas coisas, tudo são Aicanã, de longe, porque são já da segunda, terceira idade, mas são tudo Aicanã. Disse: “Ah, tá. Nós somos Aicanã”. Ele disse: “É, nós somos Aicanã também”. Aí a tia Luiza... botaram o nome de Luiza por quê? Porque a minha mãe também chamava Luiza. Aí como ela veio para cá, ela ficou na aldeia, mas depois veio para Ricardo Franco e veio para cá, para Porto Velho, aí quando nasceu outra filha dela, ‘botaram’ o nome dela de Luiza, que é a tia Luiza. Por isso que tem duas Luiza na família: tem a tia Luiza que morava, que faleceu primeiro que minha... não, faleceu depois da minha mãe, ela faleceu de Covid. A minha mãe faleceu de uma doença dum beliscão de um galo na perna dela e eu não sei, sei que inflamou, ela foi ao hospital e depois foi a óbito. E disse que foi do beliscão do galo que deu nela. É isso que eu sei da história dela. Aí por último... aliás, ela falando, a última vez que eu conversei com a minha mãe, ela falou assim: “Meu filho... - eu acho que eu tenho anotado aqui, ela perguntando para mim - quando - na versão dela - eu me acabar, para onde é que tu vai ficar? Tu vai ficar aqui ou quer ir lá para tia, lá para o Aicanã?”. Aí eu falei para ela assim: “É mãe, eu tô querendo ir lá para Aldeia do Aicanã, mas eu não sei da minha mulher se ela vai querer ir, acho que ela não vai querer ir não. Aí ela disse: “Vai assim mesmo, sozinho mesmo”, mas tem aquela história de a gente amar uma pessoa e a gente não quer deixar assim de qualquer jeito. Então eu tenho vontade de ir para lá, mas até agora não deu sorte de ir ainda para lá. E essa acho que é a versão que eu tenho até agora.
P/1 − Tá bom, seu Inácio. muito bom esse percurso todo que o senhor apresentou de vocês e, também, esse encontro com esse outro grupo Cassupá e que também agora eles se encontram no momento inicial da luta de vocês, que vocês também passaram por todo esse processo. Mas a luta vai continuar e vão também conseguir o reconhecimento, assim como vocês conseguiram. E como eu disse para o senhor, é sempre muito emocionante estar conversando com o senhor, porque a gente sempre traz aí presente a luta, a memória do Seu Clóvis. Eu acompanhei todo esse trajeto também de retorno lá para os Aicanã e toda essa luta junto com vocês para demarcação, dessa pequena demarcação, mas que é muito importante garantir, como o senhor falou. Então vou seguir agora o roteiro de algumas perguntas. Eu vou fazer para o senhor e o senhor vai respondendo de acordo com o que o senhor entende, tá bom, do seu entendimento. Gostaria de saber do senhor o seu nome completo, que o senhor recebeu, que tá no seu registro de nascimento, dentro do, o nome não indígena. E se o senhor tem algum nome indígena também e se o senhor lembra, se o senhor sabe como esses seus nomes foram escolhidos e o significado que tem o seu nome. Seu nome não indígena e o seu nome indígena, se o senhor tiver.
R − Olha, meu nome indígena na língua, como dizem, como falam, é Duklhar Wurupuh. Esse é meu nome original. Agora, o nome do branco é José Inácio mesmo: José Inácio Cassupá. Wurupuh significa Cassupá. José Inácio Cassupá e tem Duklhar Wurupuh. Aí lá no final do... tem muita gente que diz assim: “O nome brasileiro é José Inácio Cassupá, mas na língua é Duklhar Wurupuh”.
P/1 − E o senhor sabe o significado desse nome na língua?
R − tem Duklhar é - como é que diz assim - o homem feiticeiro. (risos) Agora, Cassupá é Cassupá mesmo, sobrenome da aldeia. Sei lá, alguma coisa assim. Esse já quem me disse foi o seu Peí, que me disse que tem Duklhar é homem feiticeiro. Quando eu falei o meu nome: “Ih, é homem feiticeiro”. Aí eu... Uhum.
P/1 − Então o senhor falou o nome do seu povo. E aí Cassupá, mas aí o senhor contou toda uma história que vem dos Aicanã e tal. Aí o senhor pode falar de novo para gente assim, sinteticamente, qual o povo de origem de vocês e quais foram os desdobramentos do seu povo para chegar até os Cassupá?
R − Olha, toda essa... eu acho que eu não sei não como é que aconteceu isso não, mas eu só sei dizer que os mineradores encontraram ele numa aldeia acima de uma... acima da cascata. Era uma cachoeira, pelo falado o pessoal lá. Eu andei numa cachoeira lá e o Seu - como é que é? Deixa eu ver o nome do meu primo aqui. Ele falou, o França, e eu andando por lá, a gente andou por cima de uma cachoeira assim, um pedregal bonito, de queda assim. Aí ele falou, disse: “Aqui que o pessoal chama de Cascata”, ele falou. Eu disse: “Ah é?”, “É”. Eu andei com ele mais ou menos o dia todinho lá com ele, aí ele disse... aí ele mostrou lá onde era mais ou menos _____ e ia ser até coberto porque o... eu não sei qual foi, do governo, fazendeiro, sei lá, que tava fazendo uma coisa lá - como é que diz -, um açude para hidrelétrica, mini hidrelétrica. Uma coisa assim. Aí aqueles pedregal todinhos iam sumir, aí ia encher de terra ______. Então, mas ainda eu consegui ver ainda que era uma cachoeira bonita lá, com deslize de água, de pedra e tudo. Diz que lá, que chamavam de Cascata, por isso que o povo lá daquela época chamavam de Cascata. Era tipo assim, uma... e lá tinha, parece assim, um morador antigo mesmo ____
antiga mesmo. Aí é só isso que eu vi lá. Aí então diz que acima dessa cachoeira foi que encontraram a aldeia, aí desceram pro Cascata, onde tava o acampamento dos garimpeiros, dos mineradores, daí então... e fizeram um varador até sair nesse Rio ________, aí do Rio _________ foi que pegaram um varador que vinha lá do __________ do Seu Americo Casara, para poder sair via - parece que é - Rio Corumbiara, que tem ali. Aí nesse Rio Corumbiara tem um lugar por nome Barranco Alto, onde eles ficaram um bom tempo lá. Aí foi quando foram para lá para Ricardo Franco. Então o povo diz que quando perguntaram... o meu pai ele lembra assim um pouco, que ele era, tinha uns 14, 15 anos, por aí assim. Aí quando perguntaram dele, como chama o nome dele, ele só falou que era Massaka. Aí como era Massaka, aí chegou um outro, me parece que era, segundo Peí conta, primo dele. Parece que era pai do Biraí, alguma coisa assim. É, pai do Biraí. Aí ele falou que era Cassupá. Aí eles falaram: “Cassupá e Massaka é a mesma coisa?”. Ele disse: “É. Cassupá é língua do branco, Massaka é o nome indígena”. Por isso que eu falo que Cassupá e Massaka é a mesma coisa.
P/1 − Tá bom, obrigada. Onde, quando o senhor nasceu, Seu Inácio?
R − No rio? Bom, onde eu nasci chamava-se Rio Laje. Até hoje tá o Rio Laje lá. Aí lá, antigamente, também era Posto Tenente Lira. Esse foi dado pelo SPI, Posto Tenente Lira. Até hoje tem lá. O pessoal hoje chama de Laje Velho, esses parentes que moram lá hoje, porque fizeram outro na aldeia, mais para cima parece, aí tem o Laje Novo, aí tem o Laje Velho. Lá é o Laje Velho onde tem a cachoeira.
P/1 − E quando foi que o senhor nasceu?
R − Foi em 1953, acho que dia 19 de Abril mesmo. Quer dizer, tá no registro, (risos) Estava no registro, não sei.
P/1 − Então o senhor nasceu no dia de luta... como sempre, não é só um dia que é o nosso dia, mas é todo dia, mas que é reconhecido pela sociedade não indígena o Dia dos Povos Indígenas. Então, vamos lá. Contaram para o senhor como é que foi o dia do seu nascimento?
R − Não, nunca contaram.
P/1 − O senhor pode falar o nome da sua mãe e como que o senhor descreve a sua mãe? E se o senhor puder falar um pouco mais sobre a origem da parte da sua família por parte de mãe.
R − A minha mãe ela sempre foi assim uma pessoa lutadora pela gente, como diz assim, pelos filhos, porque ela sempre defendia... como diziam, ela tem muitos filhos assim que... mas tem um que parece assim que a mãe parece que gosta mais do filho e eu era o xodó dela. E embora eu saísse para muito tempo assim, mas ela nunca esquecia, que ela carregava no colo, brigava comigo, corria atrás de mim com cipó e ela disse que, sempre contava assim, né? Já o meu pai era o lado do Clóvis, o Clóvis era o xodó do papai. Mas a minha mãe ela sempre quando vinha para roça, ela me levava, ela ia comigo, me levava, acompanhar ela. Levava água, ela ia arrancar macaxeira, arrancar, tirar a banana, essas coisas assim. E a fisionomia dela, me parece assim que ela tinha, como é que diz, o nariz furado assim. Antigamente ela usava pena, aí depois que ela chegou aqui, nunca mais ela usou não. E também ela nunca chamou assim pra gente aprender a nossa língua, aí até do qual eu tenho alguns conhecimentos da língua materna, mas é assim naquele povo Pacaás-Novas. Eu não falo bem não, mas conheço algumas palavras dele. Por exemplo, bom dia... essas coisas assim, coisa mais fácil de falar. E a minha mãe mesmo, nunca vi falar. Aí os meus parentes lá do povo Aicanã, tem algumas palavras que a minha mãe falava e eu escutava e falava. Por exemplo, _________, né? Aí o povo lá, conversando lá, falou: “Não sei o que lá de _________”. Aí eu fiquei escutando, daí uma prima minha ela perguntou: “Tu entendeu alguma coisa?”. Eu digo: “Eu entendi não sei o quê e ______ de banana”. Ela disse: “É, nós falamos assim que nós íamos tirar banana”. Aí eu disse: “Ah tá”. Aí ela falou: “Tu entende alguma coisa?”, “Pouquinhas coisas eu entendo, como _________, como _________, como coró”, tem muitas coisas que eu escrevi aqui... que não tá aqui não, mas tá no outro caderno lá. Mas algumas coisas eu aprendi assim. Por exemplo, galinha é _________. Aí ela disse: “Mas se tu vier morar aqui, aí tu aprende a falar”. Eu digo: “É claro que sim”, mas essa parte aí está, como diz a história, na minha vontade, se eu vou para lá. Tem hora que dá vontade de ir para lá, mas aí eu fico pensando, vou deixar a mulher aqui, ela não quer ir. Porque diz ela que fica perto da mãe dela... aliás, dos irmãos dela, aqui em Porto Velho. É isso aí.
P/1 − Então o senhor podia falar para mim o nome completo da sua mãe? Tanto o nome não indígena e se ela tiver também algum nome indígena, também. E o significado do nome, se o senhor souber.
R − Ela tinha... eu ouvia o pai falar, né? Ela mesma nunca falou não, mas o pai falava que o nome dela era Alotar. _______ é mulher, acho que é a mulher da selva ou mulher da mata, alguma coisa assim. Ou é uma mulher da Mata ou é mulher da selva, uma coisa assim. E aí a Maria foi colocada, Maria Luiza. Mas aí tem eu tenho dúvida assim, porque eu passei cinco anos fora de casa, quando eu estava em casa, chamavam ela de Maria Laura, que tá até no meu RG: Maria Laura Cassupá. Cassupá por causa do pai. Mas aí quando eu voltei, já chamavam Maria Luiza, aí eu não sei como diz a história. Mas no meu RG tá Maria Laura ainda.
P/1 − Seu Inácio, o senhor falou que tem algumas palavras que o senhor ouvia a sua mãe falar, que é da língua indígena originária de vocês, que o senhor sabe e sabe o significado. Será que tem como o senhor, tipo, falar as palavras e em seguida o significado que o senhor lembra?
R − Agora você me pegou. Mas espera aí, deixa eu lembrar alguma coisa aqui. Eu acho que pelo nome da, acho que você sabe qual é aquele... como é que... o pessoal chama de bicho de patuá, que cria aqueles bichinhos, parece um gongo. Lembra? É esse daí que é o coró, sabe? É esse que é o coró. Daquele grandão também, de mamuí, não tem? Aquele também é coró também, coró grande e coró pequeno. E aí, ____________ é banana comprida, culalua é galinha. Deixa eu ver mais. Tem muito mais coisa. Por exemplo, coré é macaco, aquele, não tem aquele macaco preto? É coré o nome dele. É só isso aí que eu sei, por enquanto eu tô lembrando.
P/1 − Tá ótimo. Vamos seguindo então. O nome, o senhor pode falar o nome completo do seu pai? Tanto na língua, tanto no registro oficial não indígena e, também, se tiver o nome indígena. E o significado, se o senhor souber. E, também, fazer uma descrição dele, como é que o senhor descreveria ele, e um pouco da origem da parte da família paterna. É a mesma, tanto a sua mãe e o seu pai eram Cassupá?
R − É, uhum. Bom, o meu pai ele tinha dois nomes: tinha Urucu e tinha... deixa eu lembrar aqui. Urucu, quando ele saiu da companhia do pai dele, do seu, do avô ___________ é o nome do avô. E o pai tinha, o nome dele era Urucu e tinha... pera aí, agora eu não sei se ___________ era o Manelito ou era o Alonso. Deixa eu ver aqui. O nome dele na língua me parece que era ___________
e tinha Urucu quando ele saiu de lá. Mas ele tinha o nome dele que era... Urucu, não. Ele era ___________. E esse ___________ é o mesmo do Clóvis também, por isso que eu não sei como é que traduz esse, mas é o nome dele aqui era Alonso Cassupá, só esses dois nomes, nome e sobrenome. Agora, __________ era o nome da aldeia, Yurupú porque ele era guerreiro junto com meu avô.
P/1 − Como é que o senhor descreveria o seu pai?
R − Ahn? Como?
P/1 − Como o senhor descreveria o seu pai?
R − Meu pai ele era um homem talvez de 1 metro e, talvez um metro e 70. Ele não era muito alto não, era mais alto que eu. Mas ele era um homem dedicado a família, só que ele era muito ‘brabo’ com a gente, muito ‘brabo’. Como diz, não tinha educação com a gente. Aqui no meio do ______
podia dizer que ele não tinha educação, porque também nunca estudou, mas ele era um homem cuidadoso. Mas também ele tinha cuidado. Assim, por exemplo, é igual assim, ele não era muito apegado a mim, mas se alguém mexesse comigo, era igual assim, ele podia tomar as dores por mim. Assim, acho que qualquer pai é isso, não sei, alguma coisa assim. Mas ele, talvez ele maltratava muito a minha mãe, muitas vezes ele maltratava dela por causa dele ser muito estúpido e ignorante, não queria saber de nada, mas também ele nunca - como é que diz -, no meio de muita gente, ele nunca talvez conheceu outra mulher que não for a minha mãe. Talvez assim. Eu nunca, como diz a história, nunca vi na história dele assim, por exemplo, ele teve outro filho, eu tenho outro irmão _______ nós éramos 6. Era o Clóvis, eu, Inácio Cassupá, depois a Raimunda, Maria Raimunda, depois o Zezinho, que morreu ______, aí depois a Helena e o Roberto também, que está falecido também. Aí nós somos... aí ele, o Clóvis já é falecido e só tem eu, a Maria Raimunda e a Helena. Nós três só.
P/1 − Já aproveitando que o senhor já falou dos seus irmãos e irmãs: como que é a sua relação com seus irmãos e suas irmãs?
R − Olha, a minha irmã mais velha, eu não tenho muita, a relação muito boa com ela assim não. Só a Helena, porque, sabe, talvez ela nunca perdeu a tradição, a cultura nossa assim. A Helena é mais nova, mas sempre que eu tô meio adoentado, ela vem em casa, me ver como é que é, até porque ela é AIS pelo Sesai. Mas é uma irmã que sempre me procura para alguma coisa. Precisando de alguma coisa, ela me oferece. Se ela tem alguma coisa com fartura lá, ela reparte comigo. Mas a minha irmã Raimunda é isenta disso daí tudo, ela não me procura. Quando eu quero, quando eu falo com ela pela... aí eu fico falando até assim: “Poxa, tô com saudade de tu e tu não...”. Aí ela diz: “Ai, eu moro lá pertinho de tu e tu nem vai lá”, então quer dizer, ela, para mim assim, só quer receberm, não quer repartir. Então para mim ela é uma irmã isenta de mim, porque não concorda com nada que a gente quer fazer. Por exemplo, uma reunião que a gente, que eu tava querendo para reivindicar aquela parte que vocês viram lá, para puxar a terra, para puxar lá, recuar tudo, ela disse que ela não vai fazer reunião nenhuma não porque ela vai tomar terra do ministério e tal, não sei o que. É aquelas coisas, né? Então ela nunca concordou com nada com a gente, não concorda com nada. Aí colocou o filho dela como presidente da associação, e aí pronto, por aí parou tudo. Aí para tudo. Ninguém sabe o que que tá acontecendo naquele projeto da Santo Antônio Energia que ia fazer uma oca para nós lá, ninguém sabe como é que está, se acabou tudo. Não sei como é que tá isso aí não. Tinha que fazer uma rua lá para trás, pra abrir assim, pros filhos do Clóvis vir morar para lá se eles quiserem, mas nada disso, não faz reunião de maneira nenhuma. Eu, na verdade, tô ‘enjoado’ com isso aí. Aí eu mesmo vou fazendo e recebendo convite e vou indo. Então quando fizer, eu vou, mas se esperar por ele dizer assim: “Vai lá, meu tio”, não vai não. “Aí eu tô à disposição de vocês aí qualquer coisa, tá bom?”, e é isso aí.
P/1 − Seu Inácio, uma coisa que eu ia perguntar pro senhor, é que o senhor falou sobre a Cunpir e agora você está falando... o senhor falou de outra organização agora. Aí seria importante o senhor falar o que que é a Cunpir, o que que é essa outra organização que o senhor falou agora também. Outra organização não, o senhor falou da Santo Antônio Energia, né? O que que é essa Santo Antônio Energia e por que que teve esse acordo com eles e também não cumpriram? Mas primeiro explica pra gente o que é Cunpir.
R − A Cunpir é aquela Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia que existiu na época, no tempo do presidente, era o Antenor Karitiana. Aí segundo a história que eu fiquei sabendo, que ele pegou muito dinheiro da Santo Antônio Energia, mas talvez não conseguiu fazer nada. A Santo Antonio Energia é essa que fez a barragem de Santo Antonio, da energia, a barragem que tem aí - como é que diz? Como é que faz assim... essa linha de energia aí, como é que diz? Essa barragem Santo Antonio aí. Então a Santo Antonio Energia é um empreendimento de energia ______, então ela estava dando compensação pro estado devido a enchente, devido a perder as terras, não sei o que lá. Então a compensação - o projeto da compensação, que fala -, então nós fomos, ficamos, pegamos parte dessa compensação, só que essa compensação, era pra ela fazer essa oca grande pra nós, maior, com, por exemplo, assim com lugares pra 50 cadeiras, parte de escritorio, 2 escritórios, parte da cozinha. Era tipo igual assim o formato de uma melancia. Não era uma oca redonda, era uma oca meio comprida, no formato de uma melancia. mas só que isso nunca aconteceu isso, porque depois veio a fiscalização na época da entrega da ______ não sei, dessa Energia aí, então parece que ela freiou, ‘fechou a torneira’ e aí pronto, todo mundo ‘foi pro brejo’. Aí a oca não saiu. Tem saído alguma coisa, mas é por causa da Sesai. Por exemplo, a irrigação de água, os canos, o poço, tudo foi pela Sesai, mas a rua que era pra fazer a repartição todinha, encascalhada todinha, a casa... a oca que ela ficou de fazer o transporte, que ela ficou de doar pra nós, uma casa com 2 compartimentos pra fazer ali... está até reservada, a mata está até hoje lá, a área está reservada ainda. Fazer banheiro, essas coisas assim, alguma plantação _____
jardim, uma coisa assim, tá lá porque nunca saiu do papel e também nunca mais a Santo Antônio Energia nos procurou, nunca mais. E a gente não sabe de nada, porque o presidente que foi, o presidente da nossa associação, a Opics, a Organização dos Povos Indígenas Cassupá e Salamãi, ele não se, não tem ideia de procurar essas coisas, é por isso que encalhou tudo, parou tudo também. Acho que desde 2015 pra cá não tem feito nada até agora. E eu acho assim, que precisa a gente ir atrás, correr atrás pra ver o que está acontecendo, se vão fazer ainda, porque segundo naquela vez que estava em reunião, essa Santo Antonio Energia ia ficar até 2025, ainda tem 2 anos ainda, 3 anos, por aí, pra correr atrás disso daí pra ver o que está acontecendo, se ainda vão fazer ou se esqueceram de tudo. Porque são 3 etnias que tão nesse projeto: é os Cassupá, Karitiana, os Karipunas, esses 3. Não sei se algum deles receberam e não falaram nada, não sei como está isso aí não. Acho que deveria levantar alguém ou colocar no Ministério Público pra explicar alguma coisa. É isso aí.
P/1 − Tá bom, seu Inácio, muito obrigada por nos explicar isso. O senhor falou dos seus pais, da sua mãe, do seu pai, dos seus irmãos; o senhor poderia falar um pouco sobre seus avós maternos e paternos? O nome deles, da sua avó, do seu avô. O que o senhor sabe sobre eles?
R − A mãe e o pai da minha mãe, eu não sei, porque ela nunca falou e nem o pai também. Eu só sei assim do pouco assim que, da minha avó também é assim que o... Unhacai é meu avô, eu não sei... ___________ é, como diz a história, que ele era um homem ‘brabo’___________. Outros falavam de Santiago, o nome do branco ele era Santiago e na língua era Unhacai. E da minha avó eu tenho poucas lembranças dela, que meu pai falava que chamava-se Luiza Cabixi. Parece que era assim, Luiza Cabixi. E no nome da língua, me parece que era quase como Alotar, o nome da minha mãe. Mas era Alotar também, porque Alotar copiava o nome da minha avó, segundo ele contava essa história. Essa essa história, só sei disso aí.
P/1 − Tá certo. Então o senhor estava falando do seu avô, da sua avó por parte de mãe. E de pai?
R − De pai. Agora, da minha mãe eu não sei, nunca nem ouvi falar. Ela nunca contou pra gente.
P/1 − Tá. Então, o senhor gosta de ouvir histórias? E quem contava história pro senhor e quais das histórias que marcaram mais para o senhor? O senhor pode contar essas histórias?
R − Quem contou mais história pra mim foi meu pai. Me marcou assim, por exemplo, ele gostava de contar história, por exemplo, que no tempo que contavam história pra ele, parece que o pai dele contava, contava sobre... eu acho assim que quem lê a bíblia, é sobre o dilúvio, que ele disse que um tempo aí contaram uma história pra ele que existiu uma grande enchente que cobriu a mata toda ______ , mas disse que ficou uma palha de buriti em pé aparecendo bem a pontinha assim. Aí, essa história, ele contava também que aparecia muita gente nadando nas águas assim, mas também aparecia olho de madeira, pau seco, sei lá, alguma coisa assim, e aí no meio daqueles pau seco saía ______ se balançando assim, saía também aqueles enormes caranguejos. História de índio mesmo, né? Aí aquela ______ que era de caranguejo, era catando as pessoas que viam se agarrando naquele galho, que era os braços do caranguejo e aí o caranguejo ia comendo as pessoas tudinho, um monte de gente. Muita gente... muito caranguejo também comia gente. E até que esse, um dos índios, uma pessoa, deixou secar e aí foram descendo. A maneira como ia secando a água, ia descendo uma mulher com ele, aí ficou aquele casal. Por isso que apareceu um monte de parente contando essa história. E aí quando a gente passou a ser crente, a gente começou a olhar, a gente conheceu a história do dilúvio, aí coincidiu com a história que meu pai contava. Pra mim essa foi uma marcação na história de vida dele pra mim, ficou na minha mente até hoje. Até hoje. Aí a outra história que ele contava também era que... porque que surgiu muita gente assim. Ele disse que quando aquele povo saiu, começou a criar gente, como diz ele, aí alguns parentes iam esperar cutia, aí passavam sempre por uma laje de pedra, aí atrás é que tinha um pé de cumazeiro, pé de fruta, que a cotia vinha comer. Aí numa daquelas passagens tinha um buraco, ele dizia assim, do tamanho assim, talvez assim de um cano de 6... de 150mm... 200! Que é mais grosso assim. Então nesse buraco, toda vez que passava ali, existia um braço ali que dizia assim: “Olha como está quente aqui, ______ frio”, aquela voz dizia pra ele. Aí disse que surgiu um bocado de gente vendo aquela história, ‘vendo’ aquela voz e aquele braço naquele horário, aí foi que fizeram... diz que existia um homem muito forte, fizeram um machado pra quebrar, rachar aquela pedra pra ver o que que era aquilo ali. Aí diz que muitos tempo fizeram um machado grande e disse que aí conseguiram partir, bater com aquele machado grande, que não foi só um, eram vários machados de pedra, e conseguiram abrir aquela pedra lá, aí diz que foi onde saiu muita gente dali, disse que hoje... naquele tempo saiu um monte de índio, muito parente. Não sabiam falar, mas que ‘falava’ com um assim, aí entendia, aí um seguindo o outro. Caminho, né? Por exemplo, se eu falasse com alguém e não me entendia, mas ele falava com outro e entendia, então acompanhava aquele ali. Então aquele caminho foi uma história, mesmo que seja a história de Trancoso, mas também foi que marcou a minha vida também. Foi essa... por isso que existia um monte de parente assim na terra, por causa daquele pessoal, que eles tiraram da pedra e escaparam da grande água talvez. Essa é a história.
P/1 − São histórias muito importantes, essas duas histórias que o senhor contou, porque são explicações, dentro da percepção seu povo, da origem do mundo, da origem das pessoas. Outra explicação possível, né? Isso é importante porque existem, cada cultura tem sua maneira de explicar a origem das coisas e o senhor trouxe duas histórias que explicam isso. Isso é uma preciosidade pra todos nós, quero lhe agradecer por isso. Inclusive, o seu filho, o que uma época assumiu a coordenação da Opics... eu esqueci o nome dele agora.
R − O Gerson?
P/1 − Isso! Ele tinha mencionado para mim... uma vez eu escutei uma palestra dele que ele falou desse caranguejo, que até eu ia perguntar pro senhor mesmo sobre isso. Então, esse caranguejo era um, como se fosse um encantado?
R − É, gigante.
P/1 − O senhor podia explicar melhor pra gente o que que é esse caranguejo na cultura do povo de vocês? Na forma como foi explicado para vocês.
R − Foi assim, diz que era assim, por exemplo, aquela história que eu falei sobre os galhos secos boiando e tal, aí o povo se batendo, nadando para encontrar alguma coisa para se firmar e não encontrava e justamente ia parar na mão do caranguejo, que esse, segundo ele contava, era um caranguejo grande que aparecia os galhos, aliás, que parecia com galhos de pau as mãos dele. Aquele galho da mão dele, dos braços do caranguejo, então era aquilo ali que pegava o pessoal. Segundo a minha imaginação, era talvez um gigante, um caranguejo gigante que fala, né? É isso aí.
P/1 − Tá bom, obrigada. Seu Inácio, deixa eu lhe perguntar mais algumas coisas aqui, essas relacionadas à formação das culturas. Dentro da sua família existem pessoas que assumem funções culturais e funções institucionais? O senhor entendeu a pergunta ou quer que eu explique melhor?
R − Explica melhor.
P/1 − Que assim, dependendo de cada povo, dentro da sua organização própria, tem aquelas pessoas que assumem papel de Cacique, de Pajé, de liderança e que assumem um papel ali da organização interna da comunidade e também de diálogo com a sociedade não indígena, então, papéis culturais que alguns assumem dentro da comunidade, e tem os papéis institucionais, tipo coordenador da organização indígena, o agente de saúde, entendeu? Então, isso que eu tô perguntando: se na sua família tem pessoas que dentro da própria organização do povo já são desde criança formados para assumir um papel cultural, uma liderança e se tem também as pessoas que assumem a parte institucional, que são os papéis que estão representando ali as instituições, a Funai, a Sesai, a Seduc, entendeu?
R − Olha, existe assim a nossa... a cultura nossa lá ela já é meio... meio não, já é quase toda balanceada assim mais para civilização, o branco, como diz a história. Mas tem pessoas que estudam, que são formados, são advogados e isso já parece assim que não faz mais nem questão de ser índio mais. E tem outras partes assim, por exemplo, os mais velhos que nem eu, eu considero, parece que eu sou o mais velho dali, mas tem a Regina ali dos Salamãi, tem o João Salamãi também e também tem a Raimunda, são três. Também tem a Marlene, que é a filha do Basílio Cassupá e tem alguns filhos meus que ainda ‘puxam’ a cultura. Se você ‘puxar’ ele para ter algum relacionamento com a ação cultural indígena, ele vai, que é o Gerson, mas é porque ele foi o primeiro filho que eu tive, mas do primeiro casamento. Aí sabe como é a história, não deu certo e sai. Aí já no segundo casamento, eu tenho mais três filhos, mas tem um que é o mais velho, ele mora lá na aldeia também, na nossa aldeia, mas ele é assim, como diz a história, em cima do muro: se arrumar alguma coisa boa para ele, ele tá na cultura indígena, mas se arrumar alguma coisa melhor lá fora também, ele vai para lá. Ele tá trabalhando na ___________, por enquanto está. Então, um monte de nós lá, muitas dessas pessoas da terceira geração, bem dizer, já não estão mais segura assim na cultura, aculturado, né? Talvez já esqueceram. Além da gente não falar a língua materna, já estão saindo da tradição, não tem mais a cultura, não tem aquela festa aculturada nossa e tal. Por mais que, por exemplo, eu sou mais velho, eles não dão tanto valor. Mas tem na nossa, como é que diz, aquele regimento interno da associação, lá tem que o cacique, tem o presidente e tem o vice e tem o tesoureiro, secretário, essas coisas assim, mas ninguém ali mais ‘puxa’ para nossa cultura-tradição, são tudo ali acomodado. Eu não sei se a gente, por exemplo, eu sendo mais velho, mas eles não dão valor, que é Cacique ou não, não tem isso mais. Já essa cultura tem, porque todos eles são seguros nos seus empregos. Por exemplo, o presidente ele é Aisan na Sesai, a minha irmã mais nova, que é a Helena, ela é AIS, que é auxiliar de saúde lá e tem a minha irmã mais velha também, que a gente não se dá quase, não conversa quase, a gente não tem certo diálogo, a minha irmã Raimunda ela tem o emprego dela que é no posto lá, no Posto, ali, Miriam. Ela trabalha lá faz tempo, muito tempo, já, talvez é aposentada, mas também recebe ainda um salário, porque ela trabalha ainda lá. Mas é assim, aí tem a igreja com ela lá e pronto, como diz a história, cada qual dá o seu jeito para lá. Eu acho que ela pensa dessa maneira. Mas também não tem essa tradição, a cultura que nós temos: por exemplo, temos o Cacique, tem o Pajé. Minha mãe era considerada uma Pajé, porque ela ensinava remédio e dava remédio para gente e dava certinha. Então eu considerava ela como Pajé e ela dizia sempre que eu era o Cacique, mas só que hoje a gente, essa parte aí tá esquecida aí, tá esquecida pela parte da nova direção aí. Bem dizer assim, não tem valor com essas coisas, não dá valor.
P/1 − Então, seu Inácio, mas é assim mesmo, toda comunidade tem seus problemas internos. Aí, essa parte dos problemas internos, não precisa ficar falando, vamos focar mais na questão mesmo da sua experiência de vida, da história do povo, pra ficar registrado a importância disso tudo, porque problema tem em todo lugar, todo lugar tem um problema. Mas assim, o senhor poderia só... por exemplo, mesmo com todos esses problemas, existe o senhor, que ocupa o papel de Cacique, que tem as pessoas na comunidade que reconhecem esse seu papel de Cacique. Outros não, mas isso faz parte. Aí então tem o senhor, que é o papel que foi inclusive repassado pela sua mãe, como o senhor disse, que ela, já, sempre falava que o senhor era o Cacique. Se alguns reconhecem e outros não, isso não importa, o importante é que foi repassado esse papel pro senhor e o senhor está fazendo o seu papel dentro do que é possível. Então assim, o senhor poderia só explicar assim: na parte cultural tem o senhor, que é o Cacique, e na parte institucional? Aí o senhor vai dizendo o nome dos seus irmãos e o papel que eles assumem enquanto Sesai, agente de saúde. Na parte da educação, tem alguém que assume algum papel aí na comunidade?
R − Só a Sesai mesmo que tem o presidente, que é o presidente da associação, que é o Selmon, ele é o presidente da entidade da nossa organização, mas ele é Aisan lá da Sesai.
P/1 − Tá, então vamos combinar assim, pra ficar uma resposta inteira, pra ficar bem organizadinho, aí o senhor só fala assim então da parte cultural, o senhor fala do papel que o senhor assume, que é o de Cacique, e aí depois o senhor fala que tem o seu sobrinho, que ele assume um papel que é da organização política da comunidade, que é a coordenação da Opics e, ao mesmo tempo, ele também assume o papel de agente de saúde. E aí o nome da sua outra irmã e o papel que ela assume também quanto agente de saúde. Pode ser?
R − Uhum.
P/1 − Aí já fica melhor explicado, está bom? Então aí o senhor pode explicar agora.
R − Bom, eu tenho, o meu papel, como eles falam lá, que eu sou índio tradicional. Como Cacique, eu tenho, eu gosto de ver, eu puxo pro lado tradicional, mas também eu assumo a parte política externa, por exemplo, fora, quando me convidam e tal, “está acontecendo isso” e eu vou lá. Aí, como presidente, tem o meu sobrinho, que ele é funcionário e atende a parte política como presidente da nossa organização. É o Selmon Cassupá de Souza, como ele fala o nome dele. Então ele é o presidente, ele é o que tem o assunto político. E tem a minha irmã, a mesma coisa também, ela é funcionária da Sesai. A minha irmã Helena é Aisan, mas também ela não se posiciona na parte cultural não, ela tem a ver só com o emprego dela e pronto, e cuida também da articulação. Ela é na articulação. E tem o meu sobrinho, que ele é presidente da organização, mas ele é, como pastor evangélico da igreja lá e faz parte da política porque ele é funcionário, como Aisan da Sesai. Aisan é aquele Agente Indígena de Saneamento e a minha irmã é AIS, Agente Indígena de Saúde, então são eles dois que se encarregam dessa parte aí. E eu, como Cacique, aposentado, só fico atendendo as politicagens internas e externas também.
P/1 − Atendendo as demandas políticas, né?
R − É, isso. Uhum.
P/1 − Porque politicagem é quando é uma coisa feita de qualquer... tipo assim, quando a gente fala assim: “Esse político fica só com politicagem” ______
então se o senhor fala que está na demanda de politicagem_______ não fica legal. O senhor poderia falar de novo assim que o senhor é Cacique, atende as demandas da Comunidade.
R − Uhum. É, eu, como Cacique, fico atendendo a demanda, por exemplo, assim, a política ou público, alguém que me chama por exemplo. Às vezes, a ______ me chama, como vocês me chamaram agora. Então é essa demanda aí que eu faço. Algumas reuniões, né?
P/1 − Muito bem, seu Inácio. O senhor teria... você já falou alguma coisa, mas se o senhor quiser falar mais um pouco sobre os conhecimentos que foram repassados para o senhor de geração para geração, conhecimentos culturais da cultura tradicional de vocês.
R − A nossa cultura embora hoje tá sendo esquecida, mas a gente tem... eu lembro que da minha cultura, que meu pai ensinou, por exemplo, a dança, a festa, as coisas assim. Eu acho que o povo Aikanã quando tem festa, eles mandam me chamar, porque... então aí eu vou aprendendo mais ainda as coisas tradicionais que meu pai ensinava como é que era, porque com ele mesmo a gente, eu nunca aprendi, por exemplo, ele dançando, nunca vi ele cantando na língua, eu nunca vi ele... já vi ele flechar, já vi ele caçar na flecha, até mesmo com espingarda eu já vi ele caçar, tudo. Já vi ele usar coisas tradicionais: por exemplo, cocar, eu vi ele uma vez. A minha mãe, nunca vi. Nunca vi a minha mãe com essas coisas, mas segundo ela, ela achava bonito o traje de outras pessoas, por exemplo, traje de outras parentes que se trajava como traje indígena. Por exemplo, a saia, o cocar. Assim, pintada de jenipapo, essas coisas assim ela achava bonito, mas ela mesmo eu nunca vi ela usar. E o meu pai só uma vez que eu vi ele usar coisas tradicionais assim, por exemplo, o cocar, aquela... eu não sei como é que o pessoal chama. Peraí, deixa eu lembrar o nome na língua: ________, né? ______ aquela espada de ______ que eles faziam, grande assim, talvez mais ou menos um metro de tamanho, mais. Maior era esse tamanho, mas aí tem pequeno, tem mais pequeno, né? Ela chamava de (tacape?) era o ______ que eles falavam. Era isso daí que eu lembro. Só isso aí.
P/1 − Tem muita coisa ainda para recuperar, né?
R − É, tem muita coisa mesmo.
P/1 − Então seu Inácio, o senhor poderia falar agora pra gente um pouco das, mais um pouco sobre as lembranças que o senhor teve no tempo de criança?
R − Com ele ou com os amigos?
P/1 − As suas lembranças, as que o senhor lembra, que são importantes para o senhor, do tempo de criança.
R − Ah, tá. É, no tempo de criança eu lembro que a gente gostava muito de olhar... eu não sei se vocês já viram assim no interior aquela saúva, que ‘caminha’ com folha, tudinho. Folha naquele caminho e vai embora. E a gente, eu gostava muito de olhar aquilo ali, tanto é que a gente gostava muito, que eu e o Clóvis, que um dia o Clóvis foi mordido de cobra por isso, que nós saíamos olhando lá na colocação onde o pai cortava a seringa, chamava-se abacaxi, né? Você coloca a _______
no abacaxi. Aí toda, de manhã cedo, a gente saía olhando aquela carreira de saúva. Aí numa tarde... foi uma tarde. Não, numa manhã, a gente saiu para olhar aquilo ali, olhar os bichinho andando, aí ele não olhou direito e foi picado de cobra, jararaca, né? Aí na mesma hora o meu pai pegou lá um remédio lá, da mata lá, eu não sei se foi aquela resina, raspa da palheira do babaçu, que tem aquela raspa verdinha, aí justamente ele passou só o cuspe em cima, a saliva dele, e jogou ali em cima da mordida da cobra, aí amarrou e enfaixou ele, aí na mesma hora a gente pegou e desceu, foi eu, ele. Foi na canoa. Foi eu, o meu pai, o Clóvis e a minha mãe, aí nós quatro dentro da canoa. Talvez não gastamos uma hora, nós chegamos em Ribeirão, daí a gente foi de cegonha, eles foram de cegonha pra Guajará, levaram ele pra Guajará. Chegaram lá, segundo meu pai falando, que os médicos quiseram tirar aquele ‘enfaixo’ com o remédio que ele tinha colocado, o meu pai não deixou. Aí se você via que era encarregado, falou: “Não, era para botar remédio e tal, para tomar remédio”, “Não, não precisa, não precisa tirar o ‘enfaixo’. Dá remédio para ele, ele não vai tomar na boca?”. Aí tem um remédio para ele, deram algumas injeções, mas ele não conseguiu ficar, passava mal. Aí, creio eu que foi o remédio da resina da palha que ele tirou e enfaixou e o sangue estava tudinho ali quando ele tirou com uma semana depois. Aí estava a mancha do sangue, tudinho, que não era para ser tanto, mas estava a mancha de sangue, que saiu até no pano que estava enrolado. E daí pronto. Segundo o médico, que era até o padre-médico, que falava naquela época, o Padre ___________, em Guajará-mirim. Segundo ele, falando da cultura, da cultura do índio, que o remédio da medicina indígena foi que curou ele, por causa que puxou o veneno da cobra naquela, através daquela resida da palha que ele colocou. Então esse daí também foi uma coisa que manchou assim, ficou na minha mente toda a vida. E toda, e todo, hoje, que todas as coisas, que às vezes, por exemplo, o moribundo, que chamam de moribundo, aí acaba. ________ O meu menino hoje, até um neto hoje, aí eu curo com a saliva da minha boca, passo cuspe, aí passa 10 minutos, 15 minutos depois ele já tá brincando de novo: “Olha, cadê? Onde foi?”, “Aqui ó”, aí só fica a marquinha. Então eu creio que até hoje eu acho que eu ______ a minha, a nossa saliva cura a ferrada do ___________ ,do ______, da cabra. Tudo que é de ferrão assim, você pode pegar a sua saliva e colocar lá, e ele vai passar na hora.
P/1 − Importante essa sabedoria.
R − ________ no tempo de criança ali correndo pelos, por cima das pedras lá de Ribeirão também. Só isso aí.
P/1 − Fala um pouco mais então sobre esse tempo que o senhor ficava correndo em cima das pedras do Ribeirão.
R − (risos) É, pois é. Assim, a gente, já quão os seus 8, 9 anos, 10 anos, por aí assim, quando começou a gente saber pescar de anzol, de linha, porque o que que eu me entendi assim, ia me entendendo, eu me lembrava que o meu pai fazia um arcozinho pequeno de madeira mesmo e flecha de tala de palha. Eu ia flechar peixe. Flechava peixe, botava _____
‘botava’ alguma coisa assim no tempo do verão. Aí depois, eu, aquilo ali, eu esqueci aquilo ali, aí a gente já ia pescar era de linha, pegava o anzol, ‘botava’ na linha e ia pescar. A gente pegava peixe, às vezes, de carniça também. No inverno pegava matupiri, tinha muito, sardinha, _____, grande assim. De carniça, tudo a gente pegava peixe. Com o pirão de farinha: ‘botava’ no anzol, jogava e pegava muito peixe. E no tempo de verão a gente reunia aqueles amiguinhos também, quando saía da escola a gente ia lá pelas cachoeiras, ia correr lá no meio das pedras, nas praias, naquelas praias da beirada de Ribeirão tudinho. A gente conhecia tudo e ia mexer nas ___________
(risos) A gente _____ melancia e _________ e assim, ia correr atrás das capivaras, as capivaras saíam com mais de mil e caíam na água, aí iam boiar no meio do rio e ficavam só com o focinho de fora, cabeça de fora. Aí a gente ia jogar pedra nelas e assim, ou então no dia de sábado ou domingo a gente ia cruzar lá com o seu Joaquim, ele plantava feijão no tempo de verão nas praias, melancia também e a gente ia ajudar ele lá. E aí ia correr atrás dos camaleão também, botar eles a correr para cair na árvore. Era assim, aquela era nossa alegria. Então foi o tempo que até hoje me dá saudade daquela vida ainda. Hoje a maior parte dos amiguinhos que a gente tinha lá, já são falecidos. Por exemplo, era o Clóvis, o Américo, era o Marcílio, era o Paulo. Eu não sei se o Paulo é falecido, porque o Paulo foi um que pegou o trem e saiu para Porto Velho, de Porto Velho foi para Manaus, aí ninguém sabe mais dele. Aí eu não sei dele. Mas aí a maior parte dos meus amigos que tinha, por exemplo, o Chico ___________ eu também não sei se ele já é falecido. Ele mora aqui em Porto Velho, mas eu nunca mais vi ele. O Zé Campestre também, ele mora numa fazenda aí. A mãe dele é uma dos Salamãi que mora lá na Rua 2, mas eu não sei dele mais também não. Não sei. Então foi essa história de criança que eu consigo lembrar. Quando não, a gente ia aquele monte e aí ia lá para aldeia. Esses índios novos, ___________, né, gente ia de dois, três pessoas para lá, até que um dia, um tempo, o meu pai que me deixou lá: “Olha, você vai ficar aqui, você vai passar um ano aqui”. Aí eu: “E a escola?”. Aí depois ele abriu lá: “Tem que estudar”, ele me trouxe de novo. Então essa história... porque também eu até aprendi até a língua dos Pacaás-Novas esse tempo todinho. Aprendi um pouco só, o resto eu não sei mais também. Foi esse tempo de criança que eu me lembro só.
P/1 − Muito linda, muito bonita essas lembranças. Obrigada por compartilhar com a gente. Tenho mais algumas perguntas para fazer. O senhor lembra da casa onde o senhor passou sua infância? Como que era essa casa? Pode falar desse lugar onde vocês viviam quando eram crianças?
R − Quando eu estudava, assim? Eu me lembro que quando foi acho que 8 anos, com 8 anos de idade, e foi quando eu entrei na sala de aula, aí eu não sabia o que o que que era aquela letra, não conhecia nada, aí por aí a primeira professora que começou a ensinar a gente era a dona Minerva, era a mulher de ______ ela. Aí depois foi a dona Terezinha. Aí por último que chegou a dona Ambrosina, é essa que passou mais tempo com a gente na escola. Foi com oito anos de idade quando eu entrei na sala de aula, mas fiquei, com um ano eu aprendi, me passaram o ano. Aí tinha aquela cartilha do tempo do, logo que surgiu o livro de Infância Brasileira. Eu gosto, gostei muito daqueles livros antigos, desse primeiro. Da Infância Brasileira, tinha o primeiro, tinha o segundo e tinha o terceiro e o quarto, o quinto do quinto ano que tem da infância brasileira é que tem a história dessa do índio e tal, por exemplo, quem era o Pajé, quem era o Cacique, quem era o Tubixaba, Morubixaba, alguma coisa assim. Tem aquela história todinha, né? Tinha o Cacique, tinha o Tubixaba, tem o Morubixaba, alguma coisa assim. Então aí foi onde eu aprendi o - como é que chama? - quem era o pequeno mais alto, até chegar... aí, como diz aí, a gente ouvia falar quem era o capitão, quem era o tenente, quem era, assim, por diante, no exército. Aí ficou... essa história me chamou atenção, que eu queria ser desses capitães, desses tenentes, sei lá, alguma coisa, sargento. Alguma coisa assim que eu tinha vontade de ser quando era pequeno.
P/1 − Bom, o senhor adiantou uma resposta que eu ia perguntar, já ficou ótimo, que é da sua experiência com a escola, mas eu tinha, queria que o senhor me falasse assim: qual a sua primeira lembrança da sua primeira casa que o senhor viveu?
R − A primeira eu lembro assim que era uma casa assoalhada, acho que mais ou menos 2 metros de altura, acho que na verdade naquele tempo que a gente tava morando lá, disse que tinha onça, aí fizeram essa casa de assoalho alto, a escada era de madeira mesmo, o assoalho da casa não era de cimento, era de paxiúba batida. Não sei se você lembra assim mais ou menos o que que era paxiúba batida. (risos) Pois é. Paxiúba batida assoalhada, tudo. Aí a parede também era, alguma parte era de paxiúba também, mas era de açaí. Não sei se você conhece também essa paxiúba de açaí. Mas não era batido não, era só mesmo tirado da banda mesmo e colocado lá. Então... a cobertura também era de palha, ouro de palha, aquela amarelinha. Não era palha bruta, porque tem umas que a gente risca e coloca, risca, aí bate assim e ela vai formando aquela. Mas essa a gente tinha que abrir ela todinha de um por um até aí ficar aquela palha, couro de palha de babaçu. Bom, então era assim feito desses materiais. Aí eu lembro também que eu morava assim, era em rede ou então deitado naquela esteira feita de... na cultura mesmo, a esteira lá. Então a gente dormia lá. Eu me lembro que era só eu e o Clóvis na época e só existia nós ali, mas... quer dizer, eu não tinha lembrança ainda. Depois, né? Aí eu me lembro que meu pai cuidava de muitos gados. Naquela época ele falava que era do SPI esses gados, esses animais. Era boi, era bode. Não era carneiro, era bode mesmo. Aí eu me lembro que a gente, a mamãe descia num barranco bem alto quando era verão, aí ia lá para baixo, ia lavar roupa para lá. Aí eu me lembro também que ela foi jogar uma flecha do outro lado do rio para ela sair correndo para cima. Ela falou que era alguns parentes que tinham lá, bravos, e que ela errou uma flechada nela. Ela saiu correndo assim. Aí eu me lembro também que ela desceu uma vez, aí de lá ela me chamou: “Inácio, vem aqui comigo”, aí eu... tinha chovido, aí em vez de eu descer devagar, desci muito depressa e eu escorreguei. Tinha chovido, aí eu saí rebolando até cheguei lá no pé dela, fiquei chorando lá. E ela lá lavando roupa, acabou de lavar e nós subindo depressa. E eu me lembro também que aí tinha assim atrás da casa, que é um pé de tucumazeiro, muito gostosa. Ela gostava de me mandar ir buscar lá. Aí numa das vezes eu fui lá, quando eu vinha voltando já com os tucumã no braço assim, aí uma vaca muito brava me botou pra correr e eu fiquei enganchado na cerca do arame, porque era arame farpado. Aí foi enganchando nas minhas costas e eu fiquei lá: “Ai, ai!”, gritando lá até que me tiraram dali. Conseguiram me tirar. Então é essa história que eu me lembro dessa casa. Mas segundo... aí depois que eu fui crescendo, aí existiu mais casas mais pra cima, mas eu não lembro como que era, não. Eu lamento que o Américo, meu primo, vinha de lá pra cá e passava o maior tempo em casa do que eu ia para lá. A mãe não deixava eu ir para lá. Sempre quem ia pra lá era o Clóvis, não eu. Era dessas casas que eu me lembro.
P/1 − Qual lugar aqui que era essa casa?
R − Era lá no Laje, justamente onde eu nasci. Eu acho. No laje... Hoje chamam de Laje Velha. Eu me lembro de uma cachoeira ainda, que lá tem essa cachoeira mesmo lá. Depois de grande já, depois de já meus 15 anos, meus 20 anos já, aí eu voltei lá e vi essa casa, mas era só que a casa, já não existia mais a casa onde eu morei, onde a gente morava, já não existia mais. Só existia o lugar assim, os troncos, as coisas onde era feito. Mas a cachoeira tá lá ainda e as casas também, que era tudo renovado, tudo, que já tá tudo novo lá, tudo existe ainda lá.
P/1 − Deixa eu ver aqui a pergunta. O senhor já falou da escola, mas deixa eu lhe perguntar: durante esse período todo de... onde foi os lugares que o senhor estudou? E conta um pouco pra gente uma história que marcou na escola, que o senhor passou, como que era para o senhor ir para escola, se teve alguma pessoa assim que foi marcante pro senhor na vida escolar, algum professor ou amigo, porquê. E qual que era a sua matéria preferida?
R − Ah, tá. Ainda tem uma parte, por exemplo assim, que eu passei fora de casa, mas foi devido assim ao meu pai ser muito ignorante. Eu pensava de sair para conhecer o mundo porque eu vi contar na escola, as professoras, algumas outras pessoas que vieram de fora para contar uma história aí e muitas vezes contaram uma história que abriu assim as minhas ideias de eu também sair pelo mundo. Por exemplo, contaram que uma vem lá do Sul e tal, tal, aí conseguiu se firmar aqui, aí quando foram buscar seus pais, seu pai ficou muito alegre porque apareceu já rico, casado, essas coisas assim. Então isso aconteceu comigo também. Por exemplo, depois que eu atingi a quinta série lá em Ribeirão, aí teria que ir para um lugar que tivesse... naquela época tinha sexta série, sétima, oitava série. Até a oitava, né? E lá no Ribeirão não tinha essas coisas. Então quando eu atingi a quinta série, aí a professora foi embora, como, talvez a ignorância do meu pai, então, aí o meu tio, já doente de tuberculose, veio para Porto Velho. Isso já em 1965. Aí eu vim com meu tio, com minha tia também, vi que ele já estava doente, que ele já tinha vindo na frente. Ali no abrigo Santa Clara, onde é onde é aquela escola, aquele Colégio lá, particular, que chama... eu não tô lembrado. Ali no areal, ali naquela descida da Rua Brasília assim, tem umas casas assim lá, ali que era o abrigo Santa Clara. Na época, era só mata ali, não tinha cidade nenhuma. Era um abrigo que era muito longe, fora, para as pessoas doentes de tuberculose que iam pra ali, sabe? Então era assim. Aí então a gente veio pra cá, pra Porto Velho, veio de trem e o meu pai permitiu que eu saísse também, eu vim. Só que quando elas chegaram aqui, a gente soube que ele estava pra Guajará né, aí não tinha passagem para pagar, minha passagem de volta. O deles tinham. Aí eu fiquei em Porto Velho. Lá na época tinha no Alto do Bode ali onde é o camelódromo, por aí, assim, tem aquelas casinhas ___________ que ela demoliu. O Alto do Bode que chamava. Aí tiraram. Era um morro, aí o ___________ quando chegou, ela aplantou e acabou com tudo ali. Aí então eu fiquei naquele morro ali, na casa da dona Tomasi, alguma coisa assim o nome dela. Aí como esqueceram de mim ali eu fiquei ali perambulando pelas casas, querendo ir para casa. Não tinha como. E não sabia onde era o SPI naquela época, eu não sabia. Eu sabia que tinha o SPI, mas eu, ninguém me levava pra lá. Aí, segundo que eu fiquei sabendo, que a agência do SPI na época era ali onde é a Assembleia Legislativa, antigamente ali. Era ali. Eu me lembro que a primeira vez que eu vim o meu tio, ele veio consultar, a gente dormiu lá e a gente pegou o trem de madrugada, foi pra Ribeirão e voltou. Antes de eu vir de uma vez, eu vim com meu tio na época, a gente dormiu lá e voltou pra Ribeirão. Aí depois quando ele veio pra fazer tratamento, aí ele não voltou mais. Aí foi quando a tia Lurdes, mulher do meu tio, me chamou para eu vir com ela. Quando a gente chegou lá, ela soube que ele tinha sido transferido para Guajará-mirim, aí eles voltaram e eu fiquei. Então nisso eu sofri muito, chorei, como diz a história, andava chorando pela rua e tal. Depois o pessoal fez eu vender picolé pra eles, aí a janta que eles me davam era café com leite. Eu não era acostumado com isso, era com comida mesmo, aí passei muita fome. E depois uma mulher solteira me chamou, por que que eu andava suja daquele jeito. Aí ela disse assim: “Ó, se tu quiser, tu mora aqui comigo, dorme aqui. Você mora aqui comigo, aí não precisa você vender picolé mais para ninguém. Você vende picolé para os outros comerem bem e você ficar com fome?”. Então eu fiquei lá. Aí eu sei que foi uma briga danada lá, ela foi lá se entender lá com a mulher onde eu tava lá. Aí eu vi ela dizer assim: “Você não lava a roupa dele, você não dava água para ele, você não dá comida para ele” e ela falava desse jeito. Aí eu fiquei lá. Com o tempo, ela trabalhava num lugar aí, não sei onde era, sei que era num salão de festa que ela trabalhava. Aí quando chegou esse salão de festa, ficava ali na mediação da Justiça do Trabalho, por ali assim, perto do cemitério ali de Porto Velho. Aí então ela conseguiu comprar roupa para mim e também conseguiu me matricular na Escola Barão do Solimões, ali, antigo Barão de Solimões. Ainda tem Barão de Solimões, mas era aquele antigo porque esse agora pegou fogo, aí depois restituíram e fizeram aquilo agora. Mas era uma casinha pequena, eu me lembro. Era Escola Barão do Solimões. Aí com a continuação aí a gente, já tava me acostumando, já tava esquecendo da minha cultura, esquecendo já a timidez também, aí ela arrumou um emprego para mim lá no Hotel Rio Madeira, lá na Avenida Osório. Essa Avenida Osório é uma que dá acesso ao cemitério, o Cemitério dos Inocentes, lá. Então, e de lá foi indo, aí foi até estudando e trabalhando, estudando e trabalhando. Aí depois surgiu uma outra mulher, uma mulher mais velha do que eu. Eu tinha 12, 13 anos na época... eu tinha 13 anos, aí ela tinha acho que 15 anos, a qual ela trabalhava no hotel, era arrumadeira de cama e tal - ela veio de Itacoatiara -, aí arrumou um marido, um namorado
[PAUSA]
P/1 − Então o senhor tava contando bem na parte que essa mulher que estava cuidando do senhor arrumou um marido.
R − Pois é. Aí então ela... só que esse marido, esse namorado que ela arrumou, ele era cobrador de minério cassiterita naquela época lá. Isso aí já em 1967, 68, por aí assim. Aí quando a gente, quando ela quis casar com ele, aí ele disse: “Só se você for comigo para o garimpo”. Aí ela disse: “Eu posso ir, mas só se levar meu irmão também”, justamente que “meu irmão” era eu. Aí tá, depois ela me falou: “Olha, o branco quer casar comigo, mas tu vai comigo pro garimpo?”, “Eu vou”. Aí pronto, aí eu deixei escola, deixei tudo, aí fui pro garimpo, fui pra lá virar garimpeiro. Lá eu fui ser vendedor de roupa, confecção lá para ele, que ele tinha, fui ser ________ lá eu passava _____ fazia tudo isso já. Fazia tudo isso porque já tinha acabado a timidez, fazia muitas coisas no meio do branco já. Então a gente foi para o garimpo, passou esses tempos todinhos no garimpo. Aí depois ele fugiu porque matou um camarada lá, aí ele foi embora e deixou a gente lá pra se virar lá. Aí com o dinheiro que o sócio ele deu para nós, ela comprou umas panelas, algumas coisas e a gente tava tocando o restaurante lá, vendendo comida lá. E eu já com meus 15 anos, já sabia trabalhar de garimpeiro, jogar ______ cavar, tudo. Entendia tudo bem já. Aí fui para lá, estava garimpando já e ela cuidava... ela trabalhava junto comigo às vezes das 4 horas até 6 horas. Ela ia fazer o café, trazia o café para mim e ela ia tocar o restaurante dela. E assim foi. E já com um tempo a gente ouviu falar que ia fechar o carimbo, ia fechar. Ia tirar os garimpeiros tudo de lá e a gente teria que sair dali. Aí o que a gente fez? aí na quebra da castanha, na quebra da cata, que fala. Quando chega lá embaixo, vai tirar o cascalho, o pessoal chama de quebrar cascalho, quebrar cata. Aí na quebra da cata, aí até que saiu a minha parte, até que deu. Na época deu 800 kg de cassiterita, aí vezes três, que a gente vendeu, deu 1000 e pouco, 2000 e pouco. Aí com esse dinheiro, com ela, já tinha apurado também na coisa, ela tinha 1000 e pouco já guardado, aí a gente veio pra Porto Velho. Já ia fechar, estava acabando tudo. Nos anos 70 já. Aí a gente comprou uma casa ali na Pinheiro Machado, essa casa que ninguém sabe nem com quem ficou, porque eu falei que eu ia conhecer... tava lembrando dos meus pais, eu ia lá com meus pais e ela também disse que ia com os pais dela lá em Itacoatiara. Aí eu não sei se invadiram a casa, não sei como foi. Eu sei que nós compramos por mil cruzeiros na época, mil cruzeiros aquela casa. A gente tinha casa já e morava lá. Aí depois que a gente arrumou todinha a casa, tudo direitinho, aí ela achou: “Já que tu vai lá para casa do teu pai, vê se tu acha eles, eu também vou pra minha visitar acho que um mês até a gente voltar”, “Tá bom”. Só que quando eu fui para lá, para casa, já não fui mais de trem, eu fui de ônibus já. Chegando em Ribeirão, lá onde nós morava, lá onde eu estudava, lá onde eu fiquei, onde a gente passou muito tempo, já tava tudo diferente. Aí uma pessoa que tava lá, que me reconheceu ainda, que justamente é o Chico. A gente chamava ele de Chico Fonfon. Ele é filho de branco. Ele disso: “Olha, o teu pai não está mais aqui, ele está lá no Lage Novo”. Aí eu: “Tá bom”. Aí eu fiquei _______ e já fui pra Guajará. Quando eu cheguei lá em Guajará, eu fui justamente procurar a Padaria Avenida, porque era onde meu pai ia comprar todo mês. Cheguei lá, aí o seu Chiquinho falou assim: “Olhe, eles estiveram aqui ontem, estava ele, a tua mãe, mas tinha mais alguém lá com ele. Só que eu não tenho carro pra ir te deixar lá, mas tu procura aí na praça que tem alguém que conhece ele. O seu Sebastião, ele é taxista, sempre é ele que leva ele”, “Ah, tá”. Eu fui lá, no outro dia de manhã fui lá, aí justamente eu encontrei seu Sebastião, foi quem me levou lá pra onde ele estava. A minha mãe já ficou 5 anos já, quase seis anos já, mas de longe ela me reconheceu, de longe acho que dava uns 200 metros da beira do rio pra outra, lá onde ela estava. De lá longe, ela olhou: “É meu filho Inácio, que sumiu e vocês disseram que tinham matado ele”. Porque a versão das pessoas lá é que tinham me matado, não sei por onde. Aí eu não existia mais. Mas aí ela me reconheceu, ela: “É o Inácio”, de longe ela me reconheceu. Então de lá... só que não deu para eu vim, voltar mais com 30 dias, voltar lá onde estava a nossa casa, eu e da Diana. É Diana o nome dela. Aí não deu para eu voltar por 30 dias, o meu pai não deixou mais, a minha mãe não deixou mais eu voltar e tal. E nós estávamos lá no Lage. Aí o que aconteceu foi que meu pai arrumou um trabalho para mim no SPI, na agência Guajará-mirim. Aí foi a vez que aconteceu também, extinguiu o SPI para criar a Funai. Aí foi uma vez que a gente veio, em 1971, 1972 já que a gente veio pra Porto Velho de novo. Só essa parte aí que eu, essa história que eu tinha contado aí, essa parte do meus 12 anos até os 18 anos, bem dizer. Essa parte aí que eu estava foragido de casa. (risos)
P/1 − Muito importante essa parte que o senhor contou agora também. Inclusive, eu estava pensando aqui que essa Diana, já que ela voltou para ir para Itacoatiara, que é o lugar de origem dela, possivelmente ela fosse Mura, porque Itacoatiara é território Mura também.
R − É, porque ela tinha uma aparência de cabelo liso mesmo. Liso mesmo. Essa Diana, né? Aí a última vez que eu vi ela, ela estava doente, parece que com uma dor de cabeça, e dessa dor de cabeça, parece que ela morreu. É falecida ela já.
P/1 − Seu Inácio, o senhor ainda tem algum momento especial da sua mocidade que o senhor gostaria de falar?
R − Não. Eu não lembro bem não da minha mocidade, só essa Diana mesmo que a gente conviveu não maritalmente, mas como irmãos. A gente vivia de irmão para irmão mesmo. Não era outra coisa não, era irmão mesmo. Aí então, ela depois de grande assim, ela marcou na minha vida assim desse jeito. A gente ia para todo canto, ia para festa, ia tudo, mas ela também me respeitou muito bem, a minha presença, nunca andou com ninguém, como diz a história. Quer dizer, enquanto a gente estava junto, a gente também se respeitou. A gente nunca fez nada além disso aí. Na minha juventude, eu acho que só tem essa mesmo, porque era no garimpo. Eu trabalhava muito assim no motor, esse bombeiro. Eu era bombeiro do seu Agenir. A gente se deu muito também com seu Agenir, ele era comprador de minério lá dentro e era, fornecia bomba para trabalhar no garimpo, e eu era um dos bombeiros também dele, ele me pagava 50 reais por dia. 50 reais não, 50 cruzeiros. Era a diária naquela época.
P/1 − O senhor podia me dizer que garimpo era esse, que lugar que ficava?
R − Era... ali hoje tem o Campo Novo de Rondônia, que fala, Campo Novo do Oeste. Eu não sei como é que é. Antigamente ali era Campo Novo, mas era Mineração Jucá na época, chamava de Mineração Jucá. Hoje é o Campo Novo, hoje tem Campo Novo. Lá já existia Campo Novo, já tinha um campo de avião mesmo, desses teco-tecos pousando lá, por isso que chamavam de Campo Novo. Aí era, foi um campo que abriram, aí chamavam de Campo Novo, mas lá era Mineração Jucá. Aí depois desse Campo, quando a gente ia vender minério, aí era o campo novo, lá no campo novo do Jucá, era só era um preço, mas o outro, como diz a história, o marreteiro que queria entrar lá e comprar, comprava mais caro o minério dele. Aí surgiu o campo lá de São Domingo, era na mineração mesmo, São Domingo, aí depois os próprios garimpeiros se reuniram e fizeram outro campo manual, aí chamaram até de Campo do Vietnã, porque houve muita morte ali, briga, uns conflitos ali. Campo Novo não queria deixar ninguém entrar, lá na mineração lá de São Domingos também não queria deixar ninguém entrar também, mas... porque eram dois campos que o avião baixava, aí os garimpeiros queriam fazer um deles mesmo. Aí eles fizeram esse campo, pequeno. Aí até botaram o nome de Campo do Vietnã por causa das brigas lá. Campo do Vietnã. Aí a gente conviveu lá também nesse campo também. Lá, vendia no restaurante dela e eu trabalhava lá de garimpeiro. Aí a gente ganhou mais dinheiro ali naquele lugar. Até que foi mais fácil pra gente, como diz assim, iam embora e já estava todo mundo no aeroporto já, no avião já.
P/1 − Tá bom, obrigada seu inácio. A gente vai agora pular essa parte do bloco de perguntas sobre o trabalho porque o senhor já falou toda sua experiência de trabalho, seu primeiro trabalho, como que o senhor sentiu, toda essa trajetória. Então a gente vai agora para o bloco do território, dos deslocamentos que o senhor também já falou, mas aí eu gostaria, se for possível, que o senhor me dissesse assim: da onde foi, qual lugar específico dos Cassupá saíram, por onde é que eles foram passando e que trabalho que eles foram fazendo nesses lugares por onde os Cassupá foram levados até voltar, chegar em Porto Velho com ______
do SPI e a passagem pra Funai. E assim, as dificuldades que o povo foi passando durante esse trajeto, bem da saída do território originário até chegar aqui onde vocês estão.
R − Bom, como já foi falado, a gente veio lá do Cascata, passando por Barranco Alto. Aí do Barranco Alto, vieram para Ricardo Franco, eles passaram um tempo, talvez o meu pai veio casar aí com a minha mãe, veio, assim, casar aí. Aí quando ouviram falar na época do seu Meireles Apoena, essa gente assim, do Spina, aí eles trouxeram ele, deixaram ele em Ricardo Franco. Aí do Ricardo Franco, talvez já existiu essa briga de criar um outro órgão que tomasse conta do índio. Não seria mais o SPI, que formalizasse uma ou outro nome para tomar conta dos povos indígenas. Então foi onde talvez criou a Fundação Nacional do Índio. Então, daí, mas quando a gente veio pra Laje, com o meu pai casado já talvez, mas ainda era SPI. Porque segundo a história que eu fiquei sabendo, que o SPI ele dava um trabalho para os povos indígenas trabalharem, aprenderem a trabalhar, aí ia trabalhar com gado, aprender a plantar, aprender como vestir a roupa, da onde, como que fazia para ter aquela roupa. Aí justamente era o trabalho que dava, então viria o pagamento e o dinheiro comprava a roupa. Então era assim que eles, o SPI, ensinava na época. Já depois que a gente veio para Ribeirão, a gente já sabia tudo como que era para fazer, então era chamado o Alonso, o Manuelito. O Basílio não porque tava doente. O seu Manuel Sarulepe, que era Salomãi. Depois que eu fiquei sabendo que o seu Manuel Sarulepe ele era Canoé. Canoé é o seu Marinho, seu Eduardo e seu Surucubi, tudo essas pessoas eram Salomãi... Salomãi não, eram Canoé. Agora, eu era que, no dia que a gente foi fazer a nossa Opics, foi que eu chamei a Maria de Salamãi, mas ela também não é Salamãi, ela é Aikanã. Bom, isso depois você vai saber como é que é. Aí então depois que a gente chegou no Ribeirão, a gente passou muito tempo aí, meu pai foi cortar seringa, foi pra colocar seu abacaxi, depois foi pro Amargoso, um lugarzinho chamado Amargoso, foi lá mais que a gente aprendeu a caçar. Depois foi lá pro... aí o seu Domingo Campestre foi se instalar lá no seringal do Domingo, que fala, lá em Cachoeira, acima do Cachoeira.É onde existe hoje a linha 10, que é do povo Pacaás-Novas. Lá, pra lá, a linha 10. São os povos ______
é linha 10 lá. Mas antigamente a gente chamava isso de Cachoeira, era Cachoeira mesmo. Aí depois dessas que meu pai trabalhava, puxava tora de cedro lá no Rio Madeira, de motor lá e trazia, aí puxava com aquele tanto de sacrifício, botava o boi pra puxar, enrolar aqueles negócios lá tudinho no cabo de aço. Até uma vez chegou cortado. Cortava de serra grande, um serrote grande, aí depois ia passar na serraria, aí fazia um cabo pra vender ou então pra fazer a casa. Então meu pai passou aquela experiência ali de trabalho, no SPI. Todinha. Depois que eles voltaram lá para o Lage de novo, eu já não estava mais, estava ausente, naquela viagem que eu lhe contei agora, dos 12 anos pra lá... dos 12 anos pra cá. Aí então quando ele voltaram lá pro Lage de novo, não era mais o SPI, já era a Funai. A Funai porque tinha prometido, não era mais para os órgãos aí, que a Funai tinha o seu técnico, não podia, o índio não podia mais trabalhar porque _______ esse tanto sacrifício e tal. Então eles tinham técnicos, tinham funcionários para cuidar dos índios, todas essas tecnologias tudo. Aí tá. Aí quando eu cheguei lá dessa minha saída de casa, eu cheguei lá embaixo, no Lage, aí tinha alguns material que eles tinham levado para lá, por exemplo, que era do SPI. Por exemplo, as serras, o engenho de moer casa, estava tudo lá num armazém que eles fizeram lá, numa casa que eles fizeram lá. Mas só que não passou dali mais, não sei nem para onde foi. Não sei se acabou para lá, porque uma vez que eu fui, eu fui lá e não tinha mais lá. Eu fui visitar lá os parentes Urumon, mas já não estava mais lá aqueles engenhos, aqueles materiais do SPI. Já não estava mais lá. Também não sei pra onde foi. Então a experiência do meu pai foi aí. Aí depois que a gente veio num furgão... o ministério deu um carro do ministério, um carro furgão que cabia, coube três famílias dentro, mas era muito entupido ali no carro. Mas assim, viemos de noite lá viajando. Chegamos aqui em Porto Velho, no ministério, deixaram nós lá num barracão. Tinha um barracão grande e tinham uns quartos lá. Ali tinha um pé de mangueira... tinha um bocado de coisa ali, umas plantações já. Hoje ali, como comunidade, a gente tem uma igreja lá no lugar desse barracão. E daí depois o meu pai aposentou e a gente, se espalhou todo mundo aí pela periferia da cidade. Assim, aí o povo foi se aposentando e se espalhando aí pela periferia da cidade. Eu também fui, arrumei um emprego e fiquei andando pela mata aí da companhia de pesquisa de recursos minerais, no antigo vilarejo Rondônia. Cacoal, não existia aquela cidade ainda, só existia a linha. Pimenta Bueno também não existia, a cidade lá, só existia um porto e um barracão lá e alguns lugarezinhos de casa, pequeno. Alta Floresta d'Oeste também não existia aquela cidade. Aí a gente andava... no Guajará-mirim já tinha alguns lugares assim já, Guajará-mirim já era uma cidade bem desenvolvida, mas não tinha aquele porto hoje que a gente vê o porto bonito lá, não tinha. E a Aldeia Tanajura também não tinha ali, hoje tem a Aldeia Tanajura. O igarapé... o Rio Preto que é hoje Ouro Preto que fala, não tinha, só existia um lugar no seringal que chamava Macaxeiral, que a gente morava, que morava alguns seringueiros lá. Era um seringal lá, mas o nome era Macaxeiral, que chamavam. Aí a gente passou por lá e daí pronto, só isso que eu conheço mesmo. Aí eu conheço Alto... Rio Pimenta, onde eu passei por um lajeado de pedra, que eu estava contando de uma vez, eu contei que o França me levou lá, França, meu primo, me levou lá onde era Cascata, ele me mostrou lá. Esse lugar também eu andei na época da SPI também. Aí talvez é isso, a minha experiência. Depois do meu pai aposentado que eu mandei nesse lugar.
P/1 − Tá ótimo, seu Inácio. Só para confirmar aqui com o senhor, porque quando estava fazendo esse trabalho de Tororó junto com seu Clóvis aí foi falado pelos mais velhos que os Cassupás foram ‘utilizados’ na frente de atração de outros povos, ou seja, tipo assim, seu pai, os outros, mais velhos, eram, tipo assim, eles eram, iam juntos para contatar, entrar em contato com os povos que ainda não eram contactados pelo SPI. O senhor sabe contar sobre isso?
R − Era o povo _________, né? Era o povo ________ e Urumon. Logo no início a gente chamava de _________, era o povo Urubuni. Quando a gente chegou em Ribeirão, aí o seu Zé Dias, ainda do tempo do SPI, convidavam ele pra fazer algumas picadas para deixar presente lá para cima do Rio Ribeirão. Aí onde ele deixava machado com o cabo já pronto, já deixava o facão, chamava ______, nós chamamos ______. Aí, e alguns presentes, tipo açúcar, farinha. Essas coisas assim. Aí deixava um milho cozido, deixava um mel de cana, assim, misturado com mel de abelha, que era pra eles saberem que o branco queria contato com eles. Daí assim foi. Agora, eu só não sei contar como que eles, com quem que se aproximaram pra eles chegarem até Ribeirão, como é que eles chegaram. Porque quando nós demos no pé, já talvez em 1963, por aí assim. Eu me lembro. Eu era pequeno, mas eu me lembro bem. Eu não sei... eu sei que eles tinham esse processo de ir lá, fazer picada, acampavam lá, deixavam presente, tudo, essas coisas assim. Depois, quatro dias depois, uma semana depois, eles iam lá. Quando não encontravam, eles: “Ah, os parentes levaram”, levaram e receberam. Aí tá. Aí eu só não sei contar como foi que eles vieram para fora, eu não sei quem chegou lá e conversou com eles, que queriam o bem deles, para eles saírem, porque eu não sei qual é a história que eles inventaram pra eles virem pra fora, mas eu conversando com os parentes já, depois de 10 anos já, conversando com eles lá, aí eles disseram assim, falaram assim... o branco chegou lá, aí disse assim que queria que eles viessem para fora: “Pra lá tem roupa, tem comida, tem açúcar, tem machado, tem dinheiro, tem tudo e tal, tal”. Aí disse que aquele Cacique disse que começou a andar no meio dos parentes lá e falando, aí quando eles deram fé, aí todo mundo dizia assim: “Bora, bora”, na língua deles. “______ tem muito _______, andar de trem, muito _____, tem muito dinheiro, não sei o que, não sei o que lá. Bora!” Aí disse que fizeram aquela arrumação e vieram pra fora. Eu sei que quando a gente chegou lá... quer dizer, nós saímos da aula, nós fomos, eu tinha ido, eu me lembro que eu fui, mais os meninos, andando na praia lá, aí quando nós voltamos aí a mamãe falou: “Olha, tá chegando parente tudo aí, tão tudo entrando na casa, lá no barracão”. Aí quando nós demos fé mesmo, aí estava lá. Aí estava mesmo, estava chegando gente lá. Então, eu não sei, eu só sei que iam chegando os parentes tudo nu, com as paineiras nas costas, com os bebês no colo, com os bebês nas costas também. E ia assim, só isso aí. Isso aí que eu sei que contaram, mas eu não sei como foi, quem chegou lá pra essa história para mim, para fora, né?
P/1 − Esse é um registro muito importante pro senhor, assim como todos os outros. É bem bonito o contato com esses outros povos indígenas também. Deixa eu lhe perguntar agora sobre a sua... é um bloco de pergunta sobre o casamento, sobre filhos, cotidiano. Aí o senhor já falou da sua esposa e tudo mais, aí o senhor poderia falar o nome dela, o nome da sua esposa, como foi pro senhor conhecer ela, se o casamento de vocês foi na cultura... em qual cultura que foi, indígena ou não indígena, como é que foi o casamento, se vocês, quantos filhos vocês tiveram, o nome deles, o significado do nome deles.
R − Ah, sobre esposa, sobre a mulher, eu não tive mulher indígena, não conheci. Porque no nosso povo, aqui, por exemplo, na nossa família, não tinha - como diz a história - mulher que... assim, a não ser meus irmãos e minhas irmãs, né? E minhas primas. E na cultura a gente não pode casar com esses tipos de parente assim, na cultura a gente não pode casar primo com primo, prima com prima, não pode. E também era só isso que tinha também, os que tinham, não podia casar porque era de outra etnia. Por exemplo, a questão da etnia... por exemplo, Salamãi: o ______ com a dona Maria, minha tia Maria, disse que não podia casar com a Fernanda, não podia casar com a Regina. Então, o que eu arrumei foi uma mulher branca, a primeira mulher. Talvez por necessidade, mas eu casei com ela. Mas não deu muito certo, a gente conviveu só 7 anos. O nome dela era Luzia, Maria Luzia. Maria Luzia Barros, não era nem Maria Luzia Cassupá não. Depois ela colocou Cassupá porque a gente casou no final. Até porque esse casamento não deu certo porque eu ia fazer um curso pela Cprn lá no, acho que é Ouro Preto... é Ouro Preto, né, em Minas Gerais. Ia fazer um curso lá pra técnico de mineração, mas só que por ela querer casar, porque eu podia chegar lá e me esquecer dela, mas era a companhia que ia mandar eu ir para lá. Aí ela quis, ‘botou o pé’ mesmo e “vamos embora casar”. Aí a data do casamento deu além da marcação da passagem, aí não deu certo, aí eu nem fui fazer o curso, acabei casando e não deu certo nosso casamento. Aí veio, devido eu ter que viajar muito, talvez ela arrumou outro namorado e aí pronto. Mas com ela eu tive o primeiro filho, o Jerson, aí teve o Jessimar, aí teve a Jane, todos esses três. Mas ela ______ teve outros filhos, dois do qual também não tinha registro, aí eu tive que registrar ela, que é a Conceição, a Sâmia e a Sandra. São essas três as filhas adotivas. Aí depois de muitos dias, eu consegui - como diz a história - uma outra namorada. Aí essa namorada, na qual a gente casou, a gente se ‘desquitou’ da primeira e a gente, eu casei com a outra, com essa que eu tô com ela, com essa nós vivemos já mais de 40 anos. Porque deu certo, né? Aí, mas com ela eu tive mais três filhos, o Cleimarques - tudo nome de branco -, o Sóstenes, que é um nome bíblico, e a Ana Cássia, que é a caçula. A Ana Cássia mora aqui em Porto Velho, ela vende churrasco, churrasquinho e o Cleimarques trabalhava de eletricista, essas coisas assim, mas arrumou amizade com pessoas diferentes, aí foi preso. Aí ele está solto agora, é ex-presidiário e está com pulseira ainda. Mas aí ele está cumprindo as penas dele, mas ele está trabalhando na Indu. E com essa... o nome da minha esposa agora é Ana Socorro, é uma mulher muito ‘prestadeira’ mesmo, ela nunca foi contra minha etnia, nunca foi contra nada do que eu sou como índio. Por exemplo, se precisar fazer alguma cultura também, ela faz, ela costuma fazer. Por exemplo, a chicha, de vez em quando eu quero uma xixa e ela vai atrás da macaxeira, do milho, onde for, aí a gente faz a chicha, toma. Ela também toma. Mas é do jeito dela: ela põe a sopa do jeito dela e toma também. Mas... até agora eu não tenho sentido ‘defeito’ nela pra essas coisas. Agora, só que como eu tenho vontade de ir lá pra bando dos meus parentes lá no Aikanã, aí ela já puxa pra trás: “Pra mim não dá, porque... se tu quiser, vai sozinho”, ela fala. (risos) Mas aqui eu estou perto da minha família, eu estou bem aqui. Morando aqui está bom já. Já está bom aqui. Então é essas... ela também não vai contra eu.
P/1 − Pois é. Mas a gente estava conversando, a trajetória da família dela é a mesma trajetória da minha família e o lugar de onde ela veio também é território Mura. Estou achando que a gente vai fazer um estudo aí pra saber se ela não é Mura também. (risos) ...__________
R − Também ________
P/1 − ...com ela.
R − Aham. Ela também estava querendo ir lá na casa da tia dela, que ela tem uma tia que mora aqui, lá no Nacional, né? Ela quer ir lá ver se ela pode dar algumas palavras _______, alguma coisa assim. E aí eu acho que só ela mesmo, porque a tia dela, tem uma tia, eu não sei, parece que mora lá no Calango, alguma coisa assim, lá no bairro... pra acolá, num bairro que ela mora também. Acho que ela tem mais conhecimento que essa que mora no Nacional. Aí ela está querendo ir um dia, mas só que esses dias ela está ruim, não pode sair, não pode andar muito e... sabe como é que é, a idade vai chegando, avançando e a pessoa vai ficando... moleza, como diz a história. (risos)
P/1 − Às vezes a gente fica um pouco cansada, mas tá todo mundo ainda na resistência. Deixa eu perguntar aqui do senhor. Então, assim, para o senhor, como foi ser pai?
R − Como?
P/1 − Como que é ser pai para o senhor?
R − Ser pai? Ser pai para mim é uma coisa de, é uma alegria de ter um filho com uma mulher e que futuramente ele pode exercer a - como é que diz -, lançar as nossas experiências, de quem eu fui para ele, alguma coisa assim. E ser assim, tipo assim, uma autoridade assim em cima de um filho para dar a ele um ensinamento daquilo que a gente era na época. Mas deles eu não tenho muita esperança de que eles sejam alguma coisa, porque só pende para um lado. Quer ser branco, né? Aí eu fico meio assim com receio. Sem que eles conversam comigo. Eles conversam, mas assim como foi com você, que tá perguntando assim, eles nunca perguntaram não. Eu conto assim a história deles. Quem ouviu um pouco ainda a história da minha vida ainda foi o Gerson, que ele é o mais velho, da primeira mulher, mas até mesmo ele parece que ele, não sei, ele gosta assim da etnia que eu sou, ele gosta, mas ele não é, a gente não tem muita conversa, muita proximidade não, porque depois que ele aprendeu mais com a mãe do que comigo... a mãe parece também que era Mura também, que ela era aí do Baixo Madeira também, lá da... ela falava muito em Monense, essa gente por aí. A mãe dela também, Maria Machado. Acho que é Maria Machado o nome dela... não, é Maria - deixa eu ver -, Maria Sacaca o nome dela. É. A mãe da primeira mulher, a mãe dela.
P/1 − Olha aí ó, tá vendo? Acho que a sua vida toda foi atravessada por mulheres Mura, hein? Porque... (risos)
R − (risos) É.
P/1 − Mas deixa eu lhe perguntar aqui também: na sua, na organização da família, das famílias Cassupá, tem algum papel estabelecido que é específico só para mãe e um papel específico só para o pai? Ou seja, é dividido os papéis, do papel da mãe e do papel do pai na formação da criança?
R − Não. Eu tenho pouca experiência sobre essas coisas, mas parece assim, por exemplo, se a mãe ela cuida bem dos filhos, ela cuidou bem dos filhos, mais ela do que eu, mas assim, no registro está: por exemplo, tá Clay Marques Abadia, que é da parte da mãe, Cassupá, parte do pai, é só isso aí. Mas o papel de ser mãe, eu acho que ela cuidou melhor do que eu, como pai.
P/1 − Eu tô falando assim, não a sua família em si, mas as famílias Cassupá, enquanto povo Cassupá, tem alguma divisão de papéis, de função? Aquilo que só a parte das mulheres e aquilo que é só a parte dos homens enquanto pai, enquanto mãe.
R − Não, eu acho que tudo é igual. Tudo é igual. Não tem divisão não, tudo é igual.
P/1 − Tem divisão de tarefas? A mãe tem responsabilidade de fazer isso, o pai tem responsabilidade de fazer aquilo?
R − Não. Tem assim, por exemplo, se ela sabe fazer alguma coisa, aí o pai vai lá e ajuda também. Aí se eu sei fazer alguma coisa, a minha mulher vai e me ajuda a fazer aquilo, que é a mesma, tipo assim, unidade, união. É essa coisa que a gente tem lá.
P/1 − Sim, ótimo. Isso é muito bom. Como que hoje tá a sua família?
R − Hoje está?
P/1 − É, conta um pouco de hoje, um pouco como a sua família está hoje.
R − Bom, hoje tá um pouco dividido. Por exemplo, nós, os mais antigos, estamos um pouco divididos, porque um quer, o outro não quer. Aí, por exemplo, eu quero fazer uma coisa, aí a minha irmã não combina e tal, porque acha que tá errado e isso vai deixando para depois e vai deixando de lado, na base do esquecimento, e pronto.
P/1 − Tem algum momento de lazer que vocês fazem juntos na comunidade?
R − Só lazer não, não tem. Não tem, porque... mas vontade a gente tem, só não tem. Não tem.
P/1 − Então o senhor poderia - a gente vai entrar num bloco agora, que é já para os finalmentes - falar um pouco sobre o tempo do covid. Como que foi para vocês se proteger do coronavírus, se alguém chegou a falecer na sua família ou na sua comunidade de covid e como é que impactou o coronavírus na vida de vocês, nos aspectos culturais e nos pessoais, na rotina de vocês.
R − No tempo da covid, não foi difícil para nós, não foi difícil não, porque nós... quer dizer, para mim, eu sempre saía, mas porque alguém lá da Sesai veio fazer a monitoração dizendo que nós poderíamos viver usando máscara e muitas vezes nós não... quer dizer, eu não usei toda a vida máscara, mas quando eu saía assim eu usava a máscara: dentro do ônibus, quando eu ia trabalhar para alguém e fazer um bicozinho, colocar uma telha ali, colocar, pregar uma porta ali,
colocar uma luz ali, sempre eu usava máscara. Mas aqui dentro de casa mesmo, era só, era normalmente mesmo. Nós, a nossa aproximação também foi meio estreita assim. A nossa aproximação nós sempre dormimos juntos, como diz a história. A nossa neta também, que vive com nós, sempre dormiu conosco também. Mas assim fora, eu nunca tive. Eu não tive coronavírus. A minha esposa teve uma febre antes, gripada e tudo, mas não foi coronavírus, que não detectou em nada. Aí passado os tempos, já agora, no final, acho que foi no mês de março, abril, por aí assim, foi que a minha neta com 9 anos, 10 anos parece, foi que ela ela foi fazer exame e deu o coronavírus, mas ela ficou em casa normalmente, usou máscara alguns dias, três, quatro dias, por aí, aí ela tomou remédio, remédio caseiro, e depois ela não teve febre... quer dizer, ela só teve um dia de febre só, foi quando a gente levou ela e ‘deu’ o coronavírus nela, mas aí ela veio para casa, a gente tomou, deu para ela chá de casca de jatobá com aquele remédio para o fígado e tudo. Bom, remédio caseiro. Aí do segundo dia em diante ela já não teve, não deu mais febre, aquela tosse passou dela e pronto, aí foi fazer exame de novo e não deu mais nada. E aí até agora, ela tomou só duas doses, a minha esposa tomou só duas doses, que ela é alérgica a injeção, a remédio, e aí ela ficou com medo de tomar a terceira dose até hoje, não tomou. Mas é como ela diz, qualquer coisinha que ela sente, ela vai lá, faz um chá caseiro e tal, tudo pronto, acaba, para com isso aí. Não foi difícil para nós. Agora, para os vizinhos lá, muita gente pegou coronavírus mesmo.
P/1 − Na comunidade mesmo, outras pessoas pegaram o vírus?
R − Aham.
P/1 − Então, não houve ninguém dos Cassupá com covid-19? Não morreu nenhum Cassupá de covid 19, seu Inácio?
R − Quanto? Se quantos tem?
P/1 − Não, não! Se morreu algum Cassupá de covid-19 em algum lugar.
R − Que eu me lembre, não. Que eu não lembro quem, só... eu só soube assim, por exemplo, a minha tia morreu de covid, o meu tio Peí também morreu de covid e só. E muitos parentes, assim, lá do Claretiano, mas nós mesmo, ali da aldeia mesmo, muitos deles nem pegaram... alguns deles não pegaram, como eu e minha esposa.
P/1 − Sim. Então, no caso da sua tia e do seu tio é porque eles são lá do território Aikanã, né?
R − Foi. Uhum.
P/1 − Tá. Para fazer a pergunta conclusiva, queria que o senhor falasse quais os seus sonhos, o que o senhor gostaria de fazer como legado.
R − O sonho que eu tenho é era de ver ainda, assim, por exemplo, ter algumas coisas próprias, por exemplo, um carro, e na comunidade eu ainda queria ver aquela oca feita, meu sonho ainda. Por aí, pela idade que eu tenho, por exemplo, eu quero, eu gostaria de ver aquela rua aberta, aquela casa feita. Não uma oca, mas uma casa igual oca, alguma coisa que represente ali dentro da comunidade. Por exemplo, um espaço que dê para os funcionários da Sesai trabalharem, porque hoje ainda eles trabalham lá na igreja e muitas vezes é muito aperreado porque: “Não, hoje vai ter culto e nós temos que limpar e tal. Vocês ainda estão aí, vão ter que desocupar”. Então eles ficam muito aperreados. Então, o meu sonho é ter esse espaço de uma casa para os funcionários trabalharem ou mesmo uma oca o mesmo que deveria ter saído já. Então o meu sonho é isso aí, só, de ser realizado.
P/1 − Vamos lutar juntos pra que esse sonho seja realizado. Seu Inácio, pra fechar, encerrar a nossa conversa por hoje, o senhor poderia dizer assim como é que foi pro senhor contar a sua história de vida?
R − Como?
P/1 − Como foi pro senhor esse momento de o senhor contar a sua história de vida?
R − É porque eu tive uma ideia mesmo, assim. Eu contar, por exemplo, teve o meu nascimento, que eu ouvi falar. Eu ouvi falar o meu pai contar, a minha mãe contando. E eu ouvi também pessoas contar histórias e por isso criou-se uma ideia em mim que eu deveria contar uma história também. Por exemplo, nessa idade que eu estou, tem que ter uma história pra trás. Uma ideia boa talvez seria essa, de eu escrever a minha vida, sei lá, alguma coisa assim. _____________.
P/1 − Mas...
R − Ahn?
P/1 − Hoje, o senhor contando a sua história de vida pra nós, como é que o senhor se sentiu?
R − Ah, mais aliviado. Assim, sei lá. Mais aliviado, porque eu achava, por exemplo, eu escrevi até aquele caderno que eu lhe trouxe, pra você ver depois, e eu me senti assim, bem dizer assim, parece assim que eu estava contando uma história sem valor, sem vida, sem apresentar pra ninguém, sem ninguém ficar sabendo, uma coisa assim. Mas hoje eu senti que parece assim que eu saí assim de um escuro para estar em um claro. Parece avançando assim a minha vida, sei lá.
P/1 − Que bom, seu Inácio, que o senhor se sentiu bem, que o senhor sentiu a sua história valorizada, porque essa história é muito importante e vai ficar agora registrada também no Museu da Pessoa. Muito obrigada, viu? Muito agradecida por sua entrevista.
R − Uhum. Tá bom. Eu agradeço também você e aquele rapaz também que não está aparecendo, eu não sei qual é o nome dele, mas eu estou grato a ele por ter essa paciência de estar olhando aí a nossa história, a nossa vida, a minha vida, a vida do povo. Como eu vou seguir daqui pra frente, não sei se eu vou continuar com a história, escrever de novo, contar aquela história daquele povo lá de Costa Marques e também por onde eu andei, que eu vi uns Cassupá também. Tá bom? E vamos ver.
[Fim da entrevista]Recolher