P/1 – Qual o seu nome, data e local de nascimento?
R – Cláudia Jéssica Ribeiro Marcondes, 9 de março de 1948, e nasci em São Paulo.
P/1 – Cláudia, qual é o nome dos seus pais e dos seus avós?
R – Meus pais são: Cláudio Marcondes, Adelina Maria Ribeiro Marcondes. Da minha avó paterna é: Judith Sila Marcondes, e Cornélio Sila Marcondes. E, da materna: Iolanda Rosa Ribeiro e Joaquim Ribeiro.
P/1 – E qual a atividade profissional dos seus pais e dos seus avós?
R – Bom, meu pai era vendedor e os meus avós... Um não conheci. O avô paterno eu não conheci, quando eu nasci ele já havia falecido. O materno trabalhava com marcenaria, ele fazia portas de madeira. E a minha avó, era... Ficava em casa não trabalhava, e a outra avó também não.
P/1 – E você conhece a história do nome da sua família, da origem da sua família?
R – Alguma coisa eu conheço. Não do nome, mas das pessoas, né? O que eles fizeram, quem eram, da onde vinham, essa coisa eu conheço um pouquinho.
P/1 – Você não quer contar pra a gente?
R – Posso contar um pouco. O meu avô paterno da parte dos meus pais, ele é do Vale do Paraíba, e a minha avó é da Paraíba, né? Ela sempre tinha histórias da família dela, que o meu bisavô era cangaceiro. Então, ela contava toda essa história, que ele morreu no cangaço tudo, e que depois disso, ela veio pra cá, ficou no vale do Paraíba, conheceu o meu avô, e lá constituiu família. Do lado materno, meu avô veio de Portugal com sete anos de idade, e minha avó foi a única filha que nasceu no Brasil. Eles eram italianos da Calábria, e quando vieram, a família já tava constituída, só tava grávida dela. Ela foi a única filha que nasceu aqui. Então é essa a origem da família.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Que lembranças você tem da sua infância, da casa que vocês viviam na infância?
R –...
Continuar leituraP/1 – Qual o seu nome, data e local de nascimento?
R – Cláudia Jéssica Ribeiro Marcondes, 9 de março de 1948, e nasci em São Paulo.
P/1 – Cláudia, qual é o nome dos seus pais e dos seus avós?
R – Meus pais são: Cláudio Marcondes, Adelina Maria Ribeiro Marcondes. Da minha avó paterna é: Judith Sila Marcondes, e Cornélio Sila Marcondes. E, da materna: Iolanda Rosa Ribeiro e Joaquim Ribeiro.
P/1 – E qual a atividade profissional dos seus pais e dos seus avós?
R – Bom, meu pai era vendedor e os meus avós... Um não conheci. O avô paterno eu não conheci, quando eu nasci ele já havia falecido. O materno trabalhava com marcenaria, ele fazia portas de madeira. E a minha avó, era... Ficava em casa não trabalhava, e a outra avó também não.
P/1 – E você conhece a história do nome da sua família, da origem da sua família?
R – Alguma coisa eu conheço. Não do nome, mas das pessoas, né? O que eles fizeram, quem eram, da onde vinham, essa coisa eu conheço um pouquinho.
P/1 – Você não quer contar pra a gente?
R – Posso contar um pouco. O meu avô paterno da parte dos meus pais, ele é do Vale do Paraíba, e a minha avó é da Paraíba, né? Ela sempre tinha histórias da família dela, que o meu bisavô era cangaceiro. Então, ela contava toda essa história, que ele morreu no cangaço tudo, e que depois disso, ela veio pra cá, ficou no vale do Paraíba, conheceu o meu avô, e lá constituiu família. Do lado materno, meu avô veio de Portugal com sete anos de idade, e minha avó foi a única filha que nasceu no Brasil. Eles eram italianos da Calábria, e quando vieram, a família já tava constituída, só tava grávida dela. Ela foi a única filha que nasceu aqui. Então é essa a origem da família.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Que lembranças você tem da sua infância, da casa que vocês viviam na infância?
R – Bom, eu tenho lembranças muito boas. Eu morei no centro da cidade, do lado da Praça João Mendes. Morávamos na mesma rua: minha avó materna, meus pais, e a minha avó paterna. Então, todos morávamos na mesma rua, eu tinha uma tia também que morava na mesma rua, que tinha meu primo. E as casas eram aquelas casas antigas, que a janela, a porta davam direto na rua e eram compridas. Eu tenho muito essa lembrança da casa da minha avó; que tinha aquele quintal todo de terra, tinha galinheiro no fundo... Arvore de laranja, de goiaba, ela tinha uma pequena horta, meu avô adorava pássaros, e ele construiu um viveiro que você entrava dentro. Tinha árvores dentro, então era muito gostoso, eu tenho lembranças muito boas. E coisas assim que hoje a gente não pode nem pensar, né? Eu e minha irmã, nós íamos buscar meu pai, que trabalhava do lado da Praça da Sé, nós íamos descalças para o centro da cidade buscar o pai que saía e vínhamos juntos para a casa.
P/1 – E o cotidiano na sua casa, como que era o dia-a-dia?
R – Bom, nessa época, quando nós éramos pequenas, meus dois pais trabalhavam. Meu pai começou trabalhando numa casa bancária, não existiam bancos ainda, eram casas bancárias, e minha mãe trabalhava na justiça do trabalho. E aí, eles trabalhavam o dia inteiro, nós ficávamos bastante com a minha avó. Íamos para escola sozinhas, de bonde, estudávamos perto, quando chovia a gente tomava o bonde pra subir ali a Brigadeiro, né? Então era bem tranquilo, tenho bem claras essas lembranças até hoje.
P/2 – Como era a Praça João Mendes, em que ano era mais ou menos?
R – Bom, isso era mais ou menos em 56, por aí, quando nós fomos pra a cidade. Por que antes disso eu morei ali na Vila Mariana. Meu pai havia comprado uma casa quando eles casaram, pelo conjunto dos bancários, que era na Rua Luis Góis. E era uma rua que não tinha asfalto, não tinha água, água encanada né, era poço artesiano, não tinha nada. E, nós ficamos ali até, eu fiquei até uns cinco, seis anos de idade, depois minha mãe ficou muito doente, então meu pai precisou da ajuda da minha avó. Por isso, nós mudamos lá pro centro da cidade onde minha avó morava. E aí, passei toda a infância, adolescência, toda lá. A Praça João Mendes era um lugar arborizado, tinha uma padaria que era muito famosa, tinha pães super gostosos, bolos. Então, era assim: o dia de festa, o dia que o pai recebia, ou que a mãe recebia o salário era o dia que, ai (riso), passava na padaria, comprava um pão doce, um bolo, uma coisa assim, né?
P/1 – Você tava falando da escola, da ida a escola, como que foi o inicio dos seus estudos, que lembranças você tem dessa época?
R – Bom, eu lembro que a gente ia sempre sozinha pra a escola, eu e minha irmã, a gente utilizava do bonde pra ir pra escola, ou ia a pé, quando a gente queria a gente subia a pé, a gente estudava numa escola na Brigadeiro Luis Antonio, e tinha que subir a Brigadeiro, né? Então, às vezes ia de bonde, às vezes ia a pé. Era uma escola gostosa, a gente gostava de ir, nós duas íamos, voltávamos. Logo que eu entrei na escola, foi a onde eu morava antes, na Vila Mariana. Eu tenho pouquíssimas lembranças aí, por que era uma escola de freiras, que era do lado de casa, e as lembranças que eu tenho, assim, é que era uma coisa mais rígida, mais pesada. Eu lembro que, assim, a minha irmã tinha dificuldade de ficar na escola, ela fazia xixi na calça, tudo que demonstrava que ela tava sofrendo. Mas foi muito rápida essa passagem, por que logo a gente mudou, e aí, também mudou a vida, mudou a escola, né?
P/2 - E era escola pública na Brigadeiro?
R – Não, na Brigadeiro ainda não era escola pública, depois é que nós fomos pra escola pública as duas.
P/1 – E como que foi esse período na escola pública?
R – Ah, foi tranquilo também, por que naquela época não tinha muita escola particular, né, eram poucas. Nessa escola que eu estudava, antes de ir pra escola pública, tinha uma coisa assim: do lado da minha casa tinha uma vila, tinha uma professora que passava sempre descendo a rua, até hoje eu me lembro da figura dela, era uma mulher alta, bonita, o nome era Mariana, eu tinha verdadeira paixão por essa mulher, eu achava ela bárbara, e aí que eu falava: “Eu quero ser professora quando eu crescer”, e fiquei insistindo pros meus pais que eu queria estudar na escola que ela dava aula. Eles me colocaram, por isso nós fomos pra essa escola, e eu tive a sorte de ser aluna dela. Realmente, foi uma pessoa que me marcou muito, uma pessoa muito afetiva, maravilhosa, e depois que a gente saiu do quarto ano primário é que eu fui para a escola publica, né?
P/1 – E na escola publica teve algum professor que também tenha marcado a sua trajetória de estudo?
R – Que tenha marcado... Não, não tenho, assim, lembrança nenhuma. O que ficou de escola também, durante a época do ginásio, nós ganhamos... Eu ganhei, minha irmã ganhou também, a gente ganhou uma bolsa de estudo. Eu nem lembro como é que foi a história, nós fizemos algum teste, alguma coisa, ganhamos uma bolsa de estudo pra um colégio que tava abrindo, que era um colégio ultra revolucionário, que era na esquina da Augusta com a Paulista, que se chamava Paes Leme.
P/2 – Particular?
R – Particular. E lá se falava que tinham os melhores professores, que era uma escola onde só tinha comunista, né, e a gente estava louca para ir, e fomos pra essa escola. E, nessa escola eu tive professores que me marcaram muito. O professor de História, ele dava aula no cemitério, ali perto, levava a gente no tumulo das pessoas famosas, né (riso), e ali ele contava historia, então essa pessoa me marcou muito. E um professor de Geografia também, que era uma pessoa muito especial.
P/1 – Você se lembra em que ano na escola você estava nesse período?
R – Nesse período eu tava na sétima série, por aí, né? E aí, foi esse professor de Geografia, quando eu conversei com ele que eu queria fazer magistério, que queria ser professora, tudo, ele que me indicou, falou: “Olha, vai então, faça um teste numa escola publica, vai fazer, e faça, são três anos” por que eu não sabia nada, né? Meus pais não tinham estudo, o meu pai não terminou o quarto ano primário, e nem minha mãe, minha mãe terminou só o primário e depois não continuou estudando porque casou muito cedo. Então, não tinha muito essa coisa, eles queriam que a gente estudasse, mas eles não sabiam muito bem nem o que, nem como. E, quando eu falei que queria ser professora , eles ficaram meio assim também, né...
P/2 – Por quê?
R – Já era uma coisa que, na época, professor era pouco valorizado, professor não tinha muito futuro, não ia ganhar bem, não era uma profissão que se via um grande futuro. Já na época.
P/1 – Você contou da professora lá no começo, que influenciou e você já percebeu essa tendência de querer ser professor, mas que outros aspectos, assim, você considera que possam ter influenciado a sua escolha?
R – Que influenciaram a minha escolha profissional? Acho que foram esses dois professores, né, que eu falei... E, eu não sei, a gente brincava muito de escolinha também em casa, tinha essa coisa de brincar de escolinha, e eu sempre, lógico, eu era a irmã mais velha, né, então eu sempre punha a coitada da irmã mais nova pra sentar e fazer tudo o que eu queria. Eu sempre assumia o papel de professora e ela de aluna, então eu gostava disso. Quando eu fui pro ginásio e depois fui pro magistério, eu comecei a dar aula particular, ajudar o pessoal que era vizinho e que tinha algumas dificuldades, crianças com dificuldade, fui percebendo que eu realmente gostava disso. E aí fui em frente.
P/1 – E o curso de magistério, assim, pensando nas suas expectativas, né, como é que era essa formação?
R – Ai foi terrível, terrível. Eu fiz em escola pública, foram três anos numa escola. Aí eu já havia saído do Centro da cidade por que construíram a 23 de Maio, e nós fomos todos despejados. (riso) A família inteira foi despejada. Então, nós voltamos a morar na Vila Mariana, e existia uma escola publica no Bosque da Saúde, que nos fomos pra lá, eu e minha irmã. Minha irmã foi fazer cientifico e eu fui fazer magistério. E a formação realmente deixava muito a desejar depois das experiências que a gente tinha passado, educacionais. Então, achei um curso muito pobre, me deu muito pouca experiência, formação pro que eu queria fazer, Quando eu me vi a primeira vez em uma sala de aula eu fiquei assim perdida, desesperada, né?
P/2 – Você começou a dar aula pra que...?
R – Eu comecei a dar aula pra pré-escola. No começo era bem fácil, por que era assim: brincar, brincar de roda, desenhar, cantar, fazer exercício motores, que naquela época era muito valorizado. Então, isso eu sabia um pouco, porque eu tinha primos também, eu tinha muitos primos menores, a gente tinha muito convívio. Então, com isso eu ficava tranquila. Agora quando eu fui pra uma escola maior, que era em Osasco, que eu peguei uma classe de pré-escola, aí eu fiquei meio perdida mesmo. Não sabia o que fazer, fui procurar ajuda, por que o magistério, o curso normal, não me deu uma formação pra eu enfrentar isso, mesmo. Não sabia como alfabetizar, o que fazer com as crianças, né, eu fiquei um pouco perdida.
P/1 – E essa escola em Osasco era uma escola publica, particular?
R – Não, era uma escola particular. Uma escola pequena chamada Externato São Francisco. Não existe mais hoje em dia. E lá, eu fiquei seis anos dando aula e depois eu fiquei pulando de uma escola pra outra, vendo o que fazia, sempre até o pré, nunca peguei primeiro grau. Até que eu fui pra Prefeitura, mais ai eu já estava casada, com filhos quando eu resolvi ir para a rede publica.
P/2 – Prefeitura aqui de São Paulo?
R – Aqui de São Paulo.
P/2 – E você deu continuidade a sua formação, como foi assim depois do magistério?
R – É, antes de ir pra Prefeitura, eu fiz um monte de coisa, eu trabalhei num monte de lugar além da educação, né? Eu fui fazer Psicologia, eu achei que isso me ajudaria muito pra lidar com as crianças, eu não queria Pedagogia, achei que a Psicologia era o melhor caminho. Fui pra Psicologia, aí na Psicologia enveredei por todos os campos. Fui trabalhar com teste para motorista, que na época era uma coisa que tinha emprego, e eu precisava trabalhar...
P/1 – Psicotécnico?
R –... É, psicotécnico.
P/2 – Ou seja, você fazia o curso de psicologia, e ao mesmo tempo...
R – Trabalhava. Aí eu parei esse tempo que fiz o curso, parei de dar aula nas pré-escolas, e fui fazer essas outras coisas. Trabalhei nesse psicotécnico, trabalhei um tempo como monitora da universidade. Fui morar fora de São Paulo por que eu queria sair da casa dos pais, né? Então, fui fazer faculdade no interior pra morar fora, e trabalhei lá na faculdade, lá dentro mesmo, como monitora...
P/1 – Onde que era?
R – Mogi das Cruzes. Fiquei lá um tempo, depois arrumei emprego aqui em São Paulo, nesse psicotécnico que ganhava melhor, aí, eu ia e voltava toda dia, né, todo dia ia e voltava pra faculdade. Eu fui mudando de emprego, trabalhei um pouco com... Indústria, psicologia industrial. Aí comecei ir pra comunidades. Trabalhar em comunidades, trabalhei em igrejas, trabalhei em....Como chama, esse lugares que tem....
P/1 – Associação de moradores...
R – É, associação de moradores de bairro, que tinha um serviço psicológico, de atendimento, eu fui trabalhando por aí. Aí, eu vi que o meu campo não era esse, né, e fui indo pra faculdade mais pra área de educação, mesmo. Fui indo cada vez mais pra área de educação, e aí, eu fui pra Prefeitura. Eu me inscrevi pra trabalhar na Prefeitura, fui chamada, fiz um teste, na época não tava tendo concurso. Tinha um teste que você fazia, era uma redação, e aí, eles chamavam ou não. Eles me chamaram, eu fui. E eu peguei uma classe de primeira série.
P/2 – Isso em que ano, mais ou menos?
R – Isso foi mais ou menos em 80, por ai. E ai, sim, eu fiquei desesperada. Porque ai eu tinha 37 alunos numa classe de primeira série que eu tinha que alfabetizar. E tive muita sorte, por que eu tive uma colega que trabalhava numa sala ao lado, que já tinha alguns anos, e que me ajudou muito. Ela que me ajudou, ela que me ensinou muita coisa, que me deu apoio, que falou: “É assim mesmo, é na pratica que a gente aprende, aos poucos, né? O importante é, também, você trabalhar essa questão da relação, do afeto com a criança”. Então foi assim a trajetória, né, até chegar aí.
P/1 – E nesse período que você ensinava pra essas crianças de primeira série, alfabetização, fora do espaço escolar na sua vida profissional, o que acontecia?
R – Bom, aí eu tinha casado, né? Eu havia casado, eu já tinha uma filha pequena, ela era bebê, eu tava trabalhando, ela era bebe. E continuei trabalhando, aí eu engravidei do segundo filho. A gente tinha bastante atividade política também por que era a época da Ditadura. Aí eu comecei, nós começamos... Eu comecei a trabalhar, com um grupo de amigos, numa comunidade de base, onde a gente trabalhava com operários, onde a gente fazia alfabetização de adulto, a coisa do Paulo Freire começou a aparecer, a gente começou a fazer alfabetização de adultos, um trabalho com esse pessoal da fábrica e com as mulheres, que era o Movimento do Custo de Vida. Tudo isso numa comunidade, na Cidade Ademar. E aí, trabalhei bastante tempo, larguei um pouco da Prefeitura também, me dediquei só a isso, fiquei um tempão trabalhando aí, até que veio a ....
P/2 – Cláudia, nesse período de trabalho que você ____ pra Prefeitura, assim, você se desligou da Prefeitura?
R – Eu me desliguei da Prefeitura porque eu não dava conta da Prefeitura, da casa, dos filhos, e do trabalho social, político, que era o que mais me interessava na época, né? Eu achava que a gente tinha que tá engajada nesse movimento. Então, eu larguei a Prefeitura, conversei em casa com o meu marido, porque no outro trabalho era voluntário, não ganhava absolutamente nada. Então, a gente decidiu por isso, ele continuou trabalhando, não participava muito dessa vida política. De dia eu ficava com as crianças porque aí eu já tinha dois filhos, né, e a noite ele ficava com as crianças, punha pra dormir, dar banho, janta, e eu ia lá pra igreja fazer os meus trabalhos.
P/1 – E como que essa participação política, social influenciou você na sua vida profissional como professor?
R – É... Acho que influenciou bastante primeiro porque me deu outra visão, outro aspecto, que era: o trabalho com adultos. Que até então, eu não tinha. Até então, eu havia trabalhado com crianças até a faixa etária de sete anos. Nem com jovens eu não tinha trabalhado, e aí, eu tive esse contato com adultos. E o meu papel nesse grupo era alfabetizar. Eu fui procurar algumas metodologias, alguns subsídios pra poder trabalhar com adulto, que eu não sabia se eu fazia a mesma coisa do que eu fazia com as crianças, e aí que eu descobri Paulo Freire, né? E, acho que isso influenciou muito, que quando eu voltei pra escola publica, eu voltei com uma outra perspectiva, uma outra cabeça, sabendo exatamente o que eu queria fazer com as crianças, como fazer; adaptando tudo aquilo que eu aprendi com os adultos para as crianças, né? Então, foi uma época muito rica de aprendizado pra mim, né, com os colegas que estavam juntos que trabalhavam também, tinha o professor de Matemática, tinha o de História, de Geografia, e eu trabalhava com a área de Português, né?
P/2 – Com os adultos?
R – Com os adultos.
P/1 – E que leituras vocês faziam, que tipo de material vocês usavam?
R – Ah, era tudo produzido pela gente, e pelos próprios alunos, tudo, a gente trabalhava aquela questão de... Muito trabalho oral, da fala, da história de cada um, da conversa, do resgatar... Da história do grupo, de montar uma história desse grupo, do que esse grupo está fazendo, da onde esse grupo veio, pra onde esse grupo vai. E, a partir daí, então, você fazia toda aquela metodologia, de palavras chave, você ia trabalhando a alfabetização, de uma forma bastante política mesmo, né? E, todo esse pessoal também era um pessoal que estava diretamente ligado ao Movimento Operário, ao Custo de Vida, né? Então, era...
P/2 – Fala um pouco, assim, de que lembranças, ou coisas marcantes dessa época, o que ficaram?
R – É, acho que tem muitas lembranças...
P/2 – Que época foi mais ou menos? Localiza o ano...
R – 76 mais ou menos, né, até um pouco antes, por que eu tava grávida do segundo filho, do Gustavo, né? Ele era bebê, eu lembro que eu amamentava, às vezes eu até levava ele quando a gente tinha que preparar reunião, fazer alguma coisa. Levava pra dar de mamar, e depois voltava pra casa deixava, voltava pra dar aula. Era uma coisa meio assim. E, coisas que me marcaram muito nessa época, eram assim.... Foi... Eu sempre fui criada na religião católica, meus pais sempre foram católicos, e, assim, católicos de batizar os filhos, de levar na missa, mas eu nunca tive muita ligação com a Igreja. Naquela fase da adolescência fui me distanciando, questionava tudo, questionava Deus, questionava o homem, questionava tudo. Não aceitava muito isso, e me distanciei completamente da Igreja. E, nessa fase, eu tive contato com padres, né, e que estavam muito ligados à religião, eram padres, e que tiveram um papel muito importante, né...
P/1 – Nesse período.
R – Um papel assim de nos acolher nessa luta contra a Ditadura, de dar um espaço pro nosso trabalho, e de estar junto com a gente no nosso trabalho. Então, lutaram junto, foram presos, saíam pra passeata, tiveram as casas vasculhadas, e nunca impediram que acontecesse nada. As reuniões eram na casa paroquial, a escola era lá, né, se lutava por dinheiro, por fazer alguma coisa. Faziam-se peças de teatro dentro da igreja. Então, aquela coisa pra mim que era o altar, que, de repente, não pode, é pecado, tudo isso foi sendo destruído. Porque o padre fazia assim, tirava a cruz, punha do lado e falava assim: “Pode fazer”. Então a gente usou a igreja como teatro, como escola, como tudo, né, como local de discussão...
P/1 – De organização.
R –... De fazer material. Então, isso me marcou bastante, isso me trouxe um pouco, assim, que a religião também não era uma coisa ruim, e também tinham pessoas interessantes dentro da religião. Por que, de repente, pra mim, eu sempre fui assim: tudo ou é bom ou é ruim. Eu sempre enxergava as coisas assim, e nesse momento eu passei a ver que, nem tudo é bom ou ruim. Também tem aquelas coisas: dentro do ruim tem as pessoas boas, que dá pra você conviver e dá pra você aprender muito. Então, essa foi uma passagem que me marcou bastante.
P/1 – E esse período, né, esse trabalho vocês desenvolveram até quando?
R – Bom, a gente desenvolveu até começar... Quando acirrou a coisa teve um período na Cidade Ademar que teve que se fechar isso, aí nós fomos pro Jardim Miriam, a gente era meio itinerante (riso). Ficava pulando de um lugar pra outro, conforme a repressão ia chegando.
P/2 – Quem era esse grupo, Cláudia, tem alguma referência?
R – Tenho, tenho referencias. Era um grupo que, na época, fazia química na USP, né, eu tenho contato com eles até hoje. Foi através dele. Participava desse grupo a Verinha, que trabalhou com a gente na educação, ela foi uma das primeiras também a estar nesse grupo, depois ela saiu foi fazer outras coisas, mas era professora também nesse grupo. Então, é um pessoal que eu tenho contato até hoje, né?
P/2 – E ai, você estava dizendo que às vezes tinham que...
R – É às vezes era meio itinerante, né? Aí tinha um local que precisava mais, aí você ia; aí tinha outro trabalho pra fazer, de repente, você ia também; e a coisa foi se expandindo. De repente, ficou um pouco ultrapassada essa coisa da escola, os movimentos se voltaram mais pro Movimento Grevista, né, principalmente de São Bernardo, e aí, a atuação mudou um pouco. Já não era mais a escola que era importante. Você discutia, o pessoal já tinha os grupos formados, e você só tava junto agora. Agora a gente fazia parte desse grupo...
P/1 – Desse movimento?
R –... Dsse grupo de resistência, desse movimento, que lutava por um abertura no pais, né? Aí, você não tinha mais aquele papel de... Na época a gente usava muito esse termo: “Conscientizar as pessoas”, de que precisa lutar pra uma abertura no país, pra derrubar a ditadura militar, né? Então, ai você era uma participante mesmo, nessa luta.
P/1 – E, você retornou pra sala de aula na escola em que período?
R – Isso, ai em 84, acho que foi 84, eu voltei pra Prefeitura. Voltei pra uma escola da periferia, depois do Jardim Ângela, no Jardim Nakamura. E, trabalhei bastante tempo lá, fiquei bastante tempo lá. E, trabalhei com primeiras séries e depois fui pras quartas sérias. Aí, nas quartas séries foi um trabalho bastante gratificante, por que tinham... Duas colegas que eram muito interessantes, pessoas muito ativas, que tinham uma riqueza profissional muito grande, e a gente fez muitas trocas, né? Então, a gente fez um projeto na escola de as quartas séries terem um professor que rodiziava também, não um único professor, pra preparar esses alunos pra quinta série. E, deu bastante certo. Aí eu fiquei nessa escola, e de lá eu fui trabalhar na Secretária de Educação. Na época era NAE, né?
P/1 – O que é NAE?
R – Núcleo de... Núcleo de Ação Educativa.
P/1 – Cláudia, fala uma coisa, nesse retorno que escola você encontrou, que características tinha essa escola que chamaram a sua atenção?
R – Bom, nesse retorno... Eu encontrei, na época o Prefeito de São Paulo era o Mario Covas, não nesse mandato mais recente, mas um mandato anterior, né? Ea Secretária de Educação era a Guiomar Nano Mello, e eu tinha um pouco de aversão a essas pessoas. Achava que eram pessoas que não tinham uma posição política muito clara, muito declarada e estava tateando, experimentando. Mas foi uma época que muitas coisas aconteceram na escola. A discussão veio pra escola, de carreira, de situação do professor, da situação do aluno, de abertura da escola pra comunidade... Foi uma época que me surpreendeu, realmente, assim, havia bastante participação. Muitas questões chegavam pra a gente discutir na escola com os companheiros, com os colegas de trabalho, né, sobre a educação mesmo, de uma forma geral.
P/1 – E, assim, na relação com os alunos, no aprendizado dos alunos, quais eram as questões que naquele momento estavam postas?
R – Bom, a questão, naquela época já era: escola que temos, e a escola que queremos. Tanto pra nós professores, como para os alunos. A gente sempre tinha a sensação que aquela escola não era a escola que servia pros alunos, que a gente passava uma coisa que tava longe do aluno. Que é a mesma sensação que nós temos hoje. A sensação que eu tenho é que a educação não caminha, a educação, assim, ela vai e volta e a questão é a mesma. A questão é a mesma, e a gente não consegue dar um passo, a gente parece que não sai disso, né?
P/1 – E, depois dessa experiência, toda essa vivencia que trouxe esse acumulo pro seu trabalho na escola, e você teve outras vivencias depois disso, o que também te marcou?
R – Essa experiência na escola, no Jardim Nakamura, me marcou muito por que eu nunca tinha trabalhado, com um pessoal de periferia, assim... Bastante pobre, sem uma estrutura familiar, e principalmente com jovens, que já estavam... Eram infratores. Alguns saindo da Febem, né? Então, nós tínhamos alunos que na entrada da sala de aula, a gente abria a bolsa, eles colocavam a arma na bolsa, assitiam a aula, na saída, eu abria a minha bolsa eles tiravam a arma, e saiam, né? Então essa experiência me marcou muito...
P/2 – Isso foi década de 80?
R –... É, essa experiência me marcou bastante no Jardim Nakamura. Acho que já quase 90, 87, 88, né? E mesmo com tudo isso, a gente conseguia trabalhar com esses jovens, né? Esses jovens iam à escola, frequentavam a escola... Nós fazíamos festas na escola, bailes, e nunca tivemos problemas, assim, nós éramos os seguranças.
P/2 – Nós quem?
R – Os professores, e principalmente a maioria era mulher. Então, as mulheres. Nós ficávamos até às quatro horas da manhã, a gente revistava os meninos pra entrar no baile, e eles nem ligavam, né? Na boa, conheciam a gente. Então, foi uma experiência bastante interessante nesse sentido, de como você pode discutir essa situação de vida que eles tinham que era longe da situação de vida que eu vivia. Eu vivia uma situação privilegiada, né? Eu tinha casa, tive uma família estruturada que me deu uma formação muito boa, e eles não tinham nada disso. E, a facilidade com que era trabalhar com eles, nesse sentido, como eles se abriam pras discussões, e estavam muito presentes na escola. O que eu não sinto hoje em dia, né?
P/2 – O que você sente hoje?
R – Olha, hoje eu trabalho de quinta a oitava série com jovens, e com adultos a noite, com a suplência no noturno. E é bem diferente o trabalho com jovens e com os adultos. Os jovens eu sinto assim, que eles tão meio afastados da escola. A escola não tem mais aquele significado pra ele daquele lugar legal, gostoso, de que você encontra gente que você pode papear; que você pode discutir; que você pode confiar, né? Você encontra um mundo diferente do teu, com uma série de exigências, né, cheio de grades, cheio de trancas, com regras imensas. Que reproduz muito claramente a sociedade que a gente tem ai fora. São jovens que são muito difíceis de aproximar deles, muito difícil mesmo. Eu brigo com isso, ano a ano, com essa aproximação. Você consegue, não, que assim, não é com todos, mas são com alguns, é difícil essa coisa do grupo, você não consegue mais. Mesmo porque, a escola hoje, a escola com a qual eu trabalho, eu to falando da realidade que eu vivo. Ela não se propõe, ela não se abre pra uma festa, porque ela acha difícil; é problemático, porque de repente a comunidade invade. Ela atende a comunidade de duas favelas, a situação ta difícil, então, ela coloca uma série de restrições, né?
P/1 – E como você vê a função da escola hoje?
R – Pra ser sincera, eu tenho falado ultimamente que a escola continua naquela função antiga de passar conhecimento. Ela ainda tem essa função. E na verdade, o que ajuda muito, são as atividades que os alunos têm fora a escola, é a educação não formal. Eu acho que o que tem contribuído pra juventude é a educação não formal, né? Então, no bairro, por exemplo, tem uma série de trabalhos de educação não formal, esses trabalhos são eficientes... Eu considero mais eficientes do que a escola.
P/1 – Que tipos de trabalho que são, Cláudia?
R – Por exemplo, tem um grupo que se chama SOS Juventude. Que trabalha esporte, teatro, capoeira, musica. Agora tem um projeto que é um Projeto Casulo, que eles fizeram dentro da favela, né? Tinha uma área lá que foi discutido o que o pessoal queria que fizesse, e eles queriam um centro pra usar com várias atividades. Isso foi financiado por um grupo de empresários, o centro ta lá, ta começando o seu trabalho. E, eles tão super entusiasmados. Tem teatro, tem musica, tem artes, e esse é o grande lance deles, o grande lance mesmo. Então, todos os alunos se dirigem a esses locais, e isso é o que eles gostam. Em qualquer coisa que você faça com eles, e que você conversa, que você pergunte, sempre surge esses movimentos. Existe um pra criança pequena que chama o Visconde, onde eles trabalham fora do horário da escola da criança, e as crianças vão nesse lugar. As crianças adoram, adoram, adoram, né? Eles contam do Visconde com uma alegria, com uma satisfação. Então, a gente vê que essa parte da educação não formal atinge muito mais do que a escola.
P/2 – Então como deveria ser a escola (riso), o que é isso que ta faltando?
R – Ai, eu não sei viu. Eu realmente não sei como deveria ser a escola. Eu acho que assim: eu acho que a escola tem que ter conteúdo; nós estamos com um problema seríssimo dentro da escola que é o seguinte: alunos de sexta série, sétimas séries, e até oitava série que saem sem conseguir ler. Ler um livro; ler um texto. Ler que eu falo, não é ler lá “Não me considere o chefe”, mas é entender aquilo que ta lendo. Além de ler, decifrar as palavras, também entender. Nós estamos com um problema sério. Nós estamos agora com um grupo, eu e mais duas professoras, um grupo voluntário, onde a gente está atendendo pouquinhas crianças de quinta e sexta série. Onde a gente esta retrabalhando essa questão da leitura, da escrita, através de jogos, resgate de brincadeiras infantis, né? É outra coisa, isso é completamente diferente do formal da aula deles e eles adoram esse grupo, adoram o grupo. As crianças que a gente vai dispensando do grupo, não querem sair do grupo, por que é completamente diferente do formal. Então, talvez seja isso, essa questão formal, dessa aula toda partida, sabe? Eu tenho 45 minutos de Português, 45 minutos de Geografia, 45 minutos de Artes, e eu faço aquilo e acabou; o que der eu faço, o que não der eu não faço. Talvez a coisa seja por aí, não sei.
P/1 – Pensando nessa problemática que você está levantando como você vê o papel do professor hoje, frente a esse contexto?
P/2 – Como que o professor pode interferir nesse projeto da escola? Nesse projeto, que ta desse jeito.
R – É muito difícil, a escola é uma instituição que ela ta organizada para que as coisas aconteçam dessa forma. É difícil você romper essa estrutura, e romper de uma forma que você atenda a maioria. Porque, você romper, por exemplo, como nós estamos fazendo atendendo, sabe, 20 alunos, 30 alunos, num pequeno projeto, você até consegue. Mas você romper essa estrutura é muito difícil, porque é uma estrutura cristalizada, que vai muito além dos portões da escola. Vai pra Secretaria de Educação, Municipal, Estadual, Federal e que a coisa não rola mesmo, é uma coisa que ta meio fechada, né? E, que você não consegue romper isso, dentro da escola você não rompe, você rompe em pequenos projetos, em pequenos núcleos. Isso frutifica, é interessante? Eu acho que sim. Acho que é interessante, vale a pena, é com isso que a gente consegue fôlego (riso) pra ir até a aposentadoria, aqueles que querem continuar trabalhando. Mas, a maioria dos professores também tão muito cristalizados. Eles tão lá pra chegar, entrar, dar a sua aula. Às vezes, acho que até detectam os problemas que existem, mas tão sem animo, sem fôlego pra fazer qualquer coisa.
P/1 – Você já pensou em desistir alguma vez?
R – Ah, muitas vezes, muitas vezes eu chego ao fim do ano e falo assim, ai chega. Bom, primeiro, eu fico pensando na questão salarial, eu preciso trabalhar, eu preciso do salário, eu não posso jogar o emprego fora, porque, atualmente, ta muito difícil você conseguir uma colocação, principalmente pra uma mulher, com 55 anos de idade, né, que ninguém vai me empregar assim tão fácil (riso). Mas, muitas vezes eu já pensei, eu achei que o caminho não era esse, não era por aí, né? Por outro lado, eu acho assim: poxa, eu largo, e deixo um espaço vazio, um espaço que eu posso ta contribuindo, por minimamente que seja, né? Então, é muito difícil, têm os dois lados, as duas coisas, né? De um lado você fala: “Pó, eu posso contribuir com alguma coisa por menos que seja”, por outro lado você fala: “ Ai, estou cansada, eu não aguento mais, essa estrutura me massacra, me sufoca. Tenho que responder pra diretora. Tenho que brigar com a coordenadora. Ai, vou me fechar na sala de aula, não vou responder pra mais ninguém, vou fazer o meu trabalho, e vou ignorar o resto”. Então, você fica sempre nessa dualidade, brigando com isso o tempo inteiro.
P/2 – E, tem lembranças, assim, do dia-a-dia, ainda hoje, apesar de toda essa dificuldade, que ainda chegam a te emocionar?
R – Ah, tem, muitas, lembranças até recentes. Recentes e antigas, né? Essa semana mesmo. Eu dou aula a noite pra suplência, e é uma coisa maravilhosa. Os adultos são realmente uma coisa que te dão uma volta, né? Até pra falar eu me emociono. Eles entram, né... Eu trabalho em uma sala de leitura, o que eu faço nessa sala de leitura? Eu falo de autores, eu falo dos livros, eu conto histórias... Eu escuto histórias da vida deles, de cada um, da região de onde eles vêem, de onde eles nasceram, da sua identidade. E vou trazendo essas coisas, né? E, logo no começo do ano, eu inventei uma história que eu contei pra eles, que eu fui... Eu fui realmente viajar. Eu fui pra Itatiaia, e lá eu comprei um caleidoscópio feito por um artesão do local. A partir daí, eu contei pra eles uma história, que eu tinha ido pra esse lugar, não sei o que, e que essa pessoa fazia uma caixa onde ela guardava estrelas, né? Em cima disso eu criei toda uma situação. Que era uma caixa de estrelas... Que ele contava, que as estrelas que caíam do céu realizavam um desejo, e aí, os alunos iam me dando a volta: “Ah, aquela história que quando uma estrela cai você faz um pedido, e o pedido é atendido, não sei o que”. Eu levei em uma caixinha, enrolado em um pano, né, e falei pra eles: “Olha, hoje eu vou oferecer pra vocês descobrirem a minha estrela”. E assim, é uma coisa tão mágica, eles acreditam tanto nisso, né, e eles viram aquilo com um cuidado, com uma delicadeza e discutiram isso, e daí, lógico, a gente foi um pouco pra poesia, onde tem o Ouvir Estrelas do Olávio Bilac; a gente foi um pouco pra astronomia, astrologia, toda essa área, né? De repente, uma das senhoras, Maria de Lurdes é o nome dela, fala pra mim assim: “Ai, professora, eu não sei o que faria se não viesse aqui toda semana”. Sabe? E com o olho cheio de água. Então, uma coisa assim, ela vem e cumprimenta, beija e abraça. Você percebe que tem uma relação de afeto e de carinho, e que, além disso, eles tão, assim, absorvendo tudo aquilo que eles podem, né? Com uma riqueza, o que eles trazem pra dentro da sala, a troca que a gente faz, né? De repente uma aluna falou assim, eu não lembro até como é que saiu, (riso)... Que ela falou que aí o irmão dela foi ver uma estrela, e, não sei o que, e cortou a orelha, e já veio a história de Van Gogh que cortou... Então, as coisas vão se misturando, né? São realmente coisas muito interessantes que saem. Uma coisa leva a outra. Nem tem uma estrutura de planejamento, que eu não gosto, né, e aí eu vou fazendo uma coisa indo sair da outra, vai aparecendo às coisas.
P/1 – Então, você atribui a que, quando você percebe a transformação, nos seus alunos, da sua ação. O que você percebe que causa, a partir da sua ação, essa transformação?
R – Olha, acho que tudo aquilo que eu faço enquanto professora na sala de aula, e que faço com prazer; que tem um sabor pra mim, que eu gosto, né? Eu acho que você acaba passando esse sabor. As pessoas começam a querer experimentar desse sabor, pra ver se gostam ou não. Então, eu acho que falta às vezes na educação, e pra mim também, com algumas salas de aula, lógico, você tem mais empatia, então aquilo vem mais do teu íntimo, mais do teu prazer, né? Então, isso tem um reflexo maior, você percebe que tem um retorno maior.
P/1 – Cláudia, nessa sua trajetória, você já pensou alguma vez que você gostaria de ter mudado alguma coisa?
R – Ah, a gente sempre pensa, viu (riso), sempre pensa. Eu sempre penso, assim, teve uns anos na escola que a gente ficou sem direção, né, e eu falei: “Nossa, que maravilha! Um conselho gestor, não quero diretor, não quero coordenador pedagógico, acho que a escola tem muito cacique, né? Devia acabar com esses cargos, e ser assim: professor, os professores dirigem a escola”. Não que professor é a grande figura, a gente tem mil mazelas, a gente também tem a questão do poder arraigado na gente, a gente também precisa lidar com isso, mas talvez fosse mais fácil, fluíssem as coisas, e viesse mais a tona essas questões, e a gente pudesse fazer uma gestão mais democrática dentro da escola. A escola é muito autoritária. Muito.
P/1 – E assim, ao longo da sua carreira, que lições você tirou? Alguma coisa que tem um significado grande pra você. Que você acha que: “ai, eu aprendi isso, e que...”...
P/2 – ...E, até um pouco da época que você não ficou dentro da escola, por que trabalhou na administração, né, na época da Luiza Erundina, que você teve um olhar de quem tava mais fora da escola. Então, pensando em tudo isso, né, acho que pudesse ser uma referencia também pra você responder a pergunta, né?
R – Pensando em tudo isso, nessas duas situações, sempre a situação da escola é mais enriquecedora, por que você ta em contato direto com os alunos. De fora da escola, o seu trabalho é com professor, quando você consegue atingir, né, esse professor. È um trabalho difícil também, mas é um trabalho... Eu acho que enriquece mais o contato direto com o aluno, dessas duas experiências que eu tive. E, eu acho que o que eu trago pra mim são lições de vida, coisa da vida, do dia-a-dia, do cotidiano. Sabe, de como é bom abrir a janela e ver o sol ou ver a chuva, ou dizer bom dia, ou dizer boa tarde, ou dar o abraço, ou dar o ombro pra alguém chorar. Acho que são essas lições de vida, e assim, que o cotidiano, que a rotina é uma coisa boa, e que pode ser entusiasmante também. A rotina não é chata. Que a rotina também tem o seu lado gostoso, seu lado bom e que essas pequenas coisas é que são importantes na vida. Que o resto tudo não tem muito valor não, né, que essas coisas que fazem a vida: é você descobrir que pode escutar o passarinho, que você pode ouvir uma musica, uma criança chorar, você pode abrir a janela de manhã e: “Ai, que bom, eu vou trabalhar, eu tenho emprego”. Acho que essa é a grande lição que eu aprendi durante todos esses anos, né? Por que a tendência da gente é dizer: “Ai que saco, eu tenho que ir trabalhar. Ai que saco, tudo de novo”, até na casa, até na vida, com o marido, com os filhos. Então, essa é grande lição profissional e de vida que as pessoas me ensinaram mesmo.
P/1 – Você gostaria de acrescentar alguma coisa, pra gente encerrar? Márcia, não sei se você quer perguntar mais alguma coisa?
P/2 – É que a gente está encerrando, mas pra mim ficou uma interrogação muito grande, que é o professor com o jovem. Quer dizer, você falou dessa tua... Dessa lição de vida que você veio tendo, é...
R – Eu acho que assim, eu sinto que quanto mais velha eu vou ficando, mais difícil é essa relação, você acredita, com o jovem. Eu tenho sentido isso, porque, não sei a gente vai ficando... Dizem que a velhice vai dando a paciência, mas eu sinto que na profissão eu estou mais impaciente, né? Então, no momento atual, eu acho que os adultos me acrescentam mais e tenho maior dificuldade de lidar com os jovens. Pode ser que seja uma coisa minha, né, e não dos professores, mas eu sinto que o jovem ta afastado da escola.
P/1 – E como foi pra você participar dessa entrevista?
R – Ah, interessante. Sempre é gostoso você falar de você, das coisas que você viveu. Você lembrar um pouco. Porque no dia-a-dia, você não faz isso, você não ta toda hora lembrando: “Ai, o que eu fiz da minha vida” o tempo inteiro. Então, sempre é interessante. Engraçado que, quando você vai respondendo, lógico você vai pinçando algumas coisas, e vai ficando na memória, muitas outras coisas que você não tem tempo de falar, né? Então, é um processo mesmo de você rever algumas coisas, de você até repensar algumas coisas, né? Mas, tranquilo, à vontade.
P/1 – Obrigada!
P/2 – Obrigada!
R – De nada.
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