P/1 - Kharen, vou pedir para você se apresentar dizendo o seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Meu nome é Kharen, tenho 22 anos, sou de São Paulo capital.
P/1 - E que dia você nasceu?
R - Dia seis do dois de 1998.
P/1 - E quais são os nomes dos seus pais?
R - Antônia Pereira dos Santos e Mario Adelino de Paula.
P/1 - E onde que eles nasceram?
R - A minha mãe é de Minas [Gerais], Itapegipe, senão me engano, e o meu pai é de São Paulo mesmo.
P/1 - E você sabe como eles se conheceram?
R - Foi por roda de amigos, né? Aí eles se conheceram e acabaram casando.
P/1 - Aqui em São Paulo mesmo?
R - Aqui em São Paulo mesmo. Acho que eu tinha dois aninhos senão me engano.
P/1 - Você tinha dois anos?
R - Quando eles se casaram.
P/1 - Ah, que legal! E você sabe quais eram as atividades deles? O que eles faziam?
R - O meu pai ele era carcereiro, agora ele é aposentado, e a minha mãe era doméstica.
R - E você tem irmãos?
P/1 - Tenho sete irmãos (risos).
P/1 - Onde você está nessa escadinha de irmãos?
R - Na escadinha? Eu sou a caçula.
P/1 - E como que é a sua relação com eles?
R - Eu tenho mais contato com a minha irmã Bruna, com Fagner e o Fábio. Com os meus irmão por parte de pai eu não tenho tanto contato. Eu converso com eles, mas tanto contato igual eu tenho com a parte da minha mãe, a gente é bem mais unido.
P/1 - Então só para ver se eu entendi... Tem alguns que são só do seu pai que são de um casamento anterior, é isso? São quantos lá?
R - Ó, com a Dora são três. Aí com outra moça é um. Aí tem a parte da minha mãe, que o Fábio é de um relacionamento, e o Fagner é de outro relacionamento. Só eu e a Bruno que somos da mesma mãe e do mesmo pai. Acho que deu pra entender, né?
P/1 - E como que era a sua casa?
R - Agora ou....?
P/1 - Na infância.
R - Ah, na infância era só dois cômodos. A situação era bem complicadinha. Era pequeno porque a sala, agora onde é a sala, só tinha um guarda-roupa, tinha a cama de casal dos meus pais e tinha a cama que eu dividia com a minha irmã, então não tinha quase espaço para nada.
P/1 - E Kharen, me conta uma coisa, nessa casa moravam quantos? [
R - Era só eu, a minha mãe, meu pai e a minha irmã Bruna.
P/1 - E ela é anterior a você ou não? A Bruna.
R - Sim.
P/1 - E os outros irmãos?
R - O meu irmão Fagner morava com a minha tia, irmã da minha mãe. E o Fábio, por um tempo ele até morou com a gente, aí depois ele começou a ter um problema com drogas aí a gente foi morar em Minas [Gerais] por conta dele, porque ele pediu.
P/1 - Aí você também mudou de casa?
R - Sim, também mudei de casa.
P/1 - Você tinha quantos anos?
R - Eu tinha um ano e pouco. A gente foi para Extrema, Minas Gerais.
P/1 - E depois vocês voltaram para São Paulo?
R - Isso. A gente ficou mais ou menos um ano e meio lá. Ele pediu, aí ele conheceu uma moça lá, chegou meio que morar com ela, aí como a situação lá estava bem difícil, porque o meu pai ia para casa só de final de semana, ele ficava dia de semana na casa da minha tia, porque ele trabalhava no Carandiru, então ele saía para casa só de final de semana. E como as coisas eram muito caras, aí a gente voltou para São Paulo.
P/1 - Vocês voltaram para mesma casa?
R - Para mesma casa.
P/1 - E me conta mais sobre essa casa? O bairro, a região…
R - O bairro é bem tranquilo, porque só tem gente mais antiga, então não é aquela rua bagunçada, que tem bastante jovens. Então a minha infância foi basicamente isso, foi tranquila, minha mãe nunca foi de deixar a gente sair para rua. Quando ela deixava a gente fazia a farra na rua, a gente brincava até dizer chega. E a casa era… No começo assim era bem aquelas casas, como eu posso dizer… Com bastante mofo, não tinha ventilação, mas aí depois eles foram abrindo as janelinhas e foi melhorando, mas era o nosso cantinho de amor, né?
P/1 - E que bairro que era?
R - Jardim Joamar.
P/1 - E quando você se lembra das suas brincadeiras favoritas… Quais são elas?
R - Ah, esconde-esconde, pega-pega, pé na tábua, polícia e ladrão… Nossa, a gente zuava muito na rua. Era bem divertido.
P/1 - E a sua irmã ia junto com você?
R - Minha irmã ia junto. Mas a gente… Como eu era aquela criança que gostava de irritar ela, então ela ficava mais com as coleguinhas dela e eu ficava mais com os meus coleguinhas. Nossa, eu era uma criança meio atentada, eu adorava irritar ela e as amigas.
P/1 - E o que você queria ser quando crescesse?
R - Aí, naquela época eu sinceramente não lembro. Não lembro mesmo.
P/1 - E depois?
R - Nossa, eu já pensei em ser várias coisas. Já pensei em fazer Direito, para ser advogada, já pensei em ser enfermeira, aí empreendedorismo, depois que eu fiz o curso eu quis ser empreendedora. Então cada ano praticamente vai mudando, mas nunca foco em um só, e o mais engraçado é que são áreas totalmente diferentes, não é uma ligada na outra.
P/1 - São muito diferentes. E Kharen, qual a sua primeira lembrança da sua escola?
R - Da minha escola? Aí, são meus amigos assim. A minhas sala, porque da quinta série até o terceiro ano praticamente sempre foram as mesmas pessoas na mesma sala, então a gente era muito unidos, sabe? A minha lembrança é a união, o quanto a gente era unido com o outro. Se um arruma briga a gente ia lá para defender, e ia praticamente a sala toda, é isso.
P/1 - Você estudou sempre no mesmo colégio?
R - Sim, da quinta série até o terceiro sempre no mesmo colégio.
P/1 - E antes?
R - Antes da quinta série eu estudei em outra escola, que era do primeiro ao quarto ano, e daquela época eu lembro só da minha professora, a Nilsa, que ela era muito importante na minha vida, que nossa, eu lembro demais dela. Eu lembro de mim com as minhas amigas levando toda sexta-feira a barbie para brincar, lembro das tias lá enchendo: "Menina, sai daí, vai para sala". A gente indo no banheiro para fazer aquela brincadeira loira burra (risos).
P/1 - E porque essa professora foi marcante para você?
R - Porque foi bem… Nessa época eu tava meio com depressão assim [corta] Porque nessa época foi bem na época que eu tava muito mal, meio com depressão, e ela foi uma professora que me ajudou muito, porque quando os meus pais se separaram, eu lembro que eu fiquei muito mal, e eu na escola eu era uma boa aluna, e de repente eu não era mais, eu já tinha esquecido tudo, e ela: "Não Kharen, não é assim” e ela me ensinava, me incentivava, por isso que eu lembro dela bastante. Ela: "Não Kharen, você não precisa ter medo, mesmo se você errar, você fala". E é isso que eu levo comigo.
P/1 - E como que foi a separação dos seus pais?
R - Eu lembro que no dia que eles se separaram o meu pai estava no quarto, assistindo TV, no quarto deles, e a minha mãe tava no meu quarto comigo e com a minha irmã, se eu não me engano ela estava até passando roupa, e o meu pai recebeu uma ligação, se eu não me engano da minha irmã, do antigo casamento dele, e ele conversando com ela e a minha mãe escutou a conversa, que foi quando ele tava falando, acho, da outra mulher dele, aí minha mãe já começou a gritar com ele, falar um monte, aí ele voltou, retornou para o meu quarto, e ela foi atrás, só que a minha janela tava aberta, porque tava muito calor nesse dia, e já era de noite, e aí eu lembro dele enforcando a minha mãe, e tipo, tentando jogar ela da janela. E eu lembro que eu pequenininha, minha irmã na cama, chorando e gritando, e eu pequenininha fui para cima dele pedindo para soltar minha mãe. Então foi algo que me marcou muito, foi algo que… Eu fiquei muito mal na época. É algo que eu lembro da separação deles. Eu lembro também que ele ficou um bom tempo sem ver eu e a minha irmã, tinha vezes que ele tinha que ir na esquina de casa para poder ver eu e a minha irmã. Ele não podia ir na nossa rua, ele não podia entrar dentro de casa, por um bom tempo foi assim.
P/1 - Hoje em dia vocês têm alguma relação?
R - Sim, tenho uma relação muito boa com o meu pai, a gente conversa bastante, ele é um paizão. Independente de tudo ele sempre foi um pai presente, sempre nos ajudou, sempre falou assim: "Ó, Kharen, não é desse jeito, você está errada nisso, então vamos resolver", então a minha relação com ele é muito boa.
P/1 - E a sua relação com a sua mãe?
R - Assim, eu lembro que a minha mãe sofreu muito nessa época, eu lembro que ela se trancava dentro do banheiro para poder chorar, porque ela não queria chorar na frente da minha irmã, nem na minha frente. Eu passava no psicólogo, ela passava no psicólogo, e a minha mãe, independe de tudo ela sempre foi aquela pessoa que trabalhou muito, batalhou muito para dar o sustento para gente. Então ela deixava a gente pequena em casa para poder ir trabalhar, lavar banheiro dos outros. É alguém em quem eu me inspiro muito e que mesmo na dificuldade ela foi uma mãezona, foi mãe, pai, foi amiga, ela sempre, como posso dizer, sempre cuidou muito da gente, sempre se importou muito com a gente, e até hoje.
P/1 - Então na época da separação você acha que você levou um pouco isso para escola?
R - Sim, eu levei para escola porque eu fiquei aquela criança que não queria saber de nada, eu queria bagunçar. Eu era uma aluna que ia bem em Matemática de repente eu não ia mais bem, e assim foi indo, então eu acho que me afetou em algumas áreas. O médico fala que antigamente eu não tinha tantos traumas, e as dores de cabeça que eu tenho hoje são por causa do meu trauma de infância. Então eu levo algo carregado comigo, por mais que eu esteja curada, esteja bem. Foi por algum motivo que aconteceu isso, mas eu levo isso comigo. Eu não tenho mágoa, nem nada, eu acho que foi… Não algo bom, mas foi preciso que acontecesse acho que para o meu pai e minha mãe mudarem em algumas áreas.
P/1 - E nessa sua primeira escola, como você ia? Andando, de ônibus?
R - Minha mãe pagava perua para levar a gente, aí na terceira, quarta série a minha irmã saia da escola, que era uma escola em frente a minha, e ela me buscava, e a gente ia para casa a pé.
P/1 - E era perto da sua casa?
R - Acho que uns seis minutinhos andando. Não é longe, é perto.
P/1 - E por que aconteceu essa mudança de escola?
R - Porque nessa escola que eu estudava só ia até a quarta série e depois eu fui para a escola onde a minha irmã estudava, que era em frente.
P/1 - E lá teve algum professor que tenha te marcado?
R - Aí, tiveram vários professores, porque nessa escola, da quinta série tinha as professoras, mas a sexta série já era aquela escola que sempre tinha aula vaga, então nunca tinha aula, eles soltavam a gente cedo, então nunca tinha professor de Matemática. Um professor que me marcou muito foi o professor Reis, que é de Geografia, que mesmo… Ele era um professor que ninguém respeitava, ele passava a lição no quadro, todo mundo bagunçando, gritando, e mesmo a gente conversando, brincando, mesmo aquele barulho dentro da sala, mesmo assim ele parava e explicava para gente mesmo a gente não prestando atenção, isso foi… Me marcou muito, porque mesmo ele vendo as que as pessoas… A gente não tava prestando atenção e ele tava ali explicando, estava disposto a ensinar, a falar da matéria dele. Foi um professor que me marcou muito.
P/1 - E nessa época você lembra de alguma história marcante que você tenha vivido, dentro ou fora da escola?
R - Nessa época? Aí, tiveram vários momentos assim… Na sexta série eu comecei a namorar um rapaz. A gente ficou um bom tempo, só que o nosso relacionamento era meio que assim, terminava e voltava, era ele me traindo, eram várias outras coisas. E foi um relacionamento que eu insisti muito, tipo insisti assim: ele vai mudar, vai ser uma pessoa melhor. E foi algo que me marcou muito porque nessa época eu lembro que eu sofri demais em relação a isso.
P/1 - E ele fazia parte do seu grupo de amigos?
R - Eu conheci ele através de uma amiga minha. Ele era acho que dois anos mais velho que eu.
P/1 - E em relação ao seu grupo de amigos? Você comentou que eram bem unidos. Você acha que eles te ajudaram também com a separação dos seus pais? O que vocês gostavam de fazer?
R - Sim, a gente era muito unidos. Eu, Carol, Luan, Gustavo, Tiffany. E a gente era tão unido que acaba a escola e a gente ia para casa da Tiffany, ia para casa da Carol e ficava conversando, e isso foi algo que me motivou, eu esqueci dos meus problemas e eu vi que a nossa união… Mesmo a gente estando tristes, mesmo a gente passando por várias dificuldades, mas chegava na escola, parecia que a escola era um lugar que a gente esquecia dos nossos problemas, a gente deixava tudo lá fora e não tinha essa: "Aí, eu to triste”. E sempre que estava triste o outro ia lá: "Ah, não fica assim, dá uma risadinha. Não fica assim”. Então a gente sempre foi assim. Lá era o nosso refúgio, a escola. Ou senão a casa… Quando saia assim da escola, a gente ficava na frente da escola conversando, aí ia para casa de alguém para se distrair.
P/1 - E você mantém contato com essas pessoas?
R - Eu tenho contato só com algumas. A Carol, o Luan e a Laíssa, que são as pessoas que eu mais converso e tenho mais intimidade.
P/1- E nessa época, como vocês se divertiam? Onde vocês gostavam de ir, além da casa dos amigos?
R - A gente ia para shopping, aí depois do shopping a gente… Eu e a Carol, teve uma vez que a gente invadiu um cemitério, que a gente foi assistir um filme de terror, tipo, a gente fazia umas coisas nada a ver, com pouquinha coisa que a gente já se divertia. Por exemplo, antigamente eu falava muito errado, então eles amavam me zoar por causa disso. "Ah Kharen, fala tal palavra”, aí eu não conseguia falar e eles rachavam o bico. Então a nossa diversão era praticamente isso, um rindo do outro, era ir para os lugares, tipo Parque da Juventude para conversar, se divertir.
P/1 - E depois dessa relação amorosa que você teve… Foi no sexto ano, não foi?
R - Isso.
P/1 - Você teve alguma outra?
R - Que eu me recorde, não.
P/1 - E nesse época com os seus amigos, você falou que ia ao parque… Que lugares da Zona Norte te marcaram?
R - Shopping Center Norte, Parque da Juventude, qual mais? O que a gente mais ia eram nesses e também As Palmas, que é lá perto de casa. Eram os lugares que a gente mais ia. Era para bagunçar mesmo.
P/1 - Você tem alguma história que queira contar? Dessas bagunças.
R - Dessa época? Aí, teve um dia… Ó, que eu cheguei atrasada na escola e eu fui de inventar de pular o portão da escola, do estacionamento. Só que aí eu pulei para dentro da escola, só que aí o carinha que cuida da escola viu e ele simplesmente abriu o portão e falou assim: "Bom, você chegou atrasada, então você não vai entrar”. Ele abriu o portão para eu sair da escola, porque eu tinha chegado atrasada, eu pulei o portão e ele falou que não podia. Aí eu falei: "Tá, e agora? O que eu vou fazer? Se eu for para casa eu vou apanhar”. Aí eu e as meninas inventamos de ir para o Parque da Juventude. Nesse dia estava tendo um rolezinho, tinha muita gente de outras escolas, estava muito lotado, parecia um baile funk lá. E nesse dia eu fiquei reparando: caraca, os pais trabalhando e o pessoal aqui, sabe? Eu estou aqui porque me expulsaram da escola (risos), mas esse povo aqui cabulando a aula. Aí eu fiquei, meu imagina: se acontece alguma coisa assim e o não sabe onde para onde correr, porque está achando que está na escola e está lá, no Parque da Juventude se divertindo. E nesse dia teve briga, corre-corre, teve menina batendo em outra menina. Foi um caos esse dia. Aí eu fiquei: "Meu Deus do céu, o que eu estou fazendo aqui?”.
P/1 - Nesse dia você estava sozinha?
R - Não, nesse dia tinha umas duas, três colegas minha que elas também não conseguiram entrar, porque a gente chegou tudo atrasado, então eles não deixaram a gente entrar. Mesmo a gente pulando o portão, eles não deixaram. Então a gente fez _____, "Ah, então vamos para o Parque da Juventude, porque se a gente for para casa a gente vai apanhar”, aí a gente acabou indo para lá e aconteceu tudo isso.
P/1 - E você comentou do As Palmas, perto da sua casa. Você pode explicar um pouquinho mais para gente.
R - Posso. Nas Palmas… Tinha a escola Cardoso que tinha rivalidade com as meninas do ngelo, e lá tinha uma praça, então eu e as meninas íamos para lá para ficar na praça. A gente levava várias coisas para comer, a gente ficava conversando na praça, tinha aqueles negócios de fazer exercício, a gente achava que aquilo lá era brinquedo, então a gente ficava brincando naquilo igual umas crianças, todo mundo olhando… As pessoas mais velhas olhando e falavam: "Meu, isso daí é para fazer exercício, saí daí". A gente ia lá só para causar, porque jovem adora causar. E lá era tranquilo, sabe? Lá é um bairro bem tranquilo, não é aquele bairro que tem gritaria, que tem aqueles carros passando, moto toda hora passando, então a gente ia lá, ________, deitava lá no chão e ficava pensando na vida, ficava fofocando.
P/1 - Maurício, você quer aparecer?
P/2 - Oi, sim, eu ia fazer sim uma pergunta. Kharen, é que você comentou um pouco no início, né? Que seu pai trabalhava como carcereiro e que ele chegou a trabalhar no Carandiru, no Complexo do Carandiru. Você chegou a ouvir, como você nasceu em 98, ele chegou a te contar alguma história do Carandiru? Enfim, coisas que ele chegou a viver no período que ele trabalhou lá.
R - Então, na época que aconteceu tudo aquilo no Carandiru, nesse dia ele estava de folga, graças a Deus, e tipo, na minha infância, com a minha irmã, tinham muitas pessoas ameaçando a gente, então a gente sempre tinha que trocar de celular, trocar de número, teve uma época que o meu pai… Fizeram ele de refém, mas eu não lembro se eu já era nascida, eu não lembro nem se era no Carandiru, mas ele ainda tem a reportagem, tem um jornalzinho, que um bandido fez ele de refém, e tipo, foi um caos. Ele fala que foi bem desesperador, porque naquele momento ele achou que ia morrer, porque o cara estava bem alterado, eles estavam em cima da laje e o cara ameaçando a jogar, estava com uma faca. É o que eu lembro, ele contava muito coisa sim. Teve uma vez que ele levou eu e a minha irmã para frente de um presídio, eu não lembro exatamente qual que era, mas eu lembro que a gente foi nesse dia, a gente ficou dentro do carro, ele foi pegar algumas coisas e a gente foi embora. E tinha um rapaz que sempre ameaçava o meu pai, e ele morava perto de casa. Então teve uma época que a gente não podia sair para rua, a gente tinha que ficar dentro de casa, trancadas, porque a gente tinha medo, os meus pais tinham medo.
P/2 - E outra pergunta, antes de voltar para Luiza, esses lugares que você estava falando da sua juventude e infância, eles são ali no Jardim Joamar?
R - Esses são no Jardim Tremembé, que é perto do Jardim Joamar.
P/1 - E Kharen, saindo um pouco da sua escola e entrando um pouco no trabalho. Você se lembra qual foi o seu primeiro trabalho?
R - Lembro. O meu primeiro trabalho foi na Sé, numa empresa chamada Orcozol, que era para o Bradesco. Fiquei lá acho que o tempo de um mês só.
P/1 - E o que você fazia?
R - A gente fazia acordos com as pessoas que tinham, aí, esqueci o nome, calma… Ai caraca, pera. Isso, que tinha débito.
P/1 - E como surgiu esse emprego?
R - Nessa época eu estava fazendo um curso, que era lá no Tatuapé, e lá eles falavam: "Ah, tem um emprego e você pode fazer a entrevista". Aí eu fui fazer a entrevista e acabei passando na entrevista, só não passei na experiência, que a experiência era de três mesmas, mas eu fiquei só um mês.
P/1 - Isso após o colégio?
R - Não, eu ainda estava no colégio. Eu estava acho que no terceiro ano.
P/1 - No terceiro ano… E como era a sua rotina? Como conciliava trabalho, escola…?
R - Eu saia da escola, ia direto para o serviço, eram só quatro horinhas de trabalho, então não era cansativo, era estressante, porque como era telemarketing, então era muito estressante, porque o cliente ficava xingando, ficava: "Para de ficar ligando, menina chata" (risos), então basicamente isso. Aí eu saía da escola, dava tempo de eu ir para casa rapidão, me arrumar, aí eu me arrumava e ia para o serviço, que eu entrava às duas horas. Ia para o serviço, saía às cinco, aí eu retornava para casa.
P/1 - E você lembra de alguma história com alguém que você entrava em contato?
R - Eu lembro que teve uma vez lá no serviço que a gente tinha meta de todo mundo, que tinha que bater uma meta. E no dia que a gente bateu essa meta a gente começou a gritar, e o nosso andar era no último, a gente começou a gritar igual doido, aí o menino saiu na janela, começou a gritar, falar um monte de coisa: "Ae, a gente conseguiu!", e foi bem na época da copa, aí teve um domingo que a gente teve que ir trabalhar, aí eu: "Aí, que chato, a gente vai ter que ir trabalhar", mas nesse dia eles fizeram com que fosse um domingo legal, sabe? Mesmo que estivesse tendo o jogo. A gente com buzina, a gente maquiado, a gente fez a farra, igual tava todo mundo fazendo, os brasileiros.
P/1 - E depois desse trabalho?
R - Depois desse trabalho eu comecei a trabalhar no shopping, na Varru Calçados, trabalhei lá acho que por volta de três anos, ali no shopping Tucuruvi mesmo.
P/1 - E voltando um pouquinho para o seu primeiro trabalho, você lembra o que você fez com o seu primeiro salário?
R - Meu primeiro salário minha mãe ficou com dó de mim, ela falou... Porque como eu ganhava quatrocentos, trezentos reais, ela falou assim: "Ah, o seu primeiro salário você pode gastar com o que você quiser", então eu gastei com comida, eu fui no Brás, comprei um monte de roupa, um monte de coisa. Foi isso, roupa e comida.
P/1 - E como foi a sua experiência de três anos como vendedora?
R - Aí foi muito boa. Eu levei muita coisa comigo, aprendi com as meninas de lá. Cada dia era uma experiência diferente. Aprendi muito com a minha antiga gerente, que era a Cibele, principalmente com os meus patrões, ex-patrões. Eu aprendi que a gente deve respeitar, porque no trabalho não é todo mundo que a gente se dá bem, então a gente tem que respeitar, como eu posso falar, como a outra pessoa é, a gente tem que saber lidar com a outra pessoa, então foi o que eu pude aprender ali, ter empatia com as meninas, não pensar só no meu, não pensar só: Ah, eu preciso bater a meta, então eu vou pensar só por mim, não! Então quando eu batia as metas eu ia lá, ajudava as meninas, deixa elas venderem, porque eu não posso pensar só na minha barriga, eu tenho que pensar no próximo, porque eu sei que se fosse comigo elas iriam fazer o mesmo.
P/1 - E que lembranças marcantes você tem dessa época?
R - Aí, eu lembro que a minha gerente zoava bastante com a gente, a gente brincava… Eu lembro que na época, no Burger King tinha aqueles copos que você pode encher de novo, né? Então ela tinha um copo na casa dela que todo dia ela levava, aí ele ia lá todo dia. Ela levava a marmitinha dela, ia lá na praça de alimentação e enchia o copo. Até que um dia o cara falou assim: "Mas pô, todo dia você está aqui e você não compra", aí eu falei: "caraca, tá vendo, você se deu mal". Ela era bem doidinha a minha gerente.
P/1 - E depois dessa experiência, como foi? O que você fez?
R - Eu comecei a fazer curso, fiz um curso de confeiteiro no Sebrae, depois eu comecei a trabalhar também como vendedora na (Cel Megan?), em Santana, aí nessa época que eu comecei a trabalhar… Aí em 2018 eu tive… Eu fui para Extrema, porque os meus irmãos estavam morando lá, fui me divertir lá, e acabei sofrendo um abuso, que foi o que mais me marcou assim.
P/1 - Voltando um pouquinho, como que foi essa decisão de fazer o curso de confeiteiro?
R - A minha prima sempre me incentivou. "Você tem que correr atrás, você tem que fazer", então sempre que tinha curso gratuito pelo Sebrae, ela sempre me incentivava, então falei assim: "Ah, vou fazer de confeiteiro, né?" E eu nunca imaginei fazer curso de confeiteiro. Eu falei: "caraca, olha. Sou uma confeiteira agora". Aí eu fiz, acho que durou uma semana só, mas foi muito bom. Aí depois eu fiz curso de maquiagem, mas na época que eu comecei a fazer curso de maquiagem o meu pai ficou internado, então eu tive que ficar no hospital com ele, aí logo em seguida eu voltei a trabalhar, então não conclui o curso de maquiadora. Aí logo depois eu comecei, foi em 2019, eu fiz o curso "1000 Mulheres", foi empreendedorismo social.
P/1 - Então você não cozinhava? Você não tinha esse hábito? Surgiu…
R - Não, eu não cozinhava. Surgiu assim de repente, ela falou: "Ah, pô, faz, vai ser legal”, aí eu: "Ah, tá bom, vou fazer. Vamos tentar". Aí eu cheguei lá sem entender nada, e a mulherada já tinha loja, e eu lá excluída, eu novinha, fiquei tipo: O que eu estou fazendo aqui? Eu nem loja tenho, não faço bolo para revender. E elas… Todas que estavam lá já tinham o seu comércio, né? Aí eu fiquei: "Tá, mas vamos lá, né? Vamos aprender, porque quem sabe um dia eu abro também”. Aí foi aonde eu busquei mais… Eu falei: "Caraca, é bem diferente, é bem legal", principalmente para se desestressar.
P/1 - Aí depois você mudou de cidade?
R - Não, nessa época eu continuei em São Paulo, aí em 2017 o meu pai morava em Campinas, aí ele veio para São Paulo porque ele estava muito debilitado, ele ficou internado quase durante dois meses, então eu ia todo dia… Eu dormia lá. Eu dormi praticamente um mês lá no hospital com ele, porque ele ficou muito ruim. Então como eu sou muito apegada ao meu pai eu achava que tinha obrigação em ficar lá com ele. Então ele emagreceu muito, eu via o sofrimento dele. Teve uma vez que o médico chamou… Falou assim para mim: "Chama todos os seus irmãos que eu quero conversar com eles", aí a gente foi lá conversar, aí o médico desenganou falou que meu pai não tinha mais jeito, que ele ia morrer, que já era para gente se despedir dele. Aí a minha irmã falou assim: "Não, eu não aceito isso, eu não aceito você falar isso, que o meu pai vai morrer, porque ele não vai”. Aí o médico falou: "Mas não tem jeito, os remédios não tão mais fazendo efeito, não tem o que fazer mais". Aí a gente falou: "A gente não aceita". Eu lembro que nessa época todo mundo ficou mal, "pô, se o médico está falando isso, sabe?" Aí foi quando o meu irmão falou assim: "Bom, a gente tem que confiar nos médicos dos médicos, que é Deus, que ele é Deus do impossível e do possível, então vamos acreditar nele”. Aí meu pai começou a se recuperar, começou a comer, porque ele só comia por sonda, começou a andar, a ir ao banheiro sozinho. Então foi uma época bem puxada. Quando ele ficou internado também eu consegui esse emprego, eu saía do serviço, às vezes eu ia direto para o hospital, às vezes eu dormia lá e do hospital eu ia direto trabalhar.
P/1 - O que aconteceu com o seu pai? Ele teve algum problema de saúde?
R - É que o meu pai sempre teve bastante doença. Ele teve Doença do Crohn, ele teve tuberculose, trombose, ele teve tudo ao mesmo tempo.
P/1 - Quando você estava cuidando do seu pai, você comentou comigo que você estava trabalhando, queria que você comentasse um pouquinho.
R - Então, nessa época, no começo quando ele foi internado eu não estava trabalhando, então eu ficava todos os dias com ele, dormia lá, aí a minha tia levava roupa para mim, e logo em seguida eu arrumei trabalho. Então tinha vezes que eu ia para o trabalho, aí eu saía do trabalho… A visita tinha horário para ir, né? Aí eu saia do serviço correndo, às vezes eu pedia para sair mais cedo para conseguir chegar no hospital, para conseguir levar alguma coisa para ele, às vezes eu dormia lá, pedia uma folga para dormir lá com ele, então foi bem corrido, porque tinha vezes que eu ia dormir lá e de lá já ia direto para o serviço, saía do hospital e ia para o serviço.
P/1 - E qual era o serviço?
R - Eu era vendedora ali em Santana, na (Cel Megan?).
P/1 - E aí você comentou que você foi encontrar os seus irmãos, foi isso? Onde você sofreu um abuso.
R - Quando eu sofri um abuso foi em 2018, foi bem numa segunda-feira. Eu lembro que foi em fevereiro, estava tendo Carnaval. Então como na terça-feira… Não, na segunda-feira era feriado e eu só iria trabalhar na terça, então como a minha mãe foi para Extrema, e meus dois irmãos moram lá, aí ela falou: "Então quando você for sair do serviço, no sábado, você vem para cá”. Aí eu fui para lá, porque lá eu tenho bastante amigos. E tava tudo tranquilo, tudo de boa. Aí quando chegou na segunda-feira, quando a gente foi para o parque de eventos, a gente estava na praça. Eu, minha mãe, meus irmãos, meus sobrinhos. Aí eu e meus dois sobrinhos a gente foi descer para o parque de eventos, porque eu iria me encontrar com um amigo meu, aí chegou no local e o meu amigo não estava lá. Aí a gente chegou lá e ele falou assim: "Ah, tia, vamos entrar no parque de eventos? Lá dentro você manda mensagem e procura ele". Aí eu: "Tá bom, então vamos”. Daí a gente entrou. Lá, o parque de eventos é bem grande, aí onde estava tendo a festa era lá no final. Então a gente ficou no começo, ali onde ficam os esqueitistas. Aí a gente conversando… Eu lembro que a gente estava com um copo de dose, só que só tinha um pouquinho assim. Aí eles encontraram dois amigos deles, aí a gente deu para eles. O menino me devolveu o copo vazio e eu fiquei segurando o copo. Aí do nada apareceu dois meninos e uma menina e ficou ali conversando com a gente. Até então eu achei que era algum amigo deles, porque começaram a conversar como se conhecesse. E eu sou uma pessoa que não vejo maldade em ninguém, converso, gosto de fazer amizade com todo mundo e nesse dia eu fiquei conversando com eles, e a gente ficou conversando, conversando, conversando aí eles falaram assim: "Ah, vamos entrar lá dentro?" Para o evento. Aí eu falei assim: "Vamos". Só que a menina virou para mim e falou assim: "Ah, vamos aguardar o copo". Só que na hora eu não parei para pensar. Aí eu: "Tá bom, vamos”. A gente saiu do parque de eventos, a gente foi até o estacionamento do lado do parque de eventos, e o carro deles - eu não lembro se era um gol preto ou vermelho - mas tava bem encostado assim, porque o estacionamento era todo de mato, então eles colocaram bem no último mesmo, sabe? Aí a gente chegou lá, eu lembro que ele abriu a porta - estava o menino e a menina -, ele abriu a porta do carro de trás, eu simplesmente joguei o copo. Nessa hora que eu joguei o copo, ele pegou e me empurrou, eu não sei ao certo se foi ele ou se foi ela, mas ele me empurrou para dentro do carro e eu falei assim: "O que está acontecendo?". Aí ele falou: "Cala a boca". Aí eu: "Como assim cala a boca?" Ele falou: "É isso mesmo, você sabe o que vai acontecer com você se você ficar falando". E eu já entrei em desespero, porque lá estava deserto, não tinha ninguém e o cara que estava cuidando dos carros estava bem lá na frente, então eu estava desesperada. Nesse dia eu estava com um vestido listrado e shorts por baixo, e a menina querendo passar a mão em mim, tipo, ela se ajoelhou assim, atrás do banco, e eu no banco sentada, chorando, e tipo, teve um parte que eu lembro que ele me pegou assim, como se fosse um saco de batata, e me colocou de quatro, e eu saindo, tentando sair e ela me segurando, ele falou assim: "Para, senão você sabe o que vai acontecer com você", aí foi quando ele abaixou o shorts e abusou de mim. Enquanto ele estava abusando de mim eu entrei em desespero, porque era ele abusando de mim, a menina tentando passar a mão em mim, então foi algo que eu falei: "Meu Deus, eu vou morrer. Agora é a hora que eu vou morrer e a minha mãe nunca mais vai me ver”. Aí eu lembro que teve uma hora que eu consegui sair, eu sentei no banco e eu não tava conseguindo saber o que eu iria fazer. Aí veio algo na minha cabeça, que agora eu paro para pensar e meu, foi muito Deus. Aí eu virei para menina e falei assim: "Porque não vai você agora?", ela: "Eu não", aí eu: "Vai”. Na hora que ela foi eu tentei abrir a porta do carro, só que eu não conseguia. Eu fui tão rápida que eu abri a janela e abri por fora. Na hora que eu saí eu dei de cara com o segurança. Ele: "Que foi?", eu falei assim: "Só me tira daqui". Aí na hora que ele me tirou, ele foi me levando lá para dentro do parque de eventos, aí eu contei para ele o que aconteceu, e nessa hora eu achei que eu estava contando para alguém que iria me ajudar, e ele simplesmente, tipo, lá no parque de eventos tinham aqueles rapazes que ficam com o som, sabe? Ele me colocou lá e falou assim: "Eu não posso fazer nada por você, fica aqui. Eu preciso voltar ao meu trabalho". E eu lembro que eu estava chorando muito e ele me deixou lá, e eu chorando muito, e todo mundo olhando para minha cara. "Nossa, o que está acontecendo com essa louca?" Todo mundo olhando para minha cara. "Deve ter terminado com o namorado, sei lá". E tipo, eu lembro que eu chorei muito (choro). Aí do nada sentou uma menina do meu lado e ela pegou e falou assim: "Que foi? Brigou com o namorado?" Aí eu falei assim: "Não", aí eu falei para ela o que aconteceu. Nessa hora tinha uns cinco rapazes na minha frente, eles vieram me ajudar. Aí eu contei para eles o que aconteceu, aí eles falaram: "Você quer procurar o seu sobrinho?", aí eu falei: "Por favor”. Aí eu lembro que eu segurei muito forte na mão do menino e eu lembro que a gente saiu da onde a gente estava, a gente deu de cara… Eu acho que fiquei lá por volta de uma hora e meia, só chorando, com todo mundo me olhando. E na hora que a gente saiu do local a gente deu de cara com a mina, o menino e um outro amigo deles, que estava lá e ficou no local com os meus sobrinhos. Aí eu puxei o menino e eu apertei a mão dele, e ele falou: "O que foi?”, aí eu falei: "Então foram aqueles dois ali", aí ele falou: "Você tem certeza?", eu falei: "Sim, eu tenho certeza disso". Aí eu falei: "Vamos lá - porque o outro ficou com o meu sobrinho, vamos perguntar do meu sobrinho", aí a gente foi até eles, aí a menina e o menino se assustaram, os agressores. Aí eu perguntei para o menino assim: "Você viu os meus sobrinhos? Você estava com eles." Aí ele falou: "Não, eu não vi”. Na hora que a gente saiu eu dei de cara com a minha sobrinha e a minha prima e eu contei para elas o que tinha acontecido, e perguntei onde estava a minha mãe, onde estava todo mundo. E elas começaram a chorar muito, se desesperaram. Quando eu encontrei a minha mãe. Não. Aí primeiro a gente viu eles indo embora, os agressores indo embora e os meninos chamaram os policiais. Na hora que chamaram os policiais eu falei assim: "Pronto, está resolvido o meu caso". Chamaram os policiais, aí a gente falou o que aconteceu, o policial pegou o meu RG e a menina falou que ela não me conhecia, que nunca tinha me visto na vida, que era mentira minha, que ela era namorada do menino, fez um show. E eu: "Não, foram eles", aí o policial falou assim: "Você tem certeza?”, eu falei: “Eu tenho certeza, foram eles”. E o policial simplesmente liberou eles. E eu falei assim: “Como você vai liberar alguém que fez isso comigo, sabe?”. Eu comecei a gritar, e todo mundo olhando para minha cara, eu fiz um show naquele dia. E eles foram embora. Nisso os meninos que estavam comigo, eu não vi mais eles, eu não sei se eles foram atrás. Eu lembro que… Aí a minha mãe chegou, aí os policiais viraram para mim e para minha mãe e falaram assim: “Leva a sua filha até o hospital, é isso que a gente pode fazer”. Aí a minha mãe me levou para o hospital. Aí eu lembro que chegou lá, eu fiz lá, passei com o médico e tudo mais. Quando eu saí da sala do médico já tinha acho que uns três ou quatro policiais me esperando e a gente pegou e desceu para Delegacia para contar o que aconteceu. Eu lembro que a gente passou a madrugada inteira lá. Aí eu lembro que no outro dia eu tinha que trabalhar, eu liguei para minha gerente falando que eu não ia trabalhar. Nesse dia eu mandei várias mensagens para o meu pai, liguei para ele desesperada, eu só queria falar com ele, mandar mensagem para ele. Eu lembro que nesse dia eu comecei a mandar, assim que eu saí da Delegacia, foi por volta de umas sete horas da manhã, oito horas, e eu mandei mensagem para minha irmã falando o que tinha acontecido e todo mundo ficou desesperado assim, “Mas o que aconteceu?”. Aí no outro dia a gente… Foi uma policial lá e ele me levou num local, porque como a cidade é pequena, todo lugar, toda esquina tem câmera, e ela me levou num lugar onde tinham as gravações e tudo mais. Só que o que aconteceu, quando a gente chegou lá a câmera não estava gravando, estava gravando… Por exemplo, grava agora e depois de uma hora, duas horas começa a gravar, então estava muito estranha, aí o moço falou que estava em manutenção, que tinha câmera que estava arrumando. E ela falou assim: “Poxa, e se ela tivesse morrido? O que a gente ia falar para família? Que a câmera não estava funcionando? Graças a Deus ela está aqui”. E a gente ficou um tempão lá tentando ver a câmera, aí depois eu fui de novo para Delegacia. Aí eu lembro que na quarta-feira eu tive que ir trabalhar, eu fui trabalhar abalada, fiquei tipo assim… Não queria conversar com ninguém sobre o ocorrido, eu fiquei assim estagnada. Aí eu fui trabalhar, aí tinha vezes que eu subia para o estoque para chorar, aí às vezes eu achava que tinha visto eles na rua, porque quando a gente estava conversando lá, eles tinham falado que eram de São Paulo e eu lembro que… Então quando eu via alguém parecido com eles passando eu já fazia assim, eu olhava assim: “Não, não é”, então era praticamente coisa da minha cabeça. Por um bom tempo eu guardei isso para mim, não queria falar com ninguém sobre isso, são poucas pessoas que sabem disso… Até que quando eu postei no meu… Nesses dias eu postei no meu status do Instagram, aí: “Nossa Kha, por que você nunca contou? Porque eu iria te ajudar”. O meu sobrinho mesmo, o meu outro sobrinho, da parte da minha irmã, por parte de pai, ele falou assim: “Nossa, por que você nunca me contou? Por que eu nunca fiquei sabendo? Sabe, eu iria até o fim por você”. Eu falei assim: “porque eu acho que eu ainda estava curando, sabe? E eu queria um tempo para mim, para me curar”. Então eu lembro que eu chorava muito, eu lembrava chorava, aí eu lembro que tinha pessoas falando para mim (choro) que tudo o que aconteceu comigo foi por culpa minha, porque… Falavam assim: “Ah, também, de vestido… Fica usando shorts curto”. Eu lembro que teve uma vez que eu fui para o curso (choro) e nesse dia estava muito calor e eu acho que eu fui de vestido. Aí a menina virou para mim e falou: “É, depois os caras mexem, depois acontece alguma coisa e fala que é culpa do cara”. Isso foi acho que no ano passado (choro). Aí eu virei para ela e falei assim: “Nossa, desde quando você usar uma roupa curta, um vestido curto, dá direito (choro) de alguém encostar a mão em mim? Isso não dá o direito de ninguém encostar a mão em mim”. E… (choro) Desculpa. E eu lembro que ela ficou assim, assustada. Eu peguei e falei assim: “Eu já fui abusada, e isso não dava o direito de ele encostar a mão em mim, independente se eu estava de vestido ou de shorts curto. Isso não dá o direito de nenhum homem encostar a mão em mim, porque do mesmo jeito que eu sou mulher, eles vieram de uma mulher e eles têm que respeitar. Então isso não dá o direito, sabe?” E por muito tempo eu fiquei pensando nisso e nesses dias eu fiquei pensando: quantas mulheres, tipo… Eu lembro que na época eu ficava com medo de sair para rua, sabe? Com shorts, com vestido. Eu saía assim, eu ficava olhando para os lados para ver se alguém estava olhando, sempre abaixava o shorts, então por muito tempo eu fiquei com medo de… Por causa da minha roupa, eu sofrer de novo o que eu sofri. E levou um tempo para eu entender que não vai ser a minha roupa, sabe? E eu acho que independente de qualquer coisa a gente tem que não ter medo, porque se a gente tiver medo de fazer as coisas a gente sempre vai naquela, sabe? Acanhada, não vai fazer nada. Por muito tempo eu fiquei com medo, então foi um processo muito longo, eu fui me curar mesmo depois desses anos, depois que eu conheci algumas pessoas e cada um compartilhou a sua história, e foi uma ligação inesperada. Eu estou participando de um projeto que chama (“Evanja Live”?) e eu conheci pessoas de vários lugares e eu criei um laço com algumas pessoas que… Teve um dia que, eu não lembro quem estava muito mal, a gente fez uma ligação e cada um compartilhou a sua história. E a partir desse momento eu falei: "Poxa vida, porque eu… Eu posso falar da minha história para tantas mulheres que sofrem isso, com medo de contar a sua história, com medo de ficar acanhada, eu posso contar a minha história e falar: "Meu, você é forte, seja forte, sabe? Você é guerreira, não deixa ninguém falar que você é menos que isso, não deixa ninguém, nenhuma pessoa falar que você não é capaz", porque eu lembro que teve um dia que eu estava trabalhando, do nada a menina do caixa virou para mim… Nesse dia eu estava atendendo uma cliente, do nada ela virou para mim e falou assim: "Kharen, tal tal tal pessoa falou que o que aconteceu com você foi por culpa sua", na hora que a cliente virou para trás eu já me alterei e falei assim: "Como assim é culpa minha?" Você acha que alguém quer ser estuprada? Você acha que alguém quer ser abusada? Você quer ser abusada?", e a cliente ficou sem reação. Eu falei assim: "Fala para essa pessoa para ela cuidar da vida dela, porque o que aconteceu comigo não foi por culpa minha". E levou um tempo para eu entender isso, porque acho que quando a gente é abusada, por muito tempo a gente fica achando que o que aconteceu com a gente é culpa nossa, o que… "Poxa, eu não deveria ter feito isso, por isso que aconteceu isso comigo", mas não. A gente tem que entender que não foi culpa nossa, a gente tem que entender que o que aconteceu, como eu posso explicar, nunca vai ser culpa nossa, independente de como a gente estava, independente se a gente tava… Igual fala assim… Direto passa na TV: "Uma menina no funk foi abusada”. “Ah, também estava num baile funk, ó o lugar que ela quer estar”. Mas isso não dá o direito de ninguém encostar a mão nela, independente se ela estava alterada. Acho que os homens, não só os homens, mas as mulheres têm que saber respeitar, sabe? Tem que saber… Fala assim: "Poxa vida…", porque eles têm que parar e pensar assim: "Eu não queria que a minha mãe fosse abusada, que a minha irmã fosse abusada…". Então, porque você vai fazer isso? Então não faça, sabe? Dê valor para as mulheres, por mais que ela seja mulher de programa, independente de qualquer coisa. Ela não vai deixar de ser mulher, não vai deixar de ser menos mulher. Dê valor, respeita! Se a mulher está na rua, com shorts curto, para de ficar chamando ela de "gostosa", para de falar: "Ah, sua linda". A gente se sente mal com isso. Um 'gostosa', eles acham: "ah, é um elogio". Não, não é um elogio. Um elogio é tipo: "Olha, você está bonita hoje", "Olha, que sorriso lindo", não é: "Ah, você está gostosinha". Então é algo que eu acho que os homens, mulheres, todo mundo tem que respeitar, e o que eu falo, e agora entendo que não foi culpa minha. O que eu quero passar para as mulheres é que elas não se sintam assim, sabe? Não se sintam "Foi culpa minha", não. Não foi culpa sua, em nenhum momento. Não se sinta assim, sabe? É isso.
P/1 - E como foi esse processo de lidar com tudo isso? Entender, processar tudo isso?
R - Na época eu estava namorando, então ele ficou meio sem reação, porque ele não sabia o que falar para mim. Então eu não conversava com ninguém sobre isso, nem com a minha mãe, nem com o meu pai. Ninguém. E tipo, eu guardei muito para mim, eu sofria tipo eu. Eu ia para o meu quarto, eu lembrava, chorava. Então por muito tempo eu não compartilhei isso com ninguém, até que ano passado eu fui para um retiro da Igreja e eu estava tomando muito calmante, eu estava tomando calmante 750mg, eu não conseguia dormir, e nesse retiro eu lembro que eu levei o meu calmante, eu falei: "Vou levar o meu calmante, porque senão eu não vou dormir lá, porque eu só durmo com ele". Chegando lá as meninas não sabiam da minha história, ninguém sabia, eram poucas pessoas… Não é todo mundo da minha família que sabe, então quando eu cheguei nesse retiro, eu lembro que o tema era "Somos Um", foi onde eu pude entender que a gente é só um corpo, independente se a gente se conhece ou não, a gente é uma só pessoa, a gente tem um só propósito. Então eu lembro que nesse dia eu parei de tomar calmante. Foram as primeiras meninas com quem eu compartilhei o que aconteceu comigo, e elas ficaram: "Nossa, você nunca contou isso e você está sempre feliz", "Você nunca compartilhou isso", eu falei assim: "Porque não era a hora ainda de contar, eu ainda estava no processo de cura”. Eu lembro que nesse dia a gente conversou muito, eu lembro que elas me mandaram várias mensagens, tipo "Você está bem?", preocupada mesmo. Aí eu lembro que o meu ex ficou muito preocupado comigo e ele ficou muito preocupado comigo, ele ficava mandando mensagem para o meu pai para procurar um psicólogo, para eu passar em um psicólogo. Ele ligava para minha mãe para eu fazer uma acupuntura, então foi alguém que se preocupou muito comigo, ele foi uma pessoa muito importante, que suportou muito comigo, ele respeitou o meu tempo, ele em nenhum momento comentou assim… Ele viu que eu precisava me curar, tipo eu. E foi um processo que demorou dois anos para eu ser curada. Hoje eu olho para trás e eu falo assim: "Tá, o que eu levei de aprendizado?" Eu acho que não foi só um momento triste, mas eu levei algum aprendizado dali. E o aprendizado, que eu falo para as meninas que eu levei foi de não confiar tanto, sabe? Foi não ser tão inocente, não confiar tanto. Fala: "Ah, mas nunca ela iria fazer isso comigo, você acha?" Então foi um processo assim, que eu tive pessoas maravilhosas comigo, que sempre tão mandando mensagem, a Dani, o Felipe, Érica, Fabi, Carol, são pessoas que sempre estão me ligando, perguntando como eu estou. A Fabi falou muito assim: "Kha, não foi culpa sua, sabe?" Então, acho que depois daquela ligação foi quando eu falei assim: "Tá, realmente não foi culpa minha o que aconteceu". Foi quando eu percebi, eu até mandei mensagem esses dias para eles falando: Gente, obrigada, porque foi através de vocês, daquela ligação que eu me curei, sabe? Porque eu realmente me curei daquele processo, que eu pude perceber que o que aconteceu comigo não foi culpa minha. E eu sou grata, muito, muito a Deus porque ele cuidou de mim nesse tempo, porque nesse tempo eu poderia ter cometido suicídio, tomado vários remédios para morrer, porque era muito crítica, eram muitas pessoas criticando, mas Deus foi tao cuidadoso comigo que ele me cuidou, me guardou, sabe? Eu falo para as meninas: "Meu, e Deus me deu…" Os presentes são eles, que sempre estão comigo, me mandando mensagem, falando assim: "Kha, você tá bem mesmo?" E eles sempre ligam para mim para saber como eu estou. Eu sou muito grata assim, porque vieram coisas boas nesse tempo, muito aprendizado.
P/1 - Seus amigos, pelo que eu entendi, fizeram uma base muito importante para você, né? A sua família também entendeu, ajudou?
R - A minha mãe… Acho que ela percebeu que se ela tocasse no assunto não ia fazer tanto feito, então ela não conversou comigo, mas eu via a preocupação dela, sabe? A minha irmã teve uma época que a gente conversou sobre isso, só que foi como eu falei, eu prefiro não falar, eu prefiro guardar para mim, mas a minha mãe, a minha irmã, o meu pai, eles me ajudaram muito, a minha tia, o meu irmão, os meus sobrinhos. Agora eles têm um cuidado muito grande comigo, toda vez que eu ia para lá, minha cunhada falava assim: "Onde você vai?", "Vou ao mercado", "Não, Vitor, vai com ela". Por muito tempo eles ficaram com medo, porque como aconteceu lá, então eles ficaram com medo. Então: "Kha, você está bem?". A minha família foi muito importante, eles cuidaram muito de mim, eles conversaram sobre, alguns conversaram sobre… Então eu acho que, como eu posso dizer, foi quando eu percebi que eu precisava da minha família, que eu precisava dos meus amigos, porque não é só eu querer ficar no meu quarto, trancada, eu precisava deles, eu precisava compartilhar algo com eles, e por muito tempo eu não falei para eles como eu me sentia, eu via muita preocupação deles, sempre que eu saia minha mãe ficava muito preocupada: "Onde você vai? Você vai em tal lugar? Com quem você vai? Manda a localização”. A mesma coisa quando eu ia para casa da minha cunhada, onde aconteceu, né? Que foi em Extrema, Minas Gerais. "Kharen, você está com quem? Você vai com quem? Você vai para onde? Não, os meninos vão com você". Eu vi o cuidado deles por mim, eu vi que eu preciso da minha família para ser curada, também.
P/2 - Kharen, eu queria te fazer duas perguntas, a primeira é que você falou, que esse processo de cura você teve o apoio de um grupo que é ligado a sua Igreja, e o nome que você citou acho que é ("Evanja Life"?), não é?
R - Não, não é da minha Igreja exatamente, é assim: eu conheci esse grupo através do Instagram. Eu estava lá no Instagram mexendo e num site de fofoca apareceu: Tal menina entrou na live. Aí eu, curiosa, fui ver o que era. Aí quando eu fui ver é um rapaz, que é o Victor, ele é do Rio de Janeiro, ele invade… Ele abre todo dia, às dez horas, uma live no Instagram dele e um grupo de pessoas entra na live dele e a gente manda os arrobas de quem está ao vivo e a gente invade esses lives, para falar sobre o amor de Deus, não falar de religião, mas falar o quanto a pessoa é importante, o quanto ela é amada, que ela não está sozinha, mesmo ela achando que está. E foi onde eu conheci esse grupo e a gente ficou muito unido, porque eu acho que… Igual a Dani sempre fala: "Deus não une pessoas, ele une propósitos", e eu levo isso hoje comigo, que o propósito… Em muitas lives tinham muitos jovens de treze, quatorze anos falando assim: "Aí, eu ia me matar hoje, mas eu não vou mais porque vocês entraram na live e eu ouvi algo de Deus", então eu vi que mesmo a gente achando que as pessoas estão bem, não, tinham muitos jovens falando assim: "Aí, eu ia me matar”, "Eu quero me suicidar”, "aí, eu sofri abuso”. Então o nosso intuito desse grupo foi sempre fazer chamada com essas meninas, com esses meninos e falar o quanto eles tão importantes para gente, e que eles não estavam sozinhos, e foi quando uniu a gente, porque a gente se importava, a gente se colocava no lugar do outro, a gente tinha empatia. A gente: "Não, você está passando por isso? Pera aí, não é desse jeito, vamos conversar" E foi quando eu conheci eles, e eu falo para eles: "Eu levo vocês para minha vida”, porque eles me ajudaram muito.
P/2 - E o nome desse grupo é ("Evanja Life”?), né? Dessa página.
R - ("Evanja Live"?). Isso, ("Evanja Live"?).
P/2 - E você também comentou que foi pelo Instagram que você fez um relato, um testemunho, enfim, você contou desse episódio, tornou público, né? Como foi esse processo de, não sei se foi por vídeo ou por texto, como foi esse processo de tornar isso público, tornar esse tema que é tão delicado, público? E como você sentiu a receptividade das pessoas com o seu relato?
R - Na verdade eu não ia fazer, aí eu peguei e falei assim: "Pô, essa semana eu vou lá no Museu da Pessoa e eu quero compartilhar com eles, e aí eu postei um texto, não foi nem um vídeo porque eu tenho vergonha, aí fiz um texto agradecendo as pessoas que me ajudaram nesse tempo, nesse processo. Falando assim: "Poxa vida, vocês me ajudaram a ter me curado e eu nunca agradeci vocês". Aí eu falei o que aconteceu. Ai eu postei o print do dia que eu mandei mensagem para minha irmã, do dia que eu fui abusada, eu tenho o print e falei que para… Pedindo obrigada pelas pessoas que me ajudaram, para dar uma força, para as pessoas não terem medo de falar. E depois eu também agradeci as pessoas que me criticaram, eu falei assim: "Obrigada por vocês me criticarem porque através de vocês eu pude perceber também que não foi culpa minha, talvez se vocês não estivessem me criticado eu estaria achando ainda que foi culpa minha. Então foi mais para agradecer por quem está do meu lado. Eu recebi muita mensagem, eu recebi mensagem do meu sobrinho, que ele não estava sabendo, ele ficou muito sem reação, eu recebi mensagem de muitas meninas: "Nossa, como você é forte, você passou por tudo isso, mesmo assim está sorrindo, não desistiu". Eu recebi muita mensagem, eu também postei no WhatsApp, aí a minha irmã também, outra irmã minha que também não sabia falou assim: "Como assim?", eu falei assim: "É, aconteceu, aconteceu em 2018, mas já estou bem". Então para alguns foi um susto, mas para outros eles viram que eu superei isso, sabe? Que eu estou bem, que agora eu falo tranquila em relação a isso.
P/1 - Foi mega recente, então?
R - Agora eu me sinto bem, agora eu posso… Eu falo para as meninas: "Eu quero ajudar essas mulheres que já sofreram abuso para elas entenderem que não é culpa delas", então eu me sinto no dever de ajudar elas. Eu estava até pensando, conversando com algumas amigas minhas, falando assim: "Meu, e se eu fizer um Instagram para falar disso? Para contar a minha história e para deixar aberto para elas, para eles contarem". Porque muitas vezes a gente quer desabafar, mas não tem com quem desabafar. Então eu falei assim: "Meu, eu estou pensando em fazer um Instagram para as mulheres desabafarem ou falar: 'Ah, já sofri um abuso'... Não só abuso. 'Ah, eu preciso conversar com alguém porque aconteceu isso, isso e isso'”. Eu gosto de escutar as pessoas, eu gosto de ajudar as pessoas, então eu estava pensando em fazer isso. Então hoje eu falo, estava até conversando ontem com as meninas, eu estou até com medo de ficar relembrando assim, deu uma dorzinha assim, mas eu já estou bem, não é igual antes. Porque antes, nossa, eu ficava desesperada, eu chorava muito, mas graças a Deus hoje em dia eu não choro assim, eu lembro do acontecido, mas eu levo como algo bom. "Nossa Kharen, você está doida levando algo bom disso?", sim, eu levo algo bom porque eu sei que se Deus permitiu isso é porque eu estava precisando aprender alguma coisa, e eu aprendi com isso.
P/1 - E você comentou que decidiu expor isso a partir da nossa ligação. Foi meio recente tudo isso, né? Olhando agora para essas duas últimas semanas como você se sente com tudo isso que aconteceu na sua vida?
R - Sim, depois que vocês ligaram eu falei: "Caraca, vou contar a minha história para outras mulheres, sei lá, talvez se inspirar, talvez perder o medo, talvez falar: 'Não é culpa minha', sabe?". Eu falei: "Pô, eu preciso compartilhar isso com os meus amigos, eu preciso mostrar isso para eles, aí foi quando eu postei no Instagram, postei no WhatsApp, e foi tipo… Ai fiquei muito feliz, eu fiquei sem reação, aí eu estava literalmente surtando. Aí eu falei: "Caraca, e agora? Agora todo mundo vai realmente saber o que se passou, o que aconteceu".
P/1 - E Kharen, nesse meio tempo você comentou que você participou do projeto "1000 Mulheres" do Sebrae. Conta um pouquinho de como foi essa experiência, o que surgiu a partir desse curso…
R - Bom, quando eu comecei a fazer o "1000 Mulheres" era lá no CEU do Jaçanã, e eu fiquei meio com medo. Falei assim: “Empreendedorismo, o que eu estou fazendo aqui?” E eu lembro que eu e a Mari éramos as únicas jovens do curso, então tinha muita gente mais velha. A gente foi até criticada no curso, porque muitas meninas falaram: “Ah, essas meninas jovenzinhas não querem nada com nada”. E foi aí que a gente se incentivou com isso, foi uma experiência inexplicável, foi algo muito bom. Aí depois quando eu ganhei a notícia que eu iria para a segunda etapa do curso, eu falei assim: “Poxa vida, tantas pessoas lá com mais experiências e me escolheram”, eu tinha 21 anos. Eu falei: “Caraca, que honra, né?” Porque eu até conversei com a Mari, até aquelas pessoas que falavam… Porque no curso era assim: “Ah, as são novinhas, tem vinte anos, 21 anos e elas não querem saber de nada com nada, então eu não vou colocar elas no meu grupo”. Então foi basicamente isso. Foi quando elas perceberam que a gente estava ali para somar, que a gente estava ali para aprender, então foi uma experiência muito boa, eu aprendi muito com todas as meninas lá do projeto, com a Joice, Débora, Dai, eu aprendi muito com essas mulheres, eu vi que qualquer coisinha que a gente precisava a Joice ia lá correndo, a Dai ia correndo e conseguia de última hora, era aquela empatia, elas se importavam com a gente, ela tipo: “Não, isso daqui está errado. Vamos consertar”. Era tipo uma família muito unida, sabe? Eu vi o quanto a professora Débora, a Dai, a Joice, o quanto elas se importavam comigo e com as meninas, e eu fiquei: “Caraca, elas estão se virando no trinta”, porque tinha vezes que algo dava errado e elas falavam: “Não, a gente vai dar um jeito, peraí que não é bem assim, calma. Tenha calma”. A Débora falava assim: “Calminhas, fiquem calminhas”. Eu levo algo muito bom, eu falo: “Bom, as pessoas falaram que eu não era capaz, mas eu sou capaz”. E a gente desenvolveu um projeto lindo, mas infelizmente não foi um dos ganhadores, mas no final eu ganhei um presente que foi quando… Quem ganhou o projeto era o “Era só o que faltava”, só que infelizmente o grupo se desfez e a Roberta me chamou para fazer parte do projeto, ele e a Mari. E eu falei: “Caraca, mesmo eu não ganhando, eu lá, eu ganhei esse presente”. E agora a gente está desenvolvendo um projeto, a gente está estagnado, mas a gente tá pensando em formas de levar o projeto à frente. Eu fiquei tão feliz, falei assim: “Poxa vida, eu não ganhei lá, mas eu ganhei aqui”.
P/1 - Me conta um pouquinho desse projeto que vocês estão desenvolvendo?
R - O projeto era casas sustentáveis para moradores de rua, feitas de garrafa pet e a nossa ideia era pegar esses terrenos do governo que estão parados, construir as casas e quando os moradores de rua fossem morar lá, eles iriam pagar um valor, então eles iriam trabalhar, e iam pagar um valor específico, baixo, tipo uns cem reais, cinquenta reais para manter a casa. A gente também ia fazer aquela luz, que é uma luz na garrafa pet, não sei se vocês já viram, e a gente pensou em colocar também, então a nossa ideia foi mais voltada para tirar essa situação que está tendo, porque tem um foco grande de moradores de rua aqui em São Paulo e a gente queria ajudar eles. Aí eu lembro que a minha experiência foi de sair para rua para fazer entrevista com esses moradores de rua e eu lembro que o pessoal da minha Igreja me ajudou e eu lembro que a gente foi para rua, para a gente conhecer um pouco da história deles, porque quem está de fora acha assim: “Ah, é um maconheiro, um drogada, um bêbado”, mas ninguém sabe a história dele. E quando a gente saiu para rua para saber a história de cada um, eu falei: “Caraca, muitas vezes”… Teve um rapaz, que eu até esqueci, acho que é Bahia o nome dele, tem acho que quarenta anos, ele morava. Ele não é de São Paulo, ele morava no interior de São Paulo e ele deixou a casa para a mulher e para o filho, então a única opção que ele tinha era a rua. Então ele veio para São Paulo para tentar uma vida nova e não conseguiu. Então hoje em dia, ele falou bem assim para mim: “Eu tomo o corotinho para eu não sentir fome e não sentir frio, porque muitas vezes aqui é muito frio e muitas vezes a gente não tem o que comer, então não é porque eu gosto, é para eu me manter, é para eu não sentir fome, para eu não passar frio”. E isso me tocou muito, eu falei: “Nossa, antes eu tinha uma visão totalmente diferente, aí depois desse projeto eu pude me colocar no lugar deles e ver que cada um tem a sua história, cada um tem a sua história de vida. Tem uns que estão ali porque quer e tem uns que estão ali não por opção, mas porque aconteceu algo na vida deles”. Igual esse rapaz ele falou que o filho dele trabalha, tem uma boa faculdade, o filho dele já tentou tirar ele de lá, mas ele falou que ele não quer, que ele prefere ficar na rua, que ele já se acostumou e não quer embora. Então eu acho que… Eu queria muito que a gente ganhasse, porque eu desde pequena eu sempre quis tirar os moradores de rua das ruas, queria ter uma casa bem grande para colocar todos lá. Então foi algo muito bom, a gente desenvolveu algo pensando neles, não foi nem pensando em ganhar dinheiro, a gente nunca pensou nisso, mas para ajudar eles e para tirar o foco, porque tem um foco muito grande ali na cracolândia, em Santana, então a gente queria fazer isso para que eles saíssem… Porque eles precisam de uma oportunidade e o governo não da oportunidade, então a gente queria dar uma oportunidade para eles, a gente iria procurar alguma empresa que desse trabalho, que fosse de faxineira, de alguma coisa, mas para dar oportunidade para eles, para eles terem uma vida melhor.
P/1 - E foi o projeto que não ganhou.
R - Isso.
P/1 - E aí você foi convidada para participar de outro projeto. E me conta mais desse projeto?
R - Esse projeto é um site para as mulheres vulneráveis venderem os produtos delas online, mas aí depois da pandemia não foi possível, porque aí não tinha e a gente ficou matutando o que a gente iria fazer, porque o nosso foco é mulheres vulneráveis. Então a gente ficou: “Pô, como a gente vai ajudar elas? Cesta básica já está todo mundo ajudando com isso. Motoboy?”. Aí eu falei assim: “Mas não é todo mundo que tem carta, ainda mais mulheres vulneráveis, então a gente tem que pensar em algo que dê para todo mundo participar”. Aí a gente está até agora pensando em como ajudar essas mulheres, porque o nosso foco é ajudar essas mulheres vulneráveis, porque elas têm bastante… Elas fazem crochê, fazem outra coisa com garrafa pet, então o nosso foco era expor isso para estarem vendendo, porque às vezes elas não têm Instagram, não sabem divulgar, então estaríamos ali para divulgar o produto delas.
P/1 - E esse projeto está em andamento e com a pandemia vocês tiveram que repensar tudo…
R - Sim, a gente teve que adaptar a pandemia, então a gente está tentando adaptar de uma forma que elas consigam ganhar dinheiro, porque a gente pensou: “Pô, nessa pandemia a mulherada não quer gastar, está todo mundo segurando o pouco que tem”. Então a gente pensou: “Vamos pensar em algo ou senão vamos esperar um pouco para gente caminhar, porque não adianta a gente colocar lá e ficar parado os produtos”.
P/1 - E quem seriam essas mulheres vulneráveis?
R - Refugiadas, mulheres que não tem… Não trabalha, que foi abusada, todo tipo. A gente quer trabalhar com todos.
P/1 - E esse projeto já tem nome?
R - “Era só o que faltava”.
P/1 - E seria uma zona específica para atender essas mulheres, seria a Zona Norte que vocês trabalhariam ou ampliaria?
R - Então, o nosso foco era ampliar, mas a gente quer começar dando um passo de cada vez, então a gente começaria por aqui, Zona Norte, depois Zona Sul, Zona Oeste, e assim ia indo, a gente quer dar um passo de cada vez, não adianta a gente querer fazer tudo de uma vez e não dar conta.
P/1 - E quais são os próximos passos e planos?
R - Primeiro a gente quer pensar o que vamos fazer, adaptar o projeto, depois a gente quer fazer uns cursos mais específicos e colocar em prática.
P/1 - E ao longo da pandemia vocês têm pensado, ouvido, feito reuniões?
R - Sim, a gente fez umas cinco ligações para falar. Cada uma dá a sua ideia, para a gente conversar o que iria fazer, se a gente para agora, senão ia… Aí tinha também os cursos que a gente estava fazendo, porque a gente ganhou um curso. E a gente estava pensando assim: “E aí? E agora? Qual é o passo? A gente vai ficar aqui esperando ou a gente vai tentar dar o primeiro passo?”. Eu sempre converso com a Mari, e ela falou: “Ah, e ai?” A gente sempre se marca no Instagram e no Facebook para ter algumas ideias. A gente teve algumas ideias, mas não foi tão sucesso assim, mas a gente ainda está pensando com calma, porque a gente quer fazer algo que seja perfeito, não adianta fazer tudo na pressa e dar tudo errado, então a gente quer pensar com cuidado para quando for entrar já esteja tudo pronto.
P/2 - Kharen, você falou que quando entrou no projeto “1000 Mulheres” você tinha aquela visão: “Nossa, vou fazer um curso que tem a ver com empreendedorismo, né?” Você tinha um estranhamento. Hoje, depois dessa sua formação… Hoje você já se vê como empreendedora social, tem essa formação. O que é ser empreendedora? O que é fazer empreendedorismo social para você?
R - Bom, quando eu entrei, como você falou, eu tinha uma visão assim: “Meu deus do céu, aqui só tem gente mais velha, só eu sou novinha aqui”. Aí eu falei: “Tá, eu com 22 anos, 21 anos, eu vou ser uma empreendedora. Tá, e aí Kharen, qual é o passo? O que você vai fazer?” Eu acho que o empreendedorismo social, para mim, é ajudar as pessoas vulneráveis, ajudar aqueles que não podem, fazer algo com que pense neles, se coloque no lugar deles, igual, a gente criou um projeto para ajudar os moradores de rua, outras criaram um projeto para mulheres refugiadas costurarem. Então eu acho que para mim… Na verdade, eu achei que não ia gostar, “aí empreendedorismo é muito chato, sabe? Aí, que ranço”, mas foi algo que eu gosto. Nossa, eu amei fazer o curso e agora eu fico todo dia pensando: “E aí Kharen, o que você vai fazer para ajudar? O que você, mais para frente, você vai fazer para ajudar essas pessoas? E aí, você vai ficar aí parada ou vai colocar em prática?” Aí eu fico pensando: “E aí Kharen, o que você vai fazer?” Eu queria muito continuar ainda o projeto do “Casa sustentáveis”, porque eu acho que é um projeto muito bom, que seria dar casa para eles, mas a gente ainda não teria um capital, então eu penso assim, igual a Débora falava: “A gente tem que sair da caixinha”, então a gente tem que ter as ideias mais loucas, mais criativas para a gente ir para frente, então eu fico: “Tá Kharen, sai da caixinha. O que você pensa? O que você quer?” Aí eu fico tendo umas ideias doidas, ai e fico: “Tá, isso daí é bem doido, mas será que iria dar certo? Será que iria ajudar essas pessoas? Será que seria importante para essa pessoa esse projeto?” Acho que para mim é isso, projeto social é mais… Não pensando em mim, pensando em dinheiro, mas sim pensando em ajudar outras pessoas, pensando em ajudar aquelas pessoas que não tem condições.
P/2 - E você tem falado muito na ajuda ao outro, eu queria te perguntar como a sua experiência pessoal e os eventos pelos quais você passou, de alguma forma influenciam nessa sua trajetória, enfim, a ter esse olhar e na sua trajetória se vendo hoje como alguém que quer trabalhar com empreendedorismo social.
R - A pergunta foi… Desculpa (risos).
P/2 - Um pouco longa, eu vou tentar resumir a pergunta. Como a sua experiência pessoa ela influencia… Se você vê se tem alguma influência na sua trajetória, na maneira como você se vê como empreendedora social.
R - Sim, eu acho que nos eventos que eu passei… Antes eu nunca tinha apresentado, nem em sala de aula, nada. E no dia da apresentação eu fiquei com um friozinho na barriga, eu fiquei gaguejando na hora. E eu acho que inspirou muito assim, a minha mãe. Eu acho que eu levei isso também para as meninas, “ah, eu queria fazer algo para ajudar as pessoas”, porque o meu foco mesmo é ajudar as pessoas, jovens, ajudar quem eu posso, então os eventos que eu passei foram muito bons para tudo, para minha carreira, para o meu pessoal, porque eu pude aprender com as outras pessoas, eu pude entender talvez aquilo que eu não tinha entendido, eu pude trocar informações, porque nesses eventos a gente ia nos eventos, mas no final a gente sempre trocava informações, trocava números, a gente falava assim: “Você viu aquilo? É bom para o seu projeto”. Era uma ajudando a outra. Mesmo a gente não indo em eventos a gente continua fazendo isso, uma ajudando a outra. “Então, como está o projeto? Está indo bem? Está ocorrendo?”
P/1 - Kharen, você falou que a pandemia acabou influenciando um pouco na maneira como vocês estão conduzindo e desenvolvendo o projeto, e eu queria saber como a pandemia influenciou em como você está pessoalmente… O que mudou depois da pandemia pessoalmente e profissionalmente?
R - Pessoalmente o que mudou foi que… Igual eu falo para as meninas, acho que depois dessa pandemia foi tipo o despertar, caíram as vendas dos olhos. Eu vi que eu, não só eu, mas outras pessoas foi onde… Gente, desculpa estar falando disso, mas foi quando a gente começou a buscar mais Deus. Igual falam: “Às vezes a gente procura Deus só nos tempos difíceis”, e realmente é o que acontece. Eu acho que depois dessa pandemia todo mundo se desesperou, foi quando todo mundo buscou mais. E nessa pandemia eu busquei mais a Deus, eu pude ter mais intimidade com os meus amigos, fiz muitas amizades… Antes eu não tinha tanta amizade, mas nessa pandemia, agora eu tenho pessoas incríveis do meu lado, eu tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas. E foi bom para mim essa pandemia, porque eu pude levar algo bom, eu pude ficar perto de pessoas que me ajudam, de pessoas que tem o mesmo foco que eu, tem o mesmo propósito que eu, que é ajudar outras pessoas, que é ajudar aquela pessoa que talvez esteja pensando em se suicidar, é talvez aquela pessoa que está passando por um momento difícil, aí foi bom a pandemia para mim. E profissionalmente nesse tempo eu fiquei pensando o que eu iria fazer para ganhar um dinheiro para me sustentar, para ter o meu dinheiro. Aí eu fiquei pensando: “Tá, você tem que pensar em algo que as pessoas vão comprar, porque elas estão evitando de gastar dinheiro”. Aí eu pensei em juntar dinheiro para comprar roupa. Falei assim: “Tá, Kharen, a mulherada gosta de roupa, mas agora elas não vão querer comprar roupa porque está na pandemia, porque talvez ela tenha perdido o emprego. E aí?” Aí eu estou pensando ainda, “e aí Kharen, o que você vai comprar? O que você vai fazer para ganhar um dinheiro a mais? Você vai fazer um bolo talvez? Você vai fazer um salgado e sair para rua para revender, ou uns docinhos gourmet?” Aí eu estava até conversando com a minha mãe e a minha irmã para a gente fazer algo. A minha irmã deu várias ideia para a gente montar um pontinho de salgado ou um ponto de sorvete, que vende salgado, que vende várias coisas, para a gente se manter. A gente está até procurando lugares para a gente alugar e montar.
P/1 - Então você e a sua família tão repensando em uma maneira de empreender na pandemia.
R - Sim.
P/1 - E como é o seu dia a dia?
R - O meu dia a dia… Eu acordo, eu e minha mãe conversamos, aí chega a noite, eu faço ligação com a Dani, que é do projeto do (“Evanja Live”?), aí chega a noite e tem as lives, aí a gente entra as lives para falar o quanto as pessoas são amadas, aí as vezes aparece alguma menina que fala que está mal, aí a gente faz ligação, manda mensagem, a gente se distrai. Eu falo para Dani que ela se tornou a minha caixinha de segredos, porque ela sabe de tudo da minha vida, sabe mais do que pessoas que cresceram comigo. Então a gente fica conversando, eu e as meninas, até de madrugada, se distraindo, fofocando, falando sobre as coisas. A minha rotina é essa agora, ficar conversando com eles e se distrair com eles.
P/1 - E a Dani você conheceu no (“Evanja Live”?)?
R - Conheci no (“Evanja Live”?).
P/1 - E Kharen, para você, o que é ser uma mulher empreendedora, pensando em tudo que você quer construir, na pandemia ou após a pandemia? E o que isso e depois do projeto que você participou do Sebrae significam para você?
R - Eu acho que… Eu não vou falar que é fácil porque não é, mas eu acho que… Eu falo para os meus amigos, a gente tem que pegar aquela pedra que está no nosso caminho, aquele obstáculo que está no nosso caminho e tornar aquilo a sua inspiração. Então é um degrau de cada vez, não adianta você querer dar um passo muito grande, então é um de cada vez, vai devagarzinho, tenha foco, sabe? Não adianta você ter medo. É claro que a gente vai ter medo, mas tenha medo, mas pelo menos tente, se não der certo, refaz, continua de novo, se for preciso continua do zero, é igual o professor Wilson falava: “Se não deu certo, refaz. Volta lá para trás, vê o que está errado, se for preciso mudar todo o projeto, muda. Então eu acho que é isso, que a gente tem que ter um foco e fazer com que aqueles obstáculos não venham desanimar a gente, que aqueles obstáculos sejam apenas um incentivo para a gente continuar e também para não deixar com que as pessoas falam: “Ah, você não vai conseguir, isso é muito difícil”. Não, você é capaz e você consegue.
P/1 - E o que a Zona Norte representa na sua vida? Pensando que você cresceu lá e pretende fazer um empreendimento nessa zona.
R - Eu acho que a Zona Norte é um foco muito grande de comércio, porque como tem as comunidades, tem mais fluxo de gente, eu acho que é um lugar muito bom para empreender. Eu falo para minha mãe, minha irmã também fala que a gente tem que empreender em lugares que tenha “povão”, que tenha… Eu acho que travou (pausa).
A Zona Norte é um lugar muito bom para abrir um comércio, porque o foco na Zona Norte é o “povão”, as comunidades, e eu acho que é onde os comércios ganham mais dinheiro, principalmente se a gente abrir um comércio na comunidade, na favela, eu acho que é onde a gente mais vai ganhar dinheiro, porque… Aí, eu amo a Zona Norte, é um lugar muito bom de se morar, pelo menos eu gosto, porque é um lugar que… Como eu posso dizer, a palavra certa… É praticamente onde tudo começou, sei lá, no meu pensar, assim.
P/1 - E você tem sonhos? Quais são?
R - Meu sonho é de viajar por todo o mundo, dar uma vida melhor para os meus pais, ajudar os meus irmãos. Meu sonho é não ver mais moradores de rua nas ruas, é ajudar as pessoas, fazer uma faculdade, ter uma instabilidade de vida boa, ter um emprego bom, uma condição de vida boa, ter uma família.
P/1 - Kharen, você gostaria de acrescentar alguma coisa? Falar alguma coisa que eu não tenha instigado…
R - Eu não entendi, desculpa.
P/1 - Se você gostaria de acrescentar alguma experiência, falar sobre algum momento da sua vida que a gente não tenha instigado você a falar.
R - Um momento da minha vida assim, eu acho que de algum momento da minha vida eu já falei tudo, praticamente (risos). Mas o que eu falo é para a gente não deixar as pessoas desanimarem a gente, não deixar com que… A gente tem que entender que independente da pessoa falar assim: “Você é isso e aquilo”, “Não, eu não sou isso”, e parar de se importar com a opinião dos outros, o que importa é a sua opinião e o que você pensa de você. Então não deixa ninguém desanimar você, não deixa que ninguém fale: “Você é menos”, “Não, eu sou mais. Eu posso, eu consigo, eu sou capaz”. E sempre tenha isso com você, que você é capaz, que você consegue. Mesmo sendo difícil, faça com que aquele obstáculo, com que aquela pedra que está no seu caminho, faz com que aquilo te inspire.a prosseguir, a ter força.
P/1 - Agora a gente está caminhando para o final da entrevista e eu queria saber o que você acha da proposta de mulheres empreendedoras serem convidadas para contarem sobre a sua história de vida para um projeto de memória?
R - Eu acho muito importante, eu acho que as pessoas precisam conhecer, sabe? Porque às vezes eles acham que foi sorte. Não, ninguém sabe o que ela passou, ninguém sabe a história de vida dela. Eu acho que isso iria incentivar outras mulheres, porque às vezes mulheres que são vulneráveis, que passou por certas situações, fala: “Ah, mas eu passei por tanta coisa na minha vida, você acha que eu vou ser empreendedora? Você acha que eu vou fazer alguma coisa? Não”. Eu acho que isso iria inspirar outras mulheres, iria ajudar, não só as mulheres, mas também os homens, mas ajudar talvez aquela mãe que é faxineira que tem cinco filhos em casa, a incentivar ela a fazer algo para ela, para ter uma condição melhor. Eu acho isso uma ideia muito boa que iria incentivar muitas outras mulheres a empreender.
P/1 - E, por último, eu queria saber o que você achou de ter participado dessa entrevista.
R - Eu amei ter participada. Antes eu estava com muito frio na barriga, eu falei: “Meu Deus do céu, que ansiedade, eu estou surtando”. Mandei mensagem para minha amiga, falei assim: “Amiga eu já estou indo, mas eu estou surtando”. Aí ela falou assim: “Calma que vai dar tudo certo”. Mas foi uma experiência muito boa, fico muito contente de estar compartilhando a minha vida com outras pessoas para elas se incentivarem, talvez, para elas verem que tudo que a gente passa nessa vida é aprendizado, que talvez o que você passou seja um aprendizado, que você leva algo bom dali, mesmo que tenha sido algo ruim, que você leve algo bom daquilo. E eu gostei muito dessa experiência, espero que outras mulheres também tenham essa experiência porque é muito gratificante tudo isso, estar compartilhando a minha história com vocês, não só com vocês, mas com todo mundo.
P/1 - Kharen, muito obrigada por você ter vindo, contado, ter se disponibilizado, pela força que você teve de ter contado tudo sobre a sua vida. Toda a equipe do Museu agradece muito, Maurício também, e muito, muito obrigada mesmo.
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