P/1 – Boa tarde, Doutor Miletto. Vamos começar com o senhor nos falando o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – – Meu nome é Antônio Carlos Pires Miletto. Nasci em São Paulo, capital, bem aqui pertinho da Unimed do Brasil. Na Maternidade Matarazzo, fica aqui perto da Paulista. É interessante que na época, em 50, era uma coisa meio longínqua. Hoje, é bem agitada.
P/1 – E a data?
R – – A data, eu não queria falar, mas, é 1950, 15 de março.
P/1 – E qual é a sua atividade ou função atual na Unimed?
R – – Atualmente, eu estou como presidente da Unimed de Brasília. E, também, como presidente da Federação Metropolitana do Distrito Federal e Região do Entorno.
P/1 – O que é que é isso?
R – – Três singulares: Unimed Luziânia, Unimed Formosa e Unimed Brasília se juntaram para formar uma federação. Essa federação faz parte da Confederação Centro-Oeste. A gente, entrou no ano passado. A Federação Metropolitana ingressou para a Unimed do Brasil em 2006.
P/1 – Certo. E qual é o nome dos seus pais?
R – – Aldo Miletto e Áurea Pires Miletto.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais, profissional?
R – – O meu pai é psiquiatra até hoje. Ele se formou, em 1946, na USP (Universidade de São Paulo). Deu aula e trabalhou no Juqueri (Hospital Psiquiátrico do Juqueri). É interessante que, quando ele trabalhou no Juqueri, ele trabalhava também aos domingos. E então, minha mãe, para a gente visitar meu pai, fazia piquenique no Juqueri. E quando chegava na segunda-feira, as professoras perguntavam: “O que é que você fez no fim de semana?” E a gente, como mal sabia da história, respondia: “Fomos visitar meu pai no Juqueri.” Todo mundo achava que meu pai era louco. E todo mundo tinha pena da gente. Mas, ele era médico lá.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe foi...
Continuar leituraP/1 – Boa tarde, Doutor Miletto. Vamos começar com o senhor nos falando o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – – Meu nome é Antônio Carlos Pires Miletto. Nasci em São Paulo, capital, bem aqui pertinho da Unimed do Brasil. Na Maternidade Matarazzo, fica aqui perto da Paulista. É interessante que na época, em 50, era uma coisa meio longínqua. Hoje, é bem agitada.
P/1 – E a data?
R – – A data, eu não queria falar, mas, é 1950, 15 de março.
P/1 – E qual é a sua atividade ou função atual na Unimed?
R – – Atualmente, eu estou como presidente da Unimed de Brasília. E, também, como presidente da Federação Metropolitana do Distrito Federal e Região do Entorno.
P/1 – O que é que é isso?
R – – Três singulares: Unimed Luziânia, Unimed Formosa e Unimed Brasília se juntaram para formar uma federação. Essa federação faz parte da Confederação Centro-Oeste. A gente, entrou no ano passado. A Federação Metropolitana ingressou para a Unimed do Brasil em 2006.
P/1 – Certo. E qual é o nome dos seus pais?
R – – Aldo Miletto e Áurea Pires Miletto.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais, profissional?
R – – O meu pai é psiquiatra até hoje. Ele se formou, em 1946, na USP (Universidade de São Paulo). Deu aula e trabalhou no Juqueri (Hospital Psiquiátrico do Juqueri). É interessante que, quando ele trabalhou no Juqueri, ele trabalhava também aos domingos. E então, minha mãe, para a gente visitar meu pai, fazia piquenique no Juqueri. E quando chegava na segunda-feira, as professoras perguntavam: “O que é que você fez no fim de semana?” E a gente, como mal sabia da história, respondia: “Fomos visitar meu pai no Juqueri.” Todo mundo achava que meu pai era louco. E todo mundo tinha pena da gente. Mas, ele era médico lá.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe foi professora. Agora está muito mal de saúde.
P/1 – E qual é a origem da sua família?
R – O meu pai é filho de italianos, da região de… A mãe dele é da região de Milão. E o pai dele de Nápoles, é napolitano. E minha mãe é de origem português com índio.
P/1 – E tem irmãos?
R – Só seis. Só seis irmãos, todos homens, todos Antônio.
P/1 – Na sua infância, como era a casa que o senhor morava. O senhor lembra?
R – Lembro. Primeira casa que eu tenho lembrança… Nós morávamos na Avenida Água Branca, em frente ao Parque, na Avenida Água Branca… não! Na Avenida Antárctica, em frente ao Parque da Água Branca… Avenida Francisco Matarazzo, em frente ao Parque da Água Branca. Era uma casa muito grande, e moravam: o meu avô e minha avó, avós maternos, com cinco filhos. E todos os filhos com os cônjuges e netos. Então, eram 17 netos dentro da mesma casa. Era uma bagunça, era uma república.
P/1 – Como era o dia a dia? Conta um pouquinho?
R – Eu morei lá até os seis anos de idade. E era muito tumulto. Porque as refeições eram todas juntas. Então, minha avó fazia aquelas paneladas e todo mundo tinha que ficar do lado de fora. E tocava o sino, saía todo mundo correndo, era um verdadeiro abrigo, orfanato, alguma coisa assim. Depois a gente vai chegar em uma coisa talvez que tenha ligação com isso.
Com seis anos, em 1956, nos mudamos para o Brooklin (bairro paulista). É onde os meus pais moram até hoje. Nós fomos morar em uma casa grande também, que eles construíram. Era muito longe… O Brooklin era uma coisa assim longínqua! E quando ele comprou, em 1950, o terreno, o pessoal falava que era louco! Porque aquilo era um lugar que não tinha futuro e que era jogar dinheiro fora. Mal sabem o quanto vale hoje um terreno lá.
A gente “fez” a escola e toda a formação estudantil em escola pública. Primeiro, escola no Grupo Escolar, e depois eu fui para o ginásio e colegial – que era científico na época – no Alberto Conde, também uma escola estadual em Santo Amaro.
P/1 – E as brincadeiras no seu tempo lá de criança? Quais eram as preferidas?
R – Isso era uma coisa boa. Primeiro, a gente fazia estilingue e fazia umas “guerras” não muito interessantes. Algumas vezes, alguns se machucaram bastante. Mas, tinha um campinho de futebol ao lado de casa, e a fábrica da Bombril ficava atrás. Hoje, é um condomínio fechado, bem atrás de onde era a minha casa. A outra brincadeira na época de chuva, em janeiro e fevereiro, era coisa maravilhosa… Porque a rua era de terra, então, tinha enxurrada e a coisa mais gostosa era a gente descer na enxurrada. É interessante que, nessa época, não existia televisão. E eu acho que em termos de educação, de atividade, de convívio era muito melhor do que hoje, “onde” tem essa coisa facilitadora, entre aspas, que é a televisão. Porque a gente convivia mais com as pessoas, se conversava mais, tinha mais diálogo.
E eu lembro que em 1957, 1958, começou aparecer a televisão. O vizinho da frente tinha, comprou uma “branco e preto”, pequenininha. E ele abria as janelas da casa, e todos os meninos da rua ficavam sentados no muro do lado de fora para assistir os programas infantis que tinha da Rede Tupi. Acho que era o programa Pim Pam Pum. Era programa infantil da Estrela: Pim Pam Pum Estrela. E depois tinha o Sítio do Pica-Pau Amarelo, que já era dessa época, da TV Tupi. Da Emília etc.… São personagens tão fortes, que esses programas foram reeditados e até hoje estão na programação infantil. Importantes para “mostrar”, para dar exemplo, para dar uma “educação continuada”. É muito mais saudável esses programas antigos, do que hoje, a gente ver filmes de guerra, de violência. Quero dizer: a criança, hoje, quando tem quatro, cinco anos de idade, já tem mais de 50, 100, 200 horas de violência que vai sendo embutida assim como forma de distração, “olha” para seu entretenimento… Você vai ver um filme de guerra, você vai ver o homem do mal, o homem do bem. Quer dizer, os valores são muito diferentes. E isso é uma pena!
P/1 – E, naquele tempo como era São Paulo? O que o senhor lembra?
R – Eu lembro que São Paulo era uma cidade muito boa de morar. Porque eu tinha nove anos de idade e rodava a cidade de São Paulo inteira! Minha mãe, por exemplo, dava aula. Meu pai trabalhava quase a semana inteira e fim de semana, raramente ele folgava aos domingos. Então, por exemplo, a gente saía para fazer o pagamento da prestação da casa, que tinha sido financiada, eu, com nove anos, ia na Caixa Econômica Estadual para fazer o pagamento. E saía do Brooklin, pegava um ônibus, ia até o centro da cidade para eu poder levar em dinheiro, e andava com segurança. Bons tempos! Com nove anos! Hoje, eu duvido que tenha alguém que deixe um filho com nove anos de idade sair sozinho, e pegar um ônibus para ir para ao centro de São Paulo.
P/1 – E tem mais alguma lembrança marcante dessa sua época de infância?
R – Tem. Eu era meio “marrudo”. Eu achava que eu era o Super Homem. Uma vez… tinha um menino que morava em uma favela, que era ao lado da minha casa. Ele tinha 13 anos e eu tinha nove, e caçoava quando eu tinha sete eu estava no primeiro ano, e ele estava no terceiro ano primário. Então, eu passei para o segundo, ele continuou no terceiro. Fizemos o terceiro juntos, e ele não passou para frente. Foi jubilado! E eu fui fazer uma gozação, e ele me disse que ia brigar, que iria me bater. Ele veio para a frente, veio para cima de mim – ele com 13 anos e eu com nove. Ele veio com um cabo de aço, falei que não tinha medo de cabo de aço! Enfrentei…, Mas apanhei tanto… Mas foi interessante! Porque minha mãe dava aula particular nessa época dentro de casa e quando eu entrei assim aos berros, chorando, fazendo escândalo, os alunos que estavam lá. Tinham os seus 15, 16 anos e todos andavam de moto, e saíram correndo atrás. Eles entraram, o menino foi se refugiar na sala onde a gente tinha aula. E os outros também, “meio animais”, entraram na sala de aula. Foi um tumulto!
P/1 – O senhor já falou que iniciou os seus estudos em uma escola, era estadual?
R – Era estadual.
P/1 – Certo.
R – As duas eram estaduais. Uma era o grupo escolar, e a outra o ginásio estadual.
P/1 – E como era a escola naquele tempo? O que é que o senhor lembra?
R – A escola, agregava muito valor. Tanto é que até hoje, por exemplo… recentemente, teve o casamento do meu filho, agora em janeiro, e da filha de um colega dessa época em dezembro. Nós conseguimos reunir mais de 20 colegas que “fizeram”, que começaram o ginásio juntos. Há quatro anos, nós fizemos um encontro dos 40 anos que a gente se conheceu. Na ocasião, a gente conseguiu reunir 60 alunos em um restaurante aqui em São Paulo, que fica ali na Juscelino, é a cervejaria, não sei o nome… agora não lembro o nome. Aquela do Paulo Markun, que hoje é repórter, e de um outro colega também. Uma coisa interessante que a gente observou nesse encontro: todos os que estavam lá, e as referências que a gente tinha, embora todos tenham estudado em escola pública, em ginásio, ninguém estava pior do que era quando começou. Estavam iguais ou muito melhores. Tanto é que hoje, alguns colegas são chefes da UTI no Sírio-Libanês [Hospital Sírio-Libanês]. Tem embaixador que “saiu” da nossa turma. O embaixador no Japão, atualmente, é da nossa turma. O Paulo Markun, que é um jornalista importante também, está nessa turma. E outros tantos.
P/1 – E, professor, tem algum professor ou professora que lhe marcou?
R – Tem duas histórias. Uma é a que me reprovou no primeiro ano primário. Ela dava aula de matemática, me reprovou. Mas, fui reprovado porque fui vagabundo mesmo, não foi ela que foi ruim, não! E quando chegou no quarto ano do ginásio, ela foi novamente nossa professora, e falei que a prova que ela desse… nas duas últimas provas eu tiraria dez, independente do que ela fizesse, desde que fosse a mesma prova para todo mundo da classe. Ela duvidou. Eu tirei. Consegui tirar. Foi um desafio que fiz e, lógico, tive assessoria de uma professora de matemática de fora. Tinha aula particular direto. Saía da escola, chegava “O meu objetivo é conseguir isso.” “Por que é que é importante isso”? Quer dizer, embora ela tivesse mostrado para mim uma fragilidade dentro da matéria – é uma fraqueza que a gente pode ter – se a gente se concentrar, se a gente quiser, e se a gente se dedicar… A gente vai e acaba conseguindo. Desde que a gente lute por isso. Foi um exemplo muito importante.
A segunda história foi no primeiro ano do científico, que teve um professor… Eu gostava de escrever na época. E ele gostava de ler as redações que eu fazia. Mas eu estava em “uma época” … Toda segunda-feira era aula de redação, então três alunos sugeriam três temas e na semana seguinte tinha que ser lido os temas dos alunos. A classe era mista, e uma menina sugeriu um dos temas que era: “O divórcio no Brasil.” Isso, em 1965, quando mal se falava em divórcio. Aliás, nem existia divórcio naquela época no Brasil. A outra sugeriu: “O ensino no Brasil.” Eu falei: “Puxa, duas redações que vai ser duro escrever qualquer coisa.” Eu já tinha uma redação pronta. Eu escrevia histórias, ia escrevendo e guardava. Só por escrever! Eu tinha uma historinha, e falei: “Essa é boa de se colocar.” E então falei: “Mas o nome eu não posso falar.” O professor falou, que gostava dos temas que eu falava, me pediu para eu sugerir um tema. Eu falei: “Professor, eu sugiro tema livre.” Porque assim eu fui bom. Eu não coloquei o tema que eu queria, porque alguém poderia criticar, como eu estava criticando as outras duas. E também não ia colocar, iria escrever o que eu queria, assim como cada um da classe. Ele pediu para justificar. Falei que, olha, ele deveria fazer a avaliação do tema inclusive da própria escolha, de cada aluno. Quando chegou na segunda-feira seguinte – o professor chamava Dietmar. Era professor de português, mas de origem alemã. Já existe um problema. Ele me chama, e fala: “Miletto, quero ouvir a sua história. Porque você, como sempre escreve coisas assim fantásticas, você deve ter escolhido um tema maravilhoso, profundo, problemático.” E eu sabia que a barra “ia pegar pesada”, porque o tema não tinha nada disso. O nome do tema, eu falei: “Professor, leia o tema que o senhor fez tantos elogios, que eu acho que não é nada.” Quando ele pegou e leu: “A eterna namorada”. “Olha que coisa linda. Que coisa profunda. Isto aqui deve ser um romance. Uma coisa assim…” E fez mil “melações” em cima de uma coisa que ele não sabia o que é que era. - “Leia” - ele disse. Eu comecei a ler, a descrever um lugar, um jardim, um jardim bonito, cheio de lua - “Era uma noite clara. Eu e minha namorada, que era moça de cabelo preto, a pele muito branca” … Não sei o quê… E fui descrevendo o nariz, os olhos, a pele, a textura, o cheiro. E foi indo. “Nós estávamos conversando, conversando até que uma hora, conforme ela se movimentou, eu vi que a luz da lua estava refletindo no olho dela. E dentro disso eu estava vendo a minha imagem dentro do olho da minha namorada. Eu fiquei muito intrigado. Porque como é que eu que me julgava tão forte, tão poderoso, tão senhor de tudo era capaz de estar dentro de um olho tão pequeno, tão delicado e tão frágil. Então aquilo não era possível. Pedi que ela me devolvesse. E como ela não queria me devolver, o que é que eu fiz? Eu arranquei os olhos da namorada. Ela começou a sangrar. Ela não sabia o que fazer, foi se esvaindo. Ficou branca, pálida e morta. E como eu não tinha o que fazer eu peguei um facão, fatiei e comi inteirinha. E assim ela vai ficar eternamente dentro de mim. A eterna namorada.”. Esse professor pulou da cadeira. Ele gritava, me agarrava, só queria acabar a aula. Virou um circo. Porque: “Seu tarado você tem que ir preso.” Foi uma coisa que marcou muito a criatividade.
P/1 – Então e o seu desempenho na escola de um modo geral? Era bom?
R – Exceto no primeiro ano que eu repeti, eu acho que sempre foi bom. Eu sempre me destaquei como um aluno com boas notas e que participava muito. Nessa escola, no Alberto Conde, a gente criou a Festa dos Estados, que existe hoje e que a prefeitura faz, começou no Alberto Conde. Cada série tinha que representar um estado, e isso “valia” para a prova. Nos meses de junho era nota, a gente tinha que fazer um trabalho, cada grupo de classes: quarta série da tarde, quarta série da noite. Cada grupo tinha que fazer um trabalho. Era dividido os estados do Brasil e tinha que fazer um trabalho sobre parte política, produção, hábitos. Trabalhos de história, de geografia. O que fosse possível tinha que ser feito. Depois, então, montava-se os estandes, com coisas típicas de cada região. Tivram grupos, por exemplo, que representavam o Pará, que os alunos, de ginásio, conseguiram com os pais trazer gente do Pará para fazer pratos típicos da Amazônia. Foi fantástico! Era o Miguel Reale, eu lembro que ele fez uma reportagem muito grande no O Estado de São Paulo . Inclusive durante dois ou três anos saiu, e depois as escolas estaduais fizerem uma festa maior no Ibirapuera. A ideia acabou morrendo por interesse que é difícil de definir. É uma coisa interessante, porque você consegue resgatar coisas do Brasil, mesmo. Hoje eu vejo, por exemplo, que o Centro-Oeste, onde eu moro atualmente, é uma região muito importante, mas praticamente não é comentada. Não é cogitada nas conversas. O pessoal fala: “É do Sul, é do Norte, é do Nordeste… Centro-Oeste parece que não existe no dia a dia das pessoas.
P/1 – E as comemorações na escola, o senhor lembra?
R – Quase todas.
P/1 – Como eram?
R – Essa festa dos estados, por exemplo, a gente começava a trabalhar, durante o período de aula. Tinha que montar os estandes, fazer tudo fora do período de aula. Às vezes a gente até acampava dentro da própria escola, com os professores orientando. E a escola estadual tinha um enfoque muito diferente. Nós tivemos professores no científico que, desde o primeiro ano, faziam aula aos sábados, uma aula especial para preparar os alunos para o vestibular. Tanto é que grande parte da minha turma, entrou na faculdade sem fazer cursinho. A gente nem fez cursinho, nada. Foi assim uma história. Porque existia o empenho e a vontade de mostrar que a escola pública era uma coisa boa. E “naquela época” o colégio particular só ia quem não conseguia entrar, ou por outros motivos. Mas para maioria a escola era muito bom nível.
P/1 – E tem alguma lembrança mais forte? Algum caso especial da escola que o senhor queira contar?
R – Tem vários. Agora lembrei de uma história. Eu estava no segundo ano do ginásio, e teve uma história de redação, professora de português. Ela deu um tema: “De repente fiquei só”. Você imagina para um garoto de 14 anos escrever uma coisa dessa, é complicado. E o que é que eu escrevi? Escrevi que morava em uma casa, em um sobrado, morava muito bem com meu pai e minha mãe. Eu era filho único, e fui contando a história. Que um dia eu vi uma discussão. Acordei no meio da noite... Uma discussão, um vozerio. E depois quando eu apareci no alto da escada, meus pais mandaram eu ir para o quarto, eu fui. Fiquei quieto e passou. Aquele ambiente ficou meio carregado. Depois de alguns meses, me levaram para passear. Nós fomos em um castelo muito bonito, com colunas. Eu não sabia… Nós estávamos entrando em um fórum. E conversando com um homem de capa preta, ele perguntou com quem que eu queria ficar, eu achei: “O que é que ele quis dizer com isso? Que como o meu pai trabalhava, se eu queria ficar com a minha mãe?” Falei que queria ficar com a minha mãe. Eu nunca mais vi meu pai. Então, de repente, fiquei só. Eu não sabia, eu com sete anos de idade que era o processo de separação que estava vindo. Nada disso existiu na realidade. Mesmo porque eu nunca morei em sobrado, não sou filho único, tenho seis irmãos e meu pai está junto da minha mãe até hoje. Mas interessante foi que a professora ficou tão impressionada com essa história, que depois ela foi na minha casa para visitar, porque ela não acreditava que era só história.
P/1 – O senhor já falou, fez o ginásio, o científico, e depois que cursos?
R – Entrei na faculdade na Santa Casa de São Paulo. Primeiro, aliás, no vestibular, primeiro passei na Faculdade de Marília. Fiz primeiro e segundo ano na Faculdade de Marília. Foi a terceira turma. Quando eu estava terminando o terceiro ano, a gente soube que em São Paulo, na Santa Casa, tinham quatro vagas para o terceiro ano. Então a gente prestou o concurso, eu e mais três colegas, e a gente conseguiu, quer dizer, e outros tantos que prestaram, a gente conseguiu superar os outros. E viemos transferidos para a Santa Casa. Acabei me formando na Santa Casa. Hoje, eu posso dizer que eu comemorei, me formei em 1974, então já tenho 66 anos de formado, de formatura. Porque eu comemoro 30 de um lado e 30 e tantos do outro. Com as duas turmas.
P/1 – E a formatura, lembra da formatura?
R – Bastante.
P/1 – Como foi?
R – A nossa turma se formou, foi uma turma diferente. Por que diferente? Eu nunca vi nenhuma turma, em profissão nenhuma, se formar de beca branca. E a nossa beca era branca. Hoje eu tenho um pôster na minha sala do consultório, eu com a beca e todo mundo acha que é: “Ah, o senhor é da época do hippie? O senhor era hippie?” Não, não é. É a beca de formatura. Era branca, aberta. Um decote que vem até aqui embaixo, com uns galões assim atravessados. E interessante, que foi em 1974. Quero dizer, há 33 anos. As meninas também não podiam usar nada por baixo. Então essa beca foi uma polêmica muito grande!
Foi uma festa no Anhembi, nas fotos, todos apareceram muito certinhos. Mas conforme as meninas andavam… Aquilo foi uma confusão grande. Mas, a turma é tão unida que a gente tem frequentemente se encontrado. Com 30 anos a gente fez uma festa, e a turma tem se encontrado esporadicamente. Principalmente, aqueles que continuam em São Paulo. A gente que mora em Brasília, recebe a comunicação, conversa por e-mail. Mas é mais difícil se deslocar.
P/1 – E o que influenciou o senhor na escolha da carreira?
R – Foi um artifício. Foi interessante porque, embora eu tenha prestado concurso, entrei “dentro” da Santa Casa não foi com proteção de ninguém. Não foi com “QI” [Quociente de Inteligência, nesse caso é expressão de indicação] de favorecimento de ninguém. Nós quatro éramos sempre considerados como os alunos de fora. Não que eles desconsiderassem a gente ou deixassem de ser menos amigos. Mas, quando chegou na época que eu estava terminando o sexto ano e ia começar a residência, tinham dez da minha turma que estavam querendo fazer Cirurgia Geral. Eu queria fazer Cirurgia Geral. Só que tinham quatro vagas para residente de Cirurgia Geral. Eu falei: “Se tem dez – eu era o décimo – tem nove que são daqui da casa, só eu sou de fora, então provavelmente, pelos critérios de seleção, eu vou ser um dos primeiros a serem eliminados.” Agora, Urologia só tinha um candidato: Eu. Quer dizer, da Santa Casa, só eu como candidato e mais alguns de fora. E Urologia não era uma especialidade tão procurada na época. Então eu falei: “Eu me candidato para fazer Urologia”. Por quê? A Urologia você tem que fazer dois anos de Geral e depois dois anos de Urologia. A Cirurgia Geral você faz dois anos de Geral e se quiser continuar daí para a frente. Então, falei: “Eu vou fazer de qualquer jeito dois anos de Geral. Se eu gostar de Urologia eu continuo. Senão, eu já fiz o que eu queria e está cumprido.” Passei, quero dizer, fui fazer Urologia. Encontrei um grupo muito bom de professores. A coisa mais importante que marcou o começo da carreira, é que nas fotos que a gente já viu há pouco, o chefe da Urologia, que era na época o Geraldo de Azevedo, depois o Manoel Hidal – que foi o presidente do Hospital Einstein – eles valorizavam, sempre valorizaram muito o trabalho da pessoa. É interessante isso, você valorizar a pessoa por aquilo que ela faz, naquilo que ela faz. E o quanto é importante para a gente e de qualquer nível de trabalho. A valorização dos recursos humanos é muito grande. Hoje é muito comentado isso, mas há 30 e poucos anos atrás não se falava muito. O faxineiro do Ambulatório de Urologia, era convidado para todas as festas que tinha na casa do chefe. Enfim, era uma família! A ideia de família, de grupo, de união. Não era assim: “Eu sou o chefe, você lá embaixo.” Era uma coisa muito horizontal: “Nós trabalhamos para isto aqui ir bem.” E a Urologia começou a se destacar em termos assistenciais dentro da Santa Casa de uma forma muito acentuada. Nós tínhamos poucos leitos, poucos recursos, mas a gente tinha um movimento muito grande porque o trabalho era feito de forma coletiva. Todos queriam fazer o melhor, e o Hidal deu um grande exemplo. Eu me lembro que uma vez, depois de terminado a Residência, o Hidal, me convidou para trabalhar no Einstein, junto com ele, que era o presidente do hospital. Uma vez o superintendente chegou indagando que deviam mandar embora a chefe da Enfermagem, porque ela não estava querendo privilegiar um determinado cirurgião, que internava mais de cem doentes por ano. E o Doutor Hidal falou assim: “Olha, a nossa enfermeira é uma boa profissional. Ela é importante no desenvolvimento do hospital. Se esse médico quer privilégios, ele que vá embora. Porque na hora que ele der espaço vão vir dez médicos que vão internar só 15 doentes cada um. Mas o hospital vai ter 150 e não 100. E nós vamos melhorar se nós tivermos pessoas trabalhando bem.” O Einstein, quando começou, não era toda essa tecnologia que é hoje. Na época, começou no sétimo andar, e no prédio principal era só a maternidade. E como a característica na época, de grande parte dos hospitais e dos consultórios dos médicos em São Paulo, era em torno da Avenida Paulista para o Centro. Fica a sete quilômetros daqui para lá. Do ponto de vista geográfico era muito ruim. Então, o que é que eles criaram? Criaram a mentalidade de fazer um serviço de recursos humanos muito bom para atrair o profissional para ir para lá. Eles queriam atrair os grandes professores, os maiores nomes. Começou a se destacar com a qualidade no atendimento humano, e foi se equipando. E hoje é o que é de renome internacional. Um hospital que fundamentalmente começou valorizando o trabalho de cada funcionário.
P/1 – E como que o senhor começou, quando o senhor começou a atender, a trabalhar? Atender os clientes?
R – A Urologia?
P/1 – É, quando começa a Residência já começa a atender? Como é?
R – No final da faculdade, quando a gente está no quinto, sexto ano, tem uma fase que chama Internato. E durante o Internato, então, você tem o contato direto com os doentes. Você vai atender ambulatório, o pronto-socorro, sempre supervisionado pelos residentes, os instrutores e professores.
P/1 – E já é considerado como um primeiro trabalho? Ou o seu primeiro trabalho é só depois de formado? Ou como é?
R – Não, isso é a fase de estágio. O primeiro trabalho é depois de formado mesmo. Por exemplo, dentro da área médica é muito importante, eu recebi, fui diplomado no dia 13 de dezembro de 1974. No dia 12, se eu estivesse realizando uma cirurgia sem uma supervisão, eu estava fazendo um delito ético grave. Por quê? Eu estava exercendo a profissão sem estar regulamentado. Isso não pode. A partir do dia 13 de dezembro, quer dizer, é um marco. A mesma coisa, vamos dizer, a partir do dia 13, eu poderia fazer o que quisesse. É a mesma coisa com seguro de carro. Você faz o seguro a meia-noite, se as onze e meia você bateu o carro, pronto, paciência que não tem jeito.
P/1 – O senhor começou no dia 13 lá mesmo na Santa Casa? O senhor foi para outro lugar?
R – Residente na Santa Casa e em seguida o professor Marjo e o Fucs, convidaram para eu trabalhar no consultório junto com eles. Eu estava terminando a Residência, depois de quatro anos, de 1974 a 1978. Comecei a trabalhar com o Fucs e o Marjo, e através do professor Fucs, ele tinha muito relacionamento com o professor Hidal. E o Hidal acabou me convidando para ir trabalhar no Einstein com ele.
P/1 – E o senhor tem assim alguma lembrança marcante desse primeiro dia de trabalho? Alguma coisa assim?
R – Tem, tem várias. Eu posso dizer que eu entrei no Einstein com um dos maiores “QIs” que já entraram lá. Meu “QI” foi o maior, porque existia no Hospital a equipe interna, que era um grupo de médicos que davam plantão para atender as intercorrências dos doentes internados. Não era pronto-socorro. Essa equipe era formada por 13 médicos, e o chefe da equipe era o Doutor Thomas Gollop, que é um ginecologista. Um dos médicos saiu e abriu uma vaga. E o Doutor Hidal falou: “Quem vai entrar nessa vaga é o Doutor Miletto, que trabalha comigo na Santa Casa.” O Doutor Thomas virou para o Doutor Hidal, falou assim: “Doutor Hidal, a equipe médica somos 13 médicos, 12 médicos e os 12 são...” Eram dez cirurgiões e dois clínicos, e eles queriam mais um clínico para poder funcionar melhor o esquema, nada pessoal, falou: “Dos 12 médicos que tem na equipe interna os 12 são contra a entrada do Doutor Miletto na equipe.” O Doutor Hidal virou para ele e falou: “Pois é Doutor Thomas, então não tem problema.” “Ah, não tem problema? Podemos escolher outro nome?” Ele falou: “Sai todo mundo, fica o Doutor Miletto.” “Bom, então vamos conversar de novo e depois...” Bom, o final da história acho que é uma coisa importante. Que tanto não era uma coisa pessoal, porque o Doutor Thomas Gollop foi quem fez o parto do meu segundo filho. Ele deixou bem claro que falou isso para mim. Falou: “Olha, nós somos contra a sua entrada, porque interessa um médico clínico, e você é um cirurgião. Então, por isso que não.” Mas depois que a gente entrou passou a ser bastante parceiro até ele fez o parto do meu filho.
P/1 – Então, que outros lugares o senhor trabalhou?
R – Eu trabalhei no Einstein e no consultório com o Doutor Fucs e com o Doutor Marjo, só.
P/1 – E depois como o senhor entrou na Unimed? Como foi?
R – Eu acho que, na época do Einstein e do Fucs aos poucos cada vez eu fui, quando eu comecei a trabalhar no Einstein eu trabalhava no plantão fixo, era só domingo à noite. O resto da semana era totalmente livre. Mas o que é que eu fazia? Eu ficava circulando o hospital. Segunda-feira, acabou o plantão, mas, eu conversava com um e com outro, e ficava. Então um me chamava: “Miletto, ajuda aqui.” “Ah, você não está? Vem para cá.” Então eu fui atendendo tanto, que acabei desenvolvendo minha própria clientela dentro do hospital. A ponto que teve um ano que eu cheguei a internar mais de 400 doentes em um ano só. Em 1990, 1989 “a coisa” foi crescendo em função de eu estar sempre à disposição. Muitas vezes, nem sempre aquele que é o melhor no assunto para resolver, isso quer dizer, é aquele que pode resolver naquela hora, naquele instante. Porque os grandes professores que as pessoas procuravam, um podia vir só no dia seguinte, o outro dali a dois dias, outro só à noite. Mas, o doente que estava angustiado, com dor, sofrendo, ele queria a coisa de imediato, sabe? “Não, você quer professor é daqui a um dia, ou você quer resolver agora, tem o Miletto aí em baixo.” E o Miletto ia resolvendo… Eu consegui criar uma clientela muito boa. Até hoje tem doentes que ligam e me procuram daquela época de Einstein. Minha clientela foi grande.
Quando foi em 1986, 29 de outubro de 1986 eu tive um infarto, e fiquei três meses parado no estaleiro – tive infarto em uma cirurgia. Estava terminando a cirurgia do pai de um médico, de madrugada, depois de quase 24 horas trabalhando, fui para a UTI. Foi um fato interessante, eu estava na UTI e o doente que eu operei estava ao meu lado. A esposa do doente falava: “Moacir, fica tranquilo, o Doutor Miletto está do seu lado.” Eu estava, literalmente, ao lado dele. Mas depois de eu ter o infarto, eu trabalhava assim, entrava no Einstein, às vezes, chegava às seis horas da manhã, sete, e saía às nove, dez horas. Eu vivia Einstein. Vivia hospital, vivia hospital, e morava lá perto também. Tive o infarto e falaram: “Não pode mais trabalhar.” Toda a Diretoria foi muito solidária, muito amiga, e falou: “Precisamos dar um jeito. O que é que o Miletto vai fazer?” O hospital estava comprando a máquina de litotripsia. Então, falou: “A Litotripsia é Urologia, vamos deixar o Miletto para coordenar a área de Litotripsia.” E me colocaram para trabalhar com a Litotripsia. No começo, eu trabalhava devagar, mas, aos poucos, foi indo e o serviço foi aumentando tanto que, depois de ter infarto, ainda a gente conseguiu internar tudo isso de doente.
O que é importante no infarto? O infarto foi importante para eu mudar um pouco as regras do jogo que eu vivia. Eu achava que eu era gordo, mais gordo do que hoje, eu pesava 117 quilos. Fumava. Comia irregular. Trabalhava extremamente. O infarto não foi um acaso, não foi um azar. Foi plantado, foi curtido. E o infarto falou assim: “Olha, ou você muda ou você muda.” “Ou você muda de comportamento ou você muda de lugar para morar.” E eu acreditava, existe dois tipos de gordo: o gordo que é neurótico e fica brigando e fazendo regime, e continua gordo. E o gordo que sabe que é gordo, vai morrer gordo e vive gordo e faz tudo errado. A partir desse instante, no dia 29 de outubro eu falei: “Opa, eu tenho mulher, tenho filho.” Minha mulher é bonita, não queria que ninguém ficasse tomando conta dela. Falei: “Eu preciso mudar de forma.” Comecei a ter regras na alimentação, na atividade física e a dividir… Saber que nem só trabalhar era importante. Para eu trabalhar bem, eu precisava estar com a saúde boa. E fui me reorganizando. Hoje, trabalho e acabo produzindo talvez tanto quanto naquela época, mas, de uma forma mais organizada. Comecei a tomar conta da Litotripsia, e fiquei responsável pela Litotripsia de 1987 até 1991, quando saí do Einstein. Teve separação… E outros problemas que atropelaram. Talvez de tanto trabalhar. Por isso que houve a separação. E acabei conhecendo uma pessoa em Brasília e mudei para Brasília em 1993, comecei da “estaca zero”. Não conhecia ninguém, não tinha nenhuma recomendação. Eu prestei concurso para trabalhar na Fundação Hospitalar, que é a Secretaria da Saúde do Distrito Federal. Entrei na Fundação Hospitalar, e fiz o concurso para concorrer com os residentes recém-saídos da escola. Graças a Deus consegui. Fui trabalhar no hospital onde o relacionamento com as pessoas foi grande. Em dois anos, eu tive que largar a Fundação. Com muita tristeza porque era um trabalho muito bonito no hospital de periferia, que a gente trabalhava. A coisa que eu mais me orgulhava era quando o pessoal perguntava: “Como é que você larga o Hospital Albert Einstein em São Paulo, que é o top dos hospitais, para trabalhar em um hospital de periferia no cerrado, no interior do Distrito Federal, no meio de Goiás?” É interessante, porque a minha resposta sempre foi a seguinte: “Eu preciso ser médico. E como médico eu tenho que trabalhar com os recursos que eu tenho para beneficiar alguém. Eu não preciso ser um operador de equipamento. O importante é eu ser um médico e poder tratar das pessoas e auxiliar das formas que eu tenho, formas que eu tiver.”
A minha criatividade em improvisar as coisas é muito interessante. Tanto é que algumas pessoas me chamavam de Professor Pardal. Porque a gente improvisava, hoje, existe alguns equipamentos prontos. Na época a gente manipulava e fazia. Transformava cateter de angiografia em cateter urinário. Fazia várias mudanças. Porque era a forma de poder proporcionar para quem não tinha recursos o mesmo tipo ou quase o mesmo tipo de atendimento. Só que depois de dois anos de trabalhar na Fundação, um trabalho que até hoje quando eu passo no hospital, o pessoal pergunta por que é que eu não volto? Mas, o meu salário na Fundação era de cinco salários-mínimos, e por causa do “homem da capa preta”, eu tinha que pagar uma pensão de 13. Se eu continuasse, mesmo que dobrasse a carga horária, eu ia parar na cadeia, mas não ia cumprir a minha obrigação. Resolvi me dedicar mais à clínica privada, à clínica particular. Com o relacionamento, conhecendo bem, as pessoas começaram a procurar. O movimento rapidamente cresceu. Hoje, nossa clínica é bastante conhecida no Distrito Federal. Eu entrei na Fundação em 1993. Em 1994, eu estava pleiteando entrar na Unimed. Entrei como cooperado. Veio o grande erro das pessoas que entram para uma cooperativa médica. A maior parte é gente recém-formada ou que está procurando crescer, e acha que está entrando para um convênio, ou para uma medicina de grupo onde tem que trabalhar como empregado. Quando a gente entra na Unimed, hoje já é diferente do que na época, mas, na época pouco se falava em preparar o cooperado. De orientar que o cooperado é o dono do negócio. A gente precisa entender que, quanto menos eu trabalhar, mais eu vou ganhar na cooperativa. É diferente quando em um convênio de fora quanto mais eu trabalhar mais eu ganho. Na cooperativa quanto menos eu trabalhar, menos custo eu dou, mais lucro eu dou para a empresa e o retorno é maior. O retorno é para o cooperado. E isso é uma coisa que é muito importante a gente tentar difundir entre os cooperados.
P/1 – E a sua história na Unimed, qual é?
R – Bom, eu fui trabalhar na Unimed de Brasília em 1994. E Unimed de Brasília era uma Unimed grande. Considerada uma Unimed de grande porte. Tinha mais de 100 mil usuários. Com movimento grande de doentes, só que passou várias crises. Houve um “tsunami” dentro da Unimed de Brasília, e quando foi em 2003, teve umas perdas, não teve lucro, por problemas administrativos. Em 2005 os cooperados não estavam recebendo. Então, no ano de 2005 inteiro, o cooperado recebeu apenas três borderôs de produção, dos 12 meses. Quando foi no final de 2005, eu considerava o presidente um grande amigo pessoal. Eu falei: “Vou conversar com ele, porque eu estou muito chateado. Mais chateado do que não estar recebendo, é não estar obtendo informações importantes do que está acontecendo.” Pensei: “Se o meu amigo não me fala as coisas de fato, se eu não consigo conversar com o meu amigo, então a coisa está grave mesmo. Então, eu vou sair da cooperativa.” Fui conversar com o presidente para expor os motivos e trocar ideias, porque estava pensando em me desligar. O Doutor Swedenburg que era o presidente na época, em 2005, falou: “Miletto, olha, nós estamos compondo, ou recompondo o Conselho de Administração, várias pessoas saíram. E vai ter uma nova eleição. Por que você não se candidata? Para o Conselho de Administração? Você dentro do Conselho vai ter todas as informações a hora que você quiser.” Comecei a pensar que é uma verdade... Quero dizer, se eu fosse sair da cooperativa em uma hora que está com problema, na hora que está com prejuízo, o meu prejuízo é grande. Era melhor eu tentar entender o que estava acontecendo no processo para poder colaborar, para poder, se quiser sair, sair numa boa sem ter prejuízo. Deixar de ser dono, deixar de ser sócio sem ser. Então, me candidatei. Fui eleito no Conselho de Administração, e assumi em 29 de setembro de 2005. Tenho a impressão de que foi a carreira mais meteórica que teve na Unimed, na história da Unimed. No dia 29 de setembro de 2005, assumi como conselheiro vogal. Passaram três semanas, o Sweden precisou repor o cargo de diretor administrativo e me convidou. Olhei os deveres, obrigações e falei: “Olha, a única coisa que não tenho condição, certeza que eu não tenho condição de fazer de todos os itens, é substituir o presidente. Mas como você é um camarada extremamente fanático pela cooperativa, isso nunca vai ocorrer.” Ledo engano. Isso foi outubro, quando foi dia sete de dezembro ele renunciou.
Então, em 29 de setembro eu entrei como conselheiro vogal, em sete de dezembro eu passei a ser presidente da Unimed de Brasília. No meio de uma crise que, hoje, eu acho que é interessante. A Unimed de Brasília e a Federação, bom, o presidente da Unimed de Brasília passa a ser também o presidente da Federação. E como presidente da Federação comecei a conhecer o Sistema: a Unimed do Brasil. Nessa época ainda, a Unimed, a “nossa” Unimed, não fazia parte, não estava integrada à Unimed do Brasil. Nós fizemos a admissão, foi na minha gestão que a gente conseguiu fazer a admissão. A gente foi encontrando forças para o Sistema nos ajudar a levantar, quando as pessoas me perguntaram: “Como é que você teve a coragem de assumir a Unimed Brasília sabendo que ela estava no fundo do poço?” Eu falei: “Porque eu tenho certeza de que o fundo do poço não tem subsolo. Se nós estamos no fundo do poço, o que a gente pode fazer é subir, é melhorar. E depende de como a gente for desenvolver.” Graças a todo auxílio que Unimed do Brasil a gente foi criando forças, criando contato. Conhecendo pessoas que hoje a gente pode contar. Não que tenham injetando dinheiro, mas, colocando serviço e acreditando no nosso trabalho. Isso está fazendo a Unimed de Brasília a se recuperar e fazer parte do Sistema de uma forma tão importante como foi no passado. Quer dizer, nós chegamos a ter em 1998, 1999, mais de 100 mil usuários. Para uma cidade onde não tem indústria, não tem grandes empresas, praticamente só órgãos públicos, bancos e escritório de representação. De repente houve todo esse “tsunami”. A nossa carteira caiu, nós passamos a ser uma pequena Unimed. E isso então trouxe um grande transtorno. Hoje nós estamos nos recuperando graças ao apoio de todo o Sistema.
P/1 – Eu queria voltar só um pouquinho. O senhor falou que quando entrou era conselheiro vogal.
P/1 – O que é que é um conselheiro vogal?
R--É, porque a cooperativa, a nossa cooperativa, em Brasília, é administrada por um Conselho de Administração. Esse Conselho de Administração compõe-se de Diretoria Executiva e os conselheiros vogais. A Diretoria Executiva é o diretor-presidente, o diretor financeiro, o diretor administrativo e o diretor de mercado operacional e o socioeducativo. Então, são cinco diretores executivos e têm oito conselheiros vogais. Eles participam, eles podem votar nas decisões do Conselho de Administração, mas eles não têm o poder de decisão como têm os diretores. Então, o conselheiro vogal ele participa das reuniões, ele vota, mas, ele não assina os documentos. O Conselho Executivo é Diretoria com poder de execução.
P/1 – Certo. E o senhor continuou trabalhando como médico na sua carreira depois que o senhor assumiu?
R – Sim.
P/1 – Como é compatibilizar a carreira de médico com as atividades gerenciais na Unimed?
R – O que eu é que eu fiz? Houve uma briga muito grande, inclusive familiar, quase com “risco” de eu ir para mais um casamento. Mas, eu acho que a compreensão que houve, é importante a gente sempre ter o diálogo se a cooperativa estava ruim, o que é que eu precisava fazer? Trabalhar o máximo na cooperativa. Porque se eu conseguir resgatar, eu não vou ter prejuízo. Se eu fugir o prejuízo vai correr atrás de mim. O que eu ganhava na clínica, certamente, é mais do que a gente recebe como diretor. Só que a gente conseguiu avalizar que a credibilidade que a gente trouxe e a fase de recuperação que a gente se encontra, existe chance da gente não ter um prejuízo tão grande, que o que eu ganho a mais no dia a dia do consultório, certamente, não ia repor essa diferença. Então por isso a gente chegou à decisão de que eu tinha sim que continuar no Sistema, e não só mandato tampão. Tanto é que, agora na clínica, continuo atendendo. Isso eu acho que é uma coisa, a confiança que o cliente tem no médico, é uma coisa que a gente precisa plantar e precisa regar. Estar constantemente regando. Se a gente não fizer isso, acaba secando essa fonte. Existem vários exemplos de colegas que se dedicaram só a cargos administrativos, quando querem voltar para a atividade médica têm bastante dificuldade. O que é que eu fiz então? Porque, se eu tenho uma clínica antes de entrar para a Diretoria, a fila de espera era de dois a três meses para marcar uma consulta. Então o que é que eu fiz? Eu fiz uma carta para todos os convênios que eu atendia, dizendo que a partir daquela data, temporariamente, ia deixar de atender o convênio, só doente particular e doente do Sistema Unimed. Por quê? Porque eu não podia, como dirigente, deixar de atender o nosso usuário, então, esse tem prioridade também. Não adianta nada eu fazer um discurso bonito, lá em cima, e não tratar da base em baixo. Os outros convênios não! Com isso diminuiu bastante a minha clientela e a carga de horário que eu tenho que dedicar à clínica. Sobrou tempo suficiente para poder continuar na Direção.
P/1 – E na sua região, o senhor está agora como presidente?
P/1 – Qual o número de singulares que existe? E quais seriam, quais são as mais importantes?
R – A nossa Federação é pequena. Tanto é que nós temos a singular de Formosa, Luziânia e Brasília. Brasília, apesar de ser uma singular pequena, é a maior das três. Dentro do Sistema Unimed, é lógico que existe Unimeds com 100, 200, 600, 700 mil usuários. E cada uma tem suas particularidades. Agora, Brasília tem uma particularidade geográfica muito importante. Nós tínhamos uma carteira, quando eu assumi em 2005, tinha caído de cento e poucos, estava com 85 mil usuários. O nosso faturamento ultrapassava, estava em torno de 10, 11 milhões por mês. A nossa carteira caiu de 85 para dez mil. Então foi assim, “um tsunami”. Passou, lavou, sobrou pouca coisa. Mas, o nosso faturamento não caiu nem 50%. O nosso faturamento parou em torno de cinco a seis milhões. O quer dizer, por que isso? Porque nós tínhamos muitos usuários de custo operacional. A ANS (Agência Nacional de Saúde) mandou se desfazer desses usuários de custo operacional. Várias empresas, quando a gente começou a entrar em crise, deixaram de fazer, quebraram, rescindiram o contrato com a Unimed de Brasília. Mas, o que salva a Unimed de Brasília não é o contrato do pré-pagamento, é a prestação de serviço. Porque, como Brasília é uma cidade onde existem pessoas de todos os lugares, o nosso intercâmbio com as outras Unimeds são muito grande. Grande parte da nossa receita é das Unimeds de fora, para as quais a gente presta serviço. Isso tem mostrado uma força grande de recuperação, principalmente esse nosso relacionamento com os demais dirigentes da Unimed Brasil, o contato, o conhecer, o falar, tem mostrado, demonstrado segurança. E isso tem facilitado o retorno, da gente poder se recuperar.
P/1 – O senhor considera então que isso é uma peculiaridade da sua região?
R – É, porque veja bem, por exemplo, São Paulo existem grandes indústrias, grandes empresas. Todas empresas privadas que os contratos são fáceis de fazer, são fáceis de renovar. Quero dizer, fáceis dentro das suas limitações, respeitando as regras dos concorrentes. Agora, Brasília é uma cidade que não tem indústria. Então, os contratos com empresas grandes não existem. O serviço é público, e todo serviço público depende de documentação. E ainda um dos “tsunamis” que passou com a gente foi o problema de receber de órgão público. É conhecido, é público que um determinado Ministério não nos pagou, por vários motivos. Acho que isso não vem ao caso a gente estar mencionando. Só que a falta desse recebimento fez com que as nossas despesas, os nossos encargos, os nossos impostos fossem se acumulando até chegar o caos que chegou. O contrato público é uma coisa que a gente tem que olhar com muito cuidado. Se não fosse, por exemplo, Brasília ser uma cidade onde rodam pessoas de vários estados, de várias outras singulares, realmente não teria condição de subsistir.
P/1 – E o senhor citou a ANS. Eu não sei, acho que como o senhor começou a, pegou o cargo a ANS já tinha…O senhor sabe das mudanças que ocorreram por conta da criação da ANS?
R – É, da criação da ANS ou quando a ANS entrou na Unimed de Brasília?
P/1 – É, no caso quando entrou na Unimed de Brasília
R – Porque a ANS foi criada acho que em 1998? Mas, nós estávamos bem na fotografia nessa época.
P/2 – Estava no ___________ (?)
R – Ainda estava no _______ (?), é. Mas, quando foi 2005, essa falta de recebimento, os problemas administrativos que surgiram começaram a haver uma grande saída de médicos. Vários cooperados deixaram de atender ou começaram a colocar restrições no atendimento. Por exemplo, atendia 10, 15, falavam: “A partir de agora, eu só vou atender dois usuários.” Então os usuários da Unimed começaram a ter a falta de atendimento. Essa falta de atendimento começou a gerar muita queixa junto à ANS. E então a ANS interveio. Falou: “Vocês estão recebendo dinheiro do usuário, o que é que vocês estão fazendo que não estão prestando serviço?” É a função da ANS! Em agosto de 2005, antes de eu entrar, foi instalada a Direção Fiscal pela ANS para ver o que estava sendo feito, o que é que podia fazer, e colocar regras para a continuidade. É ruim, quando a gente houve falar: “Olha, tal empresa ou tal operadora está sob direção fiscal.” Porque a gente, como diretor, não era, mas, eu acho que a gente assume o ônus, porque a gente percebe: “Olha, eu estava errado, ou alguma coisa aconteceu de errado. E alguém tem que dizer agora o que eu tenho que fazer.” Mas, se a gente tiver a humildade de saber analisar o fato e não valorizar a nossa própria vaidade, a gente vai poder entender: existia uma operadora com uma missão. A missão da Unimed o que é que é? Trazer o trabalho para o médico cooperado. Segundo prestar um serviço de qualidade para o usuário. A partir do momento que Unimed não estava tendo esse recebimento, ela não estava pagando o cooperado. Então, ela estava perdendo cooperado. E não estava atendendo o usuário. É lógico, alguém precisa entrar no jogo e falar: “Olha, vocês precisam por uma ordem na casa ou nós vamos direcionar para não dar prejuízo para quem está dando dinheiro para vocês.” Acho que a entrada da ANS foi um marco muito importante, porque começou a nortear e determinar as ações para serem feitas pela Unimed Brasília. A partir de então diminuiu o número de cooperados, diminuiu o número de usuários e a gente foi se redimensionando. A partir de 2006, todas as queixas que foram feitas de usuários junto à ANS, todas elas, foram arquivadas por falta de argumentação, por não procederem, por não estar regidas dentro do contrato. A gente está mostrando, nós começamos a partir de janeiro de 2006, com o plano de recuperação que foi feito com a ANS, a cumprir as regras. Nós estamos prestando serviço e melhorando a qualidade e a complexidade. E agora está crescendo a nossa carteira, ou seja, a gente começou a se recuperar a partir de então.
P/1 – O senhor falou que são três singulares?
R – São três singulares.
P/1 – E todas elas, quando o senhor entrou, já existiam?
R – Todas elas já existiam.
P/1 – O senhor não passou por fase de implantação de singular, nada?
R – Não, não.
P/2 – Qual é a data de formação da Unimed de Brasília?
R – 26 de março de 1978. A Unimed de Brasília começou em 26 de março de 1978, em uma reunião em uma Escola Classe feita com 77 médicos, que resolveram criar e foram orientados pelo Doutor Amaury Barbosa. Que foi, depois, eleito presidente, e foi presidente por vários anos seguidos. O Doutor Djalma Chastinet também.
P/1 – Esse hospital que o senhor falou que é o primeiro hospital da Unimed. Em que ano isso aconteceu?
R – Então, Brasília, eu gosto de falar de Brasília porque eu fiquei apaixonado pela forma que a gente vive, e por coisas que a gente ouvia. Uma vez eu vi um repórter falar que Brasília era uma Ilha da Fantasia. Era Ilha da Fantasia, porque as pessoas sonhavam! As decisões saíam de lá. E deu um cunho político talvez até pernicioso para a cidade, porque a cidade não é feita só de político. Quem mora lá sabe que os políticos são a minoria. Só que, infelizmente, eles tomam a decisão e então não vamos entrar no mérito da coisa. Mas, Brasília é uma ilha sim! Porque a primeira cidade mais próxima de Brasília, que tem um serviço médico, podemos pensar dentro da área médica, de assistência médica de saúde... A cidade mais perto que tem de Brasília é Goiânia. Goiânia fica a uns 200 quilômetros de distância. A segunda cidade, também de médio porte, é Catalão. São 340. Ou Paracatu, que são 200 e, quase 300 quilômetros. Então, Brasília, é uma cidade que está realmente isolada. O Distrito Federal é cercado de Goiás por todos os lados. É a única unidade da Federação que é dentro de um outro estado. Então é muito pequeno, mas é uma ilha. Então, por exemplo, aqui em São Paulo, se os médicos de São Bernardo fizerem greve os doentes podem ir para São Caetano, para Santo André, para São Paulo. Andam dez, quinze quilômetros e têm assistência médica. Lá não, qualquer um tem que rodar mais de 200, 300 quilômetros para encontrar. Essa é uma particularidade importante do Sistema Médico. E o que é que aconteceu? Existia a rede pública de um lado, e do outro os hospitais privados de medicina de grupo, cujo objetivo é ganhar dinheiro através da assistência e do trabalho médico como empregado. O médico é considerado empregado. Todas essas empresas tratam assim. Recentemente, um hospital demitiu todos os radiologistas do serviço, porque ia contratar novos radiologistas por preço inferior. Quer dizer, sem valorizar qualidade, trabalho, respeito. Quero dizer, todo aquele vínculo de atendimento, de humanismo que está relacionado, que está intrínseco no trabalho médico, isso deixou de existir. É uma questão de negócio! Para o negócio dar lucro não pode ser assim... Quem não está no esquema sai. O sistema de cooperativa é um, o cooperativismo médico, é uma coisa muito importante porque é o médico a gerir o seu trabalho, para ter um custo mais barato e para poder ter uma qualidade melhor. Quando se criou a Unimed, a Unimed não tinha rede própria, para internar os usuários, tanto é que essa cooperativa com 77 médicos, a primeira carteira tinha 15 usuários. É interessante falar, mas eram só 15 usuários!
P/1 – Mais médicos do que usuários.
R – Não, os médicos também não eram usuários. Não tinham nem plano médico ainda. Os usuários eram funcionários da General Motors (GM), da Purina e da Puritas. Essas três empresas que tinham um contrato. Levou mais de quatro meses para conseguir um contrato com o Ministério do Exército que seria uma coisa fantástica. Aquilo foi uma bola, foi um transtorno até se conseguir resolver. Mas, para poder internar, para poder dar assistência hospitalar para esses usuários, os hospitais que eram detentores dos leitos, colocavam o preço que queriam e falavam: “Bom, ou você interna no meu hospital ou você manda o seu doente viajar com família, com tudo, para Goiânia, para Catalão, para Belo Horizonte.” A coisa ficava complicada! Tanto é que na época de 1978, 1980, quando foi criada a Unimed, só se falava em medicina de Brasília só se referia ao Hospital de Base. Ninguém… não se falava mais nada! Foi um sistema muito bem-feito, que foi bolado para Brasília, que tem suas particularidades, que não cabe aqui. Mas então o que é que o Doutor Amauri teve a visão para poder viabilizar? Porque estava fadado aos vários médicos que não eram valorizados pelos donos de casa de saúde, estavam fadados a fechar. Porque não conseguiam pagar os custos das internações. Então ele estipulava: “O preço é tal. Ou você me paga isso ou não interno o seu doente.” Você está com uma gestante, está entrando em trabalho de parto, não pode falar: “Espera dois meses para eu resolver. Espera um, dois dias que eu vou resolver.” Não! Tem que ser naquela hora e pronto. A chance de fechar, e os outros planos de medicina de grupo também trabalhando contra… então, qual visão que o Amaury teve? Junto com esses 77 médicos em 1983, no primeiro de janeiro de 1983, eles inauguraram o primeiro hospital da rede própria da Unimed. Eu acredito pelo que conta a história, e pelo que a gente lê, foi o primeiro em todo o Sistema Unimed no Brasil a ter hospital próprio, a criar a rede própria para poder atender. Assim, eu posso avaliar o custo do tratamento, o custo operacional, o quê eu quero dar de margem de lucro para o meu cooperado. Posso estabelecer valores muito abaixo daqueles que as outras empresas prestam. Com esta diferença, prestando um serviço bom, por um preço mais baixo, a Unimed, a partir de 1983, foi crescendo bastante. Até chegar em 1998, 1999, com uma carteira de mais de 90, mais de 100 mil usuários. E com mais de 600 médicos cooperados.
P/1 – O que é que o senhor considera o principal desafio que o senhor enfrentou na Unimed?
R – O meu principal desafio, acho que foi isso uma característica particular que eu tenho e que eu não estou mostrando aqui, porque a minha característica particular é ouvir e não falar. E até agora eu só falei. Mas, é que, quando o Doutor Sweden saiu da Presidência, ele renunciou ao cargo em caráter irrevogável, criou um tumulto e uma insegurança muito grande em um barco que estava meio afundando. E nesse tumulto de pessoas querendo pular do barco, os outros que estão dentro querendo gritar, todo mundo querendo dar ordem, todo mundo se julgando dono da verdade. Eu acho que a minha característica de ser uma pessoa que gosta de ouvir, que analisa, que pondera cada caso. Eu vou ouvir os dois lados, para depois tomar a decisão. Eu consegui uma grande coisa que foi acalmar a briga política. As disputas de cargo, as disputas de ambição, as vaidades pessoais, a gente conseguiu pouco a pouco dirimindo. E a segunda coisa que foi um desafio foi convencer o cooperado, que o médico, pode ser um bom médico, mas ele não é Deus. O médico não é omnisciente. O médico tem os seus valores e cada um no seu lugar. Então, com isso, eu posso ser um excelente urologista, um excelente médico, um excelente assistencialista. Mas, eu não sou um administrador! Eu preciso ter um bom administrador, tenho que cobrar do administrador os resultados. Não querer ditar as ordens para o administrador fazer, que era o que o meu antecessor fazia. Ele tinha um conhecimento administrativo muito maior que o meu, mas, não o suficiente para gerir de uma forma que precisava no momento. As intrigas, as vaidades de outros e as discórdias criavam tanto atrito que a assistência ao usuário começou a cair. A partir do momento que a gente começou a ter um corpo administrativo efetivo, realizando ações positivas, mostrando lucro e o melhor resultado que a gente tem. No ano de 2006, todo cooperado recebeu os 12 meses em dia. Se houve atraso foi assim: pagamento marcado para sair dia 25, saiu dia 26, dia 28, mas, nunca ultrapassou a uma semana de atraso. Comparado com o ano de 2005, quando dos 12 meses só três meses o cooperado recebeu. Isso mostra, realmente, que essa forma de administrar é uma forma que está mostrando uma saída.
P/1 – O senhor considera que essa é a sua melhor realização até agora?
R – É, uma delas é essa. A outra foi o relacionamento com as pessoas. Porque o fato de a gente ter migrado para a Unimed do Brasil, o relacionamento com cada um dos dirigentes, com os vários diretores de cooperativas de outras singulares, traz um relacionamento e credibilidade que influência diretamente no resultado da nossa singular.
P/1 – Doutor Miletto, a educação é vista no cooperativismo como um dos princípios básicos. Como que o senhor avalia essa questão na sua região, a princípio, e depois dentro do Sistema Unimed?
R – Da educação?
P/1 – É, até o senhor colocou no começo que: “se fosse falado no começo que a gente é dono”, ....
R – Exato. É, porque eu acho que a gente precisa retornar, voltar um pouquinho no tempo na escola médica. Se cria dentro das escolas médicas, primeiro: o médico não pode fazer propaganda do que faz. Por quê? Se eu vendo um pão, se eu vendo uma pizza, se eu sirvo uma sopa, se eu tenho uma casa de lazer eu faço propaganda. Por que é que o médico não pode fazer propaganda? É uma área muito delicada. Até onde a propaganda é ética e onde ela ilude o cliente? Mas, qualquer propaganda que não cumprir com aquilo que promete, também é uma propaganda não ética. Então a primeira coisa é isso. O médico não está acostumado a fazer propaganda daquilo que faz. Ele sai da faculdade, com um conhecimento técnico muito grande e não saber aplicar como desenvolver e subsistir. A segunda coisa, não se fala em nenhum instante nas escolas médicas sobre administração. O que é administrar um consultório, o que é que é administrar. Eu tenho a impressão de que grande parte dos médicos, seu primeiro curso de administração é quando vão administrar a própria casa. Só que existe uma diferença muito grande… na casa, você trabalha com duas cabeças para gerir, duas ou três cabeças. Agora, quando você tem um consultório, uma clínica, ou quando você entra em um hospital para ser empregado, tem hora que você passa a ser empregado e ser explorado como aconteceu muito, e acontece em Brasília. Ou você não tem cliente, e tem que fazer alguma coisa para angariar, para aumentar o seu número de clientes. Então, vem uma corrida desvairada entre você ser dono e você ser empregado, as linhas são muito tênues.
Quando o médico é recebido por uma cooperativa cujo objetivo é trazer o trabalho para ele, ele não acredita que isso exista. Ele começa a trabalhar assim: “Não, eu tenho que ganhar o máximo, faturar o máximo, quanto mais exame eu pedir, quanto mais eu operar, quanto mais eu produzir mais eu vou ser beneficiado.” Essa noção que ele não tem. Hoje, as cooperativas têm, a nossa, nós estamos trabalhando para ter cursos antes. Inclusive existem algumas cooperativas, e nós vamos começar a implantar isso, um período de teste, quero dizer: o cooperado provisório. Ele entra, vai ter que fazer o curso, ter que ter conhecimento, educação para saber, e depois receber o certificado de cooperado definitivo. Dentro do que a lei permitir, é lógico. Outra coisa que, talvez, a gente esquece que existe a lei. Às vezes, algumas leis são danosas para o nosso negócio, mas a gente não pode andar à margem da lei, tem que trabalhar, então, para mudar a lei para poder adequar à estrutura. Para isso, é necessário estar continuamente tendo educação. O que é que é o ato, o que é que a gente está fazendo, qual é a responsabilidade, qual é a lei que rege. Para poder fazer a coisa e sempre estar nos trilhos.
P/1 – Doutor Miletto, durante essa sua trajetória na Unimed, que não é muito longa, mas que o senhor já está um tempinho, alguma coisa mudou, que foi importante, alguma mudança significativa? Dentro do sistema.
R – Eu gosto de frisar bastante que um fato que marcou bastante a mudança para mim e para a nossa cooperativa é o fato de conhecer pessoas. E a gente pode voltar naquilo que a gente começou na época que eu estava me formando: valorizar o trabalho das pessoas por aquilo que elas fazem e não os bens materiais que existem no sistema. Isso marcou o começo da minha carreira como médico, marcou a minha mudança para Brasília, eu saí de um hospital de alta tecnologia para trabalhar em um hospital de periferia. No Sistema Unimed, eu lembro que, quando passei a ser diretor administrativo, no começo de outubro, dia 12 de outubro de 2005 ocorreu a primeira, a Convenção Nacional das Unimeds em Foz do Iguaçu. E, ao mesmo tempo, no mesmo dia 12, houve um evento da Unimed Norte-Nordeste em Fortaleza. Dois diretores nossos, o presidente e a diretora socioeducativa foram para Foz do Iguaçu, e dois diretores foram para Fortaleza nesse evento, que inclusive se comentou, na época, que ia haver uma transmissão simultânea, se tentou fazer uma unificação nacional, universal do Sistema Unimed, que não ocorreu. Eu me lembro, na primeira quarta-feira após esse evento, após o dia 12 de outubro, quando os diretores voltaram. Eu falei: “Graças a Deus não sou eu que fui.” Porque eu não sabia o que falar, o que fazer em um evento. O que é que eu vou fazer fora de Brasília? E isso me martelou por muito tempo e, de repente, quando eu passei a ser presidente, eu tive que começar a sair e conversar, e ouvir as pessoas. E acho que isso marcou muito, o contato com as pessoas. O ouvir, o falar, e talvez, fazendo uma retrospectiva, os diálogos deviam ser diferentes. Eu comecei a encontrar pessoas da época em que trabalhei no Einstein, da direção. Da época que eu trabalhei, da época de faculdade… espalhados em vários lugares onde tinha Unimed. O meu relacionamento começou a ser muito pessoal, além de profissional. Quero dizer, o relacionamento foi muito bom. E isso trouxe uma força muito grande como eu já falei, em termos de recuperação. O que valeu foi o contato humano! A atividade das pessoas como profissionais, e não a tecnologia, não foram grandes contratos, não foram grandes resoluções administrativas que a gente fez. Foi o contato pessoal e a credibilidade das pessoas com quem a gente tem tido contato e o bom relacionamento. Às vezes, com problemas, com dificuldades, deve para este, paga para aquele. Tem que receber daquele que não nos paga. Mas, isso são particularidades de todo o sistema. O importante foi o conversar, o dialogar, e procurar manter – isso é uma coisa que eu faço questão de mostrar – que o compromisso da Unimed é primeiro trazer o trabalho para o cooperado de uma forma com qualidade e com recursos por um custo barato, e poder oferecer um serviço para o usuário de qualidade. Esses dois fatores são os que têm que nortear a gente e, às vezes, a gente precisa lapidar um pouco as vaidades de um e de outro para poder ter isso como meta. Por quê? A gente tendo isso como meta e sendo um objetivo único, nacional, uma capilaridade muito grande nós vamos continuar sendo o primeiro sistema, o primeiro operador de saúde do país, muito longe do segundo e terceiro colocados. À medida que se criar animosidades, se criar um sistema de autofagia, então a chance de a gente cair é grande. Haja vista o que aconteceu com a Varig, que era uma empresa lá em cima, que nem queria saber do segundo colocado, em poucos anos é o que é hoje. E outras tantas, que foram marcas assim fantásticas que a gente pode ter.
P/1 – O senhor falou nesse seu relacionamento com os colegas de trabalho, tem alguém assim especial que o senhor queira citar?
R – Tem. Eu acho que a Unimed do Brasil na pessoa do Doutor Celso Barros nos deu muito apoio. A Fundação CEU (?) também nos deu muito apoio, principalmente nas negociações com a ANS, aonde eles intercederam. Foram assim um “facilitador” muito grande para as nossas conversas, e a gente tentar chegar nos acordos e deixar, tornar viável a nossa atuação.
P/1 – Na sua opinião o que é que a Unimed representa para os funcionários, tanto no passado como atualmente?
R – Olha, depende. Eu acho que a gente precisa separar é difícil falar. Para a Unimed como o Sistema Unimed é uma coisa. O que a gente procura fazer na nossa? Eu acho que, voltando de novo no valor humano, a gente tem que, qualquer funcionário de qualquer empresa vive muito mais no trabalho do que em casa, com a família. Então nós precisamos transformar o ambiente de trabalho em um lugar agradável, prazeroso. Como consequência de um trabalho bem-feito, nós vamos ter o nosso lucro, a nossa lucratividade, o nosso rendimento. Eu acho que o objetivo da nossa Unimed é fazer com que o nosso funcionário julgue que ele também é parte dono do negócio. Ele não recebe um pró-labore, recebe seu salário por questões legais, por questões trabalhistas. Mas, é importante que a gente o faça sentir que o nome “Unimed” é um nome para ele se orgulhar, e o que ele fizer bem-feito vai resultar em um bom resultado. Existe uma coisa interessante: quem primeiro lançou um foguete no espaço foi a Rússia. Isso nos idos de 1960, 1960 e poucos. E o John Kennedy, que foi presidente por pouco tempo, falou: “A nossa missão é mandar o primeiro homem à Lua, na próxima década, mandar o primeiro homem.” Aí que surgiu, nessa época, o termo missão das empresas. O que é que é missão? Qual é o objetivo? O que é que a gente pensa? Então, foi nessa fase, quando se conversava com funcionários da Nasa (National Aeronautics and Space Administration ou Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), quando se chegava para um copeiro: “Qual é a sua função aqui?” “A minha função é mandar o homem para a Lua.” Não era servir café. Então, o funcionário da Unimed, o faxineiro que lava um banheiro, o funcionário da manutenção que troca a lâmpada, que troca um fio, que troca o encanamento, que instala um aparelho, a função dele não é instalar aparelho. A função dele é prestar um serviço de qualidade para um doente, para um usuário. Então esse é o objetivo que a gente tenta difundir. Por quê? Porque à medida que ele se orgulhar do que ele faz, ele vai fazer bem-feito. E quanto mais bem-feito, melhor vai ser o resultado final que a gente vai ter. Vale a história da missão do John Kennedy que hoje é tão falado. Todo mundo fala missão… Missão, mas poucos sabem que a missão começou com a ida à Lua.
P/1 – E projetos de responsabilidade social na sua região?
R – Nós temos, o trabalho curso de gestante, fantástico. Ele é administrado por obstetras, psicólogos, fisioterapeutas, professor de educação física e enfermagem.
É dado aula para o casal, curso pré-natal. Depois existe um acompanhamento, uma programação para fazer um acompanhamento nos primeiros meses. Por quê? Principalmente, quando nasce o primeiro, o segundo filho, são pessoas onde a experiência é muito pequena. É esse suporte! Não é só amamentar, não é só dar a comida. A gente precisa procurar o ambiente que a pessoa vive, a forma que vive e as influências que sofre. Como eu falei, a própria televisão é uma coisa que pode trazer muita coisa boa. Mas, às vezes, a gente vê trazer muita coisa danosa para o desenvolvimento de uma criança quando hoje a gente divulga violência, gravidade, e agressões, como tem programas que passam em horários onde só criança assiste. E onde é enaltecida a violência. “Olha que bonito, repórter correndo atrás de um bandido, vendo dar tiro.” Para que isso? Tem tanta coisa mais produtiva para se difundir.
P/1 – O senhor teria assim, algum caso pitoresco para nos contar, que aconteceu ao longo desses anos?
R – Na Unimed ou no exercício da profissão?
P/1 – Na Unimed, primeiro.
R – Porque ao longo desses anos eu tenho, dezembro, 13 meses só de diretor. Então…
P/1 –Vamos passar para a sua carreira de Medicina.
R – Tem algumas coisas que eu acho que conseguir apaziguar os ânimos, assim, brigas. Houve reuniões onde teve cooperado que a impressão que a gente teve que ele ia pegar uma arma para agredir o outro. Começou a abrir a bolsa nervoso, agitado e, para a gente conseguir ter calma e controlar é uma coisa muito marcante, onde você consegue tranquilizar e acalmar um ânimo tão exaltado. Eu acho que uma coisa marcante que a gente fez, nós tínhamos três hospitais. Isso é marcante, porque é negativo. Quando a ANS nos impôs as regras, nós tínhamos 1050, 1100 funcionários. E eles falaram: “Vocês têm que até o final do ano reduzir em 40% a folha de pagamento.” Reduzir 40% é você mandar 400 pessoas embora. Foi a primeira vez que eu participei de uma reunião como diretor administrativo, foi em uma assembleia, onde estavam os funcionários que estavam para ser demitidos, no Sindicato dos Hospitais, enfermeiros, eu e os meus recursos humanos. Foi uma coisa muito interessante. Porque a gente conseguiu fazer uma reunião pacífica. Nós criamos regras para o jogo. Nós não tínhamos dinheiro para pagar essas demissões. Se fosse pagar essas demissões ia fechar, porque não tinha dinheiro para pagar mais ninguém! Isso gerou um passivo muito grande, e nós fomos negociar junto com os funcionários em assembleia, com o sindicato. Fomos ao Ministério Público e criamos as regras do jogo: parcelar todas as rescisões, que nenhum funcionário iria receber um valor menor do que era o salário dele. Se ele tinha, vamos dizer, o equivalente a dois anos de trabalho, ele vai receber no máximo em 18 meses aquilo. Ou em dez vezes, enfim. Ele ia continuar recebendo sem estar trabalhando por mais algum tempo. Isso foi muito bom. O Ministério concordou, e agora recente, depois de um ano, em outubro agora, novembro de 2006 nós fomos ao Ministério. Das 400 demissões não houve um processo, não houve uma insatisfação. Então foi uma coisa onde se deixou 400 pessoas sem emprego, com os seus dependentes também sem como receber. Isso do ponto de vista humano, de relações humanas, de tudo isso que a gente está falando para trás de repente você quebra isso. Mas, você vê que não houve insatisfação suficiente para gerar uma demanda, ou próprio Ministério Público ser contra. Tanto é que na audiência, final, quando o promotor falou: “Bom, então - ditando o texto – foi resolvido o conflito.” O advogado nosso falou: “Que conflito?” Ele falou: "É mesmo, não teve conflito. Foi resolvido o acordo." Até ele falou: “Puxa, mas eu nunca ouvi tanta demissão…” E a gente conseguiu cumprir a risca. De um milhão 300 e pouco que era o passivo trabalhista, atualmente, faltam só dois ou três mil reais para fechar. Sem queixa! Eu acho que isso é uma coisa marcante. É negativa pelo início, porém, acho que o final foi bonito, do ponto de vista de qualidade de relação com as pessoas.
P/1 – E na sua carreira de Medicina? Quais os fatos mais marcantes?
R – Tem bastante. O primeiro fato interessante foi essa da indicação do meu QI, “Quem Indicou” para entrar no Einstein. Isso foi uma coisa marcante pela forma que eu entrei. Pela forma que deu continuidade e desenvolvimento. É interessante que eu ainda hoje, esses meses, infelizmente, meus pais às vezes precisam usar do hospital. E quando eles internam de vez em quando tem algum funcionário: “Ah, o senhor é pai do Doutor Miletto.” Então quer dizer, foi uma coisa que marcou. Isso faz 16 anos que eu saí do hospital. É uma coisa que traz um grande valor. Quando comecei a fazer a Litotripsia, quero dizer, quando eu tive o infarto – tive o infarto no meio de uma cirurgia. Eu estava atuando como médico, tive o infarto, desci para a UTI. Fui tratado, medicado a tempo e o hospital valorizou em me tratar. Deu todo o suporte e falou: “E você, pela sua atividade, pela sua forma de estar aqui, você vai ser o responsável.” Eu tive uma doença, uma limitação, e essa limitação foi suficiente para eu ser promovido, em vez de ser rebaixado. Ou falar: “Não, ele está ruim troca, não serve, e põe outro.” Porque seria natural dentro de uma empresa aonde o objetivo é comercial. Mas, lá não! Me colocaram em um lugar de destaque. A litotripsia, o que é que é a litotripsia que a gente está falando porque conhece? A litotripsia é: lito do grego é pedra, e tripsia é triturar, é “quebrar pedra”. E pode quebrar pedra do rim, quebrar pedra da vesícula, quebrar cálculos onde ele estiver... Foi instalado no Einstein, o primeiro ou segundo aparelho no Brasil. Eu fiquei responsável por esse serviço. Como era único e tinha gente que vinha de todos os lugares para trazer os seus doentes, ou os doentes vinham procurar o hospital, então, o que acontecia? Eu comecei a conhecer médicos de norte a sul, de leste a oeste, e ter relacionamentos. Eu dizia: “Olha, está indo doente, está voltando. Quando chega?” O relacionamento humano, a atividade ligada ao contato humano mais uma vez mostrou que é muito importante. E isso hoje facilita muitas vezes dentro do Sistema Unimed, encontro pessoas daquela época que a gente já tinha uma ligação, um grau de confiança muito grande. E isso foi um fator facilitador.
P/1 – Doutor Miletto, qual o seu estado civil?
R – Eu me vi no estado casado.
P/1 – Qual o nome da sua esposa?
R – Margarida, que é nome de uma flor, mas ela quer ser chamada de Guida. E não é Guida Guevara.
P/1 – E como o senhor a conheceu?
R – É um outro fato pitoresco. Esse é um outro fato pitoresco. Como eu trabalhava no Einstein até 1991, conheci muitos diretores de empresa. Inclusive viajei através de uma empresa para conhecer aparelhos de litotripsia na França, na Irlanda, na Inglaterra etc. E conheci o presidente da GE (General Electric) Ultrasound nessa época. Passou, isso foi 1991. Em 1993 e fui para Brasília, quando foi em 2000, eu resolvi colocar um aparelho de ultrassom na minha clínica. Chamei o representante regional, o representante foi lá. Fizemos o contrato, ele falou: “Olha, vamos fazer o cheque, você faz o cheque, faz o depósito. Como o aparelho é nacionalizado em menos de 30 dias o aparelho vai estar aqui.” Falei: “Fantástico!” Arrumei, programei tudo certinho. Passou uma semana nada, duas semanas nada, três semanas nem sinal. Eu falei: “E agora, o que aconteceu?” O representante disse: “Olha, Doutor Miletto, fiz uma coisa que é uma confusão. Eu falei para o senhor que eu ia facilitar tudo, levei o cheque para fazer o depósito na conta da GE. Só que no nome do depositante eu coloquei o meu e não o da sua clínica. E pronto... A GE agora não quer mandar o aparelho.” Eu falei: “Mas, é lógico. Eles vão mandar o aparelho para você. E você não vai usar o aparelho. Como é que eles podem receber o cheque de A e fazer a fatura para B?” Eu fiquei danado, peguei o telefone. Eu falei: "Ah, conheço o presidente, vou ligar lá para o presidente." Catei o telefone: "Quero falar com o Doutor Edson Lopes, presidente da GE Ultrasound." "Quem quer falar?" “Doutor Miletto de Brasília.” E já, os adjetivos, não preciso falar porque a gravação não permite. Ele não estava, deixou recado. A secretária atendeu. Quando chego, ele falou que tinha uma diretora regional do Centro-Oeste para atender a venda de aparelhos para o Centro-Oeste. “Olha, você liga para Brasília que tem um médico que está espumando...” Ela ligou, era a Guida. Eu estava separado, sozinho e tal. Na conversa, explica. Ele falou: “Amansa o homem!” E fui amansando tanto que quando eles entregaram o aparelho... Já estava apaixonado.... Já veio como garantia a diretora da GE! Ela pediu demissão e a gente resolveu casar-se. Foi interessante, porque, nessa fase, a gente mostra como é reconstruir as coisas. Você tem um trauma, uma separação, uma coisa que machuca. Eu estava sem viver com os filhos que já estavam morando com a mulher aqui em São Paulo, desde a minha separação em 1991. Quando eu resolvi casar com a Guida, ela falou: “A partir de janeiro de 2001 - já estava terminando o ano de 2000 – saio da GE e a gente vai morar junto. Vamos casar, certo, tal.” Nesse meio tempo, meus filhos falaram que queriam ir para lá. E eles já grandes, com 18 e 22 anos. Um para fazer o cursinho e o outro para entrar, na faculdade. “Queremos ir morar lá.” Falei: “Pronto! Agora o que é que eu vou, fazer?” Começamos a vida de novo, em um verdadeiro “Big Brother”. ______ (?) começou uma fase de adoção. Da minha mulher para adotar dois adolescentes no final da adolescência, dois adultos jovens. E a gente conseguiu conviver muito bem. Tanto é que agora, essa semana, a gente está adotando mais dois filhos para aumentar a família. E mostrar que o relacionamento humano é uma coisa muito boa e aquilo dá prazer e força para a gente.
P/1 – Então agora o senhor vai ter, quatro filhos?
R – Agora são quatro filhos. É um marco agora por esses dias.
P/2 – Como é o nome das crianças?
R – Valeriana e Flávio. Os dois filhos são Bruno e Enrico, são os dois filhos. E tem uma neta.
P/2 – Ah, tem uma neta?
R – Tem uma neta também, de três anos. Então eu acho que isso é bom. Porque, quando a gente recomeça, alguém lá em cima fala: “Toma força.”
P/1 – É verdade.
R – Eu tive infarto com 36 anos. Quando tive infarto, falei: “Olha, daqui para, será que eu nunca mais vou poder fazer isso, não vou fazer mais aquilo?” Olha, quando eu esqueci que eu tive infarto, e resolvi fazer as coisas com regra, com critérios, parece que eu tenho, eu vou ganhando forças. Que meu filho diz que uma das coisas que ele admira muito em mim, e isso antes de eu entrar no Sistema Unimed, é que eu acabava de resolver uma confusão, em vez de eu ficar tranquilo, eu sempre entrava em uma outra confusão para poder viver. Eu acho que isso é uma coisa que traz muita riqueza para a gente.
P/1 – E na hora de lazer, o que é que o senhor gosta mais de fazer?
R – Não gosto de ficar em casa. Então, eu gosto muito de nadar. Vou nadar, vou esquiar. Gosto de esquiar na água. Gosto de pular de paraquedas, gosto de andar de asa delta.
P/2 – Esportes radicais?
R – Coisas que o meu pessoal fala que eu sou meio, “faltam alguns parafusos na cabeça”.
P/1 – Vamos partir para uma avaliação final? Como o senhor vê a atuação da Unimed no Brasil?
R – Bom, eu acho que a gente tem que ser regido por regras, por princípios. Porque a atuação da Unimed no Brasil eu acho que ela é uma solução para o Sistema de Saúde. E por ser uma solução, por que é que é uma solução para o sistema de saúde? Porque ela visa dar trabalho para o profissional médico de uma forma digna. E tem por missão também, por obrigação, dar assistência médica para o usuário de uma forma com qualidade. E isso é possível desde que a gente tire o lucro do atravessador, vamos dizer assim. Do empresário que tem uma medicina de grupo, do empresário que quer ver a saúde como um negócio para dar lucro e não para dar assistência à saúde. O que é que a gente vê: assim, o plantador, um pouquinho para a gente fazer uma analogia interessante. O plantador de tomate, o plantador de cebola, o granjeiro, o horticultor ele se mata de trabalhar de sol a sol, com chuva, etc., e o lucro dele é pequenininho. Quando a gente vai comprar um produto industrializado, paga caríssimo. Quando a gente vai comprar, lá em Brasília, a verdura é muito cara. Na região Norte, Nordeste, eu lembro quando meu irmão se casou em 1982, em 1981, em Salvador, não se conhecia alface, verdura, couve. Nada! Quero dizer, eles mal e mal sabiam o que era tomate, cebola, porque o resto era só, ou chegava podre ou não chegava. Então não existe o hábito das pessoas conhecerem. Por quê? Porque o lucro ficava com o atravessador. O cara que transporta, que ganha, que compra aqui que leva lá, ou o que investe em fazer isso é o que tem o lucro. E na medicina não é diferente. Aquele que se senta atrás de uma cadeira, que contrata um médico, que põe um aparelho e chama um doente, ele recebe bastante desse doente. Ele paga pouco para esse. E ele fica com o lucro. E o Sistema Unimed visa quebrar esse paradigma. Ele quebra esse tipo de empresa, de negócio. Mostrando o quê? Que o médico pode gerir o seu negócio, que o médico precisa saber administrar. E ele vai ter lucro se ele trabalhar bem e fazendo com a mesma qualidade. Com essa mentalidade de prestar assistência, dar serviço para o médico e prestar assistência médica, e isso se difundindo em nível nacional a Unimed consegue ter uma capilaridade como ninguém consegue ter. A Unimed existe em todos os cantos do país. Quer seja grande, quer seja pequena, mas, o usuário que sai lá de Manaus ele pode ser atendido aqui em São Paulo. Quem sai do Chuí pode ser atendido lá no Centro-Oeste, lá em Corumbá com a mesma qualidade, com a mesma dedicação. Por quê? Porque a mentalidade é atender bem o usuário. Então, esse objetivo da Unimed de tirar o atravessador do serviço de saúde é muito promissor. Por quê? Infelizmente, se a gente for ver na Constituição Brasileira diz lá: "É dever do Estado manter a saúde e a educação do povo. Só… “E a segurança.” Parece que esses três dedos tiraram. A gente vê a segurança cada vez mais comprometida. Por quê? Por que existe fábrica de bandido? Existe. Essa adoção que eu estou fazendo é por isso. À medida que a gente consegue resgatar as pessoas, a gente consegue educar a criança, a gente tira o delinquente da rua. A gente começa, pode ter a oportunidade de dar, a gente tem a oportunidade de resgatar, de dar orientação e tirar a criança do consumismo. Imagina essas crianças que eu estou adotando. Eles estão em um abrigo com 12, 11 anos. Quando eles completarem 18 eles saem do abrigo e… não tiveram uma educação, não tiveram uma instrução e vão entrar em um mercado de consumo. Onde se mostra quem tem um tênis “Nike” vale mais do que quem tem um “Bamba”, quem tem um relógio, quem tem uma caneta “Mont Blanc” vale mais do que quem tem uma caneta “Park.” Quer dizer, onde estimula o consumismo, onde a pessoa, a obrigação é a pessoa ter. O valor está no que a pessoa tem, e não no que a pessoa é. Eu acho que essa adoção é uma coisa importante, que a gente tem que fazer para poder orientar as pessoas a fazerem isso. E a gente consegue como? Através de prestar um serviço amplo, quero dizer, visando a segurança, a saúde e a educação. Se na educação a pessoa não tem esse estímulo, não tem essa orientação quando ele passa essa fase, ele passa a ser consumidor e ter força, ou ele consegue por bem ou ele consegue por mal, e vira bandido. Isso gera a violência, gera a promiscuidade, vira um círculo vicioso. A gente não consegue nem fazer campanhas de controle de natalidade, as pessoas começam a se multiplicar. Como é que você pode orientar as pessoas, dar educação e saúde, onde tudo cresce de forma desordenada. É como o câncer. O câncer são células que se multiplicam de forma desordenada. Quem controla depois quando o câncer está grande? Ninguém segura! Então a sociedade é exatamente isso. Nós precisamos, como o governo não dá uma assistência à saúde como deve, a solução é uma cooperativa onde quem dá tem o compromisso de manter o negócio. Quem dá tem que ter a responsabilidade na qualidade, tem que ser o dono, não pode ser o empresário. Porque o empresário hoje, a gente vê que em algumas operadoras são assim, e lá em Brasília nós temos vários exemplos, a operadora vem, ganha o lucro, faz o rolo, deve para todo mundo e sai. A Interclínicas, que era aqui em São Paulo muito grande, foi para Brasília, deu cano em todo mundo. Fechou, está cheio de gente. Mas, vai ver se os responsáveis estão passando fome…os responsáveis estão preocupados com aqueles que pagaram, que tiveram plano de saúde, e que ficaram desassistidos. Não têm compromisso nenhum. Por quê? Porque era um grupo, era uma empresa apesar de ser gerida por médicos, mas, era uma empresa privada, uma medicina de grupo. Onde o objetivo é o lucro, não é trabalho de qualidade, não é assistência adequada, que são os objetivos da Unimed. Eu acho que a representação social da Unimed, é muito grande. Por isso a Unimed tem a marca, tem a força que ela tem, porque ela consegue chegar nessa situação. Ela vai solucionar problemas que seriam do Estado ou não, enfim. Ela é uma forma de complementar, da gente ter uma perspectiva de uma vida melhor, com saúde.
P/1 – O senhor considera que esse é o diferencial da Unimed em relação aos outros planos de saúde?
R – É, ser uma cooperativa. O trabalho do cooperativista é uma coisa, é uma nova via de empresa. É uma nova mentalidade. Onde a gente tira o atravessador do negócio. Então, eu acho que esse é o diferencial. Você pode ter um lucro tão grande quanto, sem desvios, sem sacrificar aqueles que estão trabalhando junto, os colaboradores. A gente não costuma nem falar empregado. Em Brasília, é interessante, porque eles têm receio em falar: “Este é meu empregado.” Os empregados da Unimed. Não é usual falar funcionário. Funcionário é o funcionário público. Nós encontramos um meio termo. Não falar, nem empregado, nem funcionário: é o colaborador. E de fato, ele tem que ser entendido como colaborador. Porque é ele quem colabora para o negócio dar certo. Sem ele, não adianta ser o melhor administrador, não adianta eu ser o melhor presidente do Sistema Unimed, se eu não tiver um bom, um bom faxineiro, que fala: “A minha missão aqui é curar um doente.” Quero dizer, ele tem que curar o doente, como eu tenho que curar o doente como diretor, como o médico assistencialista tem que curar. Todos têm que curar o doente. Então eu acho que é essa a mentalidade que a gente tem que difundir, e o diferencial é ser gerida por médicos de um negócio que é dos médicos.
P/1 – E como o senhor acha que a sociedade vê o Sistema Unimed?
R – Eu acho que a sociedade, primeiro o que a gente vê, que é divulgado, nas revistas, em dados, em pesquisas. É uma empresa de saúde que tem o maior índice de conhecimento quando se fala em planos de saúde. É a primeira marca que vem à cabeça. Em níveis de satisfação, também já foi feito vários trabalhos, várias pesquisas e mostra que a satisfação com o Sistema Unimed é muito grande. De uma forma geral, eu acho que hoje a população vê a Unimed como uma forma de ter uma assistência médica de boa qualidade, que traz benefício. Tanto é que, algumas cidades que eu conheço assim... Campinas, Bauru, Ribeirão, dentro do estado de São Paulo, e que tenho mais contato com usuários do que com dirigentes, a satisfação é muito grande. Belo Horizonte também e Rio, são importantes áreas onde a gente vê que a satisfação, e o conhecimento. Existem cidades, por exemplo, onde só existe Unimed. Ninguém mais consegue. Por quê? Porque a satisfação é grande. Por quê? Porque as pessoas sabem que estão sendo tratadas pelo dono e não pelo empregado.
P/1 – E na sua opinião qual a importância da Unimed para o cooperativismo brasileiro? Já que a Unimed é uma cooperativa praticamente única?
P/1 – Qual a importância da Unimed para a história do cooperativismo brasileiro?
R – Eu acho que a Unimed mostra para o sistema cooperativista, que o cooperativismo é importante em todas as áreas. Por exemplo, quando começou as cooperativas desde 1844, foi feita entre tecelões. E começou a se observar que as pessoas que têm a mesma qualificação profissional têm que trabalhar juntas, têm que se unir para impedir que alguém fique arrebanhando essas pessoas para trabalhar para eles. Isso começou a se difundir até que, o próprio sistema de saúde, o sistema médico observou isso. No Brasil, foi em 1967, em Santos, que foi dado o passo inicial, o quick off para iniciar uma cooperativa médica e mostrar como isso pode proliferar. Se a gente, partir da história que em 1967, esse ano estamos completando 40 anos do Sistema Unimed. Não existe nenhum negócio que se multiplica dessa forma. Quero dizer, ela começou com uma cooperativa pequena na cidade de Santos, com poucos médicos, poucos profissionais. Hoje, são mais de 300 e tantas singulares no Brasil todo. São praticamente 100 mil médicos cooperados. É uma população muito grande! São 13, 14 milhões de usuários. Não tem nada no serviço de saúde, acho que só o SUS [Sistema Único de Saúde], tem mais usuários que a Unimed. Então, isso mostra qual é a importância da Unimed no sistema cooperativista? É mostrar que o sistema cooperativista é a melhor forma de operacionalizar qualquer atividade. Por quê? Ela trabalha com o prestador direto, com o consumidor. Ela não tem o atravessador, não tem o intermediário. É o intermediário que encarece, e que prejudica tanto o usuário quanto o prestador que passa a ser, em alguns lugares, ser escravizado. Aqui em São Paulo, existe medicina de grupo que chega a pagar 15 reais uma consulta. Quero dizer, se a gente pensar que uma consulta de clínica médica leva entre 40, 50 minutos para ser bem-feita, bem trabalhada, um lavador de carro ganha isso, que não tem nem o nível primário! Então, olha onde estão as comparações. Um lavador de carro que fica na rua usando água pública, sem nenhum critério de cuidados ambientais, ganha exatamente o que um médico que estudou vários anos, que se preocupou, que tem toda uma responsabilidade sob o seu ato, vai ganhar de uma empresa assim. Se a gente for pensar friamente, é uma coisa delicada. Essas empresas que pagam isso precisam ser extintas. Como? Com o desenvolvimento de outras cooperativas, ou de expansão do próprio Sistema Unimed. Por quê? Quanto melhor eu trabalhar, com critérios, eu vou poder aumentar a minha consulta. Por exemplo, existem Unimeds que pagam 50 reais pela consulta. Outras pagam, o mínimo que se paga é 30, 33, que é mais do que o dobro de algumas operadoras. E tem um lucro. Ainda no final, a pessoa recebe sobras por isso. Nessas operadoras, não! O cara parou de trabalhar no fim de ano, no Natal, não ganha nada... Nem férias, nem décimo terceiro, nada.
P/1 – E qual a sua visão do futuro do Sistema Unimed?
R – A minha impressão eu acho que a gente precisa tomar muito cuidado. Porque, o que eu acho que existe, a gente tem que tomar um cuidado muito grande dentro da cooperativa, dentro do Sistema Unimed. É que a gente não pode esquecer das regras do jogo: trabalho para o médico e atendimento para o usuário. A gente tem que procurar alternativas sempre de viabilizar melhor isso, sempre abrindo espaço da vaidade pessoal de cada um. Por quê? Quando começar a existir vaidades, as pessoas quererem entender o Sistema como uma empresa que dá lucro, de repente a gente começa a pensar como o atravessador, como o intermediário, e é ruim. Começar uma autofagia dentro do Sistema, isso é muito nocivo. A minha preocupação é essa: é de a gente estar norteado com a nossa missão: qualidade e trabalho para o médico e para o usuário. Saint-Exupéry tem uma frase interessante que: “O melhor do homem é dignificar o trabalho, é dignificar o homem. É o trabalho de dignificar o homem.” A gente precisa saber valorizar essas coisas. É isso que é importante dentro do Sistema! Quanto mais a gente valorizar o trabalho médico e a assistência, é melhor. A gente não pode, a vaidade pessoal, sobrepor a essa causa. Porque nós vamos passar por cima do próximo, vamos pisar. E para a gente subir muito rápido a gente precisa pisar em algumas pessoas, em alguns degraus. Aí mora o perigo de uma hora o Sistema ruir.
P/1 – E o que o senhor acha de o Sistema Unimed comemorar os 40 anos de vida por meio de um projeto de memória?
R – Olha, memória eu acho que é tudo. Porque a história, a história é o passado. E o que é que serve o passado? A gente fala: “Mas, antigamente eu jogava bola, eu era bom de bola. Antigamente eu fazia isso, eu estava na escola eu tinha 10 namoradas.” Ou a menina falava que tinha cinco namorados. Quero dizer, isso é passado. São coisas e foram fases que a gente passou. Mas, é história! E o que é que serve a história? Para a gente repetir os acertos que a gente fez e evitar os erros que a gente cometeu. O futuro é um sonho que a gente espera. E o presente é o que é hoje. A gente tem que viver o presente assim, baseado na história e sonhando. Porque tudo que a gente sonha hoje, um dia alguém vai realizar. A gente precisa sonhar alto, sonhar bonito, sonhar positivo, para a frente, para poder conseguir alguma coisa boa. Mas, a gente precisa estar baseado na história para ter o presente bem vivido. Precisa recapitular toda a história, porque existem vários acertos, vários erros, vários conflitos, que não precisam, alguns não precisam nem ser publicados. Mas, precisam ser lembrados.
P/1 – E o que o senhor achou de ter participado dessa entrevista?
R – Eu me surpreendi. O que eu falei, uma das características minhas é mais ouvir. E eu acho que eu falei muito mais. Eu estava preocupado. Eu vim no avião: “O que é que eu vou falar?” Não sabia, porque eu conheço muito pouco da história do Sistema. Eu vejo alguns colegas que falam, citam números, falam coisas, e eu fico boquiaberto. Eu falei para eles: “Eu não sei nada disso.” E tudo o que eu não sei, eu pego o telefone e vou ligar: “Olha, eu preciso saber quem sabe disso”. Porque eu não consigo gravar essas coisas. Sei qual é o tratamento para um câncer de próstata, para um cálculo no rim. Essa é uma característica que eu faço questão. Tem muita ambição dentro do Sistema Unimed, acho que é uma coisa que comecei de uma forma displicente, cresceu rápida. E acho que eu estou fazendo uma coisa muito boa, positiva do ponto de vista de ação para as pessoas e, o relacionamento humano. Desse outro lado que gosto, além da medicina curativa. Mas, a medicina curativa, eu gosto muito, isso também não abro mão. Essa participação, parece que, a entrevista foram surgindo algumas coisas, que variaram os emocionais, umas cenas que precisam ser cortadas. Como descendente de italiano, eu não sei falar sem mexer a mão e sem rolar uma lágrima, então… faz parte! Sou bastante chorão. E fico muito contente, à medida que comecei a falar que sou chorão e ter liberdade para expressar – depois que você passa dos 50 você começa, a gente começa a fazer as concessões – eu comecei a encontrar muita gente que também é igual. E que, às vezes, a gente tem a impressão: “Não, Fulano é durão, Fulano é isso.” É interessante.
P/1 – Então, em nome da Unimed e do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista. Obrigada.
R – Muito obrigado, eu espero que aproveite pelo menos dois minutinhos do que eu falei.
Recolher