Votorantim Fercal DF
Depoimento de Valdemar Neves da Silva
Entrevistado por Marcia Trezza e Andréia Aguiar
Fercal, 11/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV014_ Valdemar Neves da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Seu Valdemar, por favor, a gente já vai c...Continuar leitura
Votorantim Fercal DF
Depoimento de Valdemar Neves da Silva
Entrevistado por Marcia Trezza e Andréia Aguiar
Fercal, 11/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV014_ Valdemar Neves da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Seu Valdemar, por favor, a gente já vai começar, fala o seu nome completo.
R – É Valdemar Neves da Silva.
P/1 – O senhor nasceu em que data?
R – Eu nasci em 8 de outubro de 1944.
P/1 – Onde que o senhor nasceu?
R – Eu nasci em Ipameri.
P/1 – Qual o estado?
R – Goiás.
P/1 – Seu Valdemar, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai era João Julião da Silva.
P/1 – Sua mãe?
R – Eugídia Monteiro da Silva.
P/1 – O senhor lembra do quê do seu pai? Quais lembranças o senhor tem?
R – Ah, tenho muita lembrança. Porque eu fui caçula cinco anos. Meu pai morreu e eu fiquei com dez anos e ele me punha no colo ainda. E minha mãe foi o maior desespero da vida, menina. Porque meu pai morreu com carro de boi, carriando.
P/1 – É mesmo? Como foi isso, Seu Valdemar?
R – Foi. Foi buscar uma carga de milho com um irmão mais velho meu que hoje é falecido também, falecido de acidente de carro nessa estrada. Aí eu tinha vindo dormir na casa de minha irmã e cheguei lá e escutei aquele barulho, chorando, aquele povo, outros, aí falei: “Meu Deus, será que meu pai trombou o carro?”. Aí fui ao encontro, ele já vinha dentro do carro, morto. Para mim até hoje quando eu passo lá eu tenho remorso. E foi um sacrifício a vida da gente.
P/1 – Ele tombou o carro de boi?
R – Não, eu pensei que fosse, né? Ele foi cavar um chão pra poder passar a roda do carro. Aí até hoje tem a cruz lá onde ele morreu. Ele foi, caiu, que ele tinha problema de coração, caiu e morreu. Aí o meu irmão largou lá e veio atrás do pessoal. Quando chegaram lá, os vizinhos chegaram lá, os bois tinham dado a volta e lambendo ele morto lá, porque era tão... boiada carrera é muito bonita. E isso minha mãe já tinha falecido, minha mãe faleceu primeiro.
P/1 – Ah, é?
R – É. Com seis meses, sem faltar um dia e sem passar, ele foi também.
P/1 – Olha!
R – Aí foi uma tristeza a vida da gente, isso aqui era... Primeiro foi quando nós chegamos pra cá. Eu lembro ainda, tinha três anos de idade. Não tinha nem um rancho pra nós ficar dentro, ficou debaixo dos paus. Viemos lá da fazenda, hoje é Bonsucesso lá, que é de Pedro Passo. Meu pai vendeu, aquilo lá era nosso, aí meu pai vendeu e comprou isso aqui. Isso aqui era um interior, os vizinhos corriam da gente, custaram a acostumar, dizem que eram os mineiros. Aqui até onça ainda tinha.
P/1 – É mesmo, seu Valdemar?
R – Aí meu pai trouxe duas ou foi três famílias com ele, pra ajudar ele. Isso aqui não pensava nunca de passar um carro.
P/1 – Seu Valdemar, vocês vieram direto de Goiás pra cá?
R – Não, foi lá pra terra que hoje é do Pedro Passos. De lá que veio pra cá. Aí ele tinha uma visão danada, ele falou pra gente, eu não sabia nem o que era capital, ele falou: “Meus filhos, eu não vou conhecer não, mas isso aqui, vai vir uma capital pra cá, vocês não vendem isso aqui não, isso aqui vai valer muito”. Ele não conheceu porque ele morreu com 53 anos, logo veio.
TROCA DE FITA
P/1 – Seu Valdemar, a gente vai voltar a gravar. O senhor estava falando que o seu pai tinha muita visão.
R – Tinha.
P/1 – Porque vocês chegaram aqui, o senhor tinha três anos, o senhor veio em 1947 ainda?
R – Como?
P/1 – O senhor veio bem antes de Brasília, né?
R – Foi. Não existia Brasília. Isso aqui era um interior que não sabia nem...
PAUSA
R – Ele falava e não sabia nem o que era capital, quase não sabia, e ele falava isso aí. Pedia pra gente não vender isso aqui porque isso ia valer muito, que ele não ia assistir porque ele não era vivo, mas se ele não morre novo ele tinha...
P/1 – Será que ele tinha ouvido alguma coisa pra falar isso?
R – Às vezes a pessoa repensa, que a pessoa não tem a leitura, mas tem inteligência. Ele deve ter visto falar, a gente que não prestava atenção. A minha mãe, foi triste a morte dela, porque morreu de parto. Quando foi buscar, lá é Planaltina, Planaltina de DF que tinha um médico, tinha uma enfermeira. Aí foram atrás, minha mãe passando mal, foram atrás lá em Planaltina. Quando ela chegou aí no Córrego do Ouro, a minha mãe faleceu. Eu lembro disso como hoje. Isso tem um bocado de ano. Na fazenda aí era o seguinte, os homens iam pra roça, as mulheres que tiravam o leite, cuidavam. Minhas irmãs e minha mãe.
P/1 – Quando vocês vieram pra primeira fazenda, quanto tempo vocês ficaram lá, mais ou menos?
R – Eu não lembro, não, porque eu era muito novo. Eu vim com três anos, antes eu não sei quanto. Mas não ficou muito tempo, não. Aí o pessoal lá danou pra comprar dele e o meu pai era muito nervoso. Ele veio lá do Campo Alegre, pra lá de Ipameri porque não deu certo mais a família da minha mãe. Porque ele era muito sistemático e a família gostava muito de estar bebendo, essas coisas, e ele descombinou lá com eles. E veio, eu ainda lembro quando teve o inventário de uma parte da sogra dele, ele nem queria receber o dinheiro, que ele era de opinião. Como entrou conversa, aí ele recebeu o dinheiro.
P/1 – Seu Valdemar, o senhor disse que ele carregava o senhor no colo até dez anos, mais ou menos.
R – Até dez anos. Agora se pegasse pra bater também, corresse mesmo que ele era nervoso. Mas quando ele morreu, ele pegava esse serviço grande aí dessas fazendas e levava alguns peões. E eu com nove anos, meu irmão com dez, tinha que fazer comida praqueles peão lá no mato e levar lá onde eles estavam trabalhando. Trabalhar, tinha que trabalhar. E a hora que acabava as coisas lá, os alimentos, nós andava uns quase dez quilômetros de pé pra vir buscar mais, aquele tempo era arroz, era feijão. E tinha que chegar lá antes de ir fazer o café pros peões beberem.
P/1 – E vocês tinham que voltar carregando peso?
R – Carregando peso e ainda saía de lá seis horas, tinha dia que nós chegávamos em casa à noite. E no outro dia tinha que chegar lá seis horas pra poder fazer o café.
P/1 – Então andava de madrugada?
R – Andava. Só eu e meu irmão mais velho que ainda está vivo.
P/1 – E algumas dessas vezes aconteceu alguma coisa, seu Valdemar?
R – Não, não aconteceu nada, não acontecia não. Mas aí minha mãe criava muito cocar, aí quando a gente chegava eles cantavam e ela já falava: “Os meninos é vem”.
P/1 – Criar cocar? O que é isso?
R – Cocar é esse bicho, galinha, né? O cocar avisa quando a gente chega.
P/1 – Ah, é?
R – Galinha de angola.
P/1 – Eles cantam quando chega quem? Qualquer pessoa?
R – É, principalmente a gente, que chegava e ela já sabia. Meu pai morreu mais foi porque eu nunca vi um casal viver daquele jeito. Eu sou nervoso, meu defeito é que eu sou muito nervoso.
P/1 – E eles?
R – Nada, calmo demais. Eu nunca tinha visto. Naquela época usava as camisas de manga comprida, eu lembro disso e nunca esqueci. Aí a minha mãe foi pregar um botão na camisa dele, que era abotoada. Ela furou o couro dele e ele falou: “Ai, Gisa, você está me furando”, que ele tratava ela de Gisa. Eu falei: “Eu comigo se fizer eu meto a mão, não tenho pra si não”. Era uma calma terrível.
P/1 – E ela, seu Valdemar, como é que o senhor lembra dela?
R – Ah, era muito boa, uma pessoa humilde. Adulava muito a gente, não era... Ixi, minha mãe, Deus me livre, eu não gosto nem de lembrar. E eu por ser... eu fiquei sem vir outro cinco anos, fui mais bem tratado. E aí com esse negócio, quando eles morreram cada irmão mais velho pegou um pra criar.
P/1 – Ah, é?
R – E eu peguei a pior, que já tinha raiva de mim porque meu pai pagava, ela era professora e meu pai pagava ela antes para lecionar em casa. E ela casou com meu irmão que era meu padrinho, meu irmão mais velho. Rapaz, ela me judiava demais. Ela está viva aí até hoje. E se fazia coisa, eu nem vou falar, senão ela pode assistir. Aí eu só pensava assim, pensava e falava: “Um dia eu venço na vida, eu vou vencer na vida. Porque aquilo, as coisas que meu pai deixou fora as terras que não teve jeito de acabar, os mais velhos acabaram com tudo”.
P/1 – Ah, é?
R – Eu vim para aqui, quando eu comprei eu falei: “ Eu agora dou conta de minha vida”. E vim, aí tinha um motorista, já andava jipe. Meu irmão comprou o jipe, mas só o jipe mesmo que andava. Aí, arrumou um motorista, que eu não dirigia naquela época, e esse motorista me pediu pra pôr um comércio aqui, nesse local, ali assim. Aí eu dei. Quando foi, passou questão de uns seis meses, ele queria vender a área. Aí eu tive que pagar pra ele e vim pra cá. Foi onde eu melhorei. Aí eu pus esse comerciozinho que eu tenho aí, tem não sei quantos anos e ele não acaba até hoje. Hoje eu não preciso disso, me dá dor de cabeça, mas a região aqui não tem, eu tenho que ter, né?
P/1 – Seu Valdemar, antes, os seus pais vieram pra cá, trouxeram os filhos. Quantos irmãos vocês são?
R – Éramos nove, hoje tem cinco. Quatro já morreram.
P/1 – E quando ele veio pra cá, ele já tinha criação, que atividade tinha?
R – Tinha, tinha um pouco já. Aí ele aumentou o gado.
P/1 – E tinha plantação também?
R – Tinha, plantaram. Isso aí era tudo mato. E plantava, não tinha máquina, não. Roçava, derrubava e plantava.
P/1 – E quem trabalhava ali? Vocês dois, você e o seu irmão faziam a comida. E quem mais ajudava?
R – Ele tinha é muita gente. Só com ele, ele trouxe duas famílias pra cá. Duas ou três famílias.
P/1 – Que trabalhavam com ele.
R – Aí fizeram as casas e trabalhavam em conjunto.
P/1 – E as brincadeiras, seu Valdemar? Do que é que vocês brincavam na época?
R – Quase a mesma coisa de hoje, mas a gente brincava pouco, o negócio mais era trabalhar. Mais era trabalhar. Brincadeira, às vezes a gente meio que fazia os brinquedos, brincava. Dava num domingo, reunia a turma, pegava até panela, ia pro mato, fazia, até frango a gente fazia. A brincadeira era essa.
P/1 – Aí era pra vocês, né? (risos)
R – Era pra nós. Saía cedo e voltava de tarde.
P/1 – Ia explorar o mato.
R – É, ia para o mato. Às vezes até perto.
P/1 – E o senhor disse que tinha onça aqui?
R – Tinha.
P/1 – Já chegou a ver alguma?
R – Já. E no Córrego do Ouro mesmo já pegou uma, levou pro zoológico.
P/1 – E vocês crianças que entravam pela mata, teve alguma história que foi marcante nessa época?
R – Não. Marcante só foi mesmo... Chovia muito, naquela época chovia. Aí nós estávamos debaixo de um pau lá, caiu um raio, quase que a gente vai embora, eu e esse irmão meu. Porque fomos esconder debaixo da árvore. Naquele tempo chovia, nossa senhora! A pessoa trabalhava o dia inteirinho debaixo de chuva.
P/1 – E seu Valdemar, quando então faleceu sua mãe e seu pai, cada um ficou com um irmão. Mas moravam todos na fazenda?
R – Moravam.
P/1 – Juntos na mesma casa?
R – Não, na mesma casa, não. Cada um tinha a sua parte na fazenda, já tinha as casas e a gente ficava com eles. Hoje, não, hoje já venderam tudo, só tem eu mesmo aqui e uma irmã que ainda tem um pedaço aí.
P/1 – E aí cada um foi morar com um casal de irmãos.
R – Foi.
P/1 – E nessa época que o senhor viveu com ele, tinha outros sobrinhos que conviviam com o senhor?
R – Tinha. Aqui na fazenda saía... Eu tinha, eu não me lembro a idade, não, mas era de dez anos acima. Ele saía, deixava não sei se era quatro crianças, tudo para eu tomar conta. E pela minha responsabilidade. Ia pra Planaltina e naquela época não tinha carro, ia de cavalo. Ia ali por Torto, onde passava, ia pra Sobradinho. E eu ficava tomando conta dessas crianças e tomando conta de tudo que tinha.
P/1 – Quantos anos o senhor tinha, mais ou menos?
R – Deve ser uma faixa de 12 anos. E aí não me valorizava. Eu saí com 16 anos. Mas fazia tudo, eu lavava, eu passava, cozinhava. Mas foi bom pra mim porque eu aprendi. E tomava conta desses meninos e dessas criações todinhas.
P/1 – Vários dias?
R – Vários dias. Era quatro, cinco dias.
P/1 – E seu Valdemar, o senhor disse que com 16 anos saiu da casa dele.
R – Saí.
P/1 – Mas eu entendi que ainda era aqui na região.
R – É, a sede do meu pai era aqui perto, eles moravam lá. A fazenda é grande, aí foi repartida pros irmãos. Eu vim, falei: “Eu dou conta da minha vida agora” e vim com 16 anos, entrei debaixo de um ranchinho amarrado de palha.
P/1 – Aqui?
R – Aqui. E aí eles venderam para um homem rico aí, só me prejudicou demais. Eu fui, aí eu tenho essa água aqui, é da fazenda lá em cima e ele entendeu que eu não podia tirar, porque ele queria tomar mesmo.
P/1 – Quem queria?
R – O cara que comprou do irmão mais velho meu. Aí eu enfrentei ele. Eu fui até no Supremo Tribunal com ele. E o pessoal que gostava de mim falou: “Rapaz, vende isso pra esse homem, vá embora, esse homem vai mandar te matar”. Eu falei: “Não”. Ele trazia gente da Bahia, gente de fora para ameaçar e tudo.
P/1 – Ele queria que o senhor saísse daqui?
R – É, tomar aqui. Se eu tivesse saído não tinha ninguém aqui, não, porque ele tirava mesmo. Eu fui preso porque ele fechou umas estradas ali e nem fui eu, eu mandei meus cunhados pegar o carro de boi, passar e desmanchar, que ele queria fechar o trânsito nosso aí. E eu enfrentei. E aí para eu poder ficar sossegado eu tinha que arregar pros vizinhos porque a Justiça demora, fala: “Não, não estou mexendo com isso mais, não”. O povo que gostava de mim falou: “Esse homem vai deixar você sem nada”. Eu falei: “Tá bom”. E enfrentei. Aí quando ele perdeu no Supremo Tribunal ele vendeu a fazenda baratinho e foi embora.
P/1 – Ele tinha comprado uma parte da área.
R – É, de um irmão meu.
P/1 – E ele queria tudo?
R – Tudo, tomar tudo.
P/1 – Essa água é natural? Vem de fonte?
R – É, vem. Essa que tem aqui.
P/1 – Sempre teve essa água?
R – Sempre teve. Eu mexia aqui com a cisterna, aí via essa água aí que era mais fácil, cisterna era difícil, aí fui tirar. Falei pra ele que ia tirar a água e ele disse que não tirava. E abusava de mim, falava assim: “Se dinheiro valesse, essa água não corre na sua porta”. Eu falei: “Pois com fé em Deus vai correr”.
P/1 – Essa vez ele mesmo fechou a estrada pra vocês não passarem.
R – Fechou. Estrada antiga, que não era pra passar dentro da terra dele. Aí falei: “Você não quer que passa dentro da sua terra, você faz o corredor”, aí fez.
P/1 – E os vizinhos, teve algum momento que teve alguma reunião, alguma coisa?
R – Não, os outros não tinham coragem de enfrentar. Me davam era conselho pra deixar isso pra lá e eu não deixava. Mas ele entrou aqui pra arrancar todo mundo.
P/1 – E no fim o senhor venceu.
R – Venci. Graças a Deus.
P/1 – O senhor ficou morando sozinho aqui até que idade, seu Valdemar?
R – Eu fiquei de 16 a 24, são oito anos, né?
P/1 – Como era o seu dia a dia aqui sozinho?
R – Ah, trabalhava muito. Antes de eu vir pra cá eu já passei um dia inteiro aqui chupando uma cana e trabalhando. Isso aqui é lugar que ninguém queria.
P/1 – Por quê?
R – Destruíram tudo, tirararam as madeiras. Os mais velhos, né? Aí isso aqui... Um dia eu fui ajudar um cearense aí na Fercal, eles mandaram eu ir ajudar, tocava gado, ele foi e falou: “Ô, menino, você está dando bobeira, esse lugar aqui vai ser o melhor que tem da fazenda, vai pra lá”. E eu acho que ele acertou, né? (risos)
P/1 – Quem que vinha tirar madeira, essas coisas?
R – Ah, era os daqui mesmo, eram meus cunhados, irmãos, pegavam e tiravam tudo. As aroeiras que tinham aí, se tem uma árvore aí fui eu que deixei porque não tinha mais.
P/1 – O senhor que replantou?
R – Às vezes eu replantei, alguns foram, mas aquilo ali nascia. A gente cuida até crescer. Isso aqui estava... O povo falava, às vezes meus amigos brincavam comigo demais e falavam: “Você vai vender é lobeira”. Lobeira é uma fruta que ninguém compra. E eu queria que eles estivessem, algum deles, pra ver o que eu fiz aqui.
P/1 – E o senhor começou também a plantar nessa terra?
R – Plantava.
P/1 – O que o senhor plantava?
R – Quando eu vim pra cá estava difícil demais, aí eu consegui levantar um financiamento sim. E disso aí eu fui adquirindo. Quando eu vim aqui eu tinha até conta de mentiroso, eu tinha sete cabeças de gado. Eu amarrei as vacas, não tinha um curral, não tinha nada. Aí amarrei os bezerros debaixo do pau pra tirar aquele leite. As vacas morreram de velhas, não matei, não vendi. Elas não criavam mais, eu falei: “Não, mas não vai, morreu por si”.
P/1 – Só pra leite mesmo que o senhor usou.
R – É, mas ultimamente não criava mais, não dava leite, só que eu não matei elas. É a lembrança que eu tinha. Mas ela tinha que morrer um dia, né, não tinha jeito.
P/1 – Eram sete?
R – Eram sete, mas eu vendi acho que três pra começar aqui, fazer um ranchinho melhor. Aí casei, minha esposa, antes de casar ela é de Formosa. Aí eu fui, encontramos e gostamos um do outro, eu falei: “Vamos lá pra você ver se quer essa vida, porque vai ser essa”. Aí concordou, eu fiz um barraquinho de tábua, passamos para ali. E ela trabalhadeira demais, me ajudou demais, que até hoje ela não gosta de cidade, igual eu também. Muitas vezes eu falava: “Ó, você vai ficar aí como caseira e eu vou partir no mundo, comprar gado e vender”. Aí tinha um amigo meu que já faleceu lá em Sobradinho, inclusive que me levou na casa, avalizou para eu comprar algum móvel. Aí pegou e me ofereceu uma casa em Sobradinho. Eu falei: “Ah, mas eu não tenho condição de comprar não, rapaz”. “Você vai comprar. Quanto dinheiro você tem?”. Eu tinha um pouco, falei: “Eu tenho tanto”, nem me lembro quanto. Ele falou: “Então você me dá esse que você tem e vai me pagar depois o resto. A casa está terminando a construção”. Eu peguei, falei com a mulher. Meu menino mais velho era novinho, eu falei: “Fica aí e eu vou pro mundo comprar gado”. Peguei os cavalos e saía no mundo aí, chegava com...
P/1 – Sozinho, seu Valdemar? Com quem o senhor ia?
R – Tinha vezes que eu vinha sozinho. Tocava umas 40 cabeças de gado, sozinho e Deus.
P/1 – O senhor ia pra comprar o gado?
R – Comprar o gado. Chegava aqui, vendia e ganhava o lucro. Voltava de novo. Até que quando foi parece que no prazo de um ano, eu construí a casa e paguei pra ele o restante, tenho ela até hoje.
P/1 – Lá em Sobradinho?
R – É, na Quadra 13.
P/1 – E o senhor chegou a morar lá?
R – Não, não gosto. Acho que se eu pousei lá, durante esse tempo, umas 20 noites foi muito. Agora eu fiz cirurgia, saí do hospital: “Fica, não vai, não”. Eu falei: “Eu quero ir embora pra casa”. No mesmo dia que eu saí do hospital eu vim pra cá.
P/1 – E fica alguém lá em Sobradinho?
R – Fica, as duas meninas minhas moram lá. Pra mim, a cidade não foi feita.
P/1 – Seu Valdemar, aqui o senhor chegou com esse gado, que eram bezerros, e como é que foi o começo aqui, sozinho?
R – Pra lutar? Logo eu vi que sozinho não dava para eu ficar, aí arrumei uma pessoa pra ficar mais eu. Teve um cara que está aí até hoje. Ele trabalhou comigo oito anos, me ajudou demais e eu ajudei ele. Depois entrou outro e ficou oito anos de novo.
P/1 – E vocês plantavam aqui, começaram a plantar?
R – Plantava. Ele plantava, o que ficava comigo. Ele plantava e nós repartiamos. E eu pagava pra ele um salário também.
P/1 – O que vocês plantaram aqui?
R – Milho, feijão dava muito. Agora hoje o feijão já não dá na região.
P/1 – E dava pra vender?
R – Vendia. Dava pra vender. Desde quando nós éramos menino. Meu pai colhia a roça, porque toda a vida tem preguiçoso, aí deixava aquele tanto assim no chão, a gente pegava. Pegava e vendia, eu e meu irmão. Colhia a sobra e vendia. Desde menino porque meu pai, a gente pedia assim: “Pai, deixa nós ir lá na festa”, festa da roça assim, tinha. Aí ele falava: “Deixo, mas vocês vai ter que trabalhar. Eu só dou o dinheiro se vocês trabalhar”. E aí ele falava: “Você vai fazer isso ali”. Aí a gente fazia e ele dava dinheiro pra gente.
P/1 – E quando sobrava também vocês aproveitavam?
R – Aproveitava e vendia. O arroz, o feijão.
P/1 – E como eram as festas, essas que vocês iam? Conta um pouco como era, seu Valdemar?
R – Eram boas as festas. Festa da Folia, tinha Folia, tinha outro tipo de festa, era boa. Era assim, não existia esse som de hoje, era sanfona, eram essas coisas. Eram muito boas as festas de antigamente.
P/1 – E o senhor gostava de dançar?
R – Não, não dançava ainda não (risos). Era pra ir mesmo, era pra bagunçar, pra correr. Menino gosta de festa é um correndo atrás do outro, essas coisas.
P/1 – E depois que o senhor veio morar pra cá, que o senhor já tinha 16 anos, continuaram as festas?
R – Continuaram. Aí já era, a gente já... as Folias tinha também, era o que existia. Meu pai não ia numa festa de qualquer coisa, ele não ia, mas ele ia no pouso de Folia, ele dava pouso de Folia. Era festão, ele dava...
P/1 – Sempre deu pouso?
R – Sempre deu. Porque a Folia vinha, pede o pouso, ele dava. Meu pai dava, aqui passava boiadeiro com muito gado.
P/1 – É?
R – Dormia, ele dava o pouso pro pessoal. Tanto de gado tocado, era bonito.
P/1 – Seu Valdemar, o senhor então tocou bastante gado também.
R – Toquei, lá pro lado no Goiás eu ia. Aí quando eu ia só eu comprava e falava pra quem me vendesse. E eu ia andando e comprando. Aí a hora que eu terminava o dinheiro, porque naquele tempo não tinha cheque, tinha nada, sabe? Tinha que levar o dinheiro na capanga. E eu ainda fazia mais, tanto que onde eu desarriava o cavalo ficava dinheiro, às vezes eu levava... eu nunca gostei de carregar arma na cintura, punha na sela. No outro dia jogava a sela, que vai a forja, aquelas coisas, o dinheiro estava lá dentro.
P/1 – Nunca ninguém pegou?
R – Não tinha ladrão, não tinha essas coisas.
P/1 – Não tinha.
R – Porque não tinha cheque, não tinha valor. Aí eu ia comprando, seguindo, numa reta. Quando chegava no último o dinheiro acabava e eu falava: “Agora vou voltando”. Aí cada fazendeiro que eu comprava, eu falava: “Eu quero que você ajuda a tirar o gado”, que o gado até sair da porta, ele dá trabalho. Aí eu ia reunindo, eu chegava aqui com 30, 40 cabeças de gado sozinho. E vendia e virava pra trás.
P/1 – Vendia tudo, não ficava aqui. O senhor nunca criou aqui.
R – Criava. Mas o de cria era uma coisa e o de comércio era outra. Porque aquele dinheiro tinha que girar, né? E graças a Deus...
P/1 – E nessas idas e vindas, como é que era um dia do senhor?
R – Ah, era sofrido. O dia no cavalo às vezes eu cansava de andar no cavalo, eu tocava o cavalo junto com o gado e andava a pé. Tinha dia que dormir, a gente acha gente boa e acha ruim. Arrumava pra gente dormir, era num paiol cheio às vezes de piolho de galinha, tudo, não era boa, não. Outras vezes não achava lugar, e dormia debaixo de um pau, porque nem todo mundo dava pouso.
P/1 – Aí tinha que dormir assim, ao relento?
R – É. Comida, às vezes a gente fazia, de casa já fazia uma farofa que durava muito dia e biscoito mais durativo pra gente ir comendo na estrada.
P/1 – E cozinhava também quando parava?
R – Não, não cozinhava. Isso eu não fiz, não. Aí eu fui pegando conhecimento com o pessoal, já ia chegando, vinha um café. Eles gostavam demais de mim porque eu comprava e pagava em dinheiro, e quem que não gostava, né? Nesse interior. Aí eu arrumei amizade e é por isso que eu tenho amizade pro canto inteiro. Mas não tem, graças a Deus, não sou santo não, mas não tenho, não deixei nada de roubado.
P/1 – Seu Valdemar, e quantos dias o senhor ficava fora viajando?
R – Ixe, teve uma época que eu fiquei até 15 dias. Eu comecei, eu dei uma melhoradinha, pus um caseiro. Tinha vez aí que eu arrumava outro pra me acompanhar. Aí chegava, às vezes tava demorando muito, eu preocupava, a família arrumava outros pra ajudarem a trazer e vinha de ônibus ou outra condução, e chegava primeiro em casa. Mas naquele tempo era bom pra gente vender gado.
P/1 – E sua esposa ficava aqui com os filhos?
R – Ficava. Depois vieram as meninas. E eu também, quando eu casei eu peguei uma menina pra criar, com nove anos, que eu hoje considero ela como filha também, ela é companhia.
P/1 – Da sua esposa.
R – É.
P/1 – Qual o nome da sua esposa?
R – É Coraci.
P/1 – E quando o senhor conheceu ela, como foi esse encontro?
R – Uai, foi através de Folia assim. Eu cheguei e falei: “Eu vou casar com essa moça”. Por incrível que pareça. E eu toda vida fui sistemático, não gostava de gente muito pra frente, não, eu sempre procurava. Aí falei e aconteceu, né? Mas antes de eu casar ela teve que vir ver aqui. A minha sogra apertou pra casar, eu fui e falei: “Então vai lá visitar, se quer, se não quer”.
P/1 – Ela já morava também, assim, fora da cidade?
R – Morava perto de Formosa, e em Formosa também. O povo fala de sogra, pois a sogra minha pra mim foi uma mãe, pessoa boa demais. E gostava de mim demais também. Eu toda vida fui responsável com as coisas.
P/1 – Seu Valdemar, antes de namorar com a sua esposa o senhor foi muito namorador?
R – Mais ou menos. Mas não gostava, não deixava esse negócio de estar colando no meu pé, que deu muito trabalho pra gente. Até atrapalhou um pouco na convivência com a mulher, umas mulheres que tinham aqui, né? Mas eu não gostava delas, nada. Elas pensavam que eu gostava (risos), mas eu era sistemático. Se fosse hoje eu não casava, não. É doido? Com esse jeito que vive não casava de jeito nenhum.
P/1 – Mas a sua esposa foi só olhar?
R – Foi. Mas era a moral que ela tinha, tudo isso eu olhava, né? E aí começaram as outras aí a perseguir, e ela enciumava demais, né? Quase que a gente não chega lá.
P/1 – É mesmo, seu Valdemar?
R – É, porque até hoje ela é ciúme, não tem jeito. Mas é porque eu tenho muito conhecimento, amizade, e ela já é mais parada. Mas viemos (risos) aos trancos e barrancos, chegamos até aqui.
P/1 – Seu Valdemar, e o dia do casamento, o senhor lembra como foi?
R – Lembro. Vixe.
P/1 – Conta pra gente.
R – Só daqui foi gente demais lá pra Formosa.
P/1 – Foi lá em Formosa?
R – Foi. Aí fomos pra fazenda dela, foi um festão doido lá. Não estava programado pra ter festa porque eu perdi o meu irmão no mês de... parece que abril, maio. A gente dava certo como não fosse irmão, porque irmão nem dá tão certo, e eu mais ele éramos. Ele também morava... Ele não era casado, ali no Córrego do Ouro era a terra dele. Ele morava lá, mas vinha muito pra cá, pra dormir comigo e nós brincávamos muito. Era o que mais eu dava certo, com ele.
P/1 – Era aquele que o senhor passava a noite pra pegar os alimentos e cozinhar depois, era ele?
R – Não, esse era o mais novo, ele era mais velho. Esse das coisas ainda está vivo. Ele era o mais velho, mas sempre me aconselhava. Eu também comecei a negociar com ele, eu até esqueci.
P/1 – Começou o quê?
R – Fazer esses negócios, eu tinha, nessa época eu comecei com ele. Ele já fazia isso, me levou e me encaminhou nesse negócio.
P/1 – O gado?
R – É. E quando ele vendeu, ele morreu e tinha vendido ali. É onde é do _0:37:41_. Aí, o pessoal comprou e pegou um documento. E acho que a pessoa que pegou o documento, parece que estava vindo de São Paulo, morreu. Aí eles queriam que eu desse outro documento pra eles. Eu falei: “Eu dou, vocês tragam aquele antigo que ele assinou antes de morrer e eu passo o novo, do contrário eu não faço. Porque eu não vou vender uma coisa duas vezes”. Aí o pessoal chegou aqui, a gente não cobrou nada. Falei: “Não, não quero nada. Ele te vendeu, tá vendido. Agora, com o documento antigo na mão eu assino o outro, porque eu pego aquele e resolve. Aí eles conseguiram e vendeu, acho que foi até o _0:38:30_ mesmo.
P/1 – E quando o senhor ia casar foi quando ele faleceu.
R – Foi, pra mim foi uma... Não queria festa de jeito nenhum, eu falei: “Não quero, não”. Aí na hora eles me convenceram, fui pra fazenda dela fazer a festa. Foi gente demais daqui da região. A igreja ficou cheinha com os de lá.
P/1 – E foi bonita a festa.
R – Ah foi, foi bonita. Aí deu para me esquecer a falta dele, né? Porque ele brincava comigo demais que ele não tinha casado ainda. Ele era bem mais velho do que eu.
P/1 – Seu Valdemar, o senhor disse que uma pessoa quis fazer um comércio aqui. Onde é?
R – Aqui bem nessa... Era bem ali, um ranchinho que eu dei pra ele fazer. Ele era motorista do meu irmão, que me criou. Aí pediu, eu falei: “Pode, eu te dou”. Quando ele começou, ele queria vender e eu tive que comprar dele.
P/1 – E foi o quê, era um bar?
R – Era um bar, sim.
P/1 – E ainda existe?
R – Eu tenho aí um comércio até hoje, depois a senhora vai ver lá como é que está.
P/1 – Então de lá veio pra cá?
R – Veio. Mas de lá eu não vim pra cá, eu fiz um barraquinho também que eu não tinha condição de fazer nada, levei aí toda a vida, enfrentei. Porque hoje tem bom movimento aqui, mas eu não aguento mais, não, o menino que mexe com ele. Porque tem hora que vem muita gente.
P/1 – E que histórias que aconteceram aí nesse comércio?
R – Ah, teve de tudo. Eu comprava um pacote de fósforo, pacote com dez caixas, abria pra ver se enfeitava mais (risos). Comprava um...
P/1 – Como assim, enfeitava mais? (risos)
R – Não, porque não tinha quase nada, então pra ver se aumentava (risos). Tinha dia que eu tomava pinga emprestada do meu cunhado pra vender porque eu não tinha como comprar. E aí fui crescendo, né?
P/1 – E aí punha assim as caixinhas para enfeitar a prateleira?
R – É, pra tampar a prateleira um pouco.
P/1 – O que mais que o senhor vendia aí?
R – Ah, eu vendia de tudo, mas tudo um pouco. Se vendesse muito ficava sem nada, né? (risos) Mas também tinha só o jipe que ia buscar na cidade, era muito difícil.
P/1 – E vinha o pessoal aí?
R – Vinha. Aí foi crescendo. Isso aqui, os caras chegavam, vinha com galinha desses... daqui do interior, chegava, eu comprava, trocava mercadoria, fui fazendo aqueles negócios. E isso aí eu entreguei, a Maria: “Ah, eu não sei mexer com isso”, eu falei: “Vai aprender, ninguém nasceu sabendo, não. Você vai tomar conta e eu vou correr atrás de outras coisas”.
P/1 – E ela ficava, então, no comércio
R – Ficava. Vendia, até que aprendeu.
P/1 – E vendia de tudo?
R – Tudo. Que toda vida, até hoje, eu já pensei de acabar mas não acabo por isso, porque não tem outro comércio, eu é que seguro tudo. Eu vendo gás, eu vendo milho, eu vendo sal, eu vendo arroz, eu vendo feijão, eu vendo café. Quer dizer, já pensou um vizinho acabar aí um café, vai ter que ir lá no mini na Fercal buscar? Eu penso nisso tudo. Às vezes o gás, quantas vezes o gás chega pra buscar um botijão de gás porque o gás dele acabou? Eu tenho não é porque viso o lucro, não. Mas eu já ganhei dinheiro aí.
P/1 – Quantos anos então tem esse comércio?
R – Uai, desde os meus 16 anos, desde que eu vim para aqui tem ele.
P/1 – Tem ele.
R – Tem. Esse filho da mãe que brigou comigo, uma vez pôs a polícia pra vir aqui fechar, tomou a pinga. Eu fui e corri atrás. Aí eles vieram aqui ver e falaram: “Não, você está fazendo uma caridade aqui. Nós não vamos mexer com você”. Eu não pago imposto até hoje.
P/1 – Porque aqui é necessário mesmo, né, seu Vanderlei?
R – É. E naquela época ainda. Agora ainda é necessário. E naquele tempo, que tinha que ir lá no Sobradinho. Não, eu conheci Sobradinho com duas casas.
P/1 – É mesmo, seu Vanderlei?
R – O pessoal ia daqui em Planaltina buscar. Eu já fui com meu pai com carro de boi, mas eu não fui porque precisava, ia porque gostava, né? E aquilo chovia, daqui ali naquela rua do mato, pra subir aquilo ali... Com carro de boi daqui em Planaltina, eu fui umas duas vezes mais meu pai. Levava feijão, milhão, arroz, capado gordo, pra vender, pra trocar, lá não via dinheiro, pra trocar em pano, essas coisas, de lá pra cá.
P/1 – Então tinha que ir com o carro de boi, né, pra carregar.
R – Tinha porque não tinha outra condução, não. Não tinha nem estrada.
P/1 – Quantos dias que levava?
R – Era quase uma semana pra ir e voltar. Rapaz, aquilo chovia e ainda lembro, ali onde tem aqueles eucaliptos, aquelas mangueiras ali perto da Embrapa? Ali era o ponto que o meu pai pousava, dali ele ia em Planaltina, e voltava e pousava de novo. Eram dois, três carros que iam, até mais. E ali você não via dinheiro, não.
P/1 – E Sobradinho não tinha nada?
R – Sobradinho eram aquelas duas casas, só sobradinho velho. Era um lugar que a gente pousava, até de cavalo nele. Algumas vezes já ia de cavalo e pousava ali no Sobradinho.
P/1 – Porque tinha mesmo que ir até Planaltina.
R – Até Planaltina.
P/1 – Que tinha o comércio.
R – Só tinha em Planaltina. Aí quando eu fui, eles mandavam eu sozinho, botavam no animal, eu ia lá em Planaltina fazer compra de coisas e vinha, eu era moleque e fazia isso. Mas num medo passava que subia aquela serra do Sobradinho.
P/1 – A cavalo?
R – A cavalo. Ia, comprava lá, dormia e virava pra trás.
P/1 – E passava a noite assim, sozinho.
R – Não, a gente tinha o lugar lá de dormir. Amigos dele, coisa assim. Tá doido, viu? Enfrentei uma vida de...
P/1 – De coragem, né, seu Valdemar?
R – Coragem.
P/1 – Seu Valdemar, e a paisagem, como era? O senhor lembra? Era igual a paisagem nesse caminho todo?
R – Não, não tinha estrada, não. Era só trilheiro, estrada de carro de boi que a gente fala.
P/1 – E o senhor lembra, seu Valdemar, quando começaram a vir as empresas pra cá? As pedreiras?
R – Lembro. Tinha ali no Bandeirante, era o lugar do pessoal levar as coisas, galinha, essas coisas, pra vender. Eu ia de cavalo, subia essa serra ali, não fica tão longe. Lá no Torto eu fui muitas vezes de cavalo, saía daqui, ia lá. Lá tinha um comerciozinho pequeno. Bem ali onde era, pra baixo da Granja do Torto. É uma ruinha de casa que tinha ali, tinha comércio. A gente ia lá comprar a cavalo.
P/1 – E seu Valdemar, quando começaram a vir as empresas pra cá, mudou muito?
R – Foi mudando, mas não foi tão rápida a mudança. Aqui já veio, Tocantins na época já veio. O Ciplan veio comprar isso aqui de mim.
P/1 – Ah, é? E aí?
R – Meus meninos eram tudo pequeno, eu pensei em vender. Aí até as crianças choraram: “Não vende, não, pai. Não vende não, pai”. Aí eu desisti. Eles começaram a fazer pesquisa aí da pedra. Iludiram a gente aí, pagaram uma mixaria pra fazer pesquisa. Aí eles perderam o prazo da pesquisa. Era fazer com seis meses. Aí eles perderam o prazo, voltaram de novo, eu falei: “Não, não permito mais”. Falei: “Não vou dar assinatura pra vocês, isso é muito perigoso”.
P/1 – E era da empresa?
R – Era.
P/1 – Qual empresa?
R – A Tocantins. A Tocantins ou a Ciplan, uma delas, não me lembro mais. Eu não autorizei. Aí um dia o juiz me intima. Por que o senhor não deixa fazer? Eu falei: “Não, não falei que não deixo, só não autorizo. Faz se quiser. Eu não proibo e nem autorizo”. E desse jeito eu falei pro Ibram lá, que eles me chamaram lá e eu fui lá. Falei: “Não, vocês querem fazer e vocês não querem pagar. Eu não proíbo não, vocês fazem, só que eu não autorizo”. “Ah, mas aí não serve”. Eu falei: “O problema é seu. Então vai pra Justiça”. “É, mas se nós perdermos isso aí o senhor vai pagar?”. Eu falei: “Vamos ver, uai, a Justiça que vai saber”.
P/1 – E o que o senhor acha deles virem, tentarem fazer essas pesquisas?
R – O negócio é o seguinte, eu já estou com essa idade. Eles querem que eu entre de sócio pra montar turismo aí. Eu falo: “Não, meu filho, eu já trabalhei o suficiente, eu não quero isso, não”. Eu falo: “Eu não quero e não preciso”. Eu falo: “Eu já vivi até hoje, situação eu passei aqui, hoje eu não preciso, graças a Deus. Eu estou comendo, tem com o que meus filhos comerem e tudo. Não preciso, não vou entrar, não. Eu só entro aí se me pagar, e não é pouco dinheiro, não”.
P/1 – E no caso das empresas, seu Valdemar? O que o senhor acha? Dessas empresas aqui em Fercal.
R – Mas hoje essa pedreira aí, isso aí é patrimônio da humanidade, eles não têm condição mais. Eles têm que comprar aqui, eu sei de tudo, agora eu não vou correr atrás, eles que precisam, eles vêm. Eles têm que comprar isso aqui, a terra, porque o subsolo não é de ninguém. Eles não são dono da pedra, são donos da terra onde a pedra está em cima. A Tocantins lá está trabalhando ilegal, já não é pra desmanchar mais. Eles têm que comprar essa aqui e doar no restante lá pra eles trabalharem lá. Mas eles pegam, o Ibram pega, recebe a multa, que multa pra eles, e não repassa um centavo pra gente. E quer entrar aí, eu não deixo mesmo. Eu falei pra eles, falei se me pagar vocês entram, se não pagar não entram.
P/1 – E o senhor acha, seu Valdemar, que mudanças aconteceram aqui na região desde quando o senhor chegou aqui até agora?
R – Ah, não tem nem comparação, mudou pra melhor porque quem sofreu aqui antigamente sabe que melhorou 90%.
P/1 – No quê que melhorou, seu Valdemar?
R – A vida da pessoa, né? Porque hoje o pessoal aqui eu conheço, no trabalho ele sobrevive. Porque eu falo mesmo, lugar de gente preguiçosa igual os meus colegas, que eu trabalhei muito pros outros, de enxada, foice, pra ganhar dinheiro. Os meus colegas que trabalharam junto comigo não têm nada. Por quê? O mundo é igual pra todo mundo, mas o que foram fazer? Foram encarcar pinga da cachaça, ou já morreram quase tudo. Eu falava, dava uns conselhos, quando eles estavam se entregando na cachaça, falei: “Rapaz, não faz isso não, você está acabando com a sua vida”. Gente que nós pegávamos assim, às vezes ia nos fazendeiros, pegava as empreita pra roçar pasto, capinar, eu já fiz tudo isso. Mas por que os outros não fizeram? Porque o mundo é igual pra todo mundo, mas o que faziam? Não reservavam nada. Tem três aí do Catingueiro que morreram todos os três. O que foi que matou? Cachaça. Eu com 18 anos acusou Chagas em mim. Se eu continuo bebendo igual aos outros eu estava vivo? Não estava. Com 18 anos, eu tenho dois bloqueios, pelo direito e acho que um pro esquerdo, de Chagas. Isso acusou com 18 anos de idade.
P/1 – E o senhor está forte, né, seu Valdemar?
R – Graças a Deus. Eu não trabalho mais aqui porque o pessoal amola demais. Porque outro dia, eu sou muito descuidado, né, eu pego e saio de sandália. E aí eu furei, pegou um espinho no meu dedo e por causa da diabetes eu perdi o dedo, tive que amputar. Aí eles não gostam, mas eu ainda gosto. Pego uma foice, roço, pego uma enxada. Esses terreiros aqui, isso aqui não é caseiro que faz, não, sou eu. Porque eu ponho um caseiro, é dois dias. E eu faço é em duas horas, três.
P/1 – Seu Valdemar, voltando um pouco em relação às empresas que vieram explorar as pedreiras. Pra essa região aqui teve alguma mudança depois que elas vieram?
R – Lá da Fercal? Tocantins, tá doido, isso aqui foi uma vida. Aquilo ali, criando preguiçoso.
P/1 – Como assim?
R – Essa lei que vem agora, do seguro-desemprego? Eu acho que está mais do que certo. Eu conheço a maioria desse pessoal, é daqui, é dessas regiões que trabalham lá. Eles trabalham seis meses pra ficar seis meses à toa. E ainda estão contra. Eu conheço é tudo. Porque muita gente era daqui, vendeu suas coisas e foi pra lá, pra trabalhar. Pra quê? Trabalha seis meses, ganha seis meses à toa. Essa lei que veio agora, eu falei, foi a mais justa.
P/1 – Mas pras terras aqui, pra região aqui?
R – Não, valorizou tudo. Se não fosse a Tocantins, teve uma época que o pessoal estava até, me chamaram e eu fui lá, uma reunião... Eu não entendo muita coisa que eu não ligo muito pra isso, querendo fechar essa fábrica. Eu mesmo, fui um que falei: “Está dando vida a todo mundo aí, que se não fosse a Ciplan, Tocantins, isso aqui não tava, não tinha condição igual o povo está fazendo, não. Hoje o povo sobrevive ali, moço, sem trabalhar”. Porque eu conheço, o cara vendeu a chácara dele aqui tudo e foi tudo pra lá.
P/1 – E estão vivendo como lá?
R – Ah, bem, né? _55min34_ Mercado ele não trabalha, porque igual se fosse trabalhar aqui na fazenda, eles têm que trabalhar, é muito. Eu sou uma pessoa que entendo disso tudo e falo de tudo que é certo.
P/1 – Eu estou olhando aqui, seu Valdemar, sua casa. Como é que vocês construíram ela? O senhor falou que veio morar aqui embaixo de um ranchinho, né?
R – É, depois eu passei pra barraco de tábua. Aí, graças a Deus a gente chegou. Mas isso aqui não tem, eu não demorei muito tempo no barraco de tábua, logo eu consegui. Mas com luta, luta, trabalhando e...
P/1 – E os filhos, seu Valdemar, quantos filhos o senhor tem?
R – Tenho cinco.
P/1 – Quantos meninos e meninas?
R – Tem dois homem e três mulher.
P/1 – E tem neto?
R – Tenho muitos. Já tenho, parece que é... eu nem sei contar (risos), parece que é bem uns nove netos. E da que eu considero que é filha também tem três. É muito neto.
P/1 – Muitos netos! E eles continuam aqui na fazenda? O senhor disse que um fica aqui, e os outros?
R – Os outros vêm sempre, quase todo final de semana. Vem bagunçar, vem.
P/1 – Trabalhando aqui com o senhor, como que foi?
R – Os meninos trabalharam muito pouco porque logo eu comprei a casa lá pra eles estudarem e ficava mais era lá. Meus filhos nunca, nem acreditam no que eu falo, que eles nunca trabalharam, né?
P/1 – Nenhum deles, seu Valdemar?
R – Ah, trabalham, mas é pouca coisa. Agora enfrentar o que eu enfrentei é que era difícil. Esse mesmo, esse mais novo, esse aí é o caçula. Esse vem. Mas mora lá no Sobradinho e vem todo dia pra cá.
P/1 – Mas aí esse trabalha aqui com o senhor?
R – Ah, trabalha. Só esse mesmo e as duas meninas. Mas eu não chamo de trabalho, não. Trabalhar é do jeito que eu valia, né?
P/1 – Seu Valdemar, e a Folia? Vamos falar da Folia agora. Como é que, o senhor disse que já tinha Folia aqui?
R – Muitos anos atrás tinha, mas acabou. Aí eu chamei o Erandir, que o pai dele era que me ensinou a mexer com Folia, essas coisas, ele tinha falecido. Aí chamei ele pra nós levantarmos a Folia. Aí ele concordou e nós fomos. Aí, infelizmente, mataram ele muito novo, aí eu continuei. Passei a Folia à associação, ajudou um pouco, e aí cansei de mexer e passei pra Alarcão. Aí começaram, entrou um dinheirão, gastaram, comeu o dinheiro tudo. Hoje foi cortado aqui o dinheiro. Ontem mesmo o menino veio aqui, eu falei: “Não, vou te dar uma ajuda, eu conheço as pessoas que podem fazer doação”, porque a Folia aqui cresceu um absurdo.
P/1 – Vamos do início, seu Valdemar. Quando que o senhor retomou a Folia? Quanto tempo faz mais ou menos?
R – Ah, eu não me lembro muito mais, não. Deve ter sido... Eu não sei...
P/1 – Mas já faz tempo?
R – Já faz tempo.
P/1 – Aí o senhor retomou a Folia.
R – Retomei.
P/1 – Como foi pra retomar a Folia?
R – Olha, a gente começou do zero. Eu já sabia, já entendia, falei: “Vamos fazer uma reunião e convidar as pessoas pra colaborarem”. Aí foi vivendo...
P/1 – O senhor reuniu os moradores aqui?
R – Daqui, da região. Eram só os da região mesmo. Aí começou, mas já não começou muito fraco. Aí eu dei um bocado de pouso a ela aqui, girei com ela, aí o povo foi gostando e hoje está esse multidão de gente.
P/1 – Mas como é que começa uma Folia, seu Valdemar? Como é que faz pra levantar uma Folia? O senhor chegou, reuniu as pessoas e depois?
R – Reuni as pessoas que trabalham na Folia. Começa que tem o Caixeiro, o Alferes, que é o da bandeira, os Guias. Aí os outros são foliões, mas só são os do lugar. Tem os que fazem as cantorias, as orações. Eu já conhecia.
P/1 – De onde? Daqui mesmo?
R – Não, veio de Brazlândia, veio de Planaltina, veio do Córrego Rico. Quando eu mexia, aí a senhora convida, as pessoas vêm, aí forma o grupo. E hoje tem gente demais, demais. E eu sou exigente com tudo o que eu faço. Na época tinha que ser uns carneirinhos, hoje já estão mais... Agora o menino veio aqui ontem.
P/1 – Qual menino? Como ele chama?
R – O dono, o Alferes, da Folia, que é filho do Arandir. Pra eu acompanhar ele, que ele também é do tipo do pai dele, que a Folia tem que ter. Não é uma festa normal, ela tem respeito, é religiosa. E a turma complica. Alguém vem e quer passar, esses daqui na região, eles não ficam. Ou vem respeitar... Não é obrigado a falar “eu sou Folião”, não é obrigado, folião é divisado.
P/1 – Como assim? Não entendi.
R – É divisado. Vou mostrar, vou pegar uma pra senhora ver como é que é o Folião. Ó, isso aqui é que divisa o folião, e aqui é o lenço que usa no pescoço, igual tem uma foto minha. Coloca ele aqui nessa posição. Só que não vai afinar porque essa aqui é a parte de trás. Aqui a senhora coloca aqui, esse é o folião que tem que obedecer as regras da Folia. Senão, aqui a divisa prega aqui na camisa. Se o folião não tiver isso ele não é um folião.
P/1 – Todos os que são foliões têm que ter isso.
R – Têm. Eu já fiz Folia aqui com mil, faço mil lenços desses e mil divisas dessas e não dá. Mas eu já levei essa Folia que foi o maior sucesso em Sobradinho II. O administrador ajudou e o rádio. Eu falei: “Ó, aqui eu não quero dinheiro não, mas pra lá, só se eles me derem dez mil, eu levo a folia lá”. Foi o maior sucesso, acho que você deve ter ido, né?
P/2 – Fui.
R – Eu não andava na cidade com o retrato, eu tenho até a bandeira aqui do Divino. Aí tinha que andar assim, que o pessoal pulava em cima, e vibrava e o padre falou: “Você é forte demais”, eu falei: “Não, não me abato com qualquer coisa, não”. Pra ir da igreja onde era o almoço. Hoje eles me elevam, já não tem, a treva parou, porque eu pedi esse dinheiro porque falei: “Administrador, eu não tenho condição, porque vai ter que pagar carreta pra cavalo, vai ter que pagar ônibus pro pessoal ir”, aí eles deram. E eu consegui levar ela lá e ainda sobrou parece que mil e 800 reais, eu devolvi pro Alarcão, o dono. E hoje eles pegaram 20, eles pegaram 30, 80 mil e não tem um centavo guardado. Mas na minha época, se tivesse aí... Ontem eu falei pro menino, não estava precisando de ajuda, tinha guardado o dinheiro. Agora tem gente que só pensa neles, né?
TROCA DE FITA
P/1 – Seu Valdemar, o senhor estava contando quando levou a folia pra Sobradinho, que as pessoas queriam lenço. Pode continuar falando.
R – Queriam, pediram, mas infelizmente eu já não tinha porque eu já tinha dado os lenços. Mas eu tirei o meu e passei. A pessoa, chorando, me pedia o lenço. E fiquei devendo, pensando em muitos que eu não pude dar. Porque eu faço a base, quando eu mexo com a folia, eu faço mil lenços desses e mil divisas dessas.
P/1 – E como é a Folia, seu Valdemar? O senhor disse que tem os cavalos.
R – É, tinha cavalo. A Folia chega, roda o dia todo a cavalo. Aí à tardezinha chega na frente, faz um S bonito, roda com os cavalos. A senhora vai ter oportunidade, em setembro você lembra e traz ela aqui um dia.
P/1 – Virei mesmo.
R – A Folia passa aqui, ela está chegando, já chegou com 400 cavaleiros, só a cavalo. Quatrocentas pessoas montadas. Aqui em casa eu dou lanche pras 400 e mais convidado que vem, lancha todo ano aqui em casa.
P/1 – E pra fazer tudo isso, seu Valdemar, o senhor fazia tudo por sua conta?
R – Fazia com a ajuda do... os vizinhos ajudam.
P/1 – Todos os vizinhos?
R – Todos os vizinhos das comunidades, na época que eu fazia ajudavam, porque sozinho é muito pesado.
P/1 – É, por isso que eu estou perguntando.
R – Mas eles conseguiram aí pegar dinheiro demais, só que na época minha eu não consegui, né?
P/1 – No começo não conseguia.
R – Não, não conseguia.
P/1 – Seu Valdemar, e pra ir reunindo os cavaleiros, as pessoas?
R – Tem uma casa, se chama Alvorada. “Alvorada na casa de Fulana”. Aí eles fazem as barracas, fazem tudo, é um trabalhão. Aí reúne o pessoal. Aí no outro dia cedo, ali janta, lancha de manhã e almoça meio-dia.
P/1 – Nesse lugar.
R – É, naquela casa. Aí depois do almoço vai girando, vai pra outra casa. O outro já está esperando lá, do mesmo jeito. Aí vai até o fim, que é o último dia.
P/1 – E tem os cantos.
R – Tem, o canto é bonito. Tem os violeiros, cantam as músicas da religião, né? E tem as catiras à noite. A noite é toda pulando catira. Catira é... Não sei se a senhora nunca assistiu?
P/1 – Eu assisti uma vez, mas pode falar.
R – A noite inteirinha catira, não tem forró, não tem som de folia, não. Folia é a folia do Divino, é a religião mesmo. É proibido som, é proibido forró, só o catira.
P/1 – E o catira então é parte da festa, da Folia?
R – É parte da festa.
P/1 – E tem quem canta também.
R – Tem quem canta, quem toca e quem dança, pula, a noite toda.
P/1 – Seu Valdemar, só pra gente também deixar registrado, como que as pessoas ficam sabendo? Por exemplo, pra 400 cavaleiros chegarem, como que isso chega até eles, a notícia?
R – A gente convida é um da região, mais que vem sem convidar... Ela começou com 50, 60 cavaleiros, hoje ela chega com 400. Aí, esse neto meu aí, desde três anos eu levava ele. Agora eu fui lá numa Folia agora que eles só ensinam o bem. Eu levei o outro que está com 12 anos, leveis os dois, sabe pra onde? Lá pra perto da Brasilinha. A gente freta o carro, leva os cavalos e encaminha eles. E levo mais meninos dos outros, sem problemas. Pode mandar mais eu.
P/1 – E os jovens estão gostando de participar?
R – Nossa senhora! Se eles pudessem sair de uma e ir pra outra (risos). Porque tem muita fartura também, sabe? E cada uma recebe um mundo de gente que tinha ali. Eu fico até passar uma parte da obrigação porque ultimamente eles gostam que eu seja Procurador. Procurador é o que recebe a prenda que... A esmola que a gente fala, o dinheiro, a arrecadação. É uma capanga assim, o povo vai pegando, você vai rezando, a gente chega, quando é no fim presta conta quanto que arrecadou. É muito bonito.
P/1 – E eles querem que o senhor continue como Procurador?
R – É, agora mesmo tem um ali, ja está aí, eu não estou querendo ir, ele já está querendo: “Não, o senhor vai procurar”. Porque é uma das coisas que se conta mais importante é o Procurador. Porque ele é o responsável pelo dinheiro que o pessoal dá na festa, põe no altar, que tem aquele altar bonito, que põe a bandeira e os instrumentos. E aí, muita gente chega e já sabe, ajoelha, beija, põe aquele dinheiro ali.
P/1 – Entendi.
R – Só tem uma pessoa pra ir lá e guardar. Esse dinheiro, ou ele é gasto na Folia de novo ou vai pra igreja. Assim que é.
P/1 – E o senhor continuou com a Folia todo esse tempo?
R – Não, não deixei não porque eles não deixam. Eles ficam em cima de mim, mas eu já não estou mais... Aqui mesmo tem umas que eu não estou girando mais, porque eu não estou concordando com umas coisas que estão fazendo.
P/1 – Ah, entendi. Com o quê o senhor não está concordando?
R – Tipo de coisa que está formando bloquinho de gente querendo ser mais importante do que os outros e a Folia é humildade. Todo ano, “ah, pouso é do Fulano, Fulano”. Não, quando eu mexia eu levava o pouso pro cara mais humilde dar, porque eu ia fazer, eu sustentava, eu tinha o maior prazer. Porque eu tenho como religião, não é como farra. E tem alguém fazendo isso aí como farra. Aí eu fui afastando, que eu não aguento ver e não chamar a atenção. E pra não contrariar, eu... Porque eu sou exigente, eles sabem que eu sou. Não quer ir não vai, não é obrigado. Não é obrigado a senhora a pegar esse lenço e essa divisa aqui. A senhora pode girar a mesma coisa sem isso aqui, mas isso aqui é abençoado pelo padre. O padre vai, abençoa ela, abençoa esse lenço. A gente vai passar pra pessoa, a pessoa tem que respeitar. E se não respeitar eu não aceito. Porque não é obrigado ele usar isso aqui: “Eu quero girar na Folia, mas não quero ser folião”. Pode ir. Come, bebe a mesma coisinha dos outros. Mas usou isso aqui, é um respeito. E eles não estão tratando isso aí. Muita pinga, muita farra. Alarcão mesmo só tem... Fala, fala, mas faz umas coisas que eu não concordo. E por isso, se eu não concordo, eu prefiro ir na que é mais religião, porque a gente sofre também.
P/1 – É, seu Valdemar?
R – Andar a cavalo o dia todo com sol quente, dormir mal dormido, a gente está fazendo penitência. Eu mesmo faço porque eu não ando a cavalo, não, eu só ando pra ir na Folia. Eu canso demais. E a dormida é... Lá uma barraca daquela. Hoje tem essas barracas, de primeiro não tinha nada, só dormia debaixo de um pau, eu gostava era daquele jeito. E cansativo.
P/1 – Cansativo.
R – E o povo, muitos não, querem farra. E não é. Esse menino mesmo, ele veio ontem aqui pra pedir para voltar igual o pai dele era. Eu falei: “Vai ser difícil”. O pai dele era exigente.
P/1 – Estão querendo mesmo que o senhor continue, né, seu Valdemar?
R – Ah não, todo ano eles pelejam comigo. Às vezes eu dou uma lograda, eu falo: “Não, eu vou, mas depois, na hora, não vou”. Porque eu vejo coisa errada e eu não gosto. Eu não nasci pra ficar calado com nada. Eu respondo mesmo, chamo a atenção. Mas todo ano ela passa aqui em casa já pra entregar, com 600 cavaleiros, 400, lancha todo mundo. O pessoal vem de carro pra lanchar aqui em casa, eu dou o lanche no maior prazer. Aqui não é com ajuda de ninguém, não, é minha mesmo.
P/1 – Aqui, mesmo o senhor não estando à frente, o senhor ainda recebe a Folia?
R – Recebo.
P/1 – Todo ano?
R – Todo ano.
P/1 – E eu vi um cartaz lá, seu Valdemar, vai ter esse ano e como é que o senhor vai participar?
R – Se eles passarem aqui. Porque a Folia não pode, é dos antigos, ela não pode cruzar, passar com o cavalo pra cá e passar pra cá. Não pode. Ela tem que virar em uma direção só. Aí vai ter a entrega aqui dela na minha irmã, uma das casas mais bonitas. Então as meninas ficam... Porque eu tenho aqui essa estampa, mas é tal dia que é aí na minha irmã e que ela passa aqui pra ir lá, né? E eu ainda convido as pessoas pra virem participar do café. Não faz lá. Eu falo: “Parece um milagre”. A Folia de Planaltina era uma Folia imensa de grande, ela gira aqui também. Aí quando eu fui na Folia, quando eu desci, olhei aquilo de gente, isso aqui não tinha nem onde ficar, de tanta gente. Aí desci, corri na cozinha, as cozinheiras, eu falei: “Não, pode pôr mais comida que isso não vai dar nem pra...”. Ah, aqui eu mandei cozinhar fora, ficou tudo, parece um milagre, a gente que tem fé. Aqui, ó quer ver esse. Está o pouso, o nome da pessoa, entrega, pouseiro: dona Maria... É minha irmã. Sitio Três Corações. Dia 12 de setembro, é na minha irmã, aqui perto de casa, na mesma fazenda. Esse dia eu trabalho pra ela lá, pra receber gente. Ali é gente também.
P/1 – Aí o senhor vai pra lá.
R – Vou. Às vezes eu estou na Folia, eu passo. Falo: “Hoje eu vou trabalhar pra eles aí pra receber o pessoal pra eles”. E começou de novo, e cada ano aumenta mais um pouco, cada ano aumenta. Aumenta o número de gente.
P/1 – E o senhor disse que não pode cruzar.
R – Não, não pode.
P/1 – Aí quando vem...
R – Aí ela tem que ser na direção, ela só passa nas casas que estão na direção. Por exemplo, a Val mora lá na dona Nova. De lá, nós entramos lá na serra, saímos cá no Córrego do Ouro. Tem estradinha assim, ó, sabe, sai desviando, nós desviamos. Aí vem pro Córrego do Ouro. Do Córrego do Ouro ela vai descer lá pra Saurina, e da Saurina vem.
P/1 – Dá a volta.
R – É, ela dá a volta. Ela não pode girar ao contrário, porque se acontece, eu não sei se é superstição mas acontece, o ano que ela cruza morre um dos foliões.
P/1 – É mesmo?
R – É isso, mas de antigamente mesmo tem. E a gente tem prestado atenção, e acontece. Não pode cruzar ela de jeito nenhum, passar aqui e voltar, fazendo isso aí não pode. E não é uma superstição não, que eu já prestei atenção nisso. Aí a senhora vem, a senhora mora onde, em Brasília?
P/1 – São Paulo.
R – São Paulo? Não, mas dá um jeitinho de vir pra senhora ver e filmar pra senhora levar pra ver como é bonito! É muito bonito!
P/1 – Seu Valdemar, nós já estamos terminando.
R – Está certo.
P/1 – Tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar pra gente gravar que eu não perguntei?
R – Não, está bom, eu já falei demais (risos).
P/1 – Pra nós está ótimo, a gente continuaria ouvindo aqui.
R – Esses dias o Correio Braziliense também veio aqui. Eu fiz: “Ixi Maria”, eu também já estava... Tiraram tanta foto. Disseram que era pra resolver esse negócio lá do Ibram aí. Eu falei: “Eu não vou dar um passo atrás, vocês é que têm que correr atrás”.
P/1 – Está certo. E o que o senhor achou de gravar essa história, seu Valdemar?
R –Eu achei bom. Às vezes o pessoal fica me amolando aí. “Ah, te vi na televisão”.
P/1 – Está certo, seu Valdemar. Olha, muito obrigada. Pode falar.
R – Está bom, na vida é assim mesmo. A amizade que eu tenho, graças a Deus, é meu orgulho de vida. E o que eu passei e o que eu estou hoje também, mostra que o mundo é pra todo mundo, agora quem desiste cedo é porque não quer fazer nada. Porque eu tenho a minha vida de por exemplo. Agora quem chega aqui hoje: “Fulano é isso, Fulano é aquilo”, mas não pensa o que Fulano passou não, né? O que a gente já passou na vida. E graças a Deus.
P/1 – Está certo, seu Valdemar. Muito obrigada pela sua história.
R – De nada, disponha.
P/1 – E parabéns!
R – Obrigado e disponha (risos).
FINAL DA ENTREVISTARecolher