Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Regina Helena Leone de Souza Paiva
Entrevistado por Léo Dias e Tatiana Dias
Entrevista MCE_CB027
Realização Museu da Pessoa
Belo Horizonte, 18 de Abril de 2005
Transcrito por Léo Dias
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P1 – Regina, boa tard...Continuar leitura
Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Regina Helena Leone de Souza Paiva
Entrevistado por Léo Dias e Tatiana Dias
Entrevista MCE_CB027
Realização Museu da Pessoa
Belo Horizonte, 18 de Abril de 2005
Transcrito por Léo Dias
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P1 – Regina, boa tarde! Vamos começar aqui nosso bate-papo. Eu gostaria de começar pedindo para você dizer seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Regina Helena Leone de Souza Paiva, nasci em Monte Santo de Minas em 21 de maio de 1946.
P1 – E o nome dos seus pais?
R – Gilberto Leone de Souza e Argentina Leone de Souza
P1 – Como você conheceu o Milton Nascimento, desde quando vocês se conhecem?
R – Olha, eu sou de Monte Santo, me mudei para Três Pontas com onze anos e daí logo a gente ficou amigo. O Bituca era um frequentador da minha casa, porque minha casa era muito animada, a casa estava sempre cheia, muita música, apesar de não ter nenhum músico, mas lá era assim, brincadeira dançante direto. Então foi uma pessoa que frequentou muito minha casa e eu a dele também, porque o Seu Zino foi meu professor, então gente tinha um contato muito com o Seu Zino a Dona Lilia.
P1 – Como é que era a juventude em Três Pontas?
R – A juventude era animadíssima. Eram aquelas brincadeiras dançantes, coisa da época sabe. O pessoal saía assim e falava: “Vamos fazer aquela brincadeira?” aí todo mundo reunia em uma casa, punha música e dançamos. Gozado, eu não me lembro de ter bebida, não era assim, entendeu? Era diferente, mas assim, um contato muito bom de jovens, muito legal.
P1 – E o Bituca participava dessas reuniões?
R – O Bituca sempre estava lá em casa, sempre foi muito amigo meu, sempre foi.
P2 – Regina, você sentia que ele tinha esse talento, que ele iria sair dali, como era esta relação?
R – Sempre. O interessante que antes de ele ser alguém, ele era como nós, então um dia eu brinquei com ele assim: “Olha, no dia em que eu casar você vai ser o meu padrinho de casamento.”. Porque como o Marco falou, nós namoramos dez anos. Então o Bituca falou: “Regina, se eu for um artista famoso nacionalmente eu trago um cantor nacional para casamento; se for internacional eu trago um cantor internacional”. Quero dizer, aquela época já se falava em sucesso, já era uma coisa, parece que dele mesmo, uma estrela já batia mesmo. E assim, as músicas que ele compunha, muitas delas ele cantava e eu ouvia, ele levava o violão eu sentava na sala e ele cantava, tanto é que quando as músicas ganhavam o festival eu pensava: “Gente, eu já ouvi essa música”, mas ele já tinha cantado pra mim. Então são coisas muito legais que a gente tem na lembrança e são coisas muito importantes para nós.
P1 – Qual foi a época do seu casamento?
R – Meu casamento foi em 1973.
P1 – E ele levou os artistas lá?
R – Não levou, mas foi ele de importante, precisava de mais algum? (risos). Inclusive o povo todo riu demais, porque o Bituca não tinha essa preocupação de paletó esse negócio todo e ele estava todo de paletó no meu casamento “Olha o Bituca hoje está...”
P1 – Ele foi padrinho do casamento, não é?
R – É ele e a Dona Lilia foram meus padrinhos.
P1 – Regina e você se lembra da primeira ida do Marcinho com o Bituca lá para Três Pontas?
R - Sim , foi uma coisa muito interessante. Até vou contar um negócio aqui, é que o Marcinho recebeu o título de cidadão de Três Pontas, então eu não sabia que era durante o dia porque foi um negócio meio extra oficial, porque ele não podia comparecer no dia. Nós passamos na porta da câmara e o Marco falou: “Parece que o pessoal está aí”, então eu falei: “Eu não vou descer”, porque eu estava caminhando, então eu estava com roupa de ginástica. Falei “Não vou descer”, porque ia ficar uma coisa meio desagradável, imagina, câmara, título de cidadão e eu com essa roupa. Eu falei: “Vai você Marco, eu te aguardo aqui” aí o Marco foi, voltou e falou: “Regina, vamos sim, você vai ter que ir” falei: “Então vou ter que ir, vou esconder lá no fundo”. Entrei e fiquei quietinha lá no fundo. Aí bom, Marcinho chegou e falou no discurso, quando ele fez o discurso e falou: “Olha, eu estou muito empolgado aqui hoje”. Você estava lá não estava?
P1- Estava sim.
R- “Eu estou muito empolgado aqui hoje porque eu estou vendo diante de mim as pessoas que me receberam em Três Pontas”. Então eu pensei assim: “Eu fui praticamente enviada”, porque realmente eu não sabia que era naquele horário, quero dizer, eu teria ido a noite sim, mas naquele horário eu não fui para ir à cerimônia. Então foi um negócio muito interessante, achei lindo e maravilhoso, fiquei muito emocionada, porque nós o recebemos realmente a primeira vez que ele foi à Três Pontas, Marco, eu e o Dida. Era ele e o Bituca chegando de ônibus, na época na rodoviária.
P1 - E o que você se lembra dessa época?
R - Dessa época ficou um contato muito bom, porque o Marco sempre teve uma ligação maior, porque ele morou em Belo Horizonte e teve mais contato mesmo. O Marco, por exemplo, nos shows do Bituca ele participava muito, porque ele estudava fora, então ele ia sempre. Eu já não ia, porque morava em Três Pontas e a gente ficava mais restrito. Mas então ficou uma coisa muito boa, uma amizade assim, que a gente não se vê tanto, mas coisa de coração você nem explica, é um negócio muito bom.
P2 – Regina, você também foi madrinha de casamento dele, não foi?
R – Pois é, isso é muito importante, isso é muito mesmo, nós fomos padrinhos, eu inclusive ia trazer o convite, depois eu pensei: “Bituca até não gosta que se fale nisso”, então nem sei se vou falar. O casamento dele foi muito bonito, o Marco e eu fomos padrinhos e no dia do casamento foi muito interessante, foi na Tijuca e eu sei que estávamos na igreja e o Naná Vasconcelos estava com o berimbau e o pessoal da igreja falou com ele, “Olha, pode tocar sua musiquinha aí, mas calma”. Mas não deu outra, o Naná foi empolgando e de repente a música encheu a igreja. Mas foi uma coisa maravilhosa, quem cercou o Naná, ninguém nem queria, porque foi lindo demais, tocando Sentinela que era uma das minhas músicas prediletas, maravilhoso.
P1 – Sentinela é uma das suas músicas prediletas então?
R – Ah é, é uma das e eu gosto muito das antigas, então pra mim é Sentinela e Pai Grande que são das mais antigas mesmo, não é?
P1 – Como é que foi ver o amigo Bituca lá de Três Pontas arrebentando no cenário nacional?
R – Gente, é um negócio inexplicável, porque de repente para nós é uma coisa simples. É inexplicável mesmo, porque você não vê a grandiosidade da coisa. Quando você pára para pensar você fala: “Gente, onde o Bituca chegou?”. Mundialmente, é um negócio maravilhoso reconhecido à beça. Entre meus amigos que adquiri depois falam assim: “Vocês são amigos do Milton?”, aí nós nos tornamos importantes para as pessoas também, que é uma coisa engraçada e a gente não vê a grandiosidade disso, você só vê quando você pára e pensa, porque realmente o Bituca... Nossa Senhora!
P1 – A gente estava conversando lá fora e você estava contando o caso de seus encontros com o Bituca. Eu queria que você contasse aqui pra gente.
R – Isso é muito interessante e muito engraçado, porque a família do Bituca, até da Dona Lilia moravam na Tijuca e eu me hospedava demais na Tijuca, porque eu tinha um tio que morava lá. Então eu passava muitas férias no Rio e tal e muitas vezes eu estava na praça Saens Peña comendo um doce em uma doceira, qualquer coisa e de repente chegava uma pessoa atrás de mim e gritava assim: “Três Pontas eu te saúdo!”, eu olhava para trás era o Bituca, mais muita coincidência. São Paulo, no Rio uma vez, foi muito interessante, te contei, não é? No Rio, eu saí de São Paulo para ir ao Rio em uma peça de teatro. Chegamos lá, compramos o ingresso durante o dia. Chegou a noite, quando eu estou na fila pra entrar, o Bituca. Aí foi aquela festa. Inclusive estavam uns amigos meus que eu apresentei e eles já acharam assim, “Que beleza!” Quando eu vou sentar, quem está do meu lado? Ele tinha comprado o ingresso outro dia talvez, o Bituca. Que foi a época que ele conheceu o Denis Carvalho, foi numa peça de teatro, nós estávamos na primeira fila do teatro e aí os artistas o aplaudiam também.
P2 – Regina, qual foi a emoção de ouvir o primeiro disco do Clube da Esquina?
R – Gente, tudo isso pra nós, ainda mais eu que gosto de música, eu sou apaixonada, tenho uma facilidade incrível para captar música e tudo isso me emociona demais, entendeu? E foi interessante que dessa vez eu falei com o Bituca: “Bituca, sabe o que eu acho interessante em suas músicas é que eu tenho facilidade incrível para guardar, mas as suas eu preciso ouvir uma, duas, três, quatro vezes para conseguir pegar a linha melódica da coisa” e o Marco achou ruim comigo, “Regina, como é que você fala assim com o Bituca? e falei “Uai, pra mim isso é um elogio”, porque essa música é uma música fabricada é uma música clássica, erudita, porque realmente você não ouve uma música clássica e capta assim de primeira. E a música do Bituca soa pra mim exatamente assim, e acho que não fui eu a primeira que falei isso pra ele não, parece que ele já ouviu isso de outras pessoas.
P1 – É de uma erudição, não é? Regina, você lembra como foi o festival Sentinela lá em Três Pontas?
R – Foi o do Woodstock (risos), mais ou menos isso? O Woodstock Trespontano (risos). Sentinela, eu falei “Uai?”. Isso aí foi um negócio maravilhoso, inclusive um dos organizadores foi o Marco, foi muito espetacular, muito espetacular, muitos artistas e o Bituca. Eu inclusive estava de resguardo, tinha tido meu segundo filho fazia poucos dias, mas não podia perder de jeito nenhum. Fui pra lá. Foi no Paraíso, numa fazenda, num lugar maravilhoso. E eu sei que o Bituca, na verdade eles ficaram tão empolgados com aquela situação ali que acho que eles extrapolaram um pouquinho na bebida, então foi uma loucura. Quem segurou as pontas ali foi o Gonzaguinha, porque o Bituca com o Chico, eles não saíam daquele refrão “O que será que será” (risos), acho que não dava pra sair de tão empolgados que eles estavam, foi um negócio emocionante.
P1 – Dizem que acabou o abastecimento de comida em Três Pontas, não é?
R – A cidade parou, tinha mais de dez mil pessoas, tinha gente da Bahia, tinha gente de todo lado. Foi um acontecimento mesmo.
P2 – Regina, tem mais algum caso que você acha interessante deixar registrado?
R – Deixa eu pensar aqui um pouquinho… Olha, tem muita coisa, sempre tem alguma coisa, mas assim a gente fica meio coisa. O Bituca, era muito interessante, ele ia muito lá em casa, isso eu já era casada com filhos e tudo e a primeira vez que ele foi para os Estados Unidos ele me escreveu uma carta, inclusive eu tenho a carta. Gozado, a gente já sentia, eu tenho todas as coisas guardadas, parece que já é uma coisa mesmo, não é? Então ele escreveu pra mim: “O marzão daqui é sargado que nem o daí mesmo” (risos). Um dos textos, porque é a cara dele isto, é muito interessante isso, ele me escrevia muito, me mandava cartão, era muito interessante. E tomava muito banho de piscina lá em casa, muito, então os meninos até brincavam, porque ele esticava para tomar sol lá assim: “Por que será que ele quer queimar mais, mamãe?” Porque as crianças eram pequenas, “Mamãe, porque será que ele quer queimar mais” (risos), ai era muito bom!
P1 - A piscina da sua casa é muito legal mesmo (risos)
R – Você gostou de lá, não é? (risos)
P1 – O que você achou desta entrevista para o Museu Clube da Esquina?
R – Estou assim emocionada. Eu acho muito importante participarmos deste encontro com vocês e estou feliz, muito feliz.
P2 – E esta iniciativa de criar um museu, Regina, você falou que guardou as coisas dele.
R – Então, já até falei com o Seu Zino, porque outro dia mesmo eu estive no fã clube Milton Nascimento e falei, “Seu Zino, eu tenho algumas coisas aqui que até acho que valeria a pena colocar em um quadro e colocar aqui”. Algumas cartas, por exemplo, que são coisas interessantes, sabe? O convite de casamento, que, aliás, está escrito atrás “não esqueça que vocês são os padrinhos”, sabe? Eu nem sei se ele tem esse convite, é capaz de ele não ter, mas eu tenho, aliás, foi meu pai quem guardou (risos).
P1 – Regina, então a gente só tem a agradecer pela sua participação.
R – Pra mim foi muito importante estar com vocês, ter sido convidada por vocês e obrigada.
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