SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de João Allievi
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 03/12/2004
Realização Museu da Pessoa
Código SOS_HV002
Transcrito por Thaís Ramos Cechini
Revisado por Ana Calderaro
P1 - João, boa tarde! Obrigada por você ter vindo. E eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é João Allievi, eu nasci em São Paulo, capital, em novembro de 1949. Estou com 55 anos recém feitos.
P1 - João, a sua família é de São Paulo ou é de...
R - Minha família morava ali na região do M’Boi Mirim, onde ali, hoje, é atrás da USP. Duas famílias que casaram os filhos entre si. Depois disso vim morar aqui em Pinheiros, que era um bairro que estava começando a ser feito. Eu sou o terceiro irmão, o mais novo de uma família de três. Meu irmão Carlos, uma irmã Ivone e depois de dez anos de distância eu nasci. Então eu sou o caçula, o mais novinho na família.
P1 - E os seus pais ele faziam o quê? Qual a descendência?
R - O pai da minha mãe, família Beu, alemã. [Sou] bisneto. E por parte do meu pai, família italiana, Allievi. Então eu sou neto de italianos. E Allievi é alunos, eu já te falei isso antes.
P1 - E o seu pai, qual era a profissão dele?
R - Bom, meu pai foi olheiro, no tempo em que São Paulo estava começando a crescer, naquela região do Caxingui, hoje. Depois o meu pai foi mexer com banco. Ele foi funcionário do Banco da América, hoje o Banco Itaú. E trabalhava no prédio do Martinelli, que era um prédio muito interessante. Hoje é monumento histórico, mas naquele tempo tinha acabado de fazer. E eu me lembro que eu ia lá ver meu pai trabalhando no Banco da América, naquele prédio interessante.
P - E a sua mãe?
R - Minha mãe, Beatriz, era do lar. Sempre trabalhou em casa. Hoje, graças a Deus, ainda é viva, mora aqui em Campinas.
P1 - E, assim, o que é que você lembra da sua infância? Como era?
R -...
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Depoimento de João Allievi
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 03/12/2004
Realização Museu da Pessoa
Código SOS_HV002
Transcrito por Thaís Ramos Cechini
Revisado por Ana Calderaro
P1 - João, boa tarde! Obrigada por você ter vindo. E eu gostaria que você começasse falando o seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é João Allievi, eu nasci em São Paulo, capital, em novembro de 1949. Estou com 55 anos recém feitos.
P1 - João, a sua família é de São Paulo ou é de...
R - Minha família morava ali na região do M’Boi Mirim, onde ali, hoje, é atrás da USP. Duas famílias que casaram os filhos entre si. Depois disso vim morar aqui em Pinheiros, que era um bairro que estava começando a ser feito. Eu sou o terceiro irmão, o mais novo de uma família de três. Meu irmão Carlos, uma irmã Ivone e depois de dez anos de distância eu nasci. Então eu sou o caçula, o mais novinho na família.
P1 - E os seus pais ele faziam o quê? Qual a descendência?
R - O pai da minha mãe, família Beu, alemã. [Sou] bisneto. E por parte do meu pai, família italiana, Allievi. Então eu sou neto de italianos. E Allievi é alunos, eu já te falei isso antes.
P1 - E o seu pai, qual era a profissão dele?
R - Bom, meu pai foi olheiro, no tempo em que São Paulo estava começando a crescer, naquela região do Caxingui, hoje. Depois o meu pai foi mexer com banco. Ele foi funcionário do Banco da América, hoje o Banco Itaú. E trabalhava no prédio do Martinelli, que era um prédio muito interessante. Hoje é monumento histórico, mas naquele tempo tinha acabado de fazer. E eu me lembro que eu ia lá ver meu pai trabalhando no Banco da América, naquele prédio interessante.
P - E a sua mãe?
R - Minha mãe, Beatriz, era do lar. Sempre trabalhou em casa. Hoje, graças a Deus, ainda é viva, mora aqui em Campinas.
P1 - E, assim, o que é que você lembra da sua infância? Como era?
R - Sempre os meus irmãos me bateram! Eu me lembro já com um sete ou oito anos, morando no Jabaquara, ali perto de onde é hoje a estação do metrô. E eu tive uma infância de rua, de jogar bolinha, de soltar balão. Eu tinha uma bicicleta em que eu ia para a escola. Eu estudava ali em uma igreja adventista porque a minha família é adventista. E eu me lembro de ser moleque de rua. Me lembro, por exemplo, de em um dia de chuva eu estar brincando no quintal e ver um avião cair ali na região do Jabaquara, onde hoje é o pátio do metrô. E eu saí correndo com a minha bicicleta e fui lá ver. Foi uma aventura.
P1 - E a região onde você morava era residencial?
R - Era residencial mas era arrabalde. O Jabaquara antigo, né? Então era, vamos dizer, a cidade começando a crescer. Isso em 1957, 1958. Então eu morava em um lugar que tinha campo de futebol atrás da minha casa, dava para brincar de mocinho e bandido.
P1 - E a escola era perto?
R - Não. Eu tinha que pedalar uma meia hora para chegar lá. Foi uma coisa muito interessante, eu acho, da educação que eu tive. Porque meu pai e minha mãe eram pessoas simples. Mas ele queria sempre que eu me exercitasse, que eu fizesse exercício, que eu não gastasse dinheiro, que eu tivesse energia para ir para a escola e voltar. Ele me deu uma Merck Suisse Aro 18. Então eu ia voltava e fiz isso muitos anos. E foi, talvez, isso aí que me despertou o interesse em andar, em conhecer lugares, em viajar. Então eu acho que o meu pai me ajudou a ver um pouquinho disso aí no momento em que ele fazia que eu fosse para os lugares pedalando a minha bicicleta. Acho que também aprendi com ele o gosto pela natureza, porque ele era um pescador que barranca de rio. Então ele saía, encontrava com os amigos, nós íamos lá para Minas Gerais e ficávamos uma semana em uma barraca. Ele pescando Dourado para trazer para os amigos comerem e eu ficava lá vendo as coisas.
P1 - Você participava das pescarias?
R - Das pescarias com o meu pai, dos acampamentos com ele. Daí, com certeza, o gosto por estar em contato com a natureza, essas coisas todas, né?
P1 - E só ia você ou seus irmãos também iam?
R – Não, era só eu. Meu irmão não gosta muito disso, minha irmã também não. O que acontece é que era uma outra época mesmo, 10 anos de diferença, né? Então, imagina, eu fazia isso. Comecei a fazer caverna, comecei a fazer mergulho e eu estava entrando na faculdade com dezessete, dezoito anos. E meus irmãos já tinham 28, estavam casados, com filhos. Então era uma coisa meio separada.
P1 - Você acha que houve muita diferença no jeito de criar entre você e seus irmãos ou a educação foi a mesma?
R – Eu acho que foi a mesma. Como eu te falei, minha família era adventista. Então tinham algumas regras bastante claras que perpetuaram-se no tempo. Então na minha casa não se bebia, não se fumava, não comia carne de porco, tinha uma preocupação com saúde, com temperança muito grande. Então eu nunca fumei na vida, nunca fui de muito de exageros. Até pelo menos poder sair de casa. Depois exagerou, né? Mas, vamos dizer, um bom tempo, a educação era a mesma. Me deram uma educação religiosa, preocupada com saúde que foi muito bom.
P1 - E você lembra do seu primeiro emprego?
R - O meu irmão tinha uma empresa e era uma imobiliária, na Rua Boa Vista, ali no centro de São Paulo. E eu ia para a escola de manhã, saía e ia trabalhar lá. E era meio office-boy, serviço de escritório, fazia de tudo. E aí depois disso foi crescendo, eu fiquei lá até catorze, quinze anos e, quando tinha dezoito anos, entrei na faculdade. Aí comecei a trabalhar de estagiário de advogado nas firmas dele. Fiz isso um bom tempo e depois abri um escritório meu com um colega que tinha se formado comigo no Mackenzie. E aí comecei a trabalhar na paralela. Eu tinha o trabalho, era assessor jurídico de duas, três empresas e comecei a trabalhar com advocacia mesmo. E aí, em 1977 mais ou menos, eu tinha acabado de me formar. Me formei em 1975 e conheci um pessoal do Centro Excursionista Universitário da USP, que fazia caverna. Conheci porque eu tinha um curso de mergulho no SESC. E aí um dia apareceu lá um monte de maluco que gostava de viajar e subir montanha, e queriam fazer curso de mergulho. E fizeram o curso no SESC comigo e com o Osvaldo de Oliveira, que era o professor. Aí depois eu comecei levá-los a mergulhar e eles começaram me levar às cavernas. E eu era estudante de faculdade nesse tempo. E aí eu ia muito PETAR [Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira], nesse parque do Alto do Ribeira que é o parque das cavernas, aí em Poranga. Eu tinha acabado de me formar, cheguei lá e vi os posseiros num bairro inteiro, que hoje é o bairro da Serra, sendo ameaçados pelos latifundiários. Então era uma época também muito política, em plena ditadura, toda fechadinha. E aí conheci o Dom Quixote, o Sancho Pança e levei esse povo para fazer uma ação contra as mineradoras que queriam expulsar os posseiros desse parque. Então durante a semana eu era advogado de posseiro e fim de semana eu era espeleólogo, fotógrafo. E aí comecei a fazer isso, levando as duas coisas. Ganhava dinheiro sendo advogado e gastava dinheiro sendo idealista.
P1 - Vamos voltar só um pouquinho? Você fez direito na Mackenzie?
R - É.
P1 - E o que é que te levou a fazer direito?
R - Um pouco de exemplo familiar. Eu tinha na família bons exemplos, assim, de... Meu irmão não é exatamente, mas o que ele fazia, convivia com advogados. Tinha uma família do Doutor Rui Mendes Reis que até faleceu a pouco tempo, que influenciou muito a trabalhar com isso. E naquele tempo era assim. Era advogado, engenheiro, médico e para ser doutor. Então era mais ou menos isso.
P1 - E paralelo à faculdade, quando você estava fazendo faculdade, você começou a fazer mergulho. Você dava aula de mergulho ou você fazia aula?
R - Eu dava aula.
P1 - Você dava aula.
R - Tinha um curso lá no SESC, em frente ao Mackenzie, na Rua Doutor Vila Nova. Então eu estudava de manhã, à tarde eu ia para o escritório — que eu era estagiário — e à noite eu voltava para lá para, nas terças e quintas, dar um curso de mergulho. Ninguém pode saber isso aqui, ninguém vai ficar sabendo disso. Mas tinha um curso de caça submarina. Então veja, que coisa ecológica! Mas ninguém pode saber disso, isso é contra o meu currículo.
P1 - E você sempre gostou de fazer esporte, de natureza?
R – De natureza basicamente. Gostava da atividade física e gostava de viajar, de conhecer lugares novos. Aliás, é o que está rolando hoje. Só que hoje você tem um esquema comercial em cima, a adrenalina está em voga no mercado. Naquele tempo a gente fazia isso com excursionista, fazia sozinho. Tinham os clubes. Tinha o Clube Alpino Paulista, tinha o Centro de Excursões Universitário, que era onde as pessoas que gostavam de fazer, se reuniam para fazer. Então eu fiz assim: uma vez eu o Sérgio, o Beto e o Renato, saímos de São Paulo de bicicleta em um trem; fomos até o Rio de Janeiro, descemos de lá na praia ali e viemos até São Paulo. Seis dias pedalando. Tinham acabado de inaugurar a Rio-Santos. É uma coisa que se faz muito hoje também. Só que hoje sai nas revistas. E naquele tempo não saia.
P1 - Quer dizer, então, que o seu envolvimento com a causa ambientalista é antigo. Você já estava ligado nesse...
R - Eu acho que tem um fato que foi marcante nisso aí. Eu era um amador. Um excursionista amador. Então mergulhava em caverna etc e tal. Aí, um dia, juntou esse gosto pela aventura com a minha profissão, que foi ser advogado. E aí, o fato de eu ir defender posseiro em um lugar que tinha caverna, um lugar de Mata Atlântica, isso fez com que eu ficasse seis anos profissionalmente ligado à isso. Então, o que é que eu estava fazendo? Eu estava defendendo os posseiros, as comunidades hoje tradicionais. Estava defendendo o Parque e indo contra a destruição das cavernas, que era praticada pelas mineradoras. E aí as coisas se juntaram um pouquinho. Quer dizer, o fato de eu defender, querer que a natureza fosse conservada, que as cavernas não fossem destruídas, com a defesa dos posseiros, com o fato de ser espeleólogo e poder conhecer esses lugares. Eu me lembro que me 1975 em participei da “Operação Tatus”, que foi uma experiência de ficar quinze dias dentro da caverna para ver o que acontecia com a questão do ciclo de Vigília-Sono. Como é que a gente reage em uma situação só escura, sem dia, sem noite sem pôr-do-sol, sem galo, sem despertador, como é que você reagia. Quem ficou dentro da caverna nessa experiência, ficou quinze dias e só dormiu nove noites porque houve uma alteração no ciclo vigília-sono. Eu estava chegando lá nas cavernas e conhecendo um pouco disso.
P1 - E, assim, quando você começou a defender, trabalhar como advogado nas causas do posseiros, isso foi uma opção sua ou foi alguma coisa que apareceu? Era no escritório?
R – Não, era coisa minha mesmo. Era puro altruísmo. Por isso é que eu falei, brinquei de Dom Quixote, porque é uma briga ideológica. Mas esse era o clima. Você respirava isso, entende? O governo militar, a opressão, os pobres, os oprimidos, os latifundiários. Então eu me encaixei meio nessa onda aí. Mas tem uma coisa minha de estar lá e ter um pouco dessa preocupação social.
P1 - E como é que você via, na década de 1970, o movimento ambientalista? Como é que ele era?
R - Quase não era. Vamos dizer, a partir de 1968, a questão francesa, da qual eu entendi, esses movimentos todos. Aqui em 1970 não se falava muito disso ainda. Mas tinha esse germe das pessoas preocupadas. “Puxa, não pode matar a fauna, não pode acabar com a mata, não pode expulsar os caiçaras, os colonos, os caipiras, seja quem for, porque são parte da cultura”, e essa história toda. Já tinha essa preocupação, é evidente, mas não era organizada. Uma das primeiras organizações disso... Bom, de 1970, puxa vida, em 1970 era muito precário. Era bem precário mesmo. E via-se o econômico. Um mercado, o Milagre Econômico, não sei o quê. Grandes consumos. Começando-se a comprar tudo. Então não tinha muita preocupação ecológica.
P1 - E não tinham grupos, assim, organizados, pessoas que você lembre?
R - Então sob o nome de preocupação ecológica não tinha. Tinham os que se preocupavam com as cavernas, com as montanhas, com as matas. Tinha esse tipo de gente, que eram mais os excursionistas. Mas nada organizado para dizer assim: "Puxa, olha, hoje nós vamos fazer o dia nacional das montanhas limpas. Nós aqui do Clube vamos sair para limpar as trilhas.” E hoje é comum fazer. Aquilo não existia. Mas o impacto também era muito menor. Dependendo do número de pessoas que praticavam isso era pequenininho.
P1 - Vamos falar um pouquinho de décadas, né? A gente falou de 1970. E como é que era isso em 1980?
R – Em 1980 já começou a ser bem diferente. Em 1984, 1985, começaram a surgir os primeiros grupos organizados. A SOS se cristalizou em 1986, se não me engano. É isso, não?
P1 - É.
R - E eu estava lá. Eu é que tive a oportunidade, o prazer de fazer a primeira ata de constituição da SOS Mata Atlântica. Eu fui o primeiro secretário executivo da fundação. Antes dela existir, eu já trabalhava na ideia organizando algumas coisas. E eu me lembro do escritório do Roberto Klabin. Mas isso em 1984, 1985 mais ou menos. Então começou a surgir essa ideia de organização. A própria SOS foi a maior delas e têm cumprido esse papel até hoje. Mas ela não é solitária. Tinha a SOS, tinha a Pró-Juréia, tinha uma que eu participava que era a Sociedade Brasileira de Espeleologia, que era um grupo que começou com uns franceses para fazer caverna. E depois, nos anos 1980, os franceses se retiraram um pouquinho. Aí eu, o Clayton, o Luiz Sanches etc, fomos presidentes dessa sociedade brasileira e começamos a nos preocupar com legislação de caverna. E esse esforço culminou em 1988, onde eu pela a SBE [Sociedade Brasileira de Espeleologia] e junto com o deputado Fabio Feldmann, conseguimos colocar na constituição de 1988 uma frasezinha dizendo que as cavernas, chamadas de cavidade naturais subterrâneas, são bens da união e, portanto, um ambiente a ser respeitado. Isso, sob o aspecto ambiental das cavernas, é muito importante porque antes a caverna fazia parte de um morro de calcário ou de qualquer outro tipo de rocha. Se o minerador achasse aquele espaço lá, não acontecia nada. Ele tinha autorização para fazer aquilo. A caverna não era reconhecida como ambiente natural. Era parte da jazida minerária. A partir de 1988, se falou: "Não, caverna não é código de minas. Caverna é código de meio ambiente". E aí se reconheceu o ambiente cavernícola e um ecossistema importante. E ele saiu de um código e foi para outro. Passou a ser protegido. E isso é trabalho de entidades ambientalistas como a SBE, entidades ambientalistas como SOS Mata Atlântica, que ajudaram muito nisso. Era o Fabio Feldmann, na época, o presidente da SOS e era um deputado federal. E ele balançava essas roseiras. Ele erguia essas bandeiras, depois a própria Lei da Mata Atlântica e não sei o quê. Então 1980, 1990 foi importante porque as grande organizações começaram aí.
P1 - Assim, só voltando um pouquinho. Antes da formação da SOS. Eu queria que você me falasse um pouco desse cenário, das poucas organizações que existiam ligadas a esse movimento antes da SOS.
R - Da conservação da natureza, é isso?
P1 - Isso.
R - Então, não existia claramente nisso uma preocupação. “Olha, nós vamos defender a natureza porque ela está sendo destruída.” Então a gente não tinha dados, por exemplo, do que tinha acontecido com a Mata Atlântica. Hoje a gente sabe, via estudo da SOS Mata Atlântica, que já cortaram 93%. Só falta 7%. E nesse primórdio a gente não tinha essas bandeiras. A gente tinha muito mais a preocupação, a desconfiança de que alguma coisa ruim estava para acontecer e não se tinha essa organização. E mais, nós não tínhamos instrumentos jurídicos para fazer isso. Imagine você que até 1988 as cavernas não tinham legislação. Elas não existiam na legislação. Só se fosse sítio arqueológico aí é que tinha uma relação X. Mas se não fosse, ela não era respeitada. Era uma maturidade da própria sociedade. Muito importante isso. Primeiro: “Olha, caverna é um lugar bonito.” Eu me lembro de em 1982, na eleição do Franco Montoro, uma discussão sobre meio ambiente, uma das primeiras discussões de meio ambiente com questão de poder público O governo Franco Montoro em 1988 falando: "Na minha gestão eu vou ter um secretário de meio ambiente." Então está se começando a criar essa estrutura de Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], Consema [Conselho Estadual do Meio Ambiente]. O Consema é essa secretaria, Conselho Estadual do Meio Ambiente. E eu fui a uma reunião lá no auditório da Folha de São Paulo e as pessoas estavam começando a se articular. E uma falava: "Ô, precisamos acabar com isso, precisamos preservar aquilo." E aí eu me lembro que eu levantei e falei: "Nós precisamos conservar a cavernas." E o pessoal olhou e falou: "Que caverna? Um negócio escuro, cheio de bicho, para quê?" E isso foi em 1982. Então, quer dizer, a partir desses encontros, dessas preocupações é que começou.
R - Onde é que nós tínhamos parado?
P2 - Naquela situação Pré-SOS.
P1 - É. Você estava contando da ida na Folha, no auditório.
P1 - Você falou de caverna e...
R - Então, em 1982, nesse evento da Folha, que era na verdade uma reunião para os candidatos a governador discutirem uma posição ambiental, ecológica da cidade. Era uma coisa nova lá, que acabou culminando com a eleição do Franco Montoro. E eu me lembro que fui lá participar disso e tudo mundo queria: "Não, vamos defender a natureza." Tinha uma questão incrível lá que era Cubatão. Porque Cubatão tinha acabado de matar uma Vila Socó. Então tinha uma coisa com relação a isso que começou a preocupar as pessoas com a questão da poluição etc. E eu defendia a preservação das cavernas. Então tinha a SBE, tinha o Clube Alpino Paulista que era excursionista mas tinha a preocupação de conservar. Eu me lembro do pessoal do CAP, eles iam lá para Itatiaia, Agulhas Negras e voltavam reclamando que tinham botado fogo na floresta: "Imagina, botaram fogo lá, não sei o quê." "Olha, o Exército está dando tiro lá." Era outra preocupação. Então, quer dizer, as pessoas começavam a engatinhar com relação à preocupação de conservar a natureza.
P1 - E João, como eram essas pessoas que tinham essa preocupação? Qual era o perfil? Você lembra de algumas pessoas que continuam até hoje na luta?
R- Eram pessoas normais que nem nós imaginamos hoje aí, os altruístas. Não eram os conformados. Eram os inconformados. Eram pessoas que queriam correr esse risco, queriam fazer alguma coisa. Já tinham no atento essa preocupação: "Puxa, alguma coisa nós temos que fazer. Se o governo não faz, a gente tem que se organizar." E era mais ou menos esse perfil. Olha, dessa época, tem bastante gente. Eu acho que eu me lembro do pessoal do Clube Alpino Paulista, me lembro do Fábio Cassino, me lembro do Baixinho, me lembro do pessoal lá... Peter Slavec, também tinham os franceses, Pierre Martin, o Nicollet, que infelizmente morreu há pouco tempo. O Clayton Ferreira Lino, que acabou sendo parceiro de um livro lá sobre as cavernas e conselheiro da SOS. Tinha basicamente esse pessoal do Clube Alpino Paulista, do CEU [Centro Excursionista Universitário]. Do CEU eu me lembro do Miguel do Covas, da Eliana Besser, da Eleonora Trajano, que são hoje professoras doutoras nas suas áreas de especialização. O Ivo Carlon, o Luís Sanches que, por exemplo, davam essa ideia de que se devia fazer alguma coisa. Mas era meio desorganizado.
P1 - E quando nos anos 1980, que a coisa começa a tomar uma forma, tinha influências de fora? Assim, dos americanos, dos canadenses, dos franceses?
R - Bom, os Estados Unidos já existia, não tinha Bush, mas já existia. Eu acho que não. Não tinha muito. Eu não percebo isso. A gente ouvia falar da Amazônia, mas não tinha muita influência de coisas assim. Pelo menos a gente não sabia. Acho que a questão da informação era diferente também. Tínhamos menos informação. Mas eu não me lembro nada de influência internacional etc e tal. Tinha lá uns negócios de dar leite para o Brasil. Lembra, de umas campanhas internacionais de trazer leite dos Estados Unidos, para a população mais carente? Era mais aí ainda na miséria, na fome. Não tinha ainda essa preocupação com o ambiente. Eu não me lembro muito disso, não.
P1 - E é uma época que as ONGs começam a aparecer, né? Como é que foi isso?
R - Uma das primeiras ONGs ambientalistas é a FBCN [Fundação Brasileira para Conservação da Natureza]. Uma coisa em Brasília, Pro-Natura, com a Maria Tereza Jorge Pádua. Em São Paulo, a SOS Mata Atlântica com uma aglutinação de alguns empresários, o Roberto Klabin, da família Capobianco, do pessoal do Estado de São Paulo, o Rodrigo, que estava começando a se preocupar com isso aí e aí surgiu a ideia de SOS. Mas era mais ou menos isso. Não tínhamos muitas não. A Pró-Juréia também é desse tempo.
P1 - Você participou da Pró-Juréia?
R - Eu dividi a mesma casa com a Pró-Juréia no tempo do Capobianco. E, por exemplo, o primeiro secretário da Pró-Juréia, que é o nosso famoso Belô Monteiro da SOS, foi lá na casa que era da SOS, ali na Brigadeiro Luiz Antônio. Foi lá para trabalhar como secretário primeiro do SBE e depois acabou indo para a Pró-Juréia. Então a gente dividia a casa da Brigadeiro entre a Pró-Juréia, a SOS Mata Atlântica, a SBE, então tinha ali em redutozinho de resistência.
P1 - E nessa época você só se dedicava à essas causas ou você exercia a sua profissão?
R - Até 1984 eu fui advogado. Aí, em 1984 eu falei: “Olha eu vou fazer outra coisa.” Então eu resolvi ser fotógrafo. Eu fiquei dois anos, assim que terminou aquela ação dos posseiros que acabaram ganhando. Foi legal porque hoje, o Bairro da Serra, dentro desse Parque do Alto Ribeira, começou uma grande briga. Uma pela conservação. Mas tinha a questão do domínio da terra. Como é que ia ficar? Eles iam sair, não iam sair? No fim acabaram ganhando em uma ação que foi interessante. Seis anos de trabalho e eles ficaram lá. Então o juiz disse: "Olha, vocês têm o direito." E já é direito hereditário, a questão do usucapião. Foi um usucapião por uma questão jurídica. Mas eles tinham lá direitos hereditários. Um ex-quilombo, escravagista, que acabou se organizando e se estabelecendo e vencendo a oposição de serem expulsos da terra. Com isso as coisas começaram a mudar um pouquinho. Eu, até 1984, assim que terminou essa ação, por incrível que pareça, ganhei essa ação e eu me arrependi barbaridade. Porque eu era sozinho contra uma coisa grande, tinha muita coisa em jogo, era minerador, as fotos. Mas a ação acabou em 1982 e em 1984 eu parei de advogar. “Fechei a banca”, como minha mãe falava, e fui ser fotógrafo. Aí eu comecei a mexer com caverna. Tinha um livro escrito, eu comecei a vender fotografia, fazia álbuns, fazia umas reportagens para vender em revista, andava de motocicleta e fotografava os ralis e vendia, mergulhava e vendia. E aí eu comecei a fazer isso aí. Em 1986 juntou uma possibilidade de fazer aquilo que eu sabia que era Direito, como visitar lugares, ter essa responsabilidade e ter esse discurso ambientalista. Foi quando eu cheguei à SOS. A SOS estava embrionária, não existia e precisava de alguém que organizasse juridicamente. E aí é que eu fui parar na SOS, exatamente nesse período de 1984, 1986 até ela se fundar.
P1 - Você já conhecia algumas pessoas que estavam lá?
R - Conhecia todo mundo. Conhecia o Clayton, conhecia o Klabin, o Capobianco, o pessoal da Juréia.
P1 - E como foi esse início de SOS?
R - Foi um ato de coragem. Porque tinha um jornalista muito ativo. Tem o Randau Marques, ele era um grande denunciador. Então ele usava o espaço que ele tinha no Jornal da Tarde para denunciar as queimadas, as coisas que aconteciam aí de desmatamento. E o Randau Marques era, assim, o Robin Wood da Mata Atlântica da época, com licença da brincadeira. Então ele e o Jornal da Tarde com o Rodrigo Mesquita, mais Klabin mais Capobianco, mais o Padre João XXX, lá de Iguape, mais alguns altruístas aí, e se começou a pensar em organizar um movimento porque tinha muita coisa. A diferença da SOS com as outras na época é que desde o início a SOS nasceu profissional. Enquanto eu na SOS era uma coisa totalmente amadora, emocional. Nós éramos emocionais. A SOS surgiu com a ideia de pegar isso, canalizar essa emoção, mas dar a isso uma roupagem profissional. Então o Klabin, esse pessoal todo já tinha uma experiência de empresários de sucesso etc. E aí já começaram a fazer a SOS pensando nisso. Então uma fundação, e não uma simples associações. Ter um capital que seriam os seus associados. A SOS começou com quase setecentos associados. Quer dizer, em 1984, 1985 se conseguiu reunir na SOS Mata Atlântica em um dia de final de semana, quase setecentas pessoas que foram lá gratuitamente para assinar o livro de presença. Foram convidados por carta e tinham que preencher lá uma coisinha que eu fiz usando aquelas folhas de reembolso do correio, que não tinha que pagar o retorno. Então recebia aquilo e preenchia, selava e botava. E fui convidado para aparecer em um sábado ou domingo na Brigadeiro Luiz Antônio, assinar o livro e balançar o símbolo da SOS, que foi feito pelo pessoal da DPZ. Esse negócio da bandeira, comida. “Puxa vida, olha que coisa legal!” Então foi uma coisa profissional. Não foi um serviço. “Ah, quem entre nós, aqui, vai fazer um símbolo?” É assim que acontecia naquela época. A SOS começou diferente: "Liga para a DPZ e pede." Então veio uma marca bonita, que hoje é consagrada, que é a bandeira: “Estão tirando o verde da nossa mata.” Então essa foi a diferença, uma coisa organizada. Eu ia lá e ganhava para fazer aquilo. Então eu era uma pessoa contratada. Eu ia lá e tinha horário, tinha que fazer a coisa organizada. Claro, no começo era muito caótico porque a gente nem sabia exatamente o ia acontecer. Tinha só o respaldo do presidente, do Fábio, do Klabin e etc. Mas a gente não sabia qual era a resposta que a sociedade ia dar a isso. E no fim foi a maior delas, foi super positiva. E eu acho que a diferença da SOS naquele momento foi esse condicionamento. Eles souberam fazer a coisa para durar. Não foram só atrás da emoção, da ideologia ambientalista. Porque ainda hoje permeia algumas coisas e fica meio chato, meio piegas. Tem que dar uma modernizada. Eu acho que é só isso. Começou desde o início marcando uma época dentro do movimento ambientalista exatamente pelo profissionalismo.
P1 - Bateu agora uma curiosidade. Você sabe por que nasceu esse nome SOS Mata Atlântica?
R - Puxa! Na verdade era SOS Pró-Mata Atlântica. Porque SOS não queria dizer nada. SOS na verdade é que se usava a questão de socorro, de pedir socorro, então SOS. É um pedido de socorro. Para quem? Pró-Mata Atlântica. Então pensaram em um ecossistema, do bioma na verdade que era essa região paulistana, São Paulo, Paraná, Rio. Um pouquinho mais para cima e para baixo e que precisava pedir socorro. Então o socorro para a Mata Atlântica. Então assim surgiu a ideia do SOS Mata Atlântica. Mas não sei quem é que inventou isso. Eu não me lembro não. Provavelmente o Fábio Feldmann ou coisa assim.
P2 - E, na sua opinião, da fundação da Mata Atlântica para cá aconteceram mudanças significativas na defesa do meio ambiente?
R - Muitas. Primeiro uma conscientização. Quer dizer, o fato da SOS começar com setecentos sócios em São Paulo e esses setecentos sócios terem tido a pachorra de fazer alguma coisa, ir lá e assinar o livro e depois começar a aglutinar em cima da ideia de contribuição e pagando etc, mostrou a opinião pública se manifestando com relação a isso. Mas foi fundamental a Constituição de 1988, porque ela trouxe garantias para a conservação do meio ambiente. Começou a falar em meio ambiente como um direito do cidadão. Antes disso, não existia. Até a própria questão da propriedade era diferente. Por que é que o Vale do Ribeira estava naquilo? Porque o proprietário das terras estava expulsando um bairro de sessenta famílias e fazia isso com toda a segurança jurídica? Porque a lei permitia. A partir de 1988 se começou a ver isso diferente. Então, bom, a propriedade é importante. Mas ela tem uma função social. Então vamos pensar na propriedade, mas vamos pensar que tipo de propriedade. “A fazenda é sua, o território é seu, mas lá tem Mata Atlântica e a Mata Atlântica é importante para o planeta. Você não pode pegar essa terra, simplesmente dizer que é sua e fazer o que você quer. Tem que pensar na função social.” Com relação às cavernas, por exemplo, na inclusão delas como bens da União. Instrumentos de defesa da Mata Atlântica, da natureza como um todo, na área executiva, na área judiciária. Ação civil pública, hoje é um instrumento que o cidadão tem para defender a natureza independente da boa vontade desse ou daquele deputado. Então muita coisa começou a mudar a partir de 1988, com certeza.
P2 - E aí focando um pouquinho na sua área de atuação. O que é que você acha da legislação ambiental brasileira?
R - É mais ou menos isso que eu trabalho hoje. Trabalho no SENAC [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial] dando aula de Direito Ambiental. Então isso é fácil. O Brasil tem uma das legislações mais completas do mundo. Além de matéria escrita, tem questões também conceituais como, por exemplo, a questão do interesse difuso que autoriza todo cidadão a defender alguma coisa que não é necessariamente dele. Por exemplo, o ar não é meu enquanto cidadão, o rio não é meu. Mas eu tenho hoje um conceito que diz: "Olha, não é só seu. É de todos." Então é o direito difuso. E isso é um conceito novo que vem na constituição. A questão da responsabilidade objetiva, que poucos países têm. Na verdade responsabilidade objetiva é dizer que nada mais pode terminar em pizza, sempre tem que ter alguém responsável. Então a Petrobrás derrama óleo em Paranaguá, não vamos discutir se foi culpa, se foi dó ou, se foi de propósito ou se foi sem querer. Não importa. Houve dano ambiental, você é responsável. Então essas coisas todas fazem com que a Legislação Brasileira seja muito atual. Agora, nós temos os probleminhas de muita lei. No Brasil tem lei demais. Tem lei, por exemplo, proibindo o dono da padaria dar troco em bala. Tem uma lei para dizer isso: "Olha, não pode dar troco em bala." Mas por que é que tem uma lei dessa? Porque o cidadão, até pouco tempo atrás, aceitava que não tendo troco, não tendo moeda, você me desse uma outra mercadoria de mesmo valor. Ou seja, cidadania. Se eu como cidadão não começo a respeitar as leis ou querer que elas sejam respeitadas, pode ter livros e livros de lei decreto, o que você quiser. Tem que ter essa parte da conscientização da cidadania. Coisa que veio junto com o código do consumidor hoje, que nós temos aí nos últimos dez, vinte anos. Hoje o cidadão comprou um treco errado ele vai e reclama. Não tem vergonha. No meu tempo minha mãe falava: "Não, não vai reclamar da loja porque ela nunca mais vai vender para você", e essas coisas todas. Então essa mudança de consciência é mais importante do que só esse arcabouço todo legal. Mas nós temos muitas leis e temos muita arbitrariedade também. Porque tem a legislação, vamos dizer, mais importante que é a Constituição, os Decretos, os Códigos etc. Mas, na verdade, na questão ambiental e na política também o que voga é um mar de portaria, de resoluções normativas que são contraditórias, são arbitrárias etc. Mas é melhor ter isso do que não ter nada. Porque, hoje, se você vira o rosto para outro lado, na natureza tem alguma coisa que consegue fazer. “Não pode fazer isso, não pode causar impacto, não pode contaminar, não pode, não.” E tem todo um arcabouço jurídico, medidas, ações próprias para isso, ação popular, ação civil pública. Hoje aí com muito grande diferença é a função da promotoria pública, das curadorias do meio ambiente. Temos hoje defensores que estão lá no Fórum, estão lá no município defendendo a natureza. “Olha, aconteceu isso, aconteceu aquilo. Cortaram a mata, fizeram uma estrada e não pode.” Então tem hoje um instrumental muito grande para defender o meio ambiente.
P2 - Então elas suprem as necessidades ambientais do país?
R - Com certeza. Na medida em que a gente vai crescendo nessa cidadania, os instrumentos estão aí para serem cada vez mais utilizados.
P2 - E, nesse início da fundação SOS, como era a sua atuação dentro da área?
R - Eu fui lá para organizar um pouquinho a coisa porque não se tinha ideia. Também não falaram para mim: "Olha, você vai vir e vai fazer isso." Falaram: "Vai lá e ajude em alguma coisa." Foi mais ou menos assim. Tinha o respaldo, como eu falei, das empresas interessadas nisso, o Jornal da Tarde, o Klabin etc. O Fábio, então, tinha uma casa, um escritório e eu ia lá. Eu era um secretário, ia lá fazer o que precisava. Então comecei a ajudar na parte da produção do estatuto. Comecei a fazer o estatuto de Fundação, que não era tão simples, não existia. Fazer uma Fundação é muito mais difícil do que criar uma ONG, simplesmente. Eu posso ter uma ONG e um instituto, por exemplo, uma coisa, simplesmente. Agora uma fundação envolve mais coisas. Então tem essa necessidade de se redigir um estatuto na época, aprovar junto à curadoria do meio ambiente, que eu me lembro, era o Édis Milaré. Então tinha esse trabalho jurídico que eu fazia. E depois tinha uma outra coisa que eu acho que foi importante também. É que eu não conhecia muita gente na relação meio ambiente então, das cavernas, eu tinha mais ou menos um canal com as pessoas que se preocupavam com ecologia, com conservação, que eram excursionistas. Eram pessoas que faziam viagem à natureza, hoje está com o ecoturismo, de aventura. Eu não sei direito. Então eu tinha essa, transitava nesse meio e isso ajudou a aglutinar um pouquinho. Mas eu fazia um serviço de escritório, de ir lá, de escrever e de atender as pessoas. Era muito interessante isso. Foi um período muito rico.
P2 - E, publicamente, como é que a fundação era vista nesse período inicial?
R - Era vista com certas restrições. Eu mesmo confesso que quando me falaram a primeira vez da fundação SOS Mata Atlântica, eu falei: "Ah, isso aí é coisa de gente rica. Desses empresários aí ricos que estão querendo fazer promoção pessoal." E se referia à família Klabin, à família Capobianco, à família Feldmann. E, em seguida, eu fui obrigado a rever essa situação. Porque eu vi: “Puxa vida, se tem gente querendo fazer alguma coisa com cacife, por que não aceitar?” Porque era essa ideologia idiota, de que para você fazer bem, você tem que ser pobre. E não é necessariamente assim. Então foi legal, porque em seguida eu mudei de ideia, falei: "Puxa vida, o Roberto Klabin põe dinheiro do bolso para fazer essa SOS funcionar. E é uma coisa que pode crescer, que pode acontecer. O Fábio isso..." Então eu mudei a minha postura de ver isso, porque a gente era meio arredio. Isso aí é um grupo de xiita mesmo. Então a partir desse momento houve uma mudança: "Puxa vida, eles podem ajudar." "Ah, mas a família planta coqueiro não sei onde, cortou..." Cortou. A família dele: “Como é que eu vou agora culpar a família dele?” “Já pensou se culparem a mim pelas coisas que o meu pai fez?” Eu não posso. Então foi importante. E mais do que importante nessa mudança é que trouxe realmente uma postura diferente de ver as coisas. Alguém dentro da família Klabin preocupado em conservar, preocupado em manter a mata. Então eu acho que foi um boom nessa época aí esse.
P2 - E o impacto na sociedade, da criação da Fundação?
R - Eu acho que foi bem recebido. Porque se os xiitas estavam concordando, imagine os outros que não tinham muita noção do que estava acontecendo. Mas foi muito bom. Puxa, eu me lembro que o Jornal da Tarde era um instrumento ferocíssimo. Todo mundo pegava o jornal para ver as denúncias lá do Randau Marques. Era uma bandeira que estava começando a tremular, então a aceitação foi muito boa, eu acho.
P2 - E a relação da Fundação já criada, com as outras instituições também ambientalista brasileiras como a OIKOS?
R - A OIKOS era do Fábio Feldmann. Então, quer dizer, a OIKOS antecede. Desculpa por alguma falha de memória, mas antecede a SOS. A OIKOS era o Fábio Feldmann germinando.
P2 - E com as instituições contemporâneas à SOS? Como era essa relação? Como era a troca de experiências? Como vocês tratavam do assunto?
R - Era uma relação extremamente amigável porque, na verdade, era a união dos esforços em cima do tema conservação. Mas a SOS sempre se diferenciou nesse aspecto que eu falei, de ser uma ONG profissional, pensar de um jeito, tinha uma casa com escritório e gente trabalhando, tinha respaldo nos jornais, na mídia, na televisão. Nada era assim: "Olha, acho que eu quero fazer. Olha nós estamos fazendo em nome." Tinha um outro lado profissional, o que fez com que a SOS galgasse um degrau claro nessa época. Mas a relação é muito boa, é muito interessante.
P1 - Você acha que... Você está falando dessa coisa profissional. Quer dizer, ela tinha isso, ela foi criada com essa ideia. Foi só isso que fez com que ela crescesse, estivesse aí há anos, ou teve uma fase heróica das pessoas, de luta?
R - Eu acho que a SOS soube aglutinar esse heróico. O heróico já vinha. Ele já germinava. Ele era que nem cogumelo, estava ali debaixo da terra. Então a SOS veio cristalizar esse tipo de coisa. Cristalizou um pouquinho o pessoal mais ideológico. Eu me lembro uma vez, um dos primórdios das SOS, uma senhora foi lá fazer uma reclamação porque tinha uma campanha para não matar aves, proteger os pássaros, a fauna, a flora. E chegou uma moça contando que ficou sabendo que, perto da casa dela — que morava em Cotia — tinha uma fazenda em que matavam não sei quantas aves por dia. E aí foi verificar e as aves eram as galinhas e nada era mais do que um abatedouro que estava matando as aves. Então tinham esses exageros. “Não matar as aves.” “Ah, mas que tipo de ave? É galinha? Então deixa para lá porque nós vamos comer ela no jantar.” Então tinha coisas assim. Os xiitas mesmo. Distorcidas até sob um aspecto inclusive. Mas, no mais, era uma coisa que começou a pegar as pessoas. Os heróicos anônimos que foram se cristalizando em organizações.
P1 - E nessa época da fundação da SOS, quais eram as frentes de atuação?
R - O maior movimento era contra o desmatamento, contra a queimada. Se hoje tinha um campo de futebol por dia, naquela época eram quatro ou cinco. Era uma coisa escandalosa. Não tinha fiscalização, não tinha lei que coibisse. Tinha uma questão toda das multas. Mas uma multa não era nada. Um cara derrubava uma árvore, a árvore dava cem e a multa era um. Então compensava derrubar e pagar a multa. Essas coisas, assim, foram catalisadoras. A defesa da Mata Atlântica contra a questão do corte da madeira, o fogo nas matas, a questão social, também veio junto. Então essa era uma grande frente. Basicamente essa.
P2 - E nesse início você já citou o Capobianco, o Klabin. Tem mais algum nome que você se lembre que fazia parte da fundação?
R - Várias pessoas. Tinha o Ibsen Câmara, que era importante e já vinha com uma história. Tinha o pessoal de Brasília, da Maria Tereza Jorge Pádua. Puxa, tinha um nome fantástico aí, eu preciso lembrar. Era um professor, eu lembro daqui a pouquinho. É, tinham muitas pessoas importantes nisso.
P2 - E na região Lagamar? Você foi para lá bastantes vezes, desenvolveu o lado do seu hobby também e virou profissão. Como é que era essa região antes da Fundação SOS chegar lá?
R - Isso é uma segunda geração da SOS. Essa primeira geração de até formar, até criar a Fundação. Depois que se criou a Fundação teve uma mudança de diretoria, saiu o Klabin e veio o Rodrigo e outras pessoas. Aí teve uma oxigenação. Todo mundo se dispersou, colocaram outras pessoas. A SOS veio com uma nova proposta. E eu fiquei fora mais ou menos uns dez anos, talvez. E aí eu fui desenvolver a minha parte. Criei uma agência de ecoturismo, naturismo e agência de viagens. Uma das primeiras. E eu fazia exatamente o que eu fazia antes. Eu levava criança para caverna. Antes eu fazia com o pessoal do CEU [Centro Educacional Unificado], depois eu comecei a fazer mais profissionalmente e fiquei um bom tempo nisso aí. Em 1994, 1995 começou-se falar em turismo, turismo de natureza, turismo ambiental. Depois virou ecoturismo e hoje é turismo sustentável. E começou-se ver que via turistas, via atividade econômica do turismo você tinha uma grande ferramenta de conservação do meio ambiente. Porque a melhor maneira de você conservar a mata em pé, a floresta atlântica, era você ter pessoas lá para dizer: "Opa, isso é importante. Não pode derrubar isso." Enquanto era, assim, uma coisa de: "Ah, é longe, é difícil, só tem pernilongo, borrachudo. Não tinha porque preservar, não é?" Então a partir do momento que as pessoas começaram a ir para a natureza de um jeito mais organizado e ver que era bonito o pôr-do-sol, que a mata era interessante, que o caranguejo era importante de ser conservado, ser mantido, começou a ter um grande fluxo de visitação. E essa visitação é um dos conceitos do ecoturismo e é instrumento de conservação ambiental. Então o que aconteceu em 1994 é que eu tinha feito um curso com o pessoal da Conservation International. O pessoal que trouxe uns técnicos, uns planejadores de atividade turística dos Estados Unidos. Já tinham feito Costa Rica etc tal. E foi o pessoal da Eco Planet. Fizeram um curso aí na região do Parque da Intervales e a gente começou a falar na possibilidade de planejar esse turismo. A gente já sabia que se começasse a ser feito do jeito que era não ia funcionar. Tinha que ter algumas prioridades, que eram segurança, conforto, atendimento das coisas comerciais dentro de uma normalidade. A minha preocupação com as pessoas lá, uma atividade que não fosse degradadora, que fosse menos impactante do que o turismo tradicional. E não era só na visitação do turista, era na infra-estrutura para esse turista. Então, naquele tempo, asfaltar era tudo o que se queria para um lugar. Mas não. “Espera um pouquinho, asfaltar para quê?” “Adianta levar tantas pessoas?” “Se nós levarmos tantas pessoas para a Ilha do Marujá, será que aguenta? Será que é bom?” “O que é que nós vamos fazer?” “Todo mundo no mesmo lugar ou pouca gente dividindo.” Começamos a pensar nessas coisas. E mais uma vez a SOS foi pioneira, fruto desse curso que eu e o Oliver Hillel fizemos. A gente fez um projeto: "Olha, vamos fazer uma coisa? Vamos ver se a gente consegue colocar essa teoria do Planejamento Sustentável na prática?" "Vamos." "Onde?" "No Lagamar, que é um lugar mais difícil, mais pobre, com muito potencial, com vários ecossistemas. Mas levando para lá a estrada da morte. Chegando lá, o mangue, que é uma coisa fedida.” “Ah, um lugar pobre e essas coisas todas.” Mas é o ideal para um projeto piloto de planejamento turístico com base sustentável. Fizemos um projetinho e falamos: "O que é que nós vamos fazer com isso agora?" "Ah, temos que ir pedir ajuda de quem pode ajudar. E o primeiro nome que veio é SOS Mata Atlântica." Então fomos lá, conversamos. O Mario Mantovani já estava na época, o Roberto Klabin, e falamos: "Olha, nós temos uma ideia de fazer isso assim e assim." E aí ele falou: "Está bom. Vamos fazer uma experiência de seis meses. Se der certo a gente continua." Então, os primeiros seis meses do projeto foram bancado exclusivamente pela SOS Mata Atlântica, e eu, o Oliver e uma equipe começamos a trabalhar em um modo de planejar aquela região de um jeito sustentável. Depois de seis meses veio o apoio da Embratur e o projeto durou três, quatro anos. Foi muito importante. Primeiro que foi o paradigma desses planejamentos. O primeiro lugar do Brasil que teve o trabalho técnico envolvido em cima de planejamento sustentável. Então se viu que para levar turista para lá tinha que capacitar as pessoas. Não adiantava ficar levando lá. Então tinham cursos lá do SENAC, do Instituto de Ecoturismo do Brasil, capacitando as pessoas. Depois tinha também que formar o cliente de uma maneira correta. Se não tinha luz elétrica tinha que explicar para ele: “Olha, você vai para lá e não tem luz, mas em compensação tem isso e tem boto.” Então teve também uma trabalho de capacitação dos agentes emissivos aqui. E aí uma função importante que a SOS fez foi exatamente trazer dinheiro para que esse projeto pudesse ser desenvolvido. Então foi feito livro, foi feito vídeo, foi feito um monte de curso lá. Na época se capacitou quase oitocentas pessoas, com oitocentos certificados. Então houve um plus profissional em cima dessa atividade. E foi a SOS que encabeçou esse projeto que ficou conhecido como Pólo Ecoturístico do Lagamar. Que foi referência agora, cinco anos mais tarde, ao governo federal, à Embratur exatamente, para criar os pólos de ecoturismo no Brasil. Ou seja, reproduzindo no Brasil o que a SOS ajudou a fazer Lagamar.
P2 - Com relação às cavernas, como é que está a condição da preservação e da conservação dessas cavernas no território nacional?
R - Legalmente, muito bem. Tem uma amarração jurídica muito grande. Você tem não só amarração na Constituição. Caverna não é do proprietário da terra, então ele não pode mexer naquilo. É que nem um bem natural, uma montanha, uma cachoeira. Não é do dono da terra. Então isso aí é tranquilo. Faz com que a pessoa não vá lá e resolva dinamitar por conta própria. Isso vira crime, dá cadeia. Além disso, tem uma estrutura toda em uma parte do governo que cuida disso. Então tem órgãos na Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, no Ministério do Meio Ambiente em Brasília, que cuidam da proteção das cavernas. Então se alguma coisa acontecer, você pode denunciar, você pode pedir reforço. Mais do que isso. Tem hoje uma legislação que, na verdade, é o licenciamento ambiental. Qualquer atividade que você vá fazer hoje e que vai causar impacto, você tem que fazer um estudo preliminar. Que é o tal do REM — Reconhecimento de Entidades Mencionadas. Então se você quer abrir uma caverna para o ecoturismo, tem que fazer um estudo preliminar. “Ah, eu quero dinamitar a caverna porque a caverna não tem interesse espeleológico mas, geologicamente, sei lá, tem tungstênio.” Então você tem que fazer um estudo. Então, hoje, a caverna está muito bem protegida. E, outra coisa, uma evolução muito grande, porque há vinte anos atrás nós brigávamos pela conservação física da caverna. Quer dizer: “Puxa vida, vão destruir o morro.” E no Ribeira tinha disso. Tinha lá uma mineradora na região de caboclos que pegou uma montanha que tinha uma caverna com estalactite azul, que tinha cobre na rocha, e simplesmente a transformaram em pedrinha. Quer dizer, uma coisa que aconteceu em 1974, 1975. Hoje isso jamais aconteceria porque ninguém é louco de fazer um treco desses porque é fiscalizado, tem multa, vai preso com certeza pela lei dos crimes ambientais, hoje não pode fazer isso.
P2 - Mas na prática faz?
R - Mais ou menos.
R - Eu estava falando do quê, me ajuda a lembrar?
P2 - Do Lagamar, nós já tínhamos passado.
P1 - Já tinha. Já tinha encerrado. Eu queria te perguntar uma coisa, João. Quais os maiores problemas que você acha que a causa do meio ambiente enfrenta hoje tanto no Brasil como internacionalmente?
R - A causa ambiental?
P1 - É. Quais os maiores problemas que ela enfrenta?
R - Primeiro, a ganância dos poderosos. Eu acho que é evidente quando você pega um país como Estados Unidos, que se nega a assinar o Protocolo de Kyoto. Quer dizer: “Eu não vou assinar isso porque eu não vou diminuir o meu nível de emissão de CO2.” Quando você pega o Japão, que é uma potência pesqueira mundial e fala: "Eu vou continuar, em nome do lucro, matando as baleias que estão no mar de todos nós." Então eu acho que essa ganância, esse poder econômico, é a grande ameaça que a gente tem. O estufa, a extinção da fauna, da flora, o corte da madeira e esse tipo de coisa. E eu acho que isso é uma coisa incrível. Agora, do outro lado, eu acho que a falta de consciência das pessoas com o risco que nós estamos correndo. Nós estamos nesse barquinho e a hora que ele afundar não adianta, nós não temos outro para ir. É só ele. Não precisa ser xiita, não precisa ser catastrófico. Mas tem que entender que isso é uma coisa que a gente tem que cuidar. E isso depende da consciência das pessoas. Se as pessoas não estiverem preocupadas com isso, não adianta. Eu me lembro desse negócio de fumar. Hoje, fumar no lugares é... Imagina, se alguém tirar um cigarro em um lugar para fumar, é linchado. Eu era molequinho, pegava um ônibus no Jabaquara e ia para a escola lá na Liberdade. No tempo do papa fila, do fura-fila dos anos 1960. E lá estava escrito assim em cima: "Proibido fumar". Mas era uma plaquinha com a lei x, y, z, que ninguém respeitava porque, imagina, você fumava em todo lugar. Por quê? Porque não existia o respaldo da lei. Que era o quê? O cidadão dizendo: "Esta lei vale." Então hoje o que é que acontece? Existe a lei, você senta nos lugares, o pictograma lá do cigarro cortado está dizendo que não pode fumar e todo mundo respeita. Então o que é que mudou? A lei ou o cidadão? É claro, sou eu que mudei. Eu que hoje vejo as coisas e falo: “Olha, se seu acender um cigarro perto de você em um restaurante, você fala assim: “Garçom, bota o cara para fora”.” Porque é respeitado. Então é isso o que mudou. Eu acho que essa coisa que precisa ser amadurecida, precisa crescer, precisa dar os frutos que são a consciência das pessoas pelo direito que tem, pelo meio ambiente. Agora, em um país como o Brasil onde as pessoas, a maioria delas está lutando pelo direito de sobreviver, de comer, de receber uma educação, de morar bem, de ter saúde, é evidente que uma preocupação com o meio ambiente ainda está longe se ser uma coisa forte nacional.
P1 - Você acha que, por conta disto, quando dizendo o que várias pessoas falam: "Imagina que eu vou me preocupar com uma plantinha, vou lá defender a Mata Atlântica enquanto tem alguém morrendo aqui. Eu vou me dedicar a esta causa das crianças que estão abandonadas." Como é que você vê isso?
R - Eu acho que isso é só um fractal do problema. É um pedaço do problema. Não é que nós devamos nos preocupar com a Mata Atlântica e não com as criancinhas. Então é um mosaico de preocupações. Nós temos que nos preocupar com tudo isso. Agora tem uma coisa inexorável que é o seguinte, se você se preocupar com as criancinhas e não se preocupar com o ambiente que as criancinhas vão morar, com a comida que elas vão comer, com o mundo que elas vão herdar, não adianta se preocupar com a criancinha. Porque a criancinha hoje é criancinha, mas se não tiver uma cidade que não tem ar para respirar, que as chuvas vêm e destroem tudo, que os rios têm isso, que a população ainda joga papel no chão. Não é só a população, tem gente graúda que também joga. Mas vamos dizer, se não houver essa conscientização, não adianta pensar só na criancinha. Eu acho que tem que trabalhar em todas as frentes. Mas é importante garantir um lugar, um meio ambiente saudável para passar a velhice, porque senão dança. “O que é que adianta ter ar condicionado, ter prestação, tv a cabo e telefone celular se o ar que eu respiro é podre? Se a água que eu vou usar está em escassez e vai acabar?” Não adianta nada. Agora, o que não pode é simplesmente simplificar a situação. Quer dizer: “Ah o meio ambiente é plantinha, é jardinzinho, é samambaia.” O ambiente é muito mais do que isso. É mais do que a Mata Atlântica, é mais do que a Amazônia. É o planeta mesmo, é a vida mesmo. Tem que pensar isso de um jeito bastante global.
P1 - E, assim, nesse anos que você faz parte do movimento, você acha que mudou o perfil, a maneira de pensar e de atuar do ambientalistas?
R - Com certeza mudou. Mas não mudou como devia. Acho que ainda nós estamos engatinhando em algumas coisas. Acho que é mais ou menos como uma gangorra. Nós estávamos em uma situação onde não existia consciência ambientalista e hoje nós estamos, talvez, em um outro extremo onde a consciência ambientalista é o grande mote, é o grande chique. Então você conhece alguém de bem que não seja ambientalista? Que não seja ecologista? Ninguém é louco de dizer que não. Então todo mundo tinha uma preocupação ambiental, social etc e tal. Porque é in, hoje, fazer isso aí. Mas, agora, dentro dessa gangorra invertida ainda tem muito radicalismo. E é mais ou menos próprio do movimento. Eu saio daqui e até equilibrar, eu tenho que dar uns balanços. Então nós acho que estamos em um pico onde o movimento ambientalista tem muito xiismo. Ainda tem muito o que a SOS tentou evitar, de ser amador e tentar ser profissional. De ver a coisa como uma coisa importante. Eu vou dar um exemplo para vocês desse negócio de ambientalismo. Em 1990 e poucos, tinha ameaça e ainda tem de uma grande construção de uma hidroelétrica aqui no Rio Ribeira, em uma região chamada Tijuco Alto. Um projeto de fazer uma barragem no rio, alagar uma grande área de Mata Atlântica, de vários parques, inclusive o Parque das Cavernas, para transformar em uma represa de hidrelétrica. Porque todo mundo precisa de energia. “Bom, mas o que é que se faz?” Houve um projeto, esse estudo de impacto ambiental, dizendo: "Olha, antes de fazerem a usina, pensem nos impactos. Se vale a pena ou não vale a pena." Então houve lá uma reunião que é uma audiência pública para leitura e aprovação do relatório desse impacto ambiental. Estava o deputado Fábio Feldmann, estava todo o staff ambientalista de São Paulo lá. E aí levantou um espeleólogo que não era eu, e começou a bradar pela salvação da caverna x. “Porque a Gruta do Jeremias, porque fulano, beltrano precisa ser preservado e vocês vão alagar a área e vão matar as cavernas e vão...” E o engenheiro da empreiteira que ia fazer a usina perguntou: "Que caverna que é, senhor?" "Ah, a caverna 'x'." Pegou o cadastro das cavernas brasileiras, identificou latitude, longitude, botou no mapa e demonstrou que a área a ser alagada não ia pegar a caverna. A caverna estava há dois quilômetros de distância. Ou seja, aquela emoção toda, aquela propaganda toda acabou se esvaecendo. Por quê? Porque não tinha base científica, não tinha informação correta, era mera emoção. E o que é que aconteceu? Desprestigiou a causa, então dançou. Porque depois de uma reunião dessas qualquer emocional vira capacho. Então não pode ser assim. Quer dizer, o ambientalismo hoje tem que sair dessa coisa emocional e tem que ira para o acadêmico, para o científico, para o técnico. É isso que é importante. "Nenhuma caverna pode ser visitada!" Mentira. Se não visitar caverna, as pessoas não vão entender que é importante preservar isso. Então nós temos aí hoje uma ideia de natureza que é uma coisa meio esquisita. Hoje natureza é só para herói, vocês perceberam? Herói e saradinho. Porque gente mais gordinha, mais barrigudinha já não vai mais, porque “puxa, tem que parecer sempre bonitinho, né?” e a natureza é um lugar que vende energia. E não é verdade. A natureza, uma das coisas que ela mais vende para a gente, aliás, dá de graça. É relaxamento, contemplação, equilíbrio. Eu não preciso estar dependurado em uma corda há cinquenta metros de altura com uma cachoeira em cima de mim para dizer: "Nossa, como a cachoeira é linda, como a natureza é boa." E eu posso às vezes sentar e ver o pôr-do-sol e ser muito mais beneficiado dessa natureza pródiga do que simplesmente essa idéia hoje de ser in. Estar na natureza é adrenalina.
P1 - É. Ficou muito ligado, né? Esportes radicais, ecoturismo virou um pouco uma moda. Mas você não acha que isso contribui?
R - Eu acho que contribui muito. Bom, é uma coisa para quem está aí. Vamos dizer assim, eu estou mexendo com esse negócio de levar gente para a natureza desde 1974 no tempo do SESC [Serviço Social do Comércio]. Já faz o quê, trinta anos, né? E é claro que eu vejo uma variável muito grande no público que vai. No início eram poucas as pessoas que iam mergulhar. A gente ia para caçar e para comer, era uma coisa predatória. Mas era a regra da época. Não tinha muitos problemas. Também tinha pouca gente fazendo isso. Depois, a consciência de que podia caçar mas tinha que limitar o tamanho do peixe. Então tinham os Campeonatos Paulistas de Caça Marinha e não valia se você pegasse um peixe com menos de um quilo. Ou seja, o indício da preocupação germinando. "Puxa, olha, vamos continuar caçando, mas não vamos matar os pequenos, só vamos matar os grandes. Um degrauzinho." No outro ano veio o seguinte: "Olha, em vez de caçar nós vamos fotografar." Então começou o quê? O mercado a mudar. Eu vendi o arpão e comprei uma máquina fotográfica. E a coisa começou a crescer. Hoje isso é muito maior. Hoje o grande mote, o grande prato do dia é a aventura. É esse turismo que eu vou lá e recarrego. E eu passo a semana inteira sentado em uma cidade sem fazer nada. Mas quando eu for para Brotas e entrar naquele bote eu vou ser o herói. Eu vou fazer coisas incríveis. Estamos vivendo isso. Mas é o passado. Daqui a pouquinho muda, daqui a pouquinho a tendência é outra. Mas tudo isso é positivo porque está fazendo as pessoas se aproximarem um pouquinho. E com relação ao turismo de aventura, uma outra coisa importante é que para você fazer o turismo de aventuras, você tem que ter saúde. Então tem esse ingrediente que é o estímulo às pessoas terem saúde. A comer bem, a se alimentar bem, não fazer extravagâncias, drogas, bebidas e sei lá o que for. Então isso é uma coisa positiva que vem junto com a ideia de visitar a natureza para fazer aventura. Olha, eu posso dizer isso e é uma maravilha mesmo. Meu Deus do céu, você está em um lugar desses para poder curtir a natureza, andar, ficar sozinho em grupo ou sei lá o que for que vai fazer, é uma coisa extremamente compensadora.
P1 - E, João, me fala uma coisa assim, voltando um pouquinho para a Mata Atlântica, como é que você vê quais são os maiores problemas que ela enfrenta hoje?
R - Eu não sei se eu hoje sou a pessoa mais indicada para falar disso. Porque a minha relação com a SOS Mata Atlântica, hoje, é uma ligação mais profissional. Sempre foi, mas hoje, vamos dizer assim, eu trabalho com eles em cima de projetos, então eu não estou dentro da ideia deles lá para dizer qual é o problema que eles têm hoje. É nesse sentido que você está perguntando?
P1 - Não, eu pensei no sentido da mata mesmo e não da fundação.
P2 - Do bioma.
P1 - É.
P2 - Na preservação, quais são os maiores obstáculos que ela apresenta hoje? O bioma?
R - Acho que são ações muito mais pontuais. Antigamente eram coisas regionais. Então você sabia que o Paraná destruía tudo. Hoje não é assim. O Paraná não faz isso. Talvez alguns municípios façam. Mas não é mais uma coisa regional. É uma coisa muito mais pontual. Então que tem um pouco disso. Uma coisa que é importante entender, é quando a gente fala: "Olha, estão destruindo a Mata Atlântica, o que eu penso?” Eu penso em uma grande madeireira com tratores, invadindo os lugares, derrubando a mata e aí sai na televisão aquelas toras desse tamanho. Mas eu esqueço, por exemplo, das pessoas que moram em São Paulo e compram um terreninho na Praia da Juréia em Peruíbe. E a primeira coisa que chega lá depois que compram o terreno é fazer o quê? Cortar mata para botar grama. Pensam em fazer um montão de coisas e não se preocupam com a água, com o esgoto que produz e não sei o que. Então eu acho que essa é uma questão muito mais pontual, mas muito séria. Porque se nós enquanto indivíduos não fizermos a nossa parte na preservação, na conservação da Mata Atlântica, não há governo que vá fazer. Não há fundação que vá resolver. Então o grande papel hoje da Fundação, se é que eu posso responder à sua pergunta, é fazer com que as pessoas se conscientizem da necessidade de ações individuais, pessoais. Não adianta fazer isso. E, outra coisa, não adianta eu ser conservacionista lá na Juréia. Em São Paulo eu sou um vândalo, um destruidor. A ecologia tem aí um autor italiano, o Félix Guattari, que faz uma figuração bonita para a ecologia. O livrinho chama As três ecologias. É livrinho porque é estreito, mas é pesado. E ele fala que tem três ecologias. E na capa tem três borboletas: uma gravata borboleta; uma borboleta dessas de apertar coisas; e uma borboleta de verdade, de voar. E ele fala que a ecologia ambiental, essa ninguém questiona, todo mundo é a favor da ecologia ambiental. “Temos que preservar a Mata Atlântica.” Alguém é contra? Nem o desmatador faz isso e fala. A segunda ecologia é a social. Do que é que adianta eu preservar a Mata Atlântica e ter esses meninos de rua cheirando cola, essa miséria, esse tipo de coisa, essa insegurança. Não adianta muito isso. Temos que pensar nessa ecologia também, essa é urbana. E a terceira, que eu acho que é a base disso, é a ecologia pessoal. Do que é que adianta eu ficar assinando abaixo assinado para a baleia, para a Mata Atlântica, para o mico-leão dourado, mas na hora que tem duas vagas ali no lugar eu nem me incomodo e meto o meu carro logo no meio para ocupar os dois espaços e não deixar ninguém estacionar. Eu sei que eu vou parar ali e vou criar um problema de trânsito. “Dane-se. Fila dupla.” Essa ecologia também é importante. Eu acho que a Mata Atlântica, infelizmente, depende um pouco dessa ecologia pessoal nossa. Eu acho que esse é o grande desafio hoje. Se eu for pegar as campanhas das ONGs ambientalistas, a SOS entre elas, você vai ver que a conscientização da pessoa, da postura, é essa. Plante uma árvore. Faça alguma coisa você.
P1 - E falando em campanha, qual é a campanha da SOS que te marcou mais? Quando se fala em campanha você lembra?
R - Uma que estava diretamente ligada era a questão do ecoturismo como instrumento de conservação, por estar trabalhando no projeto do Lagamar. E isso foi marcante. Foram quatro anos de trabalho, me envolvi, fizemos reuniões aqui e lá, então foi uma coisa muito interessante e aglutinou muita gente. Não aglutinou o turista em si, mas aglutinou o seguimento. Quer dizer, aglutinou vinte e poucas agências de São Paulo para trabalhar de um jeito correto e aglutinou cento e poucas pessoas do Lagamar, dono de hotel, pousada, barqueiro, restaurante, guia etc e tal. Então houve uma adesão popular grande no projeto. Tanto que ganhou um prêmio internacional com relação a isso. Outra campanha que me foi bastante simpática, eu me lembro, era a questão da educação ambiental para as crianças. “Mãos à obra.” Foi um exemplo que veio lá de fora dos italianos e na SOS teve uma grande repercussão. Lembra que uma vez você ganhava bandeira branca e punha essa bandeira em frente a sua casa e depois de tanto tempo você levava a bandeira lá para ver quanto tinha de poluição, de coisa química nessa bandeira. Foi bastante interessante isso aí. E tinha o “Mãos à obra”, que era o projeto, que era até o Samuel que tomava conta na SOS, de levar às escolas experiências para as crianças de mexerem com poluição. Foi fantástico. Eu conheço escolas que mudaram a postura até pedagógica depois disso, que nunca ligavam para o meio ambiente. Aí apareceu aquilo e as professoras começavam a se importar com reciclagem, em cuidar de poluição e não sei o quê. Foi muito importante isso aí. Hoje a SOS está envolvida na questão da certificação do turismo sustentável. Então é uma coisa também bastante interessante. Está se falando no mundo inteiro, no Brasil estamos engatinhando ainda nisso. Eu tenho participado via uma outra ONG que é o Instituto de Ecoturismo do Brasil, nessa área aí de certificação do turismo. Ou seja, o turismo é bom, mas não todo. Alguns são melhores do que os outros. Como diferenciar isso no mercado? Criando um selo. Digo: "Olha, fulano de tal e sicrano, se preocupam com o conforto, segurança, informação etc. Mas também se preocupam com envolver a comunidade local, se preocupam com esgoto, com lixo, etc.
P1 - Falando em coisas que te marcaram, você falou de uma campanha aí, né? Qual é o projeto da SOS que mais te marcou? Um projeto que ele tenho feito?
R - Foi isso que eu falei do Lagamar, que eu estava envolvido lá até o pescoço. Então eu participei e estava diretamente ligado lá.
P1 - E, nessa sua caminhada, nesses dezoito anos de existência da SOS, tem algum fato que tenha te marcado muito que você lembra? Pode ser até alguma coisa engraçada. Não precisa ser trágico.
R - Não tem nada de trágico, só tem coisas boas, boas lembranças mesmo. E eu acho uma coisa boa que aconteceu com o SOS Mata Atlântica foi ter descoberto o Mario Mantovani. Eu acho que o Mario Mantovani deu uma nova cara à SOS. E ele é uma pessoa transparente, honesta no que ele faz. Ele tem uma credibilidade incrível e consegue aglutinar ideias. Aonde ele vai, ele agita. Então eu acho que o Mario Mantovani é uma coisa muito interessante na SOS Mata Atlântica. Não só ele. todo o staff também. Mas ele tem esse carisma, da defesa do meio ambiente. Então aonde ele vai sacode a roseira.
P1 - Eu gostaria que você fizesse um balanço desse 18 anos de existência do SOS.
R - Puxa vida! Que pergunta, hein? Um balanço desses dezoito anos de SOS?
P1 - Coisas que você vê que são positivas, que foram positivas e coisas negativas também que você acha que deveria ser de outra forma.
R- Uma coisa positiva ao longo desses anos todos, é a batuta do Roberto Klabin. Eu tenho certeza, e posso falar isso com toda a tranquilidade que a maioria das vitórias, do sucesso da SOS, o Roberto Klabin está por trás. Ele foi o primeiro presidente, depois mudou. E depois ele assumiu de novo e está aí há dez anos tomando conta disso. Ele faz a coisa de um jeito profissional e exige que a SOS tenha os seus resultados. Isso é que é legal. E ele diferencia isso das outras ONGs. Enquanto as outras ONGs tem a mera satisfação ideológica de ter feito, ele não se preocupa só com isso. Ele se preocupa também com a questão financeira, se consegue fazer, se é viável esse tipo de coisa. Eu acho que é uma coisa importante. Outra coisa que aconteceu ao longo desse tempo aí da SOS foi ela capitalizar o voluntariado. Hoje está cheio de gente que faz isso voluntariamente, quer só fazer e não tinha onde fazer. Então a SOS, hoje, por ser uma ONG que trabalha muito com o voluntariado, e o Beloyanis Monteiro é um dos responsáveis por isso aí. É muito importante porque o que eu vejo de gente querendo fazer alguma coisa pelo meio ambiente e não ter onde. Aí vai à SOS porque lá tem alguma coisa para você fazer. Seja um evento, seja uma campanha, seja um projeto. Tem coisa para fazer. Eu mesmo, de vez em quando, vou lá e me disponho a fazer isso. O que mais disso aí? Ah, o fato de ela ser uma ONG que é autossustentável mesmo. O grande mérito também é do Klabin. Mas, sabe, é uma ONG que não depende do dinheiro do governo para fazer a campanha. Às vezes até contra. E normalmente é. Por quê? Porque tem uma estrutura econômica montada atrás do cartão de crédito, do associado do projeto. Então esse trabalho que eles fazem de controle, de fotografia de satélite, com o pessoal de São José do Campos. Que coisa importante que eles fizeram. Eles conseguiram mapear a Mata Atlântica e controlar isso por satélite. Eles sabem quando foi desmatado, se foi, de que jeito. É muito importante isso. Eu acho que é uma coisa positiva demais esses mapas que eles têm. É bastante interessante. Agora podia fazer outras coisas. Eu acho que eles estão envolvidos com a questão da certificação, mas podiam se envolver um pouco mais com uma coisa mais direta que é normatização. Selo de certificação é só pra quem quer, certo? E, hoje, nós estamos precisando de regras um pouco mais claras e, vamos dizer, impositivas. Não só de vantagens de selo, mas também de obrigações da idade. Então eu acho que hoje a SOS deveria se preocupar um pouquinho com essa questão da legalização. Com a legislação protecionista mexendo com o turismo. Porque eu preciso fazer hoje regras não só para o desmatamento, mas também para o uso turístico. Então os hotéis que estão aí surgindo, se é que o ecoturismo vai ser um instrumento de conservação, a infraestrutura do turismo tem que estar comprometida com isso. Não tem cabimento eu montar um hotel na beira do rio, na beira da Mata Atlântica e jogar o esgoto a céu aberto, ficar trazendo coisa de fora. Nós estamos passando por algumas críticas e um dos problemas hoje tem íntima relação com o ecoturismo. O ecoturismo fala que os lugares visitados não devem perder a sua característica cultural, folclórica, regional. Ou seja, nós não devemos copiar tudo o que vem de fora. Devemos manter as coisas tradicionais, a culinária regional, enfim. Manter a nossa tradição histórica e cultural. Quando eu vou lá para o Lagamar eu falo isso para as pessoas: "Olha, vocês têm que manter a arquitetura histórica da capitania hereditária do não sei das quantas" "Não, você tem que manter o seu método artesanal de pesca, não é?” “Você tem que manter a Mata Atlântica em pé.” Só que como é que faço isso falando hoje tudo em inglês? Veja, por exemplo, os termos. Eu não estou falando de site internacional porque aí a linguagem é diferente. Mas hoje, em São Paulo, 50% das agências em São Paulo que fazem ecoturismo se chamam Adventure alguma coisa. Não tem mais nome. Nós temos um vocabulário aí extremamente rico, o tupi-guarani, mambucaba, bocaina. Um nome tão lindo. E estão trocando isso por Red Beach? O que é isso? Então eu acho que tem um pouco dessa preocupação que é sustentável. Porque a gente acha que os outros têm que manter a cultura, a coisa original. E nós aqui da cidade? Cadê a originalidade? Por que é que nós temos que copiar tudo do Tio Sam? Dá uma olhadinha, não tem mais farmácia, agora é Drugstore. Não tem mais entrega, agora é delivery. Outro dia eu fiquei surpreso. Atrás de mim tinha um carro barulhento buzinando com uma cruz vermelha e eu pensei que fosse uma ambulância e não era. Era uma emergence car service. É demais, né? Estamos entregando o ouro para o bandido. Eu acho que também isso deveria ser pensado um pouquinho.
P1- E João, assim, você consegue imaginar o SOS, qual vai ser essa caminhada dela daqui a dez anos, alguns anos?
R Bom, está bom. Uma perspectiva futura?
P1 - Isso.
R - Eu acho que é de consolidação. Primeiro que a gente tem um pouco de exemplo dessas ONGs internacionais. E eu cito aí o Greenpeace, cito o WWF, cito a Conservation International, ONGs mais antigas que a SOS e que, ao longo dos últimos dez anos, só fizeram crescer, só fizeram progredir. E acho que a SOS tem o mesmo destino. Vai progredir, vai consolidar, vai ficar forte, vai fazer coisas. Agora, tem que fazer projetos, não pode ficar só na publicidade, só na divulgação, no marketing. Não é só para ficar vendendo chapeuzinho e camisetinha de Mata Atlântica. Tem que fazer coisas objetivas pela Mata Atlântica, coisa que a SOS faz.
P1 - E o que é que significa essa caminhada para você da Fundação SOS Mata Atlântica?
R – Puxa, essa pergunta é emocional, hein? Eu tenho uma relação muito grande com a SOS porque quando ela começou a ser pensada eu estava lá com o Fábio Feldmann, com o Klabin. Como funcionário, mas ajudando a fazer. Como eu falei, ajudei a escrever o estatuto, convoquei a primeira reunião, escrevi a ata de constituição da SOS e isso para mim é um prazer enorme. Um dado curricular que eu me orgulho muito. Em um segundo momento o Lagamar também foi muito importante na minha vida. Foi uma guinada porque eu tinha parado de ser advogado e estava querendo mexer com outro tipo de coisa, que era turismo. Então planejar esse turismo, que é um turismo sustentável, com a ajuda da SOS,ajudar a fazer o polo do Lagamar e essas coisas todas também me dá uma satisfação muito grande. Eu tenho um carinho e um agradecimento muito grande por tudo. Além de ser amigo de todos eles. Do Mario, do pessoal de lá de dentro, do Belô, do Klabin, do Adauto. Todo mundo aí.
P1 - E você gostaria de mandar algum recado, de deixar alguma coisa registrada para a SOS nesses dezoito anos?
R - Para o futuro ou passado?
P1 - Não, você dando um presente para a SOS. Eu estou te mandando essa mensagem.
R - Posso pensar?
P1 - Pode.
R - Porque eles merecem tudo de bom. O que é que eu desejaria para eles, pensaria para o futuro deles aí, né? Eu acho que eles têm essa consciência sólida da economia, da necessidade de ter um respaldo financeiro para as coisas, que só de ideologia não se vive. Então um grande exemplo da SOS é ter esse rumo. Quer dizer, eles têm essa preocupação em ter sustentabilidade financeira, em ter um sócio pagante, participando, e isso é fundamental e não pode perder para não cair aí na vala dos comuns. Porque, hoje, das cem ONGs que você tem do meio ambiente, 99 são dependentes. Tem grandes ideias mas não conseguem articular. Porque não tem nem dinheiro e nem articulação política. Coisa que a SOS tem. Então o meu desejo é que isso se fortaleça cada vez mais. Que eles tenham aí esse sextante sempre apurado, que eles desenvolvam as pessoas e se preocupem basicamente com conservação de Mata Atlântica. Os processos que ajudam essa concentração, e nisso eu coloco o turismo sustentável. Nessa questão de certificação, de qualidade do produto. Eu acho que o caminho é bastante próspero. Eu vejo isso com bastante otimismo e com muito orgulho mesmo. Que é um orgulho muito grande de ter feito alguma coisa com o SOS Mata Atlântica.
P1 - E tem alguma coisa que você gostaria de falar que eu não te perguntei?
R - Puxa, eu falei tanto! Com relação a quê? À SOS, ao movimento ambientalista, à minha pessoa?
P1 - O que você quiser. Uma coisa que eu você fale: “Puxa, mas aquilo era tão interessante e ela não me perguntou.”
R - Não tenho agora assim, pronto. Eu acho que a gente conversou bastante e a gente alinhavou aí um histórico. E, mais importante do que o meu histórico, eu acho que é essa trajetória de todos. Eu me sinto, na verdade, bem com isso de ser uma pedra nesse tabuleiro. E que é interessante falar: "Puxa vida. A gente tem juntado pessoas no mesmo espaço, com interesses diferentes às vezes, uma pedras brancas e outras pretas, mas a gente têm feito um jogo.” A gente tem se divertido com isso também, né? Então eu acho que é legal ver isso hoje como uma realização profissional. “Puxa, que legal as pessoas, cada um do seu jeito, contribuindo com a melhoria geral das coisas.” Então acho isso legal. E vejo a SOS como em São Paulo, como uma grande indutora dessa consciência. “Legal você ter participado desses processos todos, né?”
P1 - João, então eu queria te agradecer pelo seu depoimento, por você ter vindo. Muito obrigada.
R - Eu peço desculpas um pouquinho pelo atraso, esse improviso aí de cidade. Agradeço o café, a água, a paciência do povo aí.
P1- Só vou te pedir uma coisa. Da gente fazer aqui. É o seguinte João, assim depois que nós terminamos a gente vai fazer uma brincadeira com a câmera que vai ser meio em making-off e a gente pode escolher alguma coisa que você queira falar. Assim, alguma coisa sobre o SOS em geral, que vai ser uma...
P2 - Algo mais fechado.
P1 - Fechado. Ele vai fazer um. Que é para depois caso eles queiram usar. E aí eu não sei se você quer falar sobre o SOS, sobre o meio ambiente, sobre os dezoito anos, sobre o Mantovani.
R - Não. Do Mario eu não vou falar não.
P1 - Ou talvez dessa ligação afetiva que você tenha com o SOS.
R - Mas como assim?
P1 - Assim, você falou como eu te perguntei. O que é que representa o SOS para você? Essa relação. Como que tem um peso muito grande na sua vida? Foram momentos importantes?
R- Acho que tem uma coisa que aconteceu em um diálogo lá no tempo do Lagamar. Aliás, acho que foi até antes, no tempo do começo mesmo lá. Em uma conversa com o diretor lá da SOS uma vez, falando sobre trabalho etc. E a pessoa falou: "Não, você não precisa ganhar dinheiro porque você faz o que você gosta." Falava assim: "Você está reclamando de quê? Você faz o que você gosta." Então isso me marcou. Foi uma coisa que, na hora, eu fiquei chocado. Eu falei: "Puxa vida, eu me preocupo com a minha ecologia e isso para os outros vale menos porque eu faço o que eu gosto?" Que bom se todo mundo fizesse o que gosta. Então eu acho que isso foi importante eu ter visto lá dentro. E isso, ao contrário, em vez de eu me sentir depreciado ou, vamos dizer, em uma outra categoria de, sabe, você faz o que você gosta e então está bom, eu achei que era legal. Porque era um momento da minha vida onde eu tinha exatamente me proposto a fazer isso.
P1 - E...
R - Não, me deixa terminar. Um momento da minha vida que eu tinha me proposto a fazer. Olha, eu estou cansado de viver assim. Correria da cidade, o estresse, não sei o quê. E eu vou fazer alguma coisa diferente. Mas não fui fazer exatamente o que dava mais lucro, o que era maior. Eu resolvi fazer uma coisa que eu me sentisse bem, né? Então eu acho que isso é importante. Que as pessoas procurem uma relação com a vida fazendo aquilo com que se sintam bem. E hoje nós somos tão preocupados com consumo, com aparência, com não sei o quê. E não é exatamente isso. Hoje nós estamos perdendo o foco de alguma coisa. Como fotógrafo eu estou vendo acontecer uma coisa interessante. As pessoas estão pouco se ligando para as técnicas da fotografia e mais se ligando no manual de instruções da máquina. Hoje o informático, o digital é que está ocupando o lugar. Então eu compro uma máquina hoje para saber os programas, vou ler o manual para ver como é que eu mexo com os programas que vão fazer o quê: a fotografia, que é o essencial. Quer dizer, eu saber os processos e ele estar gravando ali. Tem técnica, tem abertura, tem campo focal, tem luz. Nós estamos esquecendo um pouco desse ensinamento e estamos correndo atrás de alguém que faça tudo pela gente, não é? Então isso aí é uma coisa que acaba deixando a gente meio deprimido por um certo tempo. Precisamos fazer as coisas por nós mesmos. Por que é que é legal ir para a caverna? Por que é legal subir no morro? Porque a escalada que eu faço na Pedra do Baú depende de mim. Eu é que tenho que fazer a minha parte, entende? É diferente de pegar um teleférico e ir lá para cima. Então esse processo da vida é que eu acho que é importante a gente recuperar. E faz parte desse equilíbrio da ecologia pessoal da gente com a gente mesmo.
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