P/1 – Boa tarde Wallace. Gostaria de começar pedindo que você me diga seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Boa tarde. Sou Wallace Rocha da Conceição, tenho 24 anos - completei agora, vai fazer um mês ainda.
P/1 – Que dia?
R – Dia 20 de Agosto.
P/1 – Então você nasceu dia 20 de Agosto de…
R – Mil novecentos e oitenta e oito.
P/1 – E você nasceu aonde, Wallace?
R – Nasci no Rio de Janeiro
P/1 – Me diz o nome dos seus pais.
R – O nome da minha mãe, no caso, é Irani Rocha da Conceição. O meu pai… eu não sou nem registrado no nome dele, mas é Genésio Faustino alguma coisa, que nem eu sei.
P/1 – Mas você conhece ele?
R – Eu o conheço, mas ele não me conhece.
P/1 – Me conta como é que foi ser criado pela sua mãe. Conta um pouquinho da sua infância.
P/2 – Você tem irmãos?
R – Tenho dois irmãos mais velhos que eu. Sou o mais novo.
P/1 – Mas também do mesmo pai?
R – É o mesmo pai. São registrados no nome dele, tudo bonitinho. Só eu que to diferente deles, mas não porque eu quis.
P/1 – Por quê?
R – Mas não porque eu quis, entendeu?
P/1 – Porque ele quis?
R – É, foi ele que… A história eu vou contar.
P/1 – Então me conta um pouquinho essa história, como é que foi?
R – Na verdade fui criado com a minha mãe e pela minha avó. Minha mãe conta uma história pra mim que os meus irmãos, o mais velho, quando nasceu o Anderson o mais velho nasceu, bebezinho forte, quatro quilos, aquela coisa bonita, cabelinho enroladinho e pele escura mesmo, escurinho. O que acontece? Ele virou e falou que “Ah! Esse aí não é meu filho não”, porque todo mundo falava: “Ele é muito bonito. Não parece contigo não!”. Aí ele pegava no pé da minha mãe, falava: “Poxa, esse garoto não é meu filho não, não é meu filho.” Ficava com aquela história. Enfim, registrou tudo bonitinho. Aí veio o meu irmão do meio, o Emerson, que trabalha no AfroReggae agora também e veio escurinho também, porque puxou a família da minha avó aquela coisa mais escurinha. Aí ele falou: “Esse aí é meu filho!”, não sei que, aquela história. A minha mãe foi contando pra mim e quando chegou a minha vez – porque foi escadinha e quando chegou a minha vez eu nasci mais claro. Mas na verdade minha mãe falou que eu nasci branco, a verdade é essa, nasci mais clarinho mesmo, diferente deles. Ela falou: “Você nasceu bonito assim, muito bonito, igual aos seus irmãos, mas só que teve um porém: seu pai cismou que você não era filho dele, falou que não ia registrar porque não era, não era pai desse filho branco” e minha mãe falou que ele simplesmente deixou, eu acho que eu devia ter o que, um mês ainda, não sei se eu completei um mês. Eu não conheci meu avô, não sei o que que é um avô, não tive avô. Aí a minha mãe foi e falou isso pra mim e eu carrego até hoje porque quando eu completei meus 13 anos, minha mãe me chamou assim na esquina - porque meus irmãos já conheciam meu pai, eles foram mais velhos que eu…
P/1 – Mas ele não visitava seus irmãos também?
R – Não, não visitava. Depois que foi embora, meus irmãos provavelmente tinha o que? Uns 12 pra 13 anos, meus irmãos. Eu era o mais novinho. E minha mãe foi, ela já estava com meu pai na esquina – meu pai ele é alcoólatra e acho que por isso também ele não recordou a minha imagem também pra ele, quando a minha mãe falou assim – eu já tinha 13 anos já, falou assim: “Poxa, vai lá conhecer teu pai. Teu pai tá ali na esquina com os seus irmãos. Aí eu: “Sério mesmo? Meu pai?”, “É, teu pai, você vai lá conhecer teu pai hoje”. Não foi uma decepção mas foi gratificante porque eu conheci meu pai. Só que quando eu cheguei ele tava alcoolizado, uma coisa assim, uma roupa que não tava tão legal, e olhar meu pai vestido assim desse jeito. Aí minha mãe: “Tá ele lá, é aquele lá da esquina lá que tá junto com seus irmãos”. Meus irmãos tudo pequenininho, eu também, menorzinho, fui andando pelo cantinho, na esquina onde eu moro, Vigário Geral, fui pelo cantinho e olhando pra minha mãe, “Po, to se afastando da minha mãe, porque eu não desgrudava da bermuda dela, aonde minha mãe ia eu queria ir e eu sempre fui grudadão mesmo com a minha mãe. Tinha que ela se incomodava. E quando eu cheguei lá, meus irmãos falou assim: “Vem cá, vem cá Walla”, porque aquela coisa familiar aquela coisinha assim mais delicada, “Vem cá Walla”, porque eles me chamam de Walla, “Vem cá Walla, aí, nosso pai”. Só que, a gente criança não tem aquela maldade, “Pô, meu pai tá bêbado!”, só que não, eu sempre fui naquela parada assim mais calmo, tranquilo, minha família toda é assim tranquila. Aí eu olhei assim, falei: “Você é meu pai?”, aí ele: “Você é quem?”, aí eu: “Sou o Wallace”, aí ele: “Ah Wallace, vem cá, meu filho!”, deu aquele abraço assim. Eu senti o abraço do meu pai primeira vez, não tive um colo, não tive nada. Meu primeiro abraço assim do meu pai. A coisa foi tão legal, só que aí quando ele começou a falar eu notei que ele tava bêbado. Ele começando a falar assim, trocou o meu nome, ele me chamava de Emerson, me chamada de Anderson, mas nunca acertava Wallace, e eu fui começando a notar. Eu falei: “Poxa, parece que na cabeça dele eu não sou prioridade como filho dele assim também, entendeu? Uma coisa que eu carreguei até hoje. Até hoje eu carrego e nunca vou esquecer, nunca. Vai ser eterno. Aí ele ficou falando com meus irmãos, dava um abraço, não sei o que lá, falava com os meus irmãos com o maior carinho, eu ficava olhando. Tinha hora quando ele queria falar comigo, “E aí Emerson?”, eu: “Eu não sou Emerson, sou Wallace”, e tipo toda hora tinha que corrigir, já tava ficando chato. Eu já não queria ficar perto. Bateu um certo ciúme na verdade, ele chamou os meus irmãos com o nome certinho e o meu ele erra. Aí foi onde que por conta própria eu falei: “Eu vou falar pra minha mãe, vou lá ficar com a minha mãe”. Meus irmãos eles falaram: “Eu também vou embora, minha mãe tá esperando a gente ali na esquina”. Aí se despedimo dele, aí ele nem lembra da minha fisionomia também, nem lembra do meu rosto nem nada. Daí pra cá, o que acontece? Os meus irmãos, eles devido ser mais velho, acompanhava minha mãe pra fazer compra, alguma coisa assim, se fosse na feira. Minha mãe ela catava muita xepa. Catava muito as frutas assim, igual aqui no chão agora mesmo tem um abacate ali que tá a ponto de tá apodrecendo então minha mãe cortava a parte podre e cortava bonitinho ali, lavava, botava na mesa pra gente se alimentar. Então na verdade meus irmãos acompanhavam. Então quando eles iam fora da comunidade, porque lá tem uma pracinha que é fora da comunidade, e essa praça ela é muito antiga, chama Praça Catolé do Rocha, acho que o nome é esse. Então tem um coreto e meu pai vivia nesse coreto, um coretinho que tinha lá e uma porção de homens sujos, meu pai no meio dizendo assim, mendigo. Pelo que eu via, eu interpretava assim. E meu pai no meio, bêbado, e quando meu pai via a gente passar, minha mãe falava – quando eu ia com a minha mãe também, minha mãe falava: “Ó teu pai lá”, só que não é vergonha ficaria meio chato chegar nele, ele não vai lembrar de mim, eu vou ficar toda hora: “Pô, e aí pai?”, “Pai? Você é meu filho?”, ficando aquela coisa assim. Eu preferia nem ir, ficava segurando a mão da minha mãe ou a bermuda dela assim e ia embora. Eu via, eu via, uma cena que é chata quem é filho e ver o pai uma situação dessa, só que eu mesmo já não sabia nem o que fazer devido a eu ser uma criança também. E quando meus irmãos iam só com a minha mãe, particular assim, eles: “Ah, vamo lá fora”, eu ficava com a minha avó. Minha avó tomava conta de mim também, e dos meus irmãos e eles vinham com Danone, com biscoito e é uma coisa que não era de costume a gente ter Danone, ter biscoitinho, biscoito recheado, era muito raro mesmo. A situação era muito complicada. Aí meus irmãos: “Pô, meu pai comprou pra mim biscoito”, “Comprou pra mim também” – meu outro irmão falava, os dois falavam assim. E eles dividiam comigo porque dava pra mim lembrar assim na minha cabeça: “Pô, meu pai não lembra de mim mesmo não. Me conheceu naquele dia lá, mas acho que não sabe quem eu sou não. Não sabe porque ele compra biscoito pra eles, compra biscoito, compra não sei o que, fala com eles, lembra o nome deles, mas nunca lembrou de mim”.
P/1 – Mas teu pai trabalhava de qualquer forma? Ele bebia, mas ele tinha um emprego também pra ter um sustento?
R – Pelo que minha mãe explicava pra gente que ele trabalhava, ele era marrequinho, parece, uma coisa assim de supermercado, não sei, botava sacola pras pessoas, compras na sacola, ou ele trabalhava alguma coisa de mercado, alguma coisa assim. Minha mãe explicou pra mim, só que devido a separação de muito tempo também, quando eu fui crescendo, a minha mãe já não soube tanta coisa dele pra explicar pra gente. Aí minha mãe falava isso. Aí meus irmãos aparecia com biscoito e eu pô, eu ficava olhando e eles, “Vem cá cara, vamos comer junto”, aí dividia, aquela coisa de irmão. A gente sempre foi unido pra caramba também, algumas coisas, em algumas coisas a gente foi unido. Então eles dividiam comigo, mas só que eu me sentia meio desconfortável, minha mãe sempre tava ali comigo, com a gente, chamava a gente pra conversar. Meu irmão mais velho brincava de cosquinhas, aquela coisinha maneira, muito legal. Um tempo bom, passou, mas da pra recordar muita coisa boa também, além dessa história do meu pai.
P/1 – E a tua avó também?
R – Minha avó?
P/1 – Você falou que ela…
R – Dá vontade até de chorar.
P/1 – Ajudava a criar vocês também?
R – (Choro). Cara, minha avó, tenho muito orgulho da minha avó (choro). Não sei se eu vou conseguir falar. Minha avó tinha muito carinho por mim, cara. Tem que falar, não to conseguindo falar, porque fez eu lembrar.
P/2 – Me diz o nome dela.
R – Irene Rocha da Conceição. Minha avó, ela tinha muito carinho por mim, cara, de verdade. Vou te falar, o que eu sou hoje foi muito graças a ela também, sabia? Ela me deu muito incentivo, muito mesmo. Sempre me falou que eu ia ser um bom menino, falava que eu ia ser estudioso, falava que eu ia ganhar o que eu mereço na minha vida, sabia? Vou te falar, minha avó cuidava da gente quando a minha mãe ia sair pra alguma coisa, fazer algum trabalho, que era faxina, alguma coisa assim, minha avó fazia comida pra gente, tinha dia que a gente tava passando mal, minha avó cuidava da gente.
P/1 – Ela morava com vocês?
R – A gente morava com ela, casinha muito simples mesmo, muito simples. Dói lembrar, sabia? Cara, ela tratava os dois irmãos bem pra caramba, mas pelo que eu não tive do meu pai, ela me deu tudo o suficiente.
P/2 – Você era o xodó dela? O caçula?
R – Eu nem imaginava que ia chegar no assunto da minha avó assim, de cara, porque sinto muita falta dela, muita falta. Cara, vou te falar, a gente dormia no chão junto com a minha avó, chão de terra, não tinha nada, era só um lençolzinho.
P/2 – Ela deve tá contente vendo que o que ela te dizia aconteceu.
R – Verdade, vou falar, eu lembro que quando eu fiz uma ignorância com ela de ela ter ligado o radinho dela, aquele rádio vitrola, parece que se diz, bem antigo. Aí ela ligava pra ficar ouvindo uma rádio de oração, que ela gostava de ouvir – ela era da católica, Igreja Católica, ela me levava com ela. Eu era o único que tava disponível pra qualquer lugar que ela queria ir e tava junto com ela e ela me levava muito pra assistir culto na igreja com ela. Ela queria me batizou, mas não deu. Não sou batizado ainda, sou apresentado. Minha avó, teve uma época que ela ganhou uma cama, não sei, ela comprou, parece que comprou do dinheiro dela, da pensão dela, ela chegou a dormir um tempo na cama e a gente não tinha cama. Minha comprou porque tava ficando na idade já e já viu que não tava dando mais e comprou umas coisinhas assim pra dentro de casa, e ela abriu mão da cama dela pra me dar. Falei: “Não precisa não vó, pode ficar com sua cama, vó”. Eu era menor nessa época,era menorzão. Ela…
P/1 – Menorzão quantos, assim? Dez anos?
R – Com certeza eu tinha uns 13 anos ainda, uns 13 pra 14 anos, era pequeno. Então era uma cama, a cabeceira da cama – era de solteiro, tinha um compartimentozinho de botar, parecia ser uma roupa de dormir, pra você quando for dormir abre e bota essa sua roupa, uma coisa assim. Ela me deu essa cama, falei: “Não vó, precisa não”, aí minha mãe foi teve que comprar outra cama pra ela porque ela não queria ficar com a cama. Não queria me ver dormindo no chão e toda vez de manhã quando eu acordava, tomava meu banhozinho, muitas das vez não tinha café. A entrada da escola era seis e meia e agente acordava bem cedo pra tomar café na escola, porque não tinha nada em casa, nada, nada. Ela me desejava um bom estudo: “Vai pra escola, estuda, presta atenção na aula”, falou que ia ser um menino estudioso. Falou que eu ia ser o exemplo da casa. Aí fui crescendo e comecei a trabalhar com percussão.
P/1 – Pera lá, vamo devagar um pouquinho. Me conta um pouco de Vigário Geral, quando você era pequeno. Você brincava lá com quem? Você tinha seus amigos? Você brincava com seus irmãos? Seus irmãos eram maiores, você tinha sua turminha ou você andava com eles? Como é que era?
R – Na verdade em Vigário Geral eu fui crescendo e eu era muito privado, muito em casa, a mãe não deixava a gente sair e eu ficava muito no quintal, brincando de fazer pé de lata. Amarrava uma corda com lata, até mesmo no bequinho da rua – que eu não podia sair daquele beco em frente ali da casa, que a minha mãe corrigia a gente se a gente saísse, e eu fui brincando assim. Fazia perna de pau. A gente arrumava toquinho na rua, encontrava, fazia perna de pau e…
P/1 – Com teus irmãos ou com os meninos da rua?
R – Com meus irmãos e os meninos da rua. A gente, eu e os meus irmãos, a gente foi bem próximo na infância. A minha história também é a mesma deles, não tem nada diferente. Em termos de tratamento, só nisso eu acho que tem alguma coisa de diferente que eu sinto. Só que a gente brincava, mas só que era muito perigoso onde a gente morava, a verdade é essa. Por isso que a minha mãe não deixava a gente ir pra longe, não sair do portão. A gente no portão, a gente presenciava coisas do tipo passar alguém com um saco na cabeça, sendo torturado, passar uma carroça com vários corpos em cima, algumas coisas assim que pra gente não era tão normal. Mas a gente tinha que encarar como normal, porque a gente no dia a dia a gente tava vendo aquilo ali. E não tinha como esconder porque os caras passava, matava os outros no meio da rua. Onde eu morava era uma beira de um valão, fui criado num lugar assim, num valão, num lugar chamado Abrasília, aonde era um ponto, na comunidade, mais precário. Era um sofrimento assim, tinha gente que tinha uma casinha que a ponto de o vento derrubar, não tinha iluminação direito, a casa era uma altura assim mais ou menos. O valão enchia até aqui, a ponto de transbordar a casa ou a casa cair. Então a gente brincava nessa situação. Era o que tinha pra gente. A gente não tinha como sair dali, “Ah, vou lá pra fora da comunidade brincar lá, porque poderia ser muito perigoso, o tiroteio era constante. Qualquer coisinha era tiro. A gente brincava no meio da rua, tinha que sair correndo pra dentro de casa, a minha mãe desesperada: “O que tá acontecendo? Volta pra casa, volta pra cá. Entra pra dentro de casa”. Às vezes até batia na gente por a gente estar ali naquele momento e as coisas acontecia sem a gente perceber. O que ia acontecer a gente nem ia saber. A gente brincava assim. Já cheguei a brincar de arminha, mas nada que me refere “Ah, você! Você isso, você aquilo.” Por brincar porque eu só enxergava aquilo.
P/1 – A brincadeira?
R – A brincadeira, uma coisa tão séria, que a gente não imaginava que era tão séria – que era o tráfico. Eu, como criança, eu presenciava só que a gente transformava aquilo numa brincadeira de fazer uma arminha de madeira e um dinheirinho falso, que vende ainda com certeza, aquele dinheiro de brinquedo. E você brincava com a galera, formava bonde a gente chama de bonde, chamava a galera assim: “Qual é, você é do meu bonde”, não sei o que lá, “Pô, tu faz arminha”, “Tu conta o dinheiro”. A gente montava várias arminhas, referente a fuzil pistolinha, alguma coisa assim. Isso eu já tava bem maiorzinho.
P/1 – E sua mãe falava pra você de droga, ou alguém falava pra vocês?
R – minha mãe nem sabia. Foi aonde eu comecei a sair pra rua, assim: “Ah, vou aqui no portão”, e não ia no portão. Ia correr pros amigos: “E aí, vai ter brincadeira hoje?, que a brincadeira era essa. Esperava cair seis horas da noite, assim todo mundo começava, porque a noite tinha vários lugares na comunidade que a gente podia se esconder, fazer ponto estratégico pra pegar a galera. Era aquele de borrachinha. Cano com… botava feijão dentro, pedra. Todo mundo colocava ou pedra ou feijão. Acho que era stop, o nome era stop, porque fazia um barulho, de uma bola de gás uma bola de festa, prende ela, amarra ela numa ponta do cano, do outro lado fica aberto. Você bota uma pedrinha dentro e faz (som), faz um barulhinho, e dói pra caramba, ela bate que…pô! Parece que tu tomou não sei, um beliscão, ou de abelha, alguma coisa assim, porque dói pra caramba. Então a brincadeira era essa. Eram uma brincadeiras de machucar, brincadeira de nadar no mangue, que eu já nadei pra caramba no mangue. Tem um lugar lá também que era chamado de rampa. Devido a eu ser menor, também eu não cheguei a ir pra rampa, catar alguma coisinha assim velha de computador, alguma coisa. Tinha um montão de coisa. Caminhão despachava um montão de coisinha lá, de lixo ia pra lá, um monte de coisa. Então tinha muita gente que ia pra lá catar algumas coisas pra revender, alguma coisa assim. E eu, depois que fui crescendo também eu fui conhecer. Tinha uma casa lá abandonada. Era uma casa grande, era azul na época, chamava ela de casarão. Então a galera, parte do dia assim, à tarde “Vamos pro casarão”. era uma casa toda quebrada, a laje toda cheia de buraco. Conforme a chuva caía, ela enchia então tinha risco dessa casa cair, entendeu? Uma casa, acho que era quatro andar, cinco andares. Cara, a casa era alta. Tinha um buraco no meio da casa, que a galera ficava lá de cima assim: “Vou pular, vou pular!”, e a brincadeira muito perigosa. Eu tenho cicatriz no peito, eu acho que até sumiu um pouquinho, mas eu tinha cicatriz no peito de eu querer – ah, empolgação “Vamo lá”, eu pulei no buraco, pulei e fui mergulhando por baixo, mas só que tinha muito entulho. Vergalhão, ferro, passou no meu peito, quando eu levantei tava branco assim, eu: “O que que é isso?”, aí começou a sangrar e ardeu. “Caraca, me cortei”, me cortei e tinha um lugar por baixo assim que você ia que cara, se não soubesse voltar, você ficaria morto ali. Era uma casa tipo muito escuro, era água suja na verdade, água suja. Todo mundo ficava lá nadando, brincando. Dali ia pro valão. Tem tratamento de esgota lá da CEDAE, no caso aí a galera ia pra lá porque tinha espuma, mas essa espuma não era espuma… dá pra entender? Não é espuma de sabão, é espuma bem suja né? Então a galera ia tomar banho de espuma ali. Depois a galera tipo saía de lá “Bora, borá” – sempre tinha um que…”, “Vamo pra lá” e saía todo mundo, aquela galera. Aí era tipo uma correnteza assim, era grande, grandão. Era não, é ainda.
P/1 – Mas é perigoso também.
R – Perigoso, só que era raso.
P/1 – Não só pela sujeira, mas também pelo…
R – Saía de lá fedendo muito. Um cheiro horrível. Aquele cheiro de mangue, espuma e tinha certas partes que era como se fosse um túnel. Você entrava assim…
P/1 – Isso é que é perigoso.
R – É, não, mas era aberto. Aqui aberto, e o túnel, começava e ali que água vinha mesmo forte. E todo mundo ia pra lá, ficar sentado assim, a espuma vindo e aquela coisa, aquela coisa suja. Só que era uma coisa que a gente…
P/1 – Divertida.
R – Divertia, só tinha só aquilo pra gente também! Na era um parte aquático mas a gente se referia nisso,né?
P/1 – Wallace, conta também das suas lembranças na escola, assim, qual é sua lembrança mais antiga da escola?
R – Mais antiga? Foi quando eu comecei…
P/1 – Era perto do lado de vocês? Da sua casa? Você ia como pra lá?
R – Foi da onde eu comecei a falar que a gente acordava cedo pra ir pra escola.
P/1 – Pois é.
R – Eu nunca estudei com meus irmãos. Eles sempre começaram primeiro, avançados, por ser mais velhos que eu. Aí eu ia pro colégio, tipo, eu sempre andei sozinho, nunca tive aquela companhia fixa assim: “Amanhã eu vou tá no portão te esperando”, aquela coisa de amigo: “Pô, vamos entrar junto”. Não, eu sempre fui calado, na minha. Entrava na sala, ficava lá prestando atenção na aula.
P/1 – Mas dava pra ir a pé ou era longe?
R – A pé, era uma comunidade onde Abrasilia, onde eu morava no caso, era mais ou menos, eu não sei, uns duzentos metros ou trezentos metros mais ou menos, até chegar o Brizolão, que faz parte da….é a divisa de Vigário com Lucas, esse Brizolão. Aí eu andava de lá, minha mãe me levava, na época ela chegou a me levar, aí depois eu já fui crescendo um pouquinho mais, assim, segunda série, terceira série, aí eu já fui por minha conta que eu já conhecia já o caminho também. E eu sempre fui caladão, na minha, na escola ficava sentado – sentava na frente, prestava…
P/1 – Era bom aluno?
R – É, prestava muita atenção até devido o conselho da minha avó, porque minha avó falava, eu sempre tava ouvindo, e eu sentava lá quietinho na minha, acabava eu levantava, ia embora, sempre botei a cara lá pra estudar mesmo, na época também. Os professores se amarravam assim: “Poxa, calado!” - me chamavam de calado, “E aí calado, tudo bem?
P/1 – E o que que você gostava de estudar?
R – Caramba!
P/1 – Tinha alguma matéria que você gostava mais?
R – Eu gostava era de educação física, até porque era o momento de descontração também, aH, vou fazer uns exercícios, coisa assim, pular corda, eram umas coisas assim. Eu gostava mais dessa, porque de ficar lá sentadinho, ah, era meio chatinho. Mas só que eu gostava muito de educação física, gostava muito. Tinha professor lá que, poxa! Tinha coisa que acontecia no colégio, sabe coisa do momento errado? Você tá aqui sentado, aí um apronta do lado, e você tá aqui. Tu viu só que “Po, eu não tenho nada a ver com isso não, eu to aqui.” A diretora vinha, pegava no beliscão que era o beliscão. Pegava, “Poxa, não tenho nada a ver!”, por ser tão quieto também sofria nisso. “Poxa, não fiz nada”, “Vamos pra direção”
P/1 – Sobrava pra você também.
R – O que marca muito na minha cabeça é isso: “Você vai escrever os números de um a cem” . “Tá bom.”, “Acabou de um a cem?”, “Acabei”, “Tá bom, agora de um a mil”.
P/1 – Era o castigo?
R – Era o castigo. E detalhe: você completava, né: “Pode completar de um a mil, mas só que você só vai sair quando der cinco horas” porque cinco horas era o horário que a escola fechava. E todo mundo indo embora, você olhando na janela assim, que a parte de cima é uma parte isolada da direção. A diretora lá e você aqui, ó, tipo: “Como, cara! Eu quero sair. Se ela não tivesse aqui, eu fugia”…. Aquela coisa, cara, ela não saía. Ela ficava no telefone: “Tá, to aqui na sala”, não sei que, ”Por que ela não sai?”,
P/1 – Louco pra ir embora!
R – É, aí: “Pode ir no banheiro?“, ela: “Vai lá, e não demora”, não sei o que, aquela coisa. Eu ia rapidinho no banheiro e voltava e ficava lá sentado o maior tempão, todo mundo indo embora. Aí à tarde caindo, eu: “Caraca, eu não vou embora não, cara?”. Caraca, e sinal batia e eu “Caraca, vou ficar aqui”. Aí ela: “Pode ir embora”, “Caraca, eu… que é isso?”. Chegava em casa eu falava pra minha mãe: “Pô, fiquei de castigo, por isso que eu cheguei mais tarde”, “Por causa do que tu ficou de castigo?”, “Ah, aconteceu isso e isso, mas pô” não tinha nada ver comigo, entendeu? Tinha nada a ver”. Aí minha mãe, devido da minha mãe ter muita confiança em mim, nas minhas palavras que eu sempre chegava pra ela e falava verdade, e sempre fui sincero com a minha mãe também e nunca gostei de mentir nem pra minha avó, pros meus irmãos, nada disso. Então, ela tinha uma confiança em mim. Tinha não, até hoje tem, graças a deus. Então eu chegava e falava: “Aconteceu isso, isso e isso”, ela: “Tudo bem. Ó, se eu souber mais uma sua, você vai apanhar”, porque minha mãe era rígida com a gente, batia na gente de verdade. A gente, meu irmão… Meu irmão, poxa, a gente chegou a brigar comigo, uma vez meu irmão do meio, o Emerson, caraca! Cara, a gente já brigou por pouca coisa, mas se eu falar pra você, você não vai nem imaginar uma coisa que a gente brigou.
P/1 – Briga de irmão. É bem típica, aquelas besteirinhas.
R – É, mas é que, a gente teve uma briga uma vez por uma banda de limão, tu acredita? Acho que deveria o nome de uma banda assim agora.
P/1 – Banda de limão?
R – Banda de limão, sério!
P/1 – Me conta também da sua primeira namorada. Quantos anos você tinha? Você foi namorador muito cedo? Como é que era?
R – Bom, se eu não me engano, eu acho que eu já tinha já 15 anos já, quando eu conheci uma menina, e não tinha intenção nenhuma assim. A menina que falou: “Poxa, aquela menina ali quer sair contigo.
P/1 – Da onde? Da escola?
R – É, chegou ser da escola e ela morava na comunidade também. Eu saía da escola e ia pra casa direto. Eu não chegava a ver ela em lugar nenhum. Aí a menina fechou em cima de mim no colégio e falou: “Poxa, a tal tal tal, menina ali, quer sair com você”, eu: “Sair? Como assim sair? Tipo sair, vamos pegar o ônibus e ir pra algum lugar? Eu nem sabia o que era sair. Eu “Valeu, eu quero!”saímos, mas eu não sabia que era beijar, eu não sabia nem o que que era. Eu só confirmei, ela falou com a menina. “Ele falou que quer, que quer sair contigo”. Só que eu fui pra casa: “O que que é sair?”, aí minha mãe já tinha se mudado da casa da beira do Valão e foi pra minha avó. Foi pra minha avó de novo eu fiquei nesse vai e volta, pra lá e pra cá. Cheguei na minha mãe: “Quando uma menina chama pra sair assim, o que que é pra sair?”, aí minha mãe falou: “Pra sair o que?”, eu falei: “Por que pra sair Ni?”, eu chamo ela de Ni, é Irani só que eu chamo ela de Ni, “Ai, o que que é pra sair, Ni?”, aí ela falou: “Quem que te chamou pra sair?”, “Não sei, a menina lá que falou que tinha uma menina querendo sair comigo, eu não sei o que que é sair! É sair que é pegar um ônibus e ir pra algum lugar? Eu não sei andar em nada, não sei andar em lugar nenhum!”. Aí ela foi e falou assim: “Não, deixa eu explicar. É que a menina se interessou por você, com certeza é isso, e ela quer beijar tua boca, quer ficar com você”, falei: “Isso é sair? Não sei nem beijar, nunca beijei”, não tinha beijado ninguém na minha vida. Ela falou: “Isso é sair, é beijar na boca, entendeu? Dar uns amassos”, falei: “É mesmo? Então já é!”, fiquei naquela. Aí cheguei no colégio, a menina falou: “Então, ela vai querer sair contigo, mas lá onde a gente mora, lá em Vigário, tá? Marcou tal hora, em tal lugar. Eu: “Ih, mas eu não posso nem sair de casa”. É, não podia nem sair de casa. Falei: “Tá bom, mas não to confirmando que eu vou, porque não sei nem se eu vou poder sair de casa”, aí ela: “Tá bom, tá bom, mas, marca lá, vai lá que ela vai sair contigo”. Aí eu fui pra casa depois do colégio estudava de manhã – sempre estudei de manhã, aí eu fui pra casa, eu: “Beijar na boca?”, comecei. Aí, juro por Deus, eu pegava assim e ficava no joelho…
P/1 – Treinando!
R – Treinando, todo babado assim. Falei: “Eu não sei beijar não, aí Ni! A menina quer sair comigo, sei beijar não”. Eu fiquei naquele negócio, pô mano! Vou dar mole, eu vou vacilar, não sei beijar. A menina vai falar na minha cara: “Aí, beija mal”, que não sei o que. Mas enfim, eu fui. Minha mãe não lembro direito, minha mãe acho que deixou.
P/1 – Acabou deixando?
R – Acho que alguma coisa assim, acho que ela deixou. Eu tinha 15 anos já. Aí eu saí aí encontrei ela, era mais velha que eu. Acho que tinha uns 15, ela devia ter 16 pra 17, mais ou menos isso. Ai eu bobinho, eu: “Cheguei Cheguei aqui”, ela: “Tudo bem?”, eu: ”Tudo bem”. Sabe aquela conversa assim? Eu tímido pra… eu sempre fui tímido, agora que eu to começando a me soltar. Que bom! Eu olhando pra ela assim, ela me olhando. E ela: “Qual o seu nome?”, eu: “Ah, tudo sabe, pô!”,“Ah, eu quero ouvi você falar”. Aí ela ainda falou assim: “Pô, você é muito sem sal”. Falei assim: “Como assim sem sal? O que é sem sal? Pra você o que é sem sal? Eu não sei o que é”, aí ela falou assim: “Não sei, você é muito quieto, parado”. Aí eu: “Pô, eu não sei nem beijar, você quer que eu faço o que?”, ela: “Vem cá”, aí me pegou, “Vou te ensinar a beijar”, beijou e eu só mexendo a boca, “Desculpa aí, eu não sei beijar”, fui sincero.
P/1 – Mas ela te deu um beijo?
R – Ela me beijou e eu fui acompanhando aquela coisinha assim, mexe pra lá, mexe pra cá a boca, eu… Ah, eu fui acompanhando, babei ela até a testa. Aí tranquilo aí ela foi e marcou comigo. No outro dia falou assim: “Ó, no colégio, eu não vou nem falar contigo na escola. Quando eu sair da escola a gente sai junto, tá bom? Aí a gente marca de novo e se vê à noite”, falei: “Tá bom”, aí foi isso, ela foi chamou a mãe dela já, falou que tava namorando eu cheguei assim…
P/1 – Foi apresentado à mãe?
R – É, me apresentou: “Mãe, to namorando ele, meu namorado. O nome dele é Wallace, não sei que…
P/1 – Ah, ela é bem despachada.
R – É. É mole? Aí eu fiquei com a cara no chão. Pô, o que que eu vou falar, mano? “Aí meu namorado, o nome dele é Wallace”. Eu fiquei naquela: “Boa noite, tudo bem?”, ela: “Tudo bem. O que que você quer com a minha filha?”. Ela também não tinha pai na época não. Eu acho que ela também não tinha pai, não. Que era a mãe dele, até hoje também eu conheço ela. Ela falava: “Vem cá, o que que tu quer com a milha filha?”,aí eu: Pô, a gente tá namorando”
P/1 – Mas aí vocês saíam? Saíam pra namorar ali por perto?
R – Na porta dela, assim em baixo.
P/1 – Na porta da casa dela?
R – É, na porta da casa dela, cara. E eu tipo, tava num lugar que caraca, eu nem sabia. Tipo, ela me mostrou: “Eu moro aqui, mais tarde você vem aqui que eu vou tá aqui no portão”. Eu passava e nem via ela. Aí foi nessa que ela chamou a mãe dela, a mãe dela começa a falar comigo: “Ó, espero que você seja um bom garoto, tá?”, não sei o que, “Pode namorar com a minha filha”.
P/1 – Foi legal.
R – Foi legal, tratou bem, legal.
P/1 – Vocês saíam pra baile?
R – Não poda sair pra lugar nenhum. Minha mãe sabia que eu tava lá. Só que eu tinha que sair dali e o horário, acho que nove horas já tinha que tá em casa.
P/1 – Mas aí você deixou seus amigos por um tempo? Ficou só namorando ou saía com os amigos também?
R – Pior que eu não namorei muito tempo. Acho que eu fiquei menos de um mês. Não sei…
P/1 – Não deu muito certo
R – Eu não lembro direito, mas eu não consegui ficar muito tempo com ela também, cara. A gente separou assim. Não sei se foi porque ela falou que eu era sem sal, alguma coisa assim, falou que eu era sem graça.
P/1 – E como que você se divertia com os seus amigos Wallace? Vocês também saíam?
R – Não. Aí como eu falei, eu não ficava muito na rua..
P/1 – Sua mãe continuava não deixando?
R – Não, aí ela já começou a liberar. Depois dessa coisa de namorar, de encontrar uma menina. Aí ela já viu que tava já despertando alguma coisa assim, de garoto tem que conhecer um negócio deferente. Aí eu ficava na esquina brincando com um amigaço, que eu tenho também que é… Pô, eu tenho vários amigaço também. Tinha um que eu ficava direto, que era o Móises. Esse aí era o meu braço, a gente só ficava abraçado. O Amauri, a gente ficava junto direto, direto. A gente botava sonzinho na rua. Eu e esse que eu falei, o Moises, também. A gente pegava rifa do colégio – porque no colégio tinha um lance de rifa de festa junina, e a gente tinha que arrecadar dez reais nessa rifa, era dez centavos. Tinha cem xiszinhos que tinha que completar. Era cem quadradinhos, aí a gente fazia – a gente era trambiqueiro aí eu comecei aprender uma coisas. Aí a gente pegava e tirava xerox de uma, do colégio, deixava a do colégio guardada e a gente pegava essa e vendia, passava assim: “Dez centavos pra ajudar na festa da escola, que vai ter. Brizolão”. Na época era até o Brizolão também. A gente pegava e ó, fazia dez reias! E aí chega lá na escola: “Aí, não tem nada, com a rifa vazia, sem nada e a outra toda rabiscada, cheia de dez centavos, a gente com a mão cheia de dez centavos. Aí a gente comprava biscoito. A nossa diversão era essa. Caraca, a gente comprava, a gente vendia rifa, mas pra comprar besteira, bobeira. Comprava biscoito. A gente sentava, a gente comprava suquinho, a gente fazia em cima da laje da casa dele. Comprava pipa. Eu não tive infância com aquela coisa de saber soltar pipa pra caramba, sabe? Eu não tive bola de gude, pião, jogar bola, e jogar futebol, eu não tive. Tentei, mas não encontrei.
P/1 – É, Wallace e, você se emocionou, você falou da sua vó. Teve esse episódio aconteceu isso já na entrevista, aí você tinha entrado na adolescência. Eu acho que você estava falando dos amigos.
R – Pois é. Como eu estava lembrando aquele dia, um amigo, tipo, na verdade que foi uns amigos foram tão especiais assim na minha infância também. No meu crescimento junto comigo, a galera foi muito próxima mesmo de verdade, como se fosse um irmão. Que é o Moisés, o Carlos Amauri que também tocou comigo durante um tempo no AfroReggae e saiu para trabalhar, procurar emprego. E hoje esse outro amigo, o Moisés, ele ainda continua também, está junto comigo tocando e é uma pessoa especial para caramba também. Que, pô, a gente andava muito junto, quando a minha mãe conheceu a mãe dele, eu só ficava em casa, eu falei isso e, eu só ficava em casa. Então, minha mãe nesse dia me levou na casa dele, aquela coisa de criança, brincou junto, se conheceu, pega amizade tão fácil, rápido. E eu fui, comecei a frequentar a casa dele, minha mãe já deixava: “Ah, pode ir, vai lá na casa da Miriã”, que é a colega da minha mãe: “Vai lá, pode ir lá, fica lá com o Moisés”. E a gente ficava jogando videogame, eu não tinha videogame, não tinha nada disso e, o pai dele comprou para ele, aí ficava eu, ele, o irmão dele, a irmã dele também e, que veio a falecer, pô, infelizmente. Aí a gente brincava muito, ficava jogando videogame lá, poxa, maneiraço. Almoçava na casa dele, ajudava ele arrumar a casa, a gente zoava muito na comunidade, na verdade é isso. Mas não é no bom sentido, nada de fazer coisas erradas, entendeu? Aquela coisa de diversão mesmo, fazer carrinho de rolimã, ah, vamos tentar soltar pipa, porque eu ainda não aprendi até hoje, jogar bola. E a gente procurava também tentar ganhar dinheiro, que uma coisa que seria tão estranho, para uma criança pensar assim em ganhar dinheiro. Que a gente parava na porta de supermercado e, a gente como se fosse requinte, pegava a bolsa das pessoas para levar até a estação, aonde tem um supermercado do lado de fora na comunidade, uma praça e, é caminho, pega uma reta que chega nessa estação que entra na comunidade. Então, a gente tinha esses dois pontos, eu e ele, ou a gente ficava na porta do mercado para carregar as bolsas até a estação, para ajudar as pessoas, que era uma longa distância também. E a gente ia amarradaço também, ia morrendo daquele peso, pequenininho, a gente parava, a pessoa: “Pô, está pesado aí?”. Aqueles, “Vem cá. Não me dá aí, pode deixar que eu levo” “Não, pode deixar que a gente leva”, porque a gente estava querendo ganhar um dinheiro, era, pô, 50 centavos para nós dois dividirmos, entendeu, na época, pequeninho. Aí...
P/2 – Quantos anos você tinha?
R – Ah, tinha uns 12, 14 parece. 12 a 14 anos já. Aí eu, o povo amarradão: “Embora, embora”. E a gente conseguiu um carrinho, de tanto o gerente do supermercado ver a gente lá, “Pô, esses garotos aí gostam de trabalhar, hein cara? Todo dia eles estão aqui”, porque a gente saia do colégio e ia direto para lá, a gente: “Pô, cara vamos lá para o mercado. Vamos ver se a gente ganha um dinheiro hoje, pô, para a gente comprar biscoito”. A alegria era essa, para comprar, comer, para comprar coisinhas para comer. Ou comprar uma pipa, era para gastar assim. E aí o gerente do supermercado, tinha um carrinho lá sem roda, “Toma para vocês aí, vê os que vocês podem fazer com esse carrinho aí” e, o tio dele era serralheiro, ele faleceu também, pessoa super gente boa aqui. Ele montou uma roda lá de um carrinho e soldou para a gente e, deu para gente, “Oh, vai lá, pode ir. Não vou cobrar nada de vocês, sei que vocês estão querendo trabalhar mesmo. vai lá então”. Pegamos o carrinho, paramos ali na estação, a gente não atravessava porque para atravessar o carrinho e, com compra dentro seria muito pesado para a gente. A gente parava ali e, era um ponto, como se fosse um moto-táxi, exemplo, tipo nessa base. A gente parava e esperava, “Quer que a gente leva?”. A pessoa: “Pô, aceito sim. É quanto?”, “Ah, 50 centavos”. E era nisso, a gente levava na boa, a comunidade não é tão grande, mas a gente levava aonde fosse, “Ah, vamos lá. Leva lá. É nas Unidos? é na Brasília? é no Campo? No Cruzeiro?”, porque tem esses nomes na comunidade, é o nome dos lugares. E a gente levava, então ganhava 50 cinquenta centavos, depois ganhava mais um real, tinha tanta gente que reconhecia a gente, “Pô, não, toma um real para vocês dois aí”. Porque, hoje em dia, um real é quase nada, pega assim, “Ah, já foi”. E para gente que, pô, era menorzão também, só queria comprar biscoito, comprar pipa que, pô custava 20 centavos um pipa. Era tão barato também que a gente se sentia bem, a gente: “Caraca, estamos cheio de dinheiro” e, a gente pegava e, a gente começou a trabalhar assim. Aí daí a gente começava a ganhar esse dinheirinho, ia para laje dele, comia biscoito, fazia suquinho, aqueles pózinhos assim, mexia, botava açúcar e, ficava sentadinho lá no sol, ah, comendo um biscoitinho aqui, biscoitinho de vento mesmo, aqueles salgadinhos. Ficava comendo lá, depois descia, tomava um banho, ficava andando na comunidade. A gente tinha mania também de inventar coisas para tentar ganhar algum dinheiro. A gente sempre procurou assim: “Ah, poxa cara, a gente não vai”, hoje em dia está tão diferente, não sei se é falta de oportunidade também. Parece ser, porque hoje as crianças também estão focadas muito de pegar em dinheiro e, usar droga, se drogar, comprar coisas que não convém. Fazer besteira, na verdade é essa. Então a gente pegava o dinheirinho nosso e a gente curtia assim, comprava um biscoitinho. E hoje está tão mudado, deu para perceber que está tão mudado, pô, o mundo está muito diferente.
P/1 – Você fazia isso com esse amigo que você falou?
R – Eu fazia isso.
P/1 – Você dividia?
R – A gente dividia, eram cinquenta centavos.
P/1 – Você tinha amigos que tinham algum envolvimento com o tráfico? Alguma coisa que você via, que sabia que estava acontecendo?
R – Não, na verdade, como eu tinha dito também. Eu fui crescendo com a galera e tiveram uns que desviaram também. Que tem um que eu não deixei de citar o nome, era o Roberto, era o Betinho, que era um grande parceirão meu também, que a gente. Eu ficava mais com esse, Moisés e, quando eu fui crescendo mais, a gente mudou de colégio, eu fiquei mais com outro, que é esse Betinho. A gente ficava junto direto também e, ele foi crescendo como eu expliquei, ele: “Poxa, despertou uma vontade de ser bandido”, aquela coisa assim, aquela marinha, “Vou ser bandido. Quero ser bandido”. Falei: “Que bandido cara? Está maluco rapaz?”, pô, e já era do AfroReggae também, já tocava no Afro Lata. Eu fui bem lá no chão mesmo, no comecinho do Afro Lata, a gente nessa época tinha acabado de entrar para o AfroReggae. O AfroReggae pegou a gente, tirou a gente das esquinas, que a gente tocava em esquina e levou a gente para dentro do AfroReggae. E ele no colégio, assim, saia da sala mesmo, ia, era muito aquele jeito assim carrancudo, “Não quero saber não. não quero saber não”. então eu fui crescendo com ele, ele começou a ter essa coisa assim, não sei se é amadurecimento dele, não sei. Então ele começou e, sempre fui uma parte assim mais calma e ele, se alterava e xingava mesmo, “E não sei o que”, batia boca, saia das salas, se quisesse ficar na sala ele queria ficar a vontade no jeito dele. Quando ele falou nisso, “Pô, quero ser bandido. Quero ser bandido mesmo e, é isso aí mesmo”, falei: “Qual é? Não é assim não cara. Pô, a gente está tocando, está fazendo show aí, oh. Pô, trabalho bom para caramba para a gente aí. Pô, a gente vai ser percussionista cara, profissional cara, a gente vai ser músico, a gente vai conhecer um montão de artista cara”. E ele ouvia, “Pô, estou ligado, mas porra, é chatão. Chatão”, aí como eu falei, ele começou a se desviar, começou a fumar. Então aí eu já criei um pouco de distância dele, porque eu estava tentando pegar ele, falar: “Qual é cara? Vamos juntos, vamos juntos”, só que, ele era até mais velho que eu também e, ele não queria ideia. Aí ele ficou para um lado com a galera dele, criou um outro grupo assim, uma outra amizade, diferente. Aquela amizade que não presta, vamos dizer assim e, daí, esses amigos dele também tudo foram e ele vendo. E ao invés dele, na época foi até o Paulo Negueba que passava ritmo para gente, que cuidou do grupo nessa época também.
P/1 – Quando que começou o grupo?
R – O Afro Lata? O Afro Lata na verdade foi em 99.
P/1 – E o AfroReggae?
R – O AfroReggae vai fazer 20 anos já, foi em 93.
P/1 – Você entrou com quantos anos para o AfroReggae?
R – Entrei com 12 para 13 anos.
P/1 – Você pode retomar? Você já contou a história aqui no outro da sua entrada no AfroReggae?
R – Contei só um pouquinho, só. Porque na verdade a gente tocava na rua, na verdade copiava uma banda que hoje é Banda Makala Música e Dança, é dança afro. E a gente copiava eles, eles usavam um surdo, tocavam um surdo de náilon, aquele idêntico a de escola de samba, esses surdos assim. Subia em cima do surdo, rebolava, fazia umas coisas legais para caramba, jogava a maceta, o que toca no surdo, é a maceta. E a galera tinha uma performance que a gente ficava, “Caraca, mano”, era um espetáculo. A gente olhava assim, “Caraca mano” e, pegava latinha assim no meio da rua e começava a imitar eles, aí eles tocavam e a gente fazendo a mesma coisa. Tinha hora que sim, a gente errava, só que quando a gente errava, todo mundo parava e eles continuavam, tum-dic-tum-dim, fazia esses gruves assim, samba-reggae e coco, maracatu. Vários ritmos assim misturado e, a gente aprendeu assim, assistindo e botando na prática, na verdade a gente tocava mesmo. foi um ano de, surgiu essa oportunidade da gente entrar para o AfroReggae, porque eles olhavam a gente assim, “Cara essa galera aí, mano, pô, e estão com a gente. É estão com a gente, pô, a gente está tocando aqui, a gente está tocando não sei onde, eles estão indo atrás. Vamos pegar essa galera para a gente, vamos aproveitar cara”. E o grupo foi registrado como Afro Lata, esse grupo ao qual eu faço parte já 14 anos, vai fazer 15. Na verdade 15 anos já.
P/1 – Você está desde a formação.
R – Desde a formação, desde o iniciozinho.
P/1 – Com quem é que você aprendeu a tocar?
R – Então, aí é que está, a gente começou assim, imitando, mas depois veio o aprendizado. Que eles ensinam, tipo, como a gente deve pegar uma baqueta, como a gente deve se comportar quando alguém estiver falando para a gente não tocar. Uma educação musical, o Paulo Negueba deu essa instrução toda para a gente, deu essa base. e, ele ficou um bom tempo também, o grupo foi trocando de coordenador, foi o Duda.
P/1 – Quem é que criou esse grupo, assim falando?
R – Foi o Ângelo Rodrigues e o primo dele Renan.
P/1 – Quem é que é Ângelo Rodrigues?
R – É o mestre do Afro Lata ele. É o mestre, ele toca no set. ele tem o set dele e, ele conta para todo mundo, ele que rege a parada, entendeu? O grupo, a verdade é essa. E ele que criou com o primo dele, na verdade foram eles dois, pegou as duas latinhas ali, os dois e começou, foi crescendo. E foi nessa que eu acompanhei também, foi nesse crescimento que eu já estava junto também, quando foi ver, desde o comecinho a gente está junto aí. O Afro Lata já viajou para a Inglaterra, Colômbia, Uruguai, Holanda, fora os lugares do Brasil, Porto Alegre e diversos lugares, São Paulo, então.
P/1 – Vocês têm uma agenda cheia?
R – Geralmente tem uma agenda cheia. A gente faz muitas apresentações também lá no núcleo, no Centro Cultural Waly Salomão e, a gente faz muita apresentação lá também para muita visita também que acompanha, para conhecer o prédio. Agora pouco recebi uma ligação de um amigo que queria conhecer o prédio, entendeu? Então é isso, todo dia tem uma visita, todo dia.
P/1 – E quantos integrantes são?
R – O Afro Lata? O Afro Lata hoje está em companhia, são 30.
P/1 – E o AfroReggae?
R – O AfroReggae, Banda R21? Na banda R21 são 10.
P/1 – Mas essa apresentações que você faz viajando é pelo Afro Lata?
R – Pelo Afro Lata e, pela R21 também. Pela R21, entendeu?
P/1 – E você é remunerado pelos dois?
R – Sim, eu dou oficina de percussão lá no núcleo e, todos os shows também a gente recebe o cachê para poder tocar. Tudo bem organizado também, entendeu?
P/1 – Dessas apresentações do Afro Reggae que você fez, conta uma que te marcou bastante, ou a primeira que você saiu para fora do país?
R – Bom, a primeira foi essa com o Afro Lata e foi para Holanda, foi em 2000. E eu era molecão mesmo, pequenininho e, a gente levantou um público, cara, é para criança, Festival Kinder, se não me engano. Kids Kinder, alguma coisa Kinder, eu não lembro muito, exatamente, porque tem muito tempo. E a gente tocou para criança e, pô, a gente chegava, tocava, porque a gente faz o nosso som e tem coreografia também, a gente monta tudo isso. E nessa época era o Paulo Negueba ainda, foi acompanhante com a gente e, a gente arrebentava, tocava mesmo e até hoje, é aquela pressão de chegar, suar a camisa toda, pingando assim, saia todo, aquele prazer de estar ali em cima daquele palco. E esse show foi muito marcante, cara, na verdade foi uma mini turnê, que a gente ficou foi uma semana, acho que foi 11 dias ou uma semana, uma coisa assim. E ficamos um tempo lá que, pô, a gente acabava de tocar, vinha a galera assim, as meninas, os meninos, era um colégio assim e, a galera toda vinha e aquela língua falando e não entendia, mas tinha pessoas que interpretavam para a gente, “Olha, é isso, isso, isso. Eles estão querendo autógrafo, não sei o que”. A gente, é, só foi motivando na verdade, a gente: “Caraca, pô, muito bom, muito bom”. Primeira viagem de avião também, tempão dentro do avião, jogando videogame ali, a galera toda empolgada, empolgadona. E com a R21 também, com a R21 eu tive muito shows, diversos, que foram muito marcantes, cara, muito. Viajei para o Estados Unidos que era uma vontade assim que quase todo mundo tem de, pô, querer ir para Nova Iorque, querer conhecer Times Square. Aí, “Poxa, quero conhecer” e, eu tive esse prazer de ir, eu “Caraca, conheci Nova Iorque”, através desse grupo, dessa banda R21, que poxa, música nova também ainda na rádio.
P/1 – E aqui no Brasil, vocês, qual foi o primeiro estado que você foi tocar pelo?
R – Porto Alegre. Foi Porto Alegre o primeiro que eu fui e, com o Afro Lata também. Porque na verdade eu comecei no Afro Lata, na banda R21 eu entrei como contratado, aí eu fiquei um grande tempo de contratado também, um pequeno tempo, não foi um grande tempo. Um pequeno de contratado, hoje eu sou membro do grupo mesmo também, sou fixo da banda. E no Afro Lata foi assim, eu fui me criando no Afro Lata, eu fui tocando ali e, para esse grupo, a banda R21, eu já tinha um costume de tocar lata. A banda R21 é uma banda que é musical, é harmonia, bateria, baixo, teclado, guitarra, então é uma banda completa, DJ, tinha DJ. Aí eu cheguei assim, cru, porque eu fui me adaptar à um instrumento que não era do meu costume, eu tocava lata. Um galão de plástico e fui para um instrumento que se chama caixa de folia e, tocava na pele e toca no aro, tem um certa coordenação motora. Então eu não tinha esse costume, mas, não sei, é dom que Deus me deu, alguma coisa assim, porque quando eu peguei, a galera, eu já estava ouvindo a música também, eu olhava eles no show, eu “Pô, essa banda é muito boa”. Porque é uma banda principal, era a banda principal do AfroReggae e todo mundo, poxa, se amarrava no show também, os shows eram maravilhosos. Conexões Urbanas, eu ia assistir, aquele palco gigante e a galera tocando.
P/1 – Você imaginava que algum dia você fosse tocar lá?
R – Eu tinha esse desejo, essa fantasia assim na mente, eu “Poxa, um dia eu vou tocar com essa galera, se Deus quiser”. Então, Deus me ouviu e eu sou muito agradecido também, sou muito feliz por isso. E, toco caixa de folia até hoje, aí eu toco percussão também geral na banda R21.
P/1 – Mas aí você foi fazer aula depois?
R – Não, pior que não.
P/1 – Sozinho?
R – Pior que não. aí que está, a gente na verdade teve essa capacitação assim com o Paulo Negueba, o Altair também, que é grande mestre também, criou muitas coisas também dentro AfroReggae. E aprendi muitas coisas legais também com ele, muitas coisas boas, conselhos, muitas coisas, cara. E então a gente trocava assim e, eu fui aprendendo também vendo essa galera tocar, que é uma galera mais antiga da banda R21. Uma galera que já tem tempo na estrada também tocando percussão, fazendo música e, a gente vai aprendendo, vai convivendo e vai aprendendo. Isso é o lado bom, aprendendo coisas boas. Então, na verdade eu não tive tanta aula, hoje eu faço aula sim, faço bastante aula, faço aula de timbal, faço aula de ritmos africanos, de várias origens. Então hoje em dia eu faço e eu dou aula de percussão também e, o que eu aprendi, o que eu sei, eu passo para a criançada, porque eu dou aula de percussão para crianças de seis anos até os 30, 40 e assim vai, entendeu? E essa galerinha também eu tenho uma galerinha lá que me acompanha e, eu me sinto uma referência para essa criançada, entendeu? Porque eu comecei assim também, eles tocam, poxa, eu me vejo assim neles, uma vez eu passando de bicicleta e, eu ouvi o garoto falando assim, tocando lata também na rua. Tocando lata, só que eles já fazem aula dentro do AfroReggae, aula de percussão e, eles estavam tocando o que eles já fazem dentro do AfroReggae. Eles estavam tocando lá na Orla e, eu passei, o garoto, ele não tinha me visto, ele falou assim: “Vai, vai, eu sou o Bala. Eu sou o Bala”, meu apelido é Bala no AfroReggae, na comunidade sempre fui chamado de Bala, assim, as pessoas me chamam de Bala.
P/1 – Por que Bala?
R – Aí que está também, da antiga mesmo, no Afro Lata, esse Paulo Negueba no caso, que era o coordenador do grupo, ele apelidava todo mundo, assim, “Oh, você é não sei quem. Você não sei que. Você não sei”. E eu fui o Bala Perdida, porque eu tenho uma cicatriz na cabeça devido, tanto cortar cabelo em máquina, suja, a verdade era essa, aí deu micose na minha cabeça. Minha mãe cuidou, me levou no médico e, essa micose ela inchou, não sei o que deu, infeccionou, alguma coisa assim que inchou na minha cabeça, ficou um caroço, aí ela secou. Secou, sarou, mas ficou a cicatriz lá da feridinha, então eu tenho um rodelinha aqui na minha cabeça, mas quando o cabelo cresce, tampa. E eu andava com o cabelo bem baixinho, então ele falava que era uma bala perdida, tomei tiro na cabeça. Me zoava, aí jogava futebol também, tentava jogar bola e, eu só corria, não pegava na bola, só corria, ficava cansado, “Ninguém toca para mim? Ei, eu não vou jogar mais não, hein, mano”, “Pô, tu ficas correndo igual uma bala perdida. Qual é Bala? Qual é Bala?”, aí surgiu Bala. Bala, bala, para lá e para cá. Aí é só isso, todo mundo me chama de Bala, entendeu? E o garotinho falou: “Eu sou o Bala, eu sou o Bala”, eu: “E, olha lá mano, qual é? Que é que tem eu aí? Quem é eu?”, aí ele: “Oh, sou tu, sou tu”. Aí começou fazer, “Toca aí então”, aí o moleque foi mandando lá, eu falei: “Está mandando bem, hein? Pô, está melhorar que eu, hein, cara”, zoando ele assim. A galerinha, a menorzada fica amarradaça, cara. Tipo, eles tem a galera como espelho, do AfroReggae. A galera também que teve um ensino dentro do AfroReggae, aquele ensino assim, poxa, o AfroReggae luta contra a violência, contra as drogas, essas coisas. Então a gente, por um lado bom, também a gente é uma grande referência para essas crianças. eu nunca tive envolvimento com nada, todas as pessoas assim dentro do AfroReggae da época que eu...
P/1 – Entrou?
R – Que eu fui crescendo. É, dentro do AfroReggae também, além dos que morreram, nenhum se envolveu. Então não só eu, como tem muitos espelhos também lá, as criançada se amarra em outros professores também, não só de de ballet, teatro, percussão, dança, grafite. Tem diversas aulas dentro do AfroReggae, teclado, baixo, guitarra.
P/1 – Suas aulas, isso tudo?
R – Eu tentei fazer de baixo.
P/1 – Quer dizer, o AfroReggae oferece esses cursos?
R – Oferece. Ballet e um montão de aulas.
P/1 – Para o pessoal da comunidade?
R – Aberto para comunidade, para fora da comunidade.
P/1 – Para quem quiser?
R – Para quem quiser.
P/1 – Fala uma coisa, quantas apresentações em média você tem por mês?
R – Bom, tipo assim, na verdade, equilibrado, tem mês que tem umas dez, tem mês que tem umas cinco. E vai oscilando, fica assim na verdade, um sobe e desce, entendeu?
P/1 – Você vive hoje só de música?
R – Eu vivo de música. Percussão, música.
P/1 – Desses dois shows e de dar aula?
R – Eu gosto de dançar também. É, eu gosto de dar aula também.
P/1 – Você dança também, que você falou?
R – É, eu gosto de dançar também, porque na verdade no Afro Lata foi isso. O que me fez a gostar também de dança. A gente para tocar e dançar, a gente criou já um dom, a gente ficava só assim balançando, só assim, mexe o corpo para lá e para cá e, tocando. Aí a gente, quando entrou de verdade para o AfroReggae, ofereceram oficina de dança afro para gente, a gente fez aquecimentos, alongamentos, como pega na baqueta, como eu falei. E a gente ensaiava de segunda à sábado, domingo era folga, segunda de novo e, assim a gente, para aquela preparação. E a gente fazia muita aula de dança também, eu já fiz muita aula dança dentro para o AfroReggae, antigamente também. Hoje em dia eu faço sim, mas só que eu as vezes não consigo ter um tempinho assim de, “Ah, eu vou fazer duas horas de aula hoje. Uma hora de aula de dança, de guitarra, de baixo”, só que as vezes eu não consigo, entendeu? São nos fins de semana, porque durante a semana também é ensaio de um grupo, eu toco no Bloco Show também do AfroReggae, Bloco AfroReggae na verdade. Aí toco no Bloco AfroReggae, tem ensaio do Bloco AfroReggae, ensaio da R21, ensaio do Afro Lata, ensaio, entendeu? Oficina, aí fica nesse sobe, porque o prédio de quatro andares, aí tu sobes, vai para o ensaio não sei de quem, aí tu tens que fazer aula. Eu não consigo as vezes nem almoçar, entendeu? E as vezes não é porque é obrigação, não é obrigação, é porque eu quero fazer. A minha intenção é essa, eu gosto de me atarefar em todas as coisas que o AfroReggae está oferecendo ali dentro. Eu já fiz aula de baixo, eu saía da aula de baixo voado para oficina de percussões, saía da percussão, ia para o ensaio do Makala, que eu toquei no Makala também, a verdade é isso. E eu ficava correndo para cima e para baixo, aí todo mundo falava: “Cara, o que é que tu queres afinal de conta? Quer fazer tudo? Tu és um só cara, não está dando, não está vendo como é que está? Está difícil para você ir para lá, para você ir para cá”. Era isso, então, eu o que vier, eu vou acolhendo, porque eu sei que é bons frutos que vão ter, entendeu?
P/1 – É, e como é que foi, em televisão vocês já tinham se apresentado?
R – É, na verdade assim, atuando, quer dizer atuando?
P/1 – Não, tocando e?
R – Já.
P/1 – Qual foi a primeira vez que você apareceu na televisão tocando?
R – Primeira vez, se eu não me engano foi em uma, acho que foi Carga Pesada, Antônio Fagundes e o Stênio Garcia. então, foi o Carga Pesada, que o Afro Lata também que foi fazer. Foi a primeira. Não, não, foi Xuxa. Xuxa, foi lá em 2000, 2001. E todo mundo pequenininho, cara, eu tinha fotos, tinha fotos. E essa foi a primeira que marcou, a gente chegou de uma viagem, da Holanda, foi em 2000 e, em 2001 o Afro Lata já estava na Xuxa e, foi nessa época que tinha uma galera, tinha uns 20 tocando. Meu irmão também era, só que ele saiu para trabalhar, quer dizer. E foi o primeiro a botar a carinha na telinha e, minha mãe assistiu, todo mundo assistiu, “Caraca, te vi na televisão, mané, pô”. E é legal “Pô, caraca, pô, valeu mané”, você fica empolgadão, sorriso lá na orelha, fica muito feliz também. E outras coisas também que a gente vai fazendo, de lá para cá também já passei por um montão de apresentações em televisão também, entendeu?
P/1 – Aí com o tempo foi ganhando prática?
R – É, fui ganhando. A galera foi chamada, “Ah, quero a banda R21. Quero o Afro Lata. Quero o Bloco”, então a gente vai...
P/1 – Em que tipo de local você já foi, os lugares que vocês tocam? E quais são os locais assim? Quem é que contrata esses shows?
R – Essa parte juro que eu não sei te responder.
P/1 – Tipo assim, é uma escola? É um festival? É um?
R – Não, a gente toca em escola, em colégio. A banda R21 já tocou em um projeto também chamado, foi pelo AfroReggae, Escolando a Galera. No colégio, só nas escolas. Então na verdade é isso, quem estiver contratando, a gente: “Ah, é um colégio, hospital”, a gente tocou, o Afro Lata agora pouco tocou em um, deixa eu ver, foi um hospital. não, não foi hospital, foi um colégio para criança que tem, esqueci o nome que se dá nesse problema. Umas crianças doentinhas, doente, a verdade é essa e, caraca, tinha que ver a empolgação, parecia que a gente estava em um lugar que, cara, estava cheio. Cheio, era festinha das crianças.
P/1 – Lotado?
R – Lotado, lotado. E a gente tocando, aquela pressão mesmo, pulando, dançando, tocando. A gente tem canto também, tem os gritos de guerra, uns gritos e no meio do ritmo. A gente para e grita e a galera toda vindo junto também, cara e, pessoas cegas, assim, só ouvindo e curtindo o som também. Quando a gente parou, bum, finalizou, foi muito bom também, muito bom. Então a gente toca em diversos lugares, entendeu? Ah, contratou a gente para tocar na praça, a gente toca na praça. Contratou para tocar no aeroporto, exemplo, a gente vai tocar, entendeu? A gente toca, a gente está aí para...
P/1 – Você pode falar no grito de guerra?
R – De qual?
P/1 – Desse que você falou que vocês faziam no palco também.
R – Na verdade é um trechinho, tem o “Somos da Banda Afro Lata, somos do Afro Lata, do AfroReggae”. Aí esse é o ritmo Funk do Latão, que é: “Tum, tum, tquitum, tqui-tqui-dum, Somos da Banda Afro Lata, somos do Afro Lata, do AfroReggae”, aí continua ““Tum, tum, tquitum, tqui-tqui-dum” e, depois dá umas pausas também que a gente dança, faz umas paradinha legais, entendeu? Aí é isso.
P/1 – E como é que foi o contato para minissérie Suburbia? Como que aconteceu?
R – Pois é, essa contratação no caso eu nem esperava. Não esperava, eu soube assim, falaram: “Ah, pô, vai vir um pessoal aí para tirar foto para divulgação”, não disseram o que é que era. “Ah, para divulgação. Ah, tem que tirar foto aí vocês”, enfim, organizou, chamou eu também, na verdade chamou todos os grupos do AfroReggae, chamou a galera. Então, cada grupo tinha o que? Uns dez mais ou menos, tinha uns quatro à cinco grupos também. A galera, todo mundo tirando foto, fazendo a entrevista e, nesse dia eu não tinha comunicado que eu não ia poder, falei: “Poxa, eu tenho um workshop de percussão hoje em Nova Era”, que tem um núcleo do AfroReggae também em Nova Era, Nova Iguaçu. Então eu fui para lá com outro amigo meu, o Bruno, então eu e ele saímos justamente em um horário que a galera ia estar fazendo esse teste, essas fotos. Então eu fui e, preocupado, eu falei: “Poxa, eu queria tanto fazer esse teste”, eu não gosto de perder nada dentro do AfroReggae, não gosto de perder nada. Aí eu fiquei, poxa, eu falei: “Que horas vai acabar? Que horas vai acabar?”, perguntando, o professor queria dar aula e eu fui como monitor dele. Aí eu: “Puxa, queria estar lá. Queria estar lá”. Aí a gente foi lá em Nova Era, fizemos tudo lá e, eu liguei, eu falei: “Pô, já acabou aí?”, “Não, não acabou não, vai acabar seis horas”. E eu cheguei era seis e dez mais ou menos, por aí, já estava até a noite já. Aí eu carregando instrumento para guardar no último andar do AfroReggae, é o preto, aí tirava o instrumento da van para botar no elevador para levar lá para cima, aí eu imaginando, eu falei: “Caraca, pô, perdi essa chance aí de tirar foto. Não sei nem para que é que era, era divulgação de alguma coisa”, ninguém falou o que é que era. Aí chegando lá no último andar, que estava lá o Nelsinho e o Carnevale. Eles dois estavam lá tirando foto, tinha uma pessoa lá ainda que seria a última, porque eu carregando instrumento assim para guardar na sala onde eles estavam, ainda pedi licença, “Pô, desculpa. Tenho que guardar o instrumento aqui. Aí, pode entrar?”, ele: “Pode ficar à vontade”, continuou a entrevista com a pessoa que estava lá. Então aí eu já imaginei, eu falei: “E, acabou” e, meu irmão estava comigo também os instrumentos, me ajudando. Aí eu guardei, aí quando acabou a entrevista com a pessoa que estava lá sendo a última no caso, que ele já estava se aprontando para poder ir embora, já estava lá escrevendo umas coisas, lá os dados da pessoa parece. E, estava finalizado, eu perguntei: “Pô, já acabou já? Porque eu queria fazer também, mas só que eu cheguei, pô, tardão, desculpa aí. Se tiver como fazer?”, aí ele: “Não, não, claro. Tem como sim, vamos lá”. Aí eu: “Pô, do mesmo eu com boné, e o cabelo, assim meio grandinho eu, poxa não estou em um bom estado, não estou naquele perfil, ah, cabelo cortadinho, barbinha feitinha, mas eu estou afimzão de fazer”, disse: “Não, isso não tem problema não. se quiser fazer sem boné, quiser fazer com boné, tudo bem”. Aí eu: “Não, vou fazer com boné, porque meu cabelo não está legal não”, aí ele: “Está aberto, pode falar, pode se apresentar. Dizer o que você faz no AfroReggae aí”, com a câmera já apontada. Aí eu me apresentei, “Eu sou Wallace” e falei tudo e, meu irmão estava perto. E eu falei assim: “Pô, meu irmão está ali”, aí ele: “Ah, é teu irmão, pode chamar ele”. Eu fui, chamei ele para entrevista, “Chega aí”, meu irmão Emerson, que é o do meio, mais velho que eu. Aí ele ficou, “É, não sei o que lá”, interagindo comigo e ele filmando e, eu falei assim: “Inclusive meu irmão também, ele é cantor. Ele vai mandar uma música e eu vou mandar um som”, aí ele foi, meu começou a cantar. Ele cantando e eu fazendo um som, mandando um som e, ele cantando um rap, que ele tem costume de escrever algumas coisas assim dele mesmo e, criar, cantar. Aí ele mandando, zoando, ele zoando, mandando, eu tocando e, ele: “Ah” zoando legal. Eu percebi assim que, o Nelsinho, o Carnevale também eles estavam olhando, assim, eu senti que eles gostaram, assim, “Pô, achei legal eles”. Eu senti isso por dentro de mim, eu falei: “Poxa cara, eu achei que essa entrevista não foi ruim, porque os caras sorriram para a gente, apertaram a nossa mão”. Falaram coisas assim tranquila para a gente, eu inclusive falei assim: “Os últimos serão os primeiros”, falei: “Um ditado que nunca falha”. Falei assim mesmo, “Os últimos serão os primeiros”, aí ele: “Isso aí é verdade, gostei”, aí eu: “Poxa, vou lá”. Aí fui, falei com ele, apertei a mão dele, deu um abraço nos dois e, falei com eles dois e desci. Aí não sei, não passou nem muito tempo, aí chamou eu e meu irmão para fazer um teste e o Lecão, que é o Lulu e, o Toni que é professor de bateria lá no AfroReggae também e, o Tião que é o Ronieli e o irmão dele, é o Ronald, o Simbora. Aí chamou seis pessoas da gente, do AfroReggae, aí chegou lá, vamos lá. A gente ganhou uma música também nesse dia quando chegou essa...
P/1 – Que fazia parte do teste?
R – Para fazer, é, do teste. Aí deram uma música, para a gente tirar ela e cantar, como dupla. A gente tinha que dividir a letra e, ele manda uma parte, eu mando outra, para interagir. Então eu e meu irmão, falei: “Cara vamos lá, mano”...
P/1 – Quantos anos tem o seu irmão?
R – Tem 25. E aí eu: “E aí cara, vamos embora mano? Vamos pegar isso aí e vamos mastigar agora cara, vamos lá para casa, vou botar um somzinho. Botei um somzinho lá, eu baixei a música, que eu não tinha a música que eles, a música que eles deram. Baixei a música, botei lá, a música do Claudinho e Buchecha e, tudo. Aí eu comecei a ouvir e, nisso era no dia seguinte que tinha que estar pronto para o teste, eu recebi o papel à noite. Então eu fiquei assim, eu: “Caraca mano, se Deus quiser eu vou tirar essa música todinha. Vou gravar a minha parte na cabeça e, eu não posso errar”, aí eu e ele ficamos lá ouvindo, ainda montamos coreografia brincando. E foi maneiro, ficou bom para caramba, aí no dia seguinte teve o encontro com todo mundo, eu, o Lulu, que é o Lecão, meu irmão, o Tião, o Ronieli, o irmão dele, o Toni. Geral se encontrou, aí aconteceu, nós pegamos um ônibus.
P/1 – Se encontraram e foram tudo juntos para o teste?
R – É, todo mundo junto.
P/1 – Sensacional.
R – O horário foi marcado justamente, assim, todo mundo para fazer no mesmo dia, no mesmo horário. Aí estamos lá, todo mundo dentro do ônibus, aí, pô, aquelas brincadeirinhas, “Ê, está peidando? Está peidando”, peidando e estar com medo. Aí eu, “Como?”, tcha, eu mandei o cara com a folha assim, eu botei a música para ficar ouvindo no ouvindo no fone, eu fiquei ouvindo e lendo, cantando, meu irmão do meu lado no ônibus, eu: “Para, não vamos isso não, hein cara. Não pode errar não é teste mano. Não vamos vacilar não”. e a gente como? Nervoso caraca mano, estava nervoso os cara. Chegando lá, aí chamou eu e meu irmão, aí a gente entrou e, já estava tudo ensaiadinho. Aí ele: “Preparados?”, enfim, “Gravando”. Hum, e o nervoso? Mas a gente mandou bem, mandamos.
P/1 – Quem estava lá nesse dia?
R – Quem estava era o Nelsinho. E, “Pô Nelsinho”, “Vamos lá, vamos lá” e deixou a gente super a vontade, super calmo e, isso fez a gente se sentir mais tranquilo, entendeu? Não foi aquela coisa assim, “Vai lá, não quero ver erro não. não pode errar”, entendeu? Sem cobranças, assim, “Fica a vontade. Agora é vocês, entendeu?”. E eu e ele, “Caraca, oh, não vamos errar não. não vamos errar não. é isso, isso e isso”, aí apertamos a mão e, “Vamos nessa”. Começou a música, a gente, não tinha nada de música, a gente contava do outro lado e a gente entrava assim, encontrava no meio, no centro, ele saía de uma ponta, eu saía de outra. Aí eu contava para ele e, a gente entrava cantando a música, “Ah, nã nã nã. nã nã nã” e a gente cantando, pô, brincando trenzinho, a gente montou trenzinho e tudo. É, a gente zoou para caramba e, eu errei muito, cara, a letra, eu fiquei naquele negócio, eu falei: “Caraca, meu Deus, errei tudo cara. Se for de dupla, alguma coisa assim, for fazer uma dupla, eu acho que eu vou ser eliminado. Acho que eu vou ser eliminado, que eu errei muito”, errei para caramba. Meu irmão e ele, por incrível que pareça, ele não é músico, na verdade ele não é músico, ele não está acostumado de pegar uma letra assim e cantar, entendeu? Não está acostumado de tocar e sentir aquela música, assim, diariamente, entendeu? E eu já estou com esse costume, for criar uma música, assim, eu estou perto, eu vou lembrar da música, vou cantar junto e vou lembrar. Mas agora nesse dia, eu estava tão nervoso, que ele lembrou de tudo e eu não lembrei de nada. Caraca ele me salvou e eu só fiquei interagindo, brincando com ele, “Não sei o que” e, entendeu? E fluiu, aí passou um tempo, dessa vez passou um semana mais ou menos, foi quando a gente recebeu um e-mail pelo AfroReggae dizendo que eu seria dupla com o Lecão, que é o Lulu. E o personagem seriam dois cantores de funk, no caso, dois MCs. Então ele seria o Lulu e eu o Dudu e, a gente, “Qual é mané? Mudou tudo, eu fui com meu irmão e tu foi com outro cara, ué, caiu eu e você? E o Ronieli?”. E o Ronieli ficou sozinho também, saiu o meu irmão, saiu o Toni e o irmão do Ronieli também saiu, ou seja, ficou nós três do AfroReggae, no casa, fazendo. E, eu cheguei para o meu irmão, falei: “Pô cara, na verdade tu me salvou lá, cara. Me salvou. Mas, pô, foi da vontade de Deus, nós estamos juntos, está ligado? Então mano tem que entender e vai ser isso aí que a gente vai fazer agora, está ligado? Estamos junto aí em qualquer parada, quando tiver outra parada a gente já pode chegar junto de novo, se ligou? Fica triste não mano, a oportunidade vai surgir mais vezes aí”. A gente conversou, conversou e, ele: “Não, pô, tu mereces, tal. Tu és meu irmão, meu mano” e, a gente nos entendemos, entendeu? Para não ficar aquela coisa assim, pô, meu irmão ficar muito triste, não foi, a gente conversou para caramba também. Aí, e o Lecão está aí, a gente está fazendo, graças a Deus também, eu agradeço muito a oportunidade.
P/1 – Como é que é o personagem, o Dudu, você pode falar um pouco?
R – Bom, o Dudu, ele canta uns funks do anos 90 e, dança também. Tem bailarina também, a dançarina dele, não só dele como do Lulu também e, a gente tem dançarina e nossa parte na minissérie também, atuando, com falas, é uma parte que é mais com um certo humor na verdade. A gente chega na porta para pedir para a Conceição dançar com a gente, a gente chega, a gente tem um musiquinha sincronizada, a gente olha assim e canta junto. Tem uma brincadeira, então é uma parte que a gente na verdade está fazendo uma coisa que parece ser do nosso dia-a-dia mesmo, já está muito próximo do funk, entendeu? E a gente está bem localizado nessa posição de funk, botaram a gente parece em uma função certa, bem mais próxima da gente, assim de, “Qual é? Vamos cantar e vamos brincar, vamos zoar”, entendeu? No bom sentido.
P/1 – Quer dizer, então, se mistura o personagem e você?
R – Mistura.
P/1 – Fora isso o que é que você tem de parecido, que característica do Dudu?
R – Do Dudu?
P/1 – Do jeito dele? O que é que se parece com você?
R – Eu acho assim, o meu jeito de ser, ah, calmo e sorrir, sorrir, o Dudu, ele sorri direto. Na minissérie também eu estou sorrindo direto, “Ah, isso aí mesmo”, é aquela brincadeira e eu sou assim também, eu gosto muito de brincar. Se for contar um, dois, três para criar agora, “Vamos criar. E aí?”, foi, a gente brinca, interage para caramba. E eu vejo isso focado em mim, no personagem, isso está, é eu mesmo. o Dudu, o Wallace. Já vem já de mim, entendeu? Então eu sinto que tem uma coisa muito, é muito parecida mesmo com o personagem, entendeu? Eu sou o Dudu mesmo .
P/1 – É, bom, deve ter escapado alguma assunto lá de trás que a gente deixou. Assim, quer deixar registrado? Alguma passagem que a gente tenha pulado?
R – Hum.
P/1 – Uma coisa que a gente não tocou no assunto, você acha que vale a pena deixar registrado?
R – Bom, eu venho lembrando assim, depois desse período todo de eu, ah, comecei no AfroReggae na infância e fui crescendo até hoje, certo, toquei em um montão de lugares, graças a Deus. Inclusive a gente fez até um show que o Quincy Jones também estava assistindo e, pô, foi maravilhoso. Foi aonde? Estados Unidos. Viajamos também, fizemos uma turnê. Então foi um aprendizado, porque, pô, cresci para caramba do lado da música, conheço um monte de gente também, graças a Deus. E, o meu sustento hoje mesmo, como tinha perguntado se eu sou remunerado, meu sustento é a música, é aonde eu tiro o meu sustento com as minhas duas filhinhas também que eu tenho.
P/1 – Você tem duas filhinhas?
R – É, hoje eu tenho duas filhinhas também.
P/1 – Você é casado?
R – Eu namoro. Tenho namorada.
P/1 – A mãe das suas filhas, não?
R – Não, eu sou separado. Eu sou separado.
P/1 – Quando você teve filho? Quantos anos você tinha?
R – Com 21 eu tive a primeira. Com 21 tive a Jamille, hoje ela tem três anos, fez três anos agora dia nove de agosto. Agora não, foi dia nove de agosto.
P/1 – E a segunda?
R – A segunda é a Giovana, está com oito meses agora. Dia dois de janeiro.
P/1 – E você vê sempre as meninas? Moram com a mãe?
R – Vejo sempre, inclusive um dorme comigo, a maiorzinha. Dorme comigo também.
P/1 – Você mora perto delas?
R – Super calma. Moro, moram na comunidade também. Super calma, excelente, excelente as duas.
P/1 – Mas aí não deu certo, você separou?
R – É, na verdade não deu certo, acho que, não sei, entre todos os casais acontece, as vezes os filho nasce, não é abandono, mas está vendo que não dá, a gente tem que, melhor as crianças também, fica em discussão, não é bom. Próximo a criança, tudo reflete no crescimento. Então preferi isso, porque eu, como eu falei, eu fui crescendo e assisti muitas coisas que aconteciam com a minha mãe também, confusão assim dentro de casa, discussão. Eu já vi minha mãe chegar a ponto também de, chegar até a apanhar, entendeu? Então eu ficava olhando assim, eu: “Poxa”.
P/1 – E você presenciou?
R – Cheguei a presenciar na minha infância, então não é bom.
P/1 – E sua mãe apanhando do seu pai?
R – Na verdade não foi meu pai. O padrasto, muitos falavam: “Pô, parece contigo para caramba, é teu pai?”, “Não, não é meu pai não”. mas então, aí essa infância, eu fui crescendo também, a gente infelizmente não tinha forças para poder lutar contra isso e, enfim, minha mãe vive hoje bem, graças a Deus, como eu falei. O padrasto também, pô, super gente boa, uma família maravilhosa, graças a Deus. A gente foi crescendo, tudo foi mudando. Então é isso que eu digo, minha filha também hoje em dia é uma criança maravilhosa, minha duas filhas, então eu nunca quero minha filhas lá presenciando coisas. E nem que seja da rua, entendeu? Quero dar um bom estudo para elas, coisa que eu não tinha eu que quero dar para minha filha. Dar um brinquedinho legal para ela, levar ela para sair, dar um alimento saudável, uma coisa boa para ela comer, entendeu? Tudo isso e, se for de trabalhar, lutar, lutar para isso, para sustentar minhas filhas, eu topo. Vindo qualquer coisa, “Ah, vamos limpar essa parede, vamos pintar isso aqui, vamos fazer isso aqui, limpar o chão”, eu estou aí. É porque eu vejo também uma coisa que fez me ajudar também a não ignorante, não ser como é que se diz, imprestável. Porque, pessoa me pedia, cara, eu poderia estar, poderia estar o que? Poderia estar, perto assim onde eu moro, poderia estar em Caxias. Vigário e Caxias, tem que pegar ônibus, é uma distanciazinha, mas dá para ir a pé e tudo, mas demora uns 40 minutos quase. Então aí, se eu tivesse lá, a pessoa me ligasse, “Poxa cara, eu preciso de você aqui para fazer isso aqui, pô, para me ajudar. Tem como?”, “Claro irmão, estou indo aí”. Chegava lá, pô, deixava de fazer as vezes até o que eu estava fazendo, entendeu? Para ajudar, eu sempre fui assim. Sempre fui. “Ah, eu preciso disso”, “Pô, meu, estou aí contigo”, entendeu? E, qualquer coisa, qualquer coisa. Então eu sinto isso, poxa cara, eu aprendi assim, então essa coisa me tornou, como muitas pessoas falam: “Pô cara, você merece muita coisa. Você merece isso, você merece aquilo”. porque eu gosto de ser humilde, eu quero ser humilde, entendeu? Eu quero ser uma simples pessoa, então não quero que ninguém me encare: “Ah, poxa, esse cara aí, depois que está fazendo isso aqui, pô, mudou. O cara está assim. Pô, depois que o cara comprou uma casinha, está assim. Depois que o cara comprou aquele casaco, o cordão”, entendeu? E até hoje na minha vida eu nunca vi ninguém falar assim: “Poxa, tu mudou para caramba. Tu estás assim, assim, assado. Tu já foste mais humilde”, não. na comunidade muitas pessoas falam já para mim: “Pô cara, você tem que se eleger, tu falas com todo mundo cara”, eu falo com todo mundo. eu falo com todo mundo, “E aí cara? E aí?”. poxa, graças a Deus eu tenho uma motinha, eu passo de moto, “E aí Bala?”, eu bi-bi, “E aí Bala”, toda hora, toda hora. As vezes, a minha namorada mesmo ela fica agoniada comigo, estou andando com ela, “E aí cara, chega aí”, “E aí, beleza?”. E ela doida para ir para casa, aí eu, pô, ando mais dez metros, “Qual é Bala? E aí? Qual é, chega aí”, daí “Qual é mano?”. Então é isso, todo mundo, eu falo eu acho 90% na comunidade, a verdade é essa. E a criançada então, pô, todas as crianças assim que é mais próxima de mim, até dentro do AfroReggae, na rua de casa, na rua onde eu morava, na Brasília. Que eu na verdade fui mudando de pontos, mudei, por isso que eu falo com todo mundo. Morei no final da comunidade, morei no meio, morei não sei aonde, entendeu? Então todo mundo fala comigo, todo mundo. E eu falo com todo mundo, se precisar de mim, “Aí está no meu alcance, eu estou aí para te ajudar”, entendeu?
P/1 – É, voltando só um pouquinho no Suburbia, como é que foi contracenar assim com outros atores? Ter essa experiência primeira de televisão que você nunca tinha tido antes?
R – É, nunca tive e, quando chamou para o primeiro encontro, caraca, eu: “Poxa, eu não conheço ninguém. Não conheço ninguém”. E o Carnevale, ele e a, deixa eu ver, a Lucinha também, fizeram uma dinâmica, um certo aquecimento, assim, uma coisa assim para a gente começar a tocar nas pessoas, conhecer um ao outro, lembrar da figura. São várias dinâmicas que eles fizeram, que isso fez bem para a gente.
P/1 – Hoje está, hein?
R – E, nada me perturba.
P/1 – Você estava nesse aquecimento? Teve esse aquecimento?
R – É, então, aí nós tivemos uma preparação. Muitos ali já trabalham com teatro e, eu nunca trabalhei com teatro, nunca fiz aula. E eu gosto de assistir muito teatro, então eu nunca tive, ah, poxa, chegar uma pessoa assim que eu não conheço e, olhar assim olho no olho, se for fazer careta eu tenho que ficar sério, eu vou rir. Que eu não tenho esse treinamento também, então ele preparou a gente na verdade, o Carnevale fez uma preparação com a gente. e, esse conhecimento das pessoas, pô, é igual sala de aula, você chega no primeiro dia, não conhece ninguém. Automaticamente depois você vai conhecendo as pessoas, você chega em uma, “E aí, tudo bem?”, faz amizade com o primeiro, primeiro já vai segundo. E quando você for ver, a turma toda. Então, eu cheguei tímido para caramba também, eu e o Lecão. A gente chegou juntinho também, a gente chegou lá, todo mundo se apresentando, uma roda imensa, todo mundo se apresentando, “Eu sou tal, tal pessoa. Vou fazer esse personagem. Eu sou não sei quem” e eu tinha um certa timidez para falar, então quando chegou minha vez eu, tive que falar. Todo mundo olhou assim, eu, não vou ficar naquela, “Poxa, já estou aqui e vou mostrar, tipo, uma fraqueza. Pô, não”. eu disse: “Meu nome é Wallace, não sei o que lá, bah, bah, bah, eu sou de Vigário Geral, do AfroReggae, vou fazer o personagem Dudu e, isso aí, obrigado pela oportunidade. Estamos juntos, vamos se conhecer aí”. E foi, entendeu? E aí a galera, tipo, todo mundo depois, teve uma dinâmica, assim, todo mundo tinha que tocar no outro. Durante uma semana, não, foi três semanas mais ou menos, uma preparação como o Carnevale também, tipo, você gravar figura, gravar o rosto da pessoa, marcar o primeiro, lembrar do primeiro. Pela o outro segundo, aí lembra do primeiro, ali ele falava: “Agora você vai encontrar o primeiro”, aí você tinha que ir lá no primeiro. Aí, contava o que? Umas quatro pessoas, exemplo, ah, olhar para você, olhar para outra pessoa, para outra pessoa. É um, dois, três. “Agora você encontra o três”, então, “Quem é o três que eu não lembro?”. No meio de uma sala grande, pô, imensa e todo mundo. E tinha pessoa que, “Caraca mané, quem é? Quem é? Cadê, cadê? Caraca, tu és meu três? Caraca mano”. Aí abraçava, tinha que abraçar. Aí ele falava: “Agora você vai encontrar a pessoa número quatro”, aí, tum, “Caraca, quem é o quatro, irmão?”. Aí depois todo mundo estava assim, agarrado, você é o um, a pessoa é dois, três. Todo mundo agarradão, então não foi um brincadeira. É uma preparação que deixou a gente mais a vontade e, hoje em dia a gente chega no elenco assim, existe, “Caraca, e aí cara?”. A gente já brinca, “E aí, tudo bem, cara? Não sei o que?”, parece que a gente já se conhece uns sete, cinco, não sei quantos anos já. Muito tempo, entendeu? Inclusive eu tenho uma amizade também que, poxa cara, é com a Amelinha, é a Tati. Pô, a Tati, cara, não sei, a gente conversou muito, conversou muito, assim, quando a gente começou, quando eu comecei também. Então a gente foi se conhecendo e, foi a primeira pessoa que eu cheguei para conversar mais, almoçava junto, saía, pegava o ônibus, ficava no ponto conversando. Então é a pessoa que eu mais, tipo, conversei, entendeu? Com a Amelinha. E a gente brinca para caramba também quando as pessoas, claro, eu não tenho nenhum lado diferencial com outras pessoas também. Amizade com outras pessoas também são fortes, mas eu não sei por que eu fiquei mais conversando com ela.
P/1 – Identificação?
R – É.
P/1 – Quais são as suas perspectivas futuras? Seus sonhos?
R – Bom, eu creio, eu em Deus, claro, que eu consiga continuar essa nova carreira também e, crescer muito também no meu lado musical, da música, a banda R21, a banda Afro Lata e todo AfroReggae também, vou dizendo assim. E eu quero crescer, eu quero conhecer mais coisas e, ter umas novas experiências, entendeu? E, quero viver bem. viver bem, dar o melhor para minhas filhas, entendeu? Ser reconhecido, não só na minha comunidade também, mas no mundo, entendeu?
P/1 – Que é que você achou, ainda que conturbado hoje, foi em duas etapas o seu depoimento, contar a sua história para o Museu da Pessoa?
R – Como é que eu achei?
P/1 – Como é que foi para você dar esse depoimento? O que é que você achou de dar depoimento para o Museu da Pessoa?
R – Foi maravilhoso, porque quando a gente conta da nossa vida, é, uma coisa que é muito importante e, eu me sinto feliz de falar de onde eu comecei e de onde eu estou até agora, entendeu? Então eu vou deixar agora a minha mensagem, deixei a minha mensagem para muitas pessoas ou assistir, ver, ler, vai perceber, vai ver assim, Pô mané, conheci a história dele”. E eu vou ficar muito feliz por isso, entendeu? Ficar muito feliz mesmo, muito feliz. Não sei se eu esqueci algumas coisas, mas, enfim, terá outras, claro, com certeza, Deus queira. E contarei também, assim, eu vou crescendo, se Deus quiser eu vou crescendo muito mais e mais e, vai vir mais história. E a história vai aumentando, vai crescendo, vai crescendo.
P/1 – Você vai complementar?
R – E eu vou complementando. É isso, entendeu? Mas eu estou muito feliz, estou muito feliz mesmo. muito agradecido também, deixar minha história aí.
P/1 – E eu agradeço você ter compartilhado conosco. Muito generoso da sua parte.
R – Obrigadão. Muito obrigado também.
P/1 – Obrigada.
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