Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro – Banco Pan
Entrevista de Adriana Alves
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 21/10/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1237
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Adriana, pra começar, ...Continuar leitura
Projeto: Diversidade e Inclusão no Mercado Financeiro – Banco Pan
Entrevista de Adriana Alves
Entrevistada por Bruna Oliveira
São Paulo, 21/10/2022
Entrevista n.º: PCSH_HV1237
Realizada por Museu da Pessoa
Transcrita por Selma Paiva
Revisada por Bruna Oliveira
P/1 – Adriana, pra começar, eu queria que você dissesse seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
R – Está ótimo! Meu nome é Adriana Santos Alves, tenho 43 anos e nasci em São Paulo, no município de Santo André.
P/1 – E quais os nomes dos seus pais?
R – Minha mãe se chama Alice Maria dos Santos e meu pai Moisés Soares Alves.
P/1 – E como você os descreveria?
R – Tanto minha mãe, quanto meu pai eu descreveria como pessoas muito honestas, muito íntegras, isso eles me passaram, tenho muito orgulho disso e sempre foram pessoas que batalharam muito, apesar de não terem tido oportunidades, eles conquistaram isso com muita força, muita coragem. Então, são pessoas honestas, íntegras e muito batalhadoras.
P/1 – E o que eles faziam?
R – Minha mãe veio de Minas Gerais, nasceu lá e com doze, treze anos veio com a mãe dela e os irmãos, para São Paulo e o primeiro emprego dela foi numa casa de família, como babá, ainda com treze anos, aqui em São Paulo mesmo. Depois ela foi para uma empresa de tecnologia, montar peças de eletrônicos. Isso lá no comecinho dos anos 1970, final de 1960 se bobear e, depois disso, quando ela conheceu meu pai, ela acabou se dedicando aos filhos e ao lar e depois que ela se divorciou do meu pai, ela voltou pro mercado de trabalho, para trabalhar cuidando de pessoas, nos hospitais, como enfermeira. O meu pai, muito jovem, já entrou no corporativo, mais especificamente no ramo petroquímico. Criaram essa oportunidade para ele quando ele era muito jovem e ele, até hoje, apesar dos dois serem aposentados, o meu pai ainda trabalha nesse ramo de biocombustível, petroquímica e eu tenho muito orgulho dos dois.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho irmãos. Eu sou a mais velha, de três. Tenho a Juliana, que hoje tem 41 anos e o Felipe, que tem 36 anos. É, perco até a conta, já. (risos)
P/1 – E você sabe como seus pais se conheceram?
R – Sim. Eles se conheceram no bairro onde eles moravam, porque acho que naquela época era mais fácil. Não tinha tanta gente. Então, nos anos 1960, na Cidade Patriarca, na zona leste de São Paulo, eles se conheceram no bairro, entre amigos, naqueles grupos de amigos, acho que com os seus, talvez, dezesseis anos e começaram a namorar.
P/1 – E como era a sua relação com os seus pais e seus irmãos, principalmente quando você era pequena?
R – Eu sempre fui a mais tranquila, eu acho. Eu sempre fui muito ‘na minha’, eu era aquela criança quieta, muito observadora, mas daquelas que ‘não mexe comigo, senão eu fico muito brava’. Então, todo mundo sabia disso e, sendo a irmã mais velha, eu acho que eu impunha um pouco mais esse espaço de respeito. Então, eu era muito tranquila. Teve uma época que eu brigava muito com a minha irmã, mas depois disso passou. Depois, eu nunca tive ciúmes, minha mãe sempre fala que a Adriana sempre foi a tranquilona dos três, de não ter ciúmes um do outro, ciúmes do pai, ou da mãe e, de fato, eu sempre fui muito tranquila, então eu sempre tive esse papel um pouco da irmã mais velha, mesmo, sabe, literal mesmo.
P/1 – E você conhece a história dos seus avós? Você chegou a conhecê-los?
R – Conheço meus avós, conheci os quatro. Do lado materno, o meu avô ficou em Minas Gerais, então naquela época que minha mãe veio ainda criança para São Paulo, minha avó largou tudo e veio com os filhos para São Paulo, porque o meu avô tinha uma dificuldade, ali, de manter a família, ele tinha alguns vícios. Então, eu o conheci quando eu tinha uns oito anos, minha mãe voltou pra Minas pra visitá-lo, numa época que ele já estava doente, muito velhinho, o conheci. A minha avó materna também eu tive bastante contato. Ela morreu quando eu tinha uns 34, 35 anos, com 100 anos de vida, é bem bonita a história dela e, por parte do meu pai, eu também conheci os dois. A minha avó Beatriz era uma pessoa também muito calada, em vários aspectos de vida, por tudo que ela passou, inclusive no casamento, mesmo, mas era uma pessoa que eu tenho bastante admiração. Todos os quatro não estão mais vivos, mas eu tenho bastante admiração e cada um com o seu papel. Eu acho que a gente consegue aprender com cada um, no seu jeito. E o meu avô, por parte de pai, também era um senhor que veio da Bahia, o ‘seu’ Marcolino, uma pessoa de um caráter muito forte, personalidade muito forte, ele tem essa braveza e criou os filhos com essa energia toda e é interessante eu falar dos meus avós, porque eles vieram de uma época em que até a miscigenação não era muito comum. Então, a minha avó materna nasceu em 1914, bem no comecinho do século, ela e meu avô materno. A minha avó era branca e meu avô negro. E naquela época, imagina, era muito incomum você ter essa relações interraciais. E do meu lado do meu pai, coincidência ou não, também houve essa mesma história. A minha avó paterna era branca e o meu avô, uma pessoa negra. E nesses dois lares, nessas duas relações, eles tiveram muitas dificuldades, entre essas famílias, para serem aceitos, tiveram que abandonar tudo, para que essas relações, de fato, pudessem seguir. Então, é algo bem sensível até, porque nem se falava muito sobre essas questões na família, justamente porque causou tanto ruído, tanto problema, que eu lembro que a gente não comentava muito disso, entre eles.
P/1 – E pensando na sua infância, tem algum cheiro, alguma comida, alguma data comemorativa que remeta a esse período?
R – Ah, eu lembro muito das comidas das minhas avós. Da minha avó por parte de mãe, ela era mineira, então eu lembro muito do angu que ela fazia, do biscoito de polvilho. Ela fazia mesmo aquele biscoitinho frito. Eu lembro muito desses cheiros. E da minha avó por parte de pai ela também cozinhava muito bem, era um outro tipo de comida, mas eu lembro muito do peixe dela no leite de coco. Tinha coisas bem características de cada uma. Dessas casas também, não só da comida, mas das casas, em si, a gente guarda essas memórias de cada lugar e eu tenho essa memória bem afetiva, bem forte pra mim.
P/1 – E como eram essas casas? Você lembra um pouco?
R – Lembro. A minha avó por parte de pai, meus avós paternos viviam no bairro de Itaquera. Então, a primeira casa que eu me recordo, eu devia ter uns quatro, cinco anos, era uma casa bem humilde. Meu avô era pedreiro, mestre de obras. Eu lembro que depois disso ele construiu uma outra casa, grande, inclusive, bonita e foi onde eu passei boa parte da minha infância. Então, eu gostava daquele lugar, porque tinha espaço, dava pra gente brincar, eu, meus irmãos, meus primos, era bem gostoso. Por parte da minha mãe, a minha avó materna já era uma casa um pouco... não era menor, mas a estrutura era um pouco menos planejada, no bairro de Patriarca, na zona leste. Eu lembro que tinha alguns ‘puxadinhos’ a casa, em vários níveis e era uma casa mais humilde. As duas casas eram da periferia, óbvio. Até comparando com o que tinha, na época, eles até que tinham um ambiente bom pra se morar, mesmo sendo uma casa um pouco mais humilde, comparado com o que a gente vê nas periferias e tal, eram casas gostosas, mesmo que simples.
P/1 – E você chegou a morar com eles, ou era em outra casa?
R – Não, eu morava em outra casa. Eu lembro, tenho umas memórias de infância, não sei se isso é possível, mas eu lembro do primeiro prédio que meus pais tiveram, que eles chamam de Cidade Satélite, que é ali, meio São Mateus, perto do polo petroquímico, eu lembro que tinha um conjunto de prédios ali, naquela região. Eu era pequena, eu tinha quatro anos, mas eu lembro dessa estrutura, do vento, batia muito vento naquele lugar, porque era descampado, então lembro bastante disso e depois, com quatro, pra cinco anos, a gente foi pra Patriarca, meus pais compraram um sobrado ali, uma casa de dois andares, muito perto da minha avó materna, das minhas tias, tios maternos e a gente ficou um tempo lá. Acho que eu fiquei até os meus oito, nove anos porque, depois disso, o meu pai foi transferido, chamado pra trabalhar num pólo petroquímico, no Rio Grande do Sul. E aí, lá para os meus oito, nove anos, meus pais ainda casados, meus irmãos também já nascidos, a gente foi morar no Rio Grande do Sul.
P/1 – E como era Patriarca, nessa época?
R – Ai, engraçado, porque era uma época que eu não era aquela criança que ficava na rua, brincando, no meio da rua. Eu não sei se é porque a rua onde a gente morava não permitia essa liberdade, porque ou passava carro, ou porque minha mãe tinha medo, mesmo, de deixar a gente solto, eu não tinha isso. Mas era um bairro muito tranquilo e minhas tias moravam muito próximas de mim e meus tios. Então, todo mundo era um quarteirão, dois quarteirões de diferença um do outro, então eu tinha muita proximidade com os meus primos, com as minhas primas. Era um ambiente gostoso. Não era um ambiente, talvez, tão convidativo pra mim, porque eu não tinha essa facilidade de andar de bicicleta na rua, andar pra lá e pra cá. Eu era bem aquelas de casa. Hoje a gente fala que é ‘de apartamento’. (risos) Apesar de eu ter morado em casa, mas eu era bem fechadinha, em casa (risos). A gente saía mais com os primos, ia pra casa um do outro.
P/1 – E quais eram suas brincadeiras favoritas, nessa época?
R – Eu gostava muito de brincar de boneca. Eu brinquei de boneca, bastante. Adorava cantar, inventava música. (risos) Até hoje eu invento música. (risos) Letras de música. Então, desde os meus sete, oito anos eu lembro de umas musiquinhas, que até hoje eu tenho na memória. Gostava também, muito, de ler livros de astronomia. Coisas que eu via do meu pai... ele gostava muito de astronomia, de história mundial, mesmo. Eu tinha uma parte meio nerd, sempre fui aquela criança mais quieta e eu acho que, por conta disso, também eu tinha um pedacinho mais nerd, introspectivo. Eu tinha umas brincadeiras não muito de moleque, não era dessas meninas, eu era mais quietinha, mesmo.
P/1 – E você tinha sonhos de ter alguma profissão específica, quando você crescesse, ou isso ainda não era uma coisa que passava na sua cabeça? Como é que era?
R – Eu não lembro, eu não tinha muitas memórias, sabe, de uma profissão específica. Eu acho que depois, na minha pré-adolescência, eu lembro de falar pra minha vizinha, que a gente também tinha treze, catorze anos, a gente queria ser astrônoma, umas coisas assim (risos). Depois eu queria ser veterinária. Mas eu lembro também muito do meu pai e aí tem até uma questão mesmo dessa pressão que a gente tem, de ter que se dar bem na vida, de ser melhor do que o próprio pai, que a mãe, pra não passar pelos mesmos perrengues que eles passaram, então eu lembro que havia essa cobrança, mesmo que não tão verbalizada, da gente se dar bem. E aí eu lembro muito do meu pai falando que o sonho dele era que eu fosse engenheira, aquelas coisas assim (risos) meio que não pressionando, mas já pressionando, então eu fiquei muito perdida, eu lembro. Tanto é que a minha primeira faculdade, eu queria ser arquiteta, então teve uma época, com dezessete anos, eu falei: “Vou ser arquiteta” e aí, na época não tinha arquitetura no mesmo período que eu queria, na faculdade que eu queria e tal e aí eu fiz Desenho Industrial, que era algo parecido, só que não muito e aí eu fiz um ano de Desenho Industrial, mas eu não me adaptei, eu vi que não era a ‘minha praia’, não era aquilo. Foi quando eu fui pra tradutora e intérprete. Aí, sim, eu finalizei o curso, a graduação em tradutora e intérprete, que era uma coisa que eu adorava, o inglês, que desde os oito anos, eu lembro que, nos anos 1980, escola de inglês não era uma coisa que a gente encontrava facilmente para criança. E eu lembro que eu pedi pro meu pai, falei: “Pai, eu quero fazer inglês” e era uma época que as minhas amigas queriam fazer balé e eu falava: “Não, não quero fazer balé. Eu quero fazer inglês”. Não sei. E aí meu pai foi atrás de escola de inglês e ele não achava porque, de fato, não tinha escola de inglês para criança, nessa primeira infância. E aí eu lembro que uma vez a gente já tinha se mudado para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, eu tinha oito para nove anos, ele conseguiu achar uma escola de inglês lá, só que era pra crianças de dez, onze, doze anos e ele conseguiu conversar com a diretora lá e eu comecei a fazer um pouco mais cedo que a turminha. Que era uma turminha já de dez a doze anos, eu fui acho que com uns nove, eles conseguiram me aceitar. (risos)
P/1 – E como foi essa mudança para Porto Alegre?
R – Nossa! Eu odiei, eu lembro, porque toda mudança é muito difícil. Pra criança, ainda! Então, eu lembro que, quando eles falaram que a gente ia pra Porto Alegre, eu não queria deixar os meus amigos e eu nem era uma criança que tinha vários amigos, mas eu já estava em um ambiente confortável. Eu nunca fui muito de me expressar demais na infância, eu sempre fui muito quietinha, mas eu estudava em um colégio desde muito cedo, no mesmo colégio e aí, com oito pra nove anos, meu pai fala que vai se mudar e aí eu penso: “Vou deixar minha família, meus tios, meus primos, todo mundo” e pra mim foi uma quebra muito forte. Eu não queria aquilo. Só que, por um lado, quando eu cheguei lá eu vi que a vida, lá, era muito melhor do que no bairro onde eu morava, que eu morava na periferia de São Paulo e a gente foi com uma condição muito melhor pro Rio Grande do Sul. Meu pai deu um up, uma melhora na carreira e lá a condição de vida era muito melhor, se comparada com São Paulo, porque era mais fácil ter casa. O custo de vida em São Paulo é muito mais elevado, se comparado ao Rio Grande do Sul. Então, meu pai conseguiu aproveitar muito mais essa oportunidade, pra dar pra gente muito mais conforto. E aí eu lembro que a gente teve uma casa muito grande, foi a nossa primeira casa com piscina, a gente ficou num bairro muito legal e foi muito gostoso. Então, eu aproveitei, foi na época que eu conseguia brincar, a gente estava num ambiente mais seguro, eu diria. Então, o bairro dava oportunidade pra gente brincar na rua, andar de bicicleta, foi onde eu aprendi a andar de bicicleta, perdi o medo, andava, ia pra escola de bicicleta, aquela coisa bem interiorana, praticamente. Então, foi uma época da minha infância que eu gostei muito, apesar de ter resistido, no começo, foi maravilhoso ter ido. Fiquei lá uns quatro anos, mais ou menos, quando meus pais, minha mãe e meu pai já estavam com um relacionamento já muito fragilizado, minha mãe decidiu voltar para São Paulo, meu pai continuou no Rio Grande do Sul e aí eu e meus irmãos voltamos. E aí foi quando eu também não queria mais voltar. (risos) Eu não queria. Eu queria ficar lá, porque estava muito melhor, de fato. Hoje... era pra ser assim, eu cresci num bairro onde minha mãe mora até hoje, que eu conheço meus amigos, meus grandes amigos de infância, até hoje, eu conquistei nesse meu retorno para São Paulo, mas eu não queria voltar, não. Naquela época eu também ‘bati o pé’. E eu era brava (risos).
P/1 – E como foi esse momento, de retornar e da separação?
R – Ai, foi horrível, porque eles não tinham oficializado a separação. Então, minha mãe falou: “Eu não quero mais ficar sozinha aqui”. Para ela, que estava sempre muito perto da família, ainda mais com a minha avó, ela era muito ligada. Minha mãe, esses anos que ela passou no Rio Grande do Sul foram muito solitários pra ela. Já estava com um casamento que já não era dos melhores, então ela decide que não dava mais e que queria voltar para perto da família dela, para onde ela realmente se sentia mais acolhida. Então, eles não chegaram a dizer: “Estamos nos separando”. Então, meu pai continuou no Rio Grande do Sul, trabalhando, porque ele não podia largar o emprego e aí eles compraram uma casa de volta, em São Paulo, é a casa que minha mãe mora até hoje, isso em 1992, eles fizeram essa volta pra São Paulo, mas foi muito difícil pra mim, porque a qualidade de vida mudou, então é uma ruptura, não só de papéis, ali, do pai e da mãe, cada um num lugar, mas também uma ruptura financeira e, óbvio, toda qualidade de vida que eu tinha, a segurança, amigos que a gente deixa. Então, pra mim foi bem difícil começar de novo. Eu voltei pro mesmo colégio onde eu já estava, em São Paulo, mas isso também é muito maluco, porque você sai daquele ambiente com os amigos e quando você volta, quatro anos depois, aqueles amigos já são outras pessoinhas, eles já estão com outras melhores amigas, que não é mais você. Tem um outro estilo, sistema ali que você ficou de fora. Então, pra mim foi muito difícil voltar. E naquela época, era difícil também falar sobre pais separados. Hoje eu vejo que é muito mais comum do que a gente imagina. São as novas famílias, os novos formatos que a gente vê, graças a Deus que a gente tem visto cada vez mais esses novos formatos, mas na minha época foi muito difícil eu, por exemplo, falar que os meus pais não moravam mais juntos. Eu tinha vergonha, porque era algo que me envergonhava. A mulher divorciada, separada. Muito louco, mas a sociedade cobrava isso, muito. Então, foi uma época bem complicada pra mim. Eu já estava com meus treze anos, então era uma época também que fervilhava muitas emoções, daquela adolescência que estava chegando.
P/1 – E onde que você estudou?
R – Eu estudei na Escola São José de Vila Matilde. Era uma escola de freira, em Vila Matilde mesmo. É uma escola bem tradicional, apesar de ser ali na zona leste, não é aquela escola de elite, mas naquele ‘miolo’, ambiente, era uma escola bem-conceituada. Até hoje. Então, tinha todo um rigor de uma escola católica. Tinha toda aquela condição das freiras, a gente tinha medo das freiras. Eu tenho até hoje. (risos) Porque era uma época que era muito mais rigorosa. Então, era tudo muito mais restrito, a educação. E é por isso que talvez, quando você me perguntou: “O que você queria ser? Você tinha um sonho de ter uma profissão?” Eu, hoje, acho que, se eu tivesse tido mais um acompanhamento, um olhar mais... eu vejo por mim com as minhas filhas. Eu sei o que cada uma tem um pouquinho mais de dom, uma da outra, a gente sempre dá uma olhadinha nas habilidades e eu acho que eu tinha uma ‘veia’ muito forte... eu era muito introspectiva, eu ainda sou, não sou tímida, mas eu tenho esse lugar muito pra dentro, muito observador, eu sempre fui muito isso e eu acho que eu sou essa sensibilidade com o artístico. Isso, se fosse explorado, se tivesse alguém ali, com esse olhar pra mim, com certeza eu saberia te falar: “Eu queria ter sido isso”, mas o ambiente, as pessoas não queriam muito que as crianças, os jovens se desenvolvessem para arte. Isso era incabível. Porque até hoje, como se arte não fosse um ofício, infelizmente. Então, dentro de uma escola católica, eles não te dão essa opção, não exploram isso em você. Hoje, eu vejo as escolas onde minhas filhas estudam, eu fiz questão de justamente ir contra todo esse movimento conservador. Elas estudam em escolas totalmente construtivistas, que têm esse olhar pro integral do ser humano. Então, foi complicado, apesar de ter sido uma boa escola em termos técnicos, uma formação muito boa e eu me sinto privilegiada, por ser uma pessoa negra, ali da periferia, que não estudei nunca em escola pública. Isso era muito a exceção da exceção, naquela época. Então, ainda assim, eu tenho a agradecer.
P/1 – E conta pra gente uma história marcante dessa época da escola.
R – (risos) Eu tinha uns seis, sete anos e tinha uma parte da pré-escola, um momento que a gente chegava na escola, eu não sei se era uma vez por semana, ou todo dia, mas acho que era uma vez por semana, que tinha o momento do relaxamento. Então, era uma escola muito grande. Ainda é. Então, todas as crianças se deitavam num colchonete, no chão do pátio e aí era quase que uma meditação. Se pensar bem, naquela época, anos 1980, era até algo legal, mas o problema é que você precisava, uma criança de seis, sete anos, ficar totalmente em silêncio, ouvindo uma musiquinha lá, não sei se nem era alguma música religiosa, não lembro, mas a criança precisava ficar parada e qual criança, com um monte de criança junto e, quando eu falo um monte, são dezenas, mesmo, várias turminhas paradas e aí, se a gente olhava pro lado, mexia, a pessoa, a freira, as coordenadoras olhavam e, às vezes, davam um beliscão, era old school mesmo, então eu lembro muito disso. Não podia, por exemplo, mudar o uniforme. Então, tinha todo um uniforme, tinha que estar impecável e se você ia com uma blusa de frio, mas que não fosse da escola, você até poderia ir, mas não podia ter logo, um pingo nenhum que remetesse a alguma marca, nada. Então, elas ficavam na frente da escola, investigando ali, monitorando, para saber se estava todo mundo totalmente limpo, sem nenhum tipo de marca, qualquer coisa assim e eu lembro que quando a mãe, ou o pai não tinham, a blusa de frio estava lavando, pegava uma outra, nossa, a gente passava vergonha. (risos) Era um ambiente bem hostil (risos), eu diria. Eu, pelo menos, guardo só essas partes. Talvez pudesse ter outras coisas pra lembrar, mas eu lembro dessas partes. (risos)
P/1 – E tem alguma professora ou professor que foi marcante, nessa época? Ou até uma matéria que você tinha mais apreço.
R – Hum-hum. Olha, quando eu tinha oito, nove anos eu tive duas professoras muito marcantes: uma era a professora Sílvia, que eu acho que eu me identifiquei com ela, porque foi a única professora negra que eu vi durante toda essa minha caminhada dentro da escola e ela era professora do segundo ano. Então, ela era professora fixa. Ela era brava, exigente, mas muito carinhosa. Eu lembro que ela tinha esse cuidado comigo, porque era uma escola que também não tinha muitos negros. Eu não tinha nenhuma consciência sobre isso. Eu estou falando desse meu lugar hoje, olhando pra Adriana lá de trás. Eu lembro que essa professora me cuidava. Então, eu tenho um apreço muito grande por ela, por essa figura que ela representou pra mim. A Solange, que também foi aquela ‘tia’, a gente chamava de Tia Solange, que também era um amor de professora, no meu terceiro ano e aí, depois, no ensino médio, eu lembro que eu tinha... ensino médio, é isso que fala hoje, né? Eu acho que é. Tipo oitava série. Eu lembro que tinha o professor Clóvis, que era de História e ele contava história. Eu lembro que na época ele estava lecionando a história da América Latina e eu lembro que era um dos professores que mais prendiam a nossa atenção. Então, eu tenho uma memória muito boa sobre ele. E o Marcos, um professor de Matemática, bem aquele estilo do matemático. Uma pessoa oriental, falava bem baixinho, super calmo e eu adorava a matéria dele também. Eu tirava dez em todas as matérias, era super nerd. Então, eu ia muito bem na aula do Marcos, que era de matemática; ia muito bem na aula do de Português, História, mas eu adorava a do Marcos, que era Matemática também, gostava.
P/1 – E como foi quando você entrou na adolescência? Mudou alguma coisa?
R – Mudou muito, porque foi justamente essa ruptura. Voltei pra São Paulo, meus pais não estavam mais juntos. Eu, nessa fase de adolescência, terminei a escola lá pra oitava série, quando a gente vai pro colegial e eu encontrei amigos na rua onde a minha mãe morava e esses amigos adolescentes também, na época, foram as pessoas que eu me identifiquei mais e são meus amigos até hoje, meus grandes amigos de infância. E foi muito difícil, porque foi uma época que minha mãe precisou voltar a trabalhar, foi tudo muito transformador. Ao mesmo tempo foi também uma quebra com a Adriana que eu era até então, porque eu era uma criança, como eu já tinha dito pra vocês, muito quieta, muito observadora. Eu nem ria. É engraçado que as pessoas até achavam que eu era muito calada e até poderiam me achar tímida, mas não era nem timidez, é que eu era mesmo essa criança muito fechada. Talvez precisasse estimular alguma outra coisa em mim, que eu me conectasse com algo que eu gostasse mais, não sei, mas eu lembro que depois de tudo isso, nessa época da adolescência, eu tive uma fase muito rebelde, eu pus tudo pra fora, então veio muita raiva, muita vontade de falar, de pôr pra fora tudo e foi desse dia em diante, dessa minha fase em diante que eu vi que eu não era tanto aquela criança, aquela criança só estava um pouco reprimida. Que no fundo tinha muita coisa que eu não colocava realmente pra fora, de todo meu ser. Eu acho que hoje eu consigo ser completa, com quase 44 anos, mas a fase da adolescência foi uma ‘viradinha de chave’. Depois eu dei várias ‘viradas de chave’, até chegar aqui, que eu também estou ainda dando ‘viradas’, mas a da adolescência foi a primeira, que eu disse que eu não queria mais ser aquela criança porque, pra mim, o sentimento que me trouxe é de que: “Poxa, eu sempre fui a criança que tirei as melhores notas, a mais quietinha, a mais educada, que fazia tudo que os pais e toda aquela sociedade queria e de repente eu me senti muito traída por tudo isso”. Então, eu estava revoltada, na minha cabeça era: “Poxa, eu fiz tudo isso por vocês e eu estou aqui, meio que abandonada”. Isso num sentido meio infantil, mesmo, mas era isso, então eu resolvi quebrar com tudo isso, já não queria mais ser aquela que agradava.
P/1 – E como foi isso, dentro de você?
R – Ai, foi um turbilhão de emoções. Ontem mesmo, eu não sei por que, eu estava lembrando o quanto eu era explosiva. Até hoje, eu tenho um lado social muito forte, de olhar muito pro coletivo, de não gostar nada... não que as pessoas gostem da injustiça, mas eu tenho muito forte em mim essa vontade de mudar o mundo, sempre foi muito isso, em mim. E na adolescência isso era em uma potência gigante, sem inteligência emocional nenhuma, para lidar com tudo isso. Então, eu lembro que qualquer coisa que eu achava que estava errada, eu ia defender um, outro, eu queria arrumar o mundo. Na adolescência foi muita coisa pra fora, nesse sentido, de esbravejar mesmo, de dizer que não, que não era legal, isso não pode. Então, eu ‘botei’ muita raiva pra fora, mas também acho que foi um momento de eu descobrir que eu tinha, sim, um propósito. Depois eu fui lapidando tudo isso, mas foi a partir dali que esses sentimentos começaram a ‘brotar’.
P/1 – E o que você fazia pra se divertir, nessa época?
R – Nossa, eu adorava ouvir música e os meus amigos ali da rua, a gente ficava muito na rua, ouvindo música. Eu gosto de rock. Então, até nisso eu era muito nerd. A gente ficava falando de bandas de rock, eu ouvia muito e, na época, eu peguei o comecinho da MTV, bem o comecinho, quando você tinha que sintonizar lá no UHV, sei lá, (risos) não era no padrãozão. Então, eu lembro que eu ‘comia’ o dia inteiro aquela tela de TV e anotava o nome das bandas e juntou com a minha fascinação pelo idioma inglês, então foi uma época muito gostosa, que eu ficava o dia inteiro ouvindo música e cantando. Também não tinha muito o que fazer, porque eu já não tinha tanto um padrão financeiro, como eu tinha, porque quando meus pais se separaram, realmente houve esse déficit dentro de casa. A gente teve uma dificuldade grande de tentar realocar as coisas que a gente tinha antes, no Rio Grande do Sul, a gente tinha um padrão muito legal. Quando a gente veio pra São Paulo e basicamente a família teve que repartir tudo em dois, porque meu pai ficou de um lado e a minha mãe ficou em outro, minha mãe com três filhos, então a ‘conta não fechava’. Então, não tinha muito o que fazer, eram mais os amigos na rua, a gente brincava muito de futebol, de vôlei, de esconde-esconde, mas a música sempre permeava esse ambiente. Sempre o rock and roll estava ali com a gente, era muito gostoso.
P/1 – E tinha alguma banda específica que você gostava bastante? Quem era?
R – (risos) Eu adorava o Metallica, era minha banda favorita, desde o comecinho do Metallica e eu tinha álbuns, que na época não tinha internet, então a gente comprava as revistas na banca de jornal, aqueles pôsteres gigantes. Gostava muito do Sepultura também, era bem revoltada. (risos) E depois teve uma época que eu comecei a ficar um pouco mais tranquilinha mas, mesmo assim, era o Nirvana, que veio a época do grunge. Stone Temple Pilots, Alice in Chains. Várias bandas. E nacionais também. Os anos 1990 trouxe Raimundos, Planet Hemp. Gostava do Ira, do Titãs também, que é uma época anterior a esses que eu acabei de falar. Eu gostava muito de bandas nacionais também. Adorava. E depois disso, acho que são épocas. Teve uma época também que eu gostava muito de bandas um pouco mais inglesas, de Londres, ali, Manchester. Smiths, The Cure, Echo and the Bunnymen. Ai, eu ‘devorava’ música. Era muito legal. Hoje eu gosto muito do David Bowie, eu acho incrível. Beatles. Tem muita coisa. E tem as mais moderninhas também, que eu admiro, que são um pouco mais contemporâneas. (risos)
P/1 – E como seguiu sua formação? Você contou um pouco que você tentou fazer Desenho Industrial e viu que não era aquilo, mas quando você saiu da escola foi um momento já de entrar na faculdade, ou você começou a trabalhar? Como foi essa época?
R – Nossa, foi uma perrengue, porque eu tinha vários sonhos e eu lembro que numa fase muito boa da vida eu tinha, na minha cabeça, que eu ia passar na USP e, se eu passasse, eu ia pra Disney. Essa foi a promessa que eu ouvi durante muitos anos e aí, quando chegou dezessete anos, terminei a escola e meus pais, cada um pra um lado, sem ‘grana’, minha mãe tendo que ‘se virar nos trinta’ pra tentar ter um padrão pelo menos o mínimo do mínimo. Meu pai tinha, como óbvio, pagava pensão, nunca deixou, mas não era o mesmo padrão que a gente tinha. A família ficou dividida. Então, quando eu terminei a escola, eu lembro que eu ouvi um não e eu não consegui. Eu fiquei um ano em casa e foi uma época que eu lembro que foi muito triste, depressiva. A gente não sabia o que era isso antigamente, mas eu fiquei um ano em casa, sem ter o que fazer. Não era oportunidade para eu fazer um cursinho preparatório para entrar na USP, a gente não tinha essa ‘grana’, não dava. Não dava pra eu pensar numa Engenharia, Veterinária. Tudo aquilo que eu construí, que talvez eu pudesse gostar, eu já sabia que não era mais possível. Então, meus sonhos foram ‘caindo’, ‘caindo, ‘caindo’ e eu fui me acostumando a não ter nada de sonhos. Eu tinha que saber o que era possível. E aí a minha mãe conseguiu, o meu primeiro emprego foi ali na rua mesmo, numa gráfica, para eu ser auxiliar de escritório. Foi quando eu tive um fôlego pra ajudar minha mãe e aí, com esse salário que eu comecei, eu consegui pagar a minha faculdade de tradutora e intérprete. Na verdade, em Desenho Industrial. É que foi um ano, mas parece que ‘voou’. Eu lembro muito do meu curso que eu fiz, do começo ao fim, que foi tradutora e intérprete, que foi também nesse momento que eu comecei a trabalhar. Mas foi com o que eu tinha, não foi com o que eu sonhei.
P/1 – Como era sua rotina na época?
R – Eu trabalhava, depois saía do trabalho e ia pra faculdade. Chegava tarde em casa. Isso porque ainda eu trabalhava na rua de casa, então tinha pouco tempo de dormir, mas depois que eu saí dessa empresinha, era uma empresa bem pequena, depois de uns três anos que eu trabalhei lá, eu fui trabalhar na Chácara Flora, que era do outro lado de São Paulo, muito mais longe. Da zona leste para Chácara Flora e eu lembro que eu tinha que acordar umas quase quatro e meia, cinco horas da manhã, pra chegar, pegar uma lotação até o metrô, metrô, metrô, metrô, várias linhas de metrô, descia na linha azul do metrô, no Jabaquara, ainda pegava uma lotação, para parar na Chácara Flora, perto e ainda andar mais uns dez minutos. Era muito tempo de percurso. Aí eu entrava lá às oito da manhã, saía de lá, nem lembro o horário e ia direto pra faculdade. Aí eu saía às 11 da faculdade, ia pra casa, chegava em casa quase meia-noite, pra acordar às quatro e meia da manhã. E foi esse looping também. Eu lembro que eu cheguei a ficar cansada. Com, sei lá, menos de vinte anos, o meu corpo cansou, porque era uma atividade muito intensa e é uma realidade de muita gente. É aquilo que eu falei: é o que tem. A gente não pode, não tem muita escolha.
P/1 – Você lembra o que você fez com seu primeiro salário? Teve algum gasto especial?
R – Meu salário não sobrava, na verdade. Nada. Eu inteirava a faculdade. Na verdade, o meu salário era todo para faculdade e a minha mãe ainda dava uma inteirada. E aí sobrava para um lanche, para o transporte público. Então, dizer que: “Nossa, eu comprei tal coisa com meu salário”, não lembro, de verdade. Depois de muito tempo eu lembro que eu comprei meu primeiro carro, que foi um Uninho, que era o meu xodó, mas isso depois de um tempo. Mas o meu primeiro salário, nada. Sobrava pouco (risos).
P/1 – E onde era a faculdade?
R – Era na Mooca, na São Judas. Eu cheguei a me inscrever em outras, cheguei a passar, até, no Mackenzie, mas na época eu passei no período da tarde e isso nem dava pra eu sonhar em estudar à tarde, eu precisava trabalhar. Então, declinei do Mackenzie e aí, o que sobrou mesmo foram algumas faculdades ali, próximas, na zona leste mesmo e a que mais me interessou foi a São Judas. Eu fiquei lá até o final, todo o curso.
P/1 – E quais foram os momentos mais marcantes dessa época da faculdade?
R – Eu acho que foram as amizades novas, outras possibilidades. É um outro universo que se abre. Você está numa fase adulta, começa a fazer coisas legais, conhece outras pessoas, porque o meu mundo era muito só ali, na rua. Eram só aqueles meus amigos. E aí, quando você vai pra um outro ambiente e é engraçado, porque a maioria dos meus amigos ali da rua eram homens. Então, eu não tinha muita amizade com meninas. Eu era muito, sabe, esse lugar mesmo de: “Ai, não quero amizade”. Não gostava dos ‘papos’, ficar ‘pendurada’ no telefone, na época de ficar uma hora no telefone eu não gostava, eu gostava de falar de outras coisas e tal e depois que eu entrei para faculdade, a minha turma era muito mais de mulheres, especificamente, o curso tinha mais mulheres. Foi legal, você vê outras realidades, você começa a se juntar com outras pessoas para fazer trabalho. Foi muito interessante, porque é um outro universo mesmo. Um mundo bonito, gostoso. Eu passei muita perrengue. Se tivesse um pouco mais, se naquela época, o meu ambiente, ao meu redor fosse um pouco mais feliz, eu diria, eu acho que eu tivesse aproveitado mais esses momentos de faculdade, mas era muita perrengue, de não ter dinheiro, de estar tudo muito contado, pra tirar xerox. Era muita correria. Então, foi muito legal, mas também foi bem penoso, em alguns aspectos.
P/1 – E como foi se formar? O que você sentiu naquela época? O que representou?
R – Ai, eu vou ser bem sincera: não foi tudo isso pra mim, porque eu acho que não era, nunca foi aquele meu sonho em me formar nessa faculdade. Eu, já naquele momento, sabia que eu estava em busca de outras coisas. Eu sempre tive essa ânsia por algo, essa grande pergunta: “O que eu vim fazer? Qual o propósito de vida?” Sempre fui muito essa coisa meio filosófica. Até hoje eu sou assim. Então, quando eu terminei a faculdade, eu falei: “Puts, terminou”. Então, fiquei aliviada, porque saiu de mim uma super carga pesada, horária, questão de demanda de tempo, mas falei: “E agora? O que eu vou fazer?”, porque o curso de tradutora e intérprete também não te dá grandes possibilidades. Depois que a gente vai descobrir tudo isso. Ele me ‘abriu portas’, porque eu tinha o inglês. Mas não é aquele curso que: “Uau!” É muito específico. Então, eu lembro que, quando eu terminei, eu terminei com uma alegria, eu lembro da formatura. Lembro que foi emocionante. Mas não foi tudo tão marcante, não.
P/1 – E qual foi o trabalho, em seguida, que você começou, logo que você saiu da faculdade? Como foi esse período da sua vida?
R – Deixa eu lembrar. Eu acho que eu já estava... quando eu terminei a faculdade, eu fui fazer um estágio de tradutora, numa empresa japonesa, na Minolta, que era uma empresa de copiadoras, tipo a Cannon. Fiquei lá acho que um ano e pouquinho. Depois disso eu fui pra uma outra empresa também, mas aí pra fazer coisas mais administrativas e aí foi quando eu comecei a trilhar esse lugar mais Administrativo e Financeiro. Então, eu cheguei a dar aula de inglês também, numa época. Dava aula para adolescentes, para adultos, dentro de empresas. Eu cheguei a fazer isso, mas aí eu voltei pro corporativo e aí fiquei. Depois disso eu não saí mais.
P/1 – Adriana, considerando toda sua trajetória profissional, pra gente conseguir contar toda sua história como executiva, enfim, eu queria que você refletisse quais foram três momentos importantes da sua carreira, até o seu momento atual. Não precisa falar do seu momento atual, que eu vou perguntar, mas até hoje, quais foram três momentos importantes da sua história, da sua trajetória profissional?
R – Não dá pra negar que meu primeiro emprego foi muito importante. Não foi aquilo que eu sonhei, mas acho que o fato da minha mãe ter conseguido bater, praticamente, na porta, ali, daquela empresa e falar: “Olha, minha filha precisa de emprego”, isso foi algo bem marcante, porque a gente precisava disso e foi através disso que eu comecei a faculdade, mas eu acho que um dos momentos mais lindos, que eu até me emociono, foi quando eu fui pra Europa, porque eu saí de uma empresa, eu tinha meus 23 anos, já tinha terminado a faculdade, tinha acabado de terminar. 23 pra 24. E eu estava numa empresa, no setor jurídico, eu tinha saído de lá e eu fiquei seis meses desempregada e foi muito difícil. Acho que uns quatro meses. Eu falei: “Puts, vai tudo parar” e eu tive que vender meu carro, me desapegar de algumas coisas e comecei a procurar emprego. E aí foi numa época que eu consegui várias entrevistas, fazia algumas e em uma delas, especificamente, eu era muito novinha, aquela coisa toda e eu fui fazer uma entrevista com um alemão, pra fazer administração de uma empresa que eles tinham acabado de vir pra São Paulo, uma startup de consultoria e eu lembro que ele falava inglês comigo e eu não entendia muito, eu estava muito ‘crua’ ainda e aí eu lembro que ele falou assim: “Olha, se você passar na entrevista, no processo seletivo” – isso era em novembro, a entrevista – “em dezembro você vai pra Alemanha, porque a gente vai ter o encontro das filiais lá” e eu: “Tá”. E, pra mim, eu falei: “Será que ele está falando isso mesmo?” Mas aí eu fiquei com isso na cabeça e falei: “Mas se eu passar”. Depois de quinze dias ele me ligou no meu celular e falou: “Oi, Adriana, tudo bom? Aqui é o Vlad Popesko” - eu lembro até o nome dele – “Queria te falar que você passou e você pode, até, daqui um mês, já se preparar pra ir pra Europa”. E eu: “Será que eu estou entendendo o inglês? Será que está certo o que ele está me falando?” E, de fato, foi, pra mim... porque eu tinha muito esse sonho de sair daquele lugar, de desbravar o mundo. Pra mim, eu nunca fui daquele lugar. Era como se eu fosse aquela pessoa muito... eu nunca fui, não é que eu não queria estar ali, mas eu sabia que eu podia muito mais. Eu sempre olhei pro mundo como se o mundo fosse meu. Eu não queria ficar ali, naquele bairro. Eu queria muito mais. Quando ele falou aquilo, eu falei: “Gente!” Eu lembro como se fosse hoje eu entrando naquele avião e eu lembro que a minha mala... era dezembro, então estava muito frio na Alemanha, muito frio. Eu nem sabia o que era o frio da Alemanha, mas eu lembro que as pessoas me deram, me emprestaram casacos de frio, pra eu compor a minha mala. O meu ex-namorado me deu uma camerazinha, era dele, pra tirar foto, a pilha. E foi todo mundo me fazendo essa rede de apoio, pra eu ir pra esse lugar e eu lembro como foi entrar naquele avião e ficar doze horas dentro do avião, que eu nunca tinha ficado tanto tempo no avião. E sozinha. Me sentindo pequenininha, mas esse era meu sonho. Eu lembro desse lugar. Foi horrível, no fundo, de estar sozinha, num ambiente que eu nunca esperava estar, do zero, mas foi um divisor de águas gigantesco na minha vida. Foi o mais marcante, mesmo e eu acho que é isso. E o fato de eu também, agora, ter ‘virado’ um pouco a ‘chave’. Tempos pra cá eu ter identificado em mim que eu tinha um propósito maior dentro do corporativo, que era ajudar pessoas, mover um pouco essa estrutura dentro do corporativo, sobre Diversidade, sobre o olhar pro minorizado. Então, esse também foi um terceiro marco, pra mim.
P/1 – E o que você sentiu quando você chegou na Alemanha?
R - Nossa! Além do frio (risos), senti muito frio e é engraçado, porque a gente vai muito ‘cru’ pra esses lugares, então eu lembro que eu ia pra um restaurante e então eu ia cheia de blusa e aí eu chegava com essas blusas, todo mundo tirava as blusas e colocava no cabide, porque todos os ambientes são muito aquecidos e eu não sabia, eu achava que eu ia passar frio de ‘cabo a rabo’. E eu lembro que eu estava com roupas, que não era pra eu ficar tão chique e então eu ficava com os casacos, passando calor (risos). Mas foi um momento... eu sempre fui muito desbravadora, aí eu lembro muito do meu avô paterno e da minha avó materna, que foram essas pessoas que romperam com os paradigmas da sociedade. Minha avó, que abandonou meu avô, e falou: “Não, eu vou pra São Paulo, que eu não aguento mais essa vida” e veio com sete filhos pra cá e que sozinha ‘carregou’ toda essa família. E, por um lado, meu avô paterno, que enfrentou uma sociedade que falava que ele não podia um monte de coisa. E ele era bravo, sabe? E eu acho que eu tenho muito dele, essa coisa até marrenta, de falar: “Não, se me falaram que eu não posso, eu vou falar: ‘Sim, eu posso’”. Então, eu tenho muito dessa energia dos dois. E eu acho que estar na Alemanha, mesmo estando tão solitária, eu lembro que eu senti uma solidão, uma tristeza no coração, porque eu fiquei lá uns dias, não foi tão rápido. Eu lembro que eu senti tristeza. O ambiente, aquele inverno rigoroso me trouxe um lugar de: “Nossa, como eu sou sozinha aqui!” Mas ao mesmo tempo eu falei: “Não, é aqui que eu queria estar”. Então, foram vários sentimentos bem diferentes, ao mesmo tempo.
P/1 – E para além dessa viagem e do seu trabalho, o que estava acontecendo neste início de vida adulta, dessas primeiras experiências de vida, mesmo? Quem era a Adriana, como ela se divertia, nessa época?
R – Ah, eu tinha começado a me relacionar, namorar com o meu primeiro marido. Eu tive um relacionamento com uma pessoa, um namorado ali do bairro, que foi o meu primeiro namorado. Depois disso, eu terminei e aí eu conheci praticamente o meu segundo namorado, que foi o meu primeiro marido. Então, foi bem nessa época e foi uma época também de muitas descobertas, que eu comecei a ir um pouco mais pra baladas, que eu conheci outras amizades, que não da rua, só. Além das meninas da faculdade, eu conheci um outro lado, até mais o submundo daquelas baladas mais do rock and roll. Foi bem interessante. Eu pude provar de tudo um pouco da vida, que a vida não é tão florida. Que muitas pessoas, muita gente de outros lugares, estavam dentro dessas baladas. É muito interessante, mas ao mesmo tempo, também, eu estava muito focada em querer ser alguém, em querer conquistar muitas... eu nunca fui ambiciosa, nunca tive ambição, mas eu tinha algo, eu sempre tive paixão, eu queria desbravar o mundo, descobrir coisas. Quando eu falo que eu não sou ambiciosa, é no sentido muito financeiro, mesmo. Eu nunca tive foco financeiro. O meu foco era muito sobre propósito, querer fazer coisas que me davam muita alegria. E aí era isso, assim: conhecer um novo país, falar inglês dentro do trabalho. Era esse o meu momento. Eu estava descobrindo várias coisas, além de novas amizades, um novo relacionamento. Era esse o momento de bastante descoberta. Eu acho que eu estava amadurecendo um pouco mais. Aquela Adriana muito revoltada estava ficando um pouco mais branda, entendendo que o mundo se movimentava de um jeito que talvez eu não quisesse, mas que eu precisava também entender.
P/1 – E como você começou a atuar especificamente no mercado financeiro?
R – No mercado financeiro foi há pouco tempo. Foram ‘viradas de chave’. Eu sempre atuei no departamento financeiro das empresas, mas eram empresas, diferentes indústrias. Então, empresas do Direito; de tecnologia eu já trabalhei, em grandes empresas; já trabalhei em empresas de consultoria, mas sempre dentro do financeiro desses lugares. Agora, o mercado financeiro, que é esse mais robusto, então a indústria de investimentos, do mercado de investimentos, dos bancos grandes, eu tenho atuado há pouco tempo. E foi justamente com essa minha ‘virada de chave’ de carreira, que foi quando eu, ironicamente, deixei o departamento financeiro e operacional das empresas. Então, sempre fiz muito o operacional/administrativo financeiro, eu fazia a gestão dessas empresas, todo esse lado, essa máquina, eu ficava com essa gestão. Saí desses lugares, para entrar no mercado financeiro, só que olhando para as pessoas. Então, eu saí de lugares dentro do departamento financeiro, mas entrei num gigante do mercado financeiro, mas só pra lidar com pessoas. Aí já deixei de lidar com finanças. Interessante.
P/1 – E o que motivou essa mudança - dentro de você - de carreira?
R – Ah, eu queria fazer algo ligado... eu não queria mais só trabalhar por trabalhar. Eu sempre fui muito... como é a palavra? Eu sempre tive muita vontade de transformar. Então, trabalhar sem ver uma transformação, de fato... eu sempre achei que eu poderia ligar o corporativo com a sociedade, ter esse olhar mais humanizado dentro das empresas, sempre tive essa coisa de querer mudar o mundo (risos). E mesmo entendendo o código do corporativo, que hoje eu entendo bastante, eu sabia que eu podia ‘mexer uns pauzinhos’, pra que esses corporativos fossem um pouco melhores. E foi quando eu comecei a trabalhar muito mais no voluntariado, porque eu estava em um momento de vida, acho que uma idade mesmo de amadurecimento, que eu não queria só trabalhar, eu queria fazer algo pro mundo também e por que não fazer isso ligado ao meu trabalho? E aí, pra eu não me frustrar por completo, eu comecei a fazer atividades voluntárias, trabalhando no Comitê de Igualdade Racial, mentorando pessoas, fazendo networking nesse mundo, sabe, fora do corporativo. E foi aí que eu comecei a entender que dava. E foi nesse momento também que o próprio mercado de trabalho começou a falar mais de diversidade. Eu acho que foi depois do George Floyd, daquele episódio no Carrefour, um pouquinho antes da pandemia, que a gente teve esse boom de falar: “Chega, a gente precisa falar sobre essas coisas”. No Brasil a gente nunca falou abertamente sobre essas questões raciais, ou de grupos sub-representados em geral: mulheres, da comunidade LGBTQIAP+, pessoas com deficiência. A gente nunca falou sobre o quanto eles eram marginalizados no mercado de trabalho. Quando tudo isso aconteceu foi quando as empresas começaram a criar departamentos de diversidade, ou comitês. E aí foi onde eu também fiz essa transição, foi num momento oportuno. Foi bem interessante.
P/1 – E como seu trabalho funciona, hoje?
R – Olha, tenho muitos desafios, porque a gente está falando de uma estrutura muito antiga. Eu trabalho promovendo a diversidade dentro da empresa. A gente sempre vai ter os aliados, as pessoas ao nosso redor, que precisam ver isso acontecer, mas a gente também vai encontrar as resistências de ver essa transformação, de fato, porque a mudança gera esse incômodo e aí, pensando num Brasil onde isso tudo sempre foi colocado pra ‘debaixo do tapete’, então, até falando mais sobre a minha causa, que eu tenho mais ligação, que é a pauta racial, falar disso, do por que nós somos 56% da população toda, a população negra é 56% e a gente só tem 5% aqui ou 10%, no máximo, da estrutura inteira de uma empresa e aí, quando você vai ver, na alta liderança tem menos de 1%. É gritante você falar disso e aí, as pessoas que estão nesses lugares de privilégio não querem falar disso, porque vai ‘tocar’ nos privilégios. Então, é um ambiente que eu sei que eu tenho um longo caminho, a gente está construindo juntos, tem muita gente ali apostando nisso e justamente por isso que eu estou ali, também, porque apostaram em mim e criaram essa oportunidade, mas não só ali. Eu acho que toda nossa sociedade ainda tem um caminho longo, porque incomoda uma provocação, que também não tem mais volta. A gente vai precisar lidar com isso, vai precisar mudar. É o que eu sempre brinco, lá dentro: “A gente não vai fazer uma revolução. Calma, eu não vou fazer uma revolução aqui dentro, mas a gente precisa ter uma constância, atitudes todo dia, pra que um dia seja melhor do que o outro”. E é isso, muita resiliência, eu diria, mas é muito interessante.
P/1 – E desde que você entrou, foi meio que acompanhando essa mudança, essa inclusão, na verdade, da agenda de diversidade dentro das empresas, quase, mas como foi pra você, desde que você entrou, até hoje você percebe mudança em relação a essa agenda de diversidade e inclusão? Principalmente no mercado financeiro.
R – Ah, eu vejo, sim, uma mudança, mesmo que ela seja tímida, eu ainda assim vejo, porque não vamos fazer tudo de um dia pro outro, mesmo, mas eu vejo que uma das coisas mais importantes quando a gente tem esse olhar para diversidade, é justamente acolher as pessoas que estão ali dentro. Então, eu sempre brinco, a gente fala muito isso, nessas pautas, conversas, que não adianta a gente só incluir, só contratar pessoas de grupos sub-representados, a gente precisa acolher essas pessoas, fazer diferente do que a sociedade fez, para que elas se sintam acolhidas. Então, também esse papel. Eu vejo que, cada vez mais, pelo menos onde eu atuo hoje, as pessoas estão um pouco mais seguras de estarem ali, porque eu sei o que é ser a única, não conseguir conversar ou se sentir um ‘peixinho fora d’água’ nesses ambientes, porque o corporativo é muito hostil, dependendo do ramo da empresa. Muito mais com uns, do que com outros, mas sempre foi muito hostil. Ainda mais pra uma mulher, uma pessoa negra, da periferia. A gente não consegue ter o mesmo diálogo com quem tem tantos e tantos privilégios. Então, eu tenho esse olhar, para garantir que as pessoas ali estão bem, são bem recebidas, fazer esse acompanhamento lá e eu acho que isso foi uma das coisas que a gente também conseguiu mudar.
P/1 – E onde você trabalha – isso só se você puder falar - existem iniciativas de diversidade e inclusão?
R – Hum-hum. A gente tem bastante iniciativas, programas, tanto para desenvolvimento de pessoas lá de dentro, então a gente tem programas de mentoria, para que a liderança tenha também esse acompanhamento como um mentor mesmo, como um responsável pela pessoa que está em algum grupo sub-representado. Então, a gente faz esses programas anualmente. A gente subsidia curso de inglês, para que as pessoas não precisem estar totalmente com o inglês ‘tinindo’, mas a gente, lá dentro, consegue desenvolver. A gente fez, recentemente, um programa de contratação exclusiva pra estagiários negros. A gente tem feito bastante coisa. Fora os programas de treinamento, eventos internos que a gente também promove, para conscientização. Eventos externos que eu participo. Comitês também, do mercado financeiro, que eu também participo, pra gente fazer essa troca de experiências, entre outros concorrentes, inclusive. Então, tem bastante coisa acontecendo.
P/1 – E pensando no mercado financeiro, especificamente, o que você acha que é necessário para mais mulheres negras conseguirem alcançar postos de liderança, enfim?
R – Olha, eu acho que geral, não só no mercado financeiro, é criar oportunidades e entender que, pra você ter diversidade, você precisa atuar como esse agente transformador. A gente não vai mudar uma realidade de um dia pro outro. Então, se a população negra sempre foi marginalizada, desde o tempo da escravidão, a gente não vai conseguir ter 56% de todo mundo, em todos esses lugares, mas é responsabilidade da nossa sociedade e por que não das corporações, também fazerem essa reparação da sociedade. É por isso que eu falo que a diversidade não é assistencialismo, pedir ajuda. É você entender que é uma questão, inclusive, moral, ética mesmo, de uma sociedade que esteve em débito por séculos, com uma parte dessa população, que hoje é maioria. Dentro do corporativo há de se ter esse olhar da responsabilidade. Então, pra se ter mais mulheres negras dentro desses espaços de mais liderança, você precisa ter intenção e essa intenção tem que vir da alta liderança, para que a gente tenha essa representatividade ali. Se não tiver intenção e se você não tiver também esse tempo pra desenvolver, porque nem todas elas vão estar totalmente preparadas, para encarar essa alta liderança logo ‘de cara’. Não é uma ‘chavinha que se vira’. São mulheres que vieram de outras realidades. Então, você precisa, em algum momento, ter um apoiador ali, uma pessoa que vai te ajudar em algum quesito. Então, por isso que eu falo, pra que isso aconteça, temos muitas mulheres, sim, competentes, muito habilidosas, para ocupar esses espaços, mas precisa ter a intenção, esse olhar afetivo, até, mesmo, de incluí-las.
P/1 – Adriana, trabalhando com diversidade, teve alguma história, ou algum momento que te marcou de forma especial?
R – Ah, eu acho que todos os projetos que eu faço, que eu gosto muito da escuta. Então, muito especial é eu conseguir apoiar alguém, por exemplo: as pessoas com deficiência, porque aí também é um outro lugar, que eu não sei qual é. Eu sei o que é ser uma mulher negra, mas eu não sei o que é ser uma pessoa com deficiência. Então, eu acho que é muito marcante eu poder aprender e não só aprender com eles, mas apoiá-los, pra gente transformar esses ambientes. Então, eu gosto muito, eu tenho muito orgulho de participar dessas transformações e poder contribuir. O Aceleradora de Carreiras também, que é um outro programa que eu faço no voluntariado, que a gente também constrói, traz essas mulheres negras que já estão no corporativo, mas são muito preteridas, então a gente faz esse programa, pra justamente fazer esse despertar delas, do quanto elas são muito capazes, muito potentes e hábeis, para estarem onde elas quiserem. E a gente vê esse resultado acontecendo, quando elas saem desses programas. É muito legal.
P/1 – E sendo uma mulher negra, você já passou por alguma dificuldade, ou alguma forma de preconceito, dentro da sua trajetória profissional?
R – Ai, muitas, mesmo! Desde marcar uma reunião, sempre tive reuniões e aí eu conversava com o fornecedor, por exemplo, negociando contrato e aí, quando eu tenho a reunião presencial, eu vou recebê-lo, ele achar que eu não sou a Adriana e ter essa coisa do: “Por favor, você chama a Adriana?” e eu ter que explicar que eu sou a Adriana. Isso eu acho que é o mais simples. Mas já tiveram as piadas, aquele racismo mais ‘recreativo’, que você não entende direito, porque também tem um outro lugar que a sociedade brasileira nunca falou muito abertamente do racismo. Então, ele sempre esteve muito presente, em todos os nossos ambientes, inclusive dentro das famílias. Eu falo das minhas famílias. Família miscigenada, então! As brincadeiras racistas são sempre muito comuns, até hoje. Então, você aprendeu a engolir muito isso, a seco. Então, por muito tempo, eu já ouvi muita coisa e tipo: “É assim”. Inclusive esteticamente falando. Eu só tive coragem de me transformar, me assumir esteticamente, meu cabelo, há dois anos, agora. De fato, é transformadora essa mudança estética, mas não é tão simples assim. Na época que eu iniciei toda essa minha trajetória profissional eu não podia. Eu tenho certeza que, se eu assumisse... e naquela época era improvável assumir um cabelo assim, porque era uma sociedade que não olhava pra isso. Mesmo lá em casa não era me dada essa opção. Eu também não achava que era bonito, a gente não se achava bonita. Então, é muito difícil você entender o que é racismo, ou não. Só depois, quando dá esse clique, essa consciência, você fala: “Uau! Olha quanta coisa eu passei!” Mas foram várias.
P/1 – E o que você sentiu, quando você fez essa transição capilar, enfim, esse momento, de alguma forma, de libertação?
R – É, foi uma outra ‘chavinha que eu virei’. Eu acho que tem muito a ver com o ambiente corporativo, porque você precisa ser aceita. Então, tem todo um modelo ali, desse corporativo um pouco mais ‘engessado’, eu diria, que não te deixa ser o que você quer, mas na verdade, também, desde muito criança eu alisei o cabelo, porque eu já entendia que aquele cabelo não era bonito, eu já o queria alisado. Não tinha referências de modelos, de nada, que eu pudesse me apoiar e falar: “Eu quero ser assim”. Era cabelo liso. Então, a vida inteira eu tive esse cabelo, mas aí, com essas minhas descobertas internas, mesmo, esse meu autoconhecimento, resgate da minha cultura negra, foi quando eu senti a necessidade gigantesca de mudar e cortar, mas foi difícil porque é, de novo, você se descobrir. E é um lugar muito dolorido. Porque, primeiro, que você se olha no espelho e nem se reconhece. Eu tinha um cabelo alisado, grande, era bonito o meu cabelo. Então, se ver com um cabelo que você nem sabia que tinha, eu nem sabia que cabelo eu tinha, eu aliso meu cabelo desde os sete anos, então é muito maluco você olhar, depois de 35 anos, quase, pra uma pessoa que você nem se reconhece. Demorou muito pra eu gostar de me ver no espelho. Tive que fazer um processo terapêutico muito grande, pra eu me assumir e assumir pro outro, porque a gente pensa no que o outro também está pensando. A gente, a população negra e eu acho que todo mundo, em si, espera um pouco da aprovação do outro, mas o negro muito mais, espera muito a aprovação de todo mundo. Então, eu sempre estive nesse lugar. Foi quando eu ‘virei a chave’ e falei: “Não, eu quero ser inteira, não importa se querem ou não isso”. Mas a sociedade mudou também, acho que me facilitou isso. Eu vejo outras mulheres, mesmo dentro do banco, e acho lindo esse movimento agora, de se assumir.
P/1 – E quais foram as barreiras e dificuldades pelas quais você passou, para chegar até sua posição atual?
R – Ah, foram muitas, porque a gente se cobra muito, fazer muito perfeito tudo, então eu sempre me cobrei demais a perfeição e precisar me provar, provar pros outros e fazer mil vezes melhor. Por exemplo, eu sempre morei na zona leste, hoje não mais moro, há treze anos eu saí da zona leste, mas eu sempre morei na zona leste e trabalhava na Berrini, na Faria Lima, em lugares que eu chegava exausta, já, no trabalho. Atravessava a cidade, pegava metrô, ônibus, depois comecei a pegar fretado e você dorme, depois acorda, você não consegue nem ficar mais, de tanto tempo que você fica dentro dessa locomoção, transporte. Então, era muito difícil, você já chega cansada, volta pra casa cansada. E a dificuldade de ser aceita também. É um universo que você não se enxerga. Enquanto as pessoas estão falando do intercâmbio que fizeram, da viagem X, Y e o inglês ‘tinindo’, ‘fluentaço’, eu sempre tive que ‘correr muito atrás’ de tudo, sem ter esses privilégios ‘na mão’. Então, sempre estava um passo atrás ou muito mais atrás dos outros e ainda assim tendo que ‘correr’, vezes mil, pra ter um lugarzinho ali, um pouquinho melhor, mas sempre fui muito competente, mas eu acho que há uma carga, um peso nisso tudo, de você ter que entregar, ser a melhor, provar pra todo mundo. Essa é uma das maiores dificuldades, acho. De você não ter a leveza de ser quem você quer ser.
P/1 – E qual foi o momento mais desafiador da sua carreira?
R – Desafiador eu acho que foi quando eu saí de uma empresa. Na verdade, eu não queria sair, não tinha a intenção de sair e eu estava de licença-maternidade e aí eu recebi uma proposta, estava com a minha filha, minha primeira filha, com quatro meses de idade, totalmente ‘desencanada’ de mudar de emprego. Até estava com essa vontade aqui dentro, mas seria muito arriscado sair com uma bebezinha, do zero começar numa outra empresa. E aí eu recebi uma ligação, de uma oportunidade e aí falei: “Ah”. Eu sempre fui assim, nunca falo não, falo: “Vamos ver se vai valer a pena”. E aí eu fui fazer a entrevista e aí passei numa etapa, aí passei por uma outra etapa, falei com pessoal de Nova Iorque, entrevista aqui, ali, depois eu falei com o sócio da empresa aqui em São Paulo, fui pessoalmente na empresa e aí eu, super ‘desencanada’, falei: “Não quero me mexer, me deixa”. Sabe assim, quando você não quer muitas transformações naquele momento? E aí eu fui aceita. Aí eu falei, eu lembro, para o recrutador que estava intermediando essa proposta: “Olha, melhor não, eu estou com uma bebezinha aqui, bebê. Imagina se eu mudo de emprego e não dá certo?” Ele: “Não, Dri, vai dar certo, sim”. Aí me cobriram a proposta, fizeram todo um pacote bem, superatrativo e fui, mas eu lembro que eu voltei da licença-maternidade, ela já tinha seis meses, mas era a minha primeira filha, primeira vez mãe, tudo primeira, primeira, primeira. Primeiro emprego, com várias ‘buchas’ pra resolver, mas foi onde eu fiquei mais tempo da minha vida, que foram sete anos e meio, ali. Então, foi maravilhoso. Foi bem desafiador, porque foi quase às cegas, tudo. Eu lembro que eu tirava leite no meio do dia, eu fiquei por muitos meses tirando leite materno, pra levar pra casa. Foram bastante desafios e ainda tendo que, de certa forma, arrumar os processos da empresa, que era uma empresa, de certa forma, nova, mas estava passando por vários desafios organizacionais, processos. Então, fiquei lá, deu certo, mas foi bem desafiador.
P/1 – E os maiores aprendizados da sua trajetória profissional?
R – Os maiores? Ah, eu acho que eu aprendi muito a lidar com diferentes pessoas, diferentes realidades. Eu sempre digo que as pessoas que tiveram menos privilégios e menos oportunidades têm um ‘diamante’ e é isso que eu sempre falo nas palestras que eu faço. Se os grandes líderes e as empresas soubessem o quão é mais vantajoso você aproveitar o potencial de uma pessoa que não teve tanto privilégio, o quanto ela de potência, para criar e desenvolver junto com essa empresa e todo mundo ganhar, é gigantesco. Então, eu sei que eu aprendi muito a me adaptar a esses lugares, sim, mas ao mesmo tempo eu criei uma força tão grande de entender dificuldades, de poder me adaptar, sim, mas de enfrentar, de transpor tudo. Coisa que, se você está muito prontinho, tem tudo ‘na mão’, só atravessa a rua pra trabalhar, não vai construir isso. Então, o privilégio dos não privilegiados é poder criar um ambiente que, por mais que tenha muitos obstáculos, ganha uma musculatura, uma força que outros não têm. Eu consegui entender isso. E relações, relacionamentos. Você consegue entender desde a base dos funcionários, hoje eu falo por mim: então eu consigo ouvir, entender as dores de quem sai do outro lado de São Paulo, pra chegar no emprego dos sonhos, que precisa dar tudo por aquele emprego, porque eu já fui essa pessoa e ao mesmo tempo eu consigo falar com o CEO, com os conselheiros da empresa, de ‘pau a pau’. Eu consigo falar com eles sobre negócios. Então, isso é uma dádiva de quem atravessou tantos obstáculos.
P/1 – Adriana, como é seu dia a dia hoje?
R – Ai, é uma loucura! (risos) E eu realmente sou aquela pessoa que faz muita coisa, eu tenho esse estilo de: “Eu vou, eu resolvo, vamos transformar o mundo, (risos) deixa que eu transformo” e não é bem assim. Então, eu tenho família, minhas duas filhas, meu casamento, eu administro a minha casa. Eu tenho um apoio gigantesco aqui, pra tudo isso. Eu tenho esse privilégio de ter esses apoios, mas ainda assim eu que administro, tenho que estar ‘de olho’ em tudo isso, operando, sem contar com o trabalho, com o voluntariado. Então, é muita coisa acontecendo e eu tenho muita gratidão por tudo isso, só que eu tenho entendido também que eu preciso escolher, então eu estou nessa fase hoje. Prometi pra mim mesma que eu vou fazer um filtro sobre algumas iniciativas e algo que eu possa ter um pouco mais de tranquilidade. Estou fazendo, sendo acelerada em dois programas diferentes, para Conselho de empresas. Então, também é um dos focos onde eu tenho cada vez mais focado a minha carreira profissional, numa outra fase. Não vou, de uma forma brusca, sair de um lugar e só atuar como conselheira de empresas, mas eu estou começando a ter esse olhar, pra eu conseguir esse espaço, daqui uns anos. Ou daqui a pouco tempo mesmo, em paralelo. Então, eu preciso me focar mais nesses outros pontos, porque hoje a minha agenda está muito cheia. Eu tenho palestra pra fazer, as minhas atividades no banco, a casa e tenho que curtir também. E eu sou essa pessoa. Eu não sou workaholic, eu sou essa pessoa que faz muita coisa ao mesmo tempo, mas não sou a workaholic. Porque tem gente que vive pro trabalho. Eu trabalho pra viver. É mais ou menos isso. Eu trabalho bastante, sempre trabalhei muito, muito, muito, mas eu gosto do lazer. Eu gosto muito de ter a minha paz, curtir muito a minha família, eu preciso disso.
P/1 – E o que você gosta de fazer, nas suas horas de lazer?
R – Eu sempre fui muito baladeira. Até hoje eu sou. Mas eu tenho que, óbvio, ponderar. Eu gosto muito, final de semana, ficar com a minha família, em casa, com os cachorros, com os bichos, com os gatos, eu tenho bastante e plantinhas. Eu aprendi a olhar para as plantas de uma outra forma. Eu estou num outro momento da minha vida, de mais sossego. Gosto, ainda, amo viajar. Então, sempre que a gente pode, dá essas ‘escapadas’, nós quatro, mas eu também adoro a noite, eu sou muito noturna. Então, sempre que eu posso, eu e meu marido, a gente faz sempre esse compromisso entre nós dois, da gente poder sair só nós dois, pra gente ‘curtir’ um pouco isso, pra gente não deixar isso morrer, pra gente viver a vida a dois, mas a gente sempre está com as crianças, muito mais, inclusive e eu acho que é isso, um pouquinho de tudo. Família, tenho meus sobrinhos também, minha mãe, meu pai. A gente não tem tanta conexão física, porque eu moro longe, meu irmão mora em outro país, minha mãe e a minha irmã moram em casas diferentes, mas estão na zona leste, o meu pai também está no Rio Grande do Sul, ainda. (risos) Então, a gente não tem uma família muito conectada, fisicamente. Está todo mundo, cada um num cantinho. Mas a minha família aqui, o meu núcleo, a gente é muito conectado, sempre está juntinho. Eu faço questão disso.
P/1 – E como você conheceu seu companheiro e qual o nome dele?
R – (risos) Ai, isso é legal. Ele chama Marcos Emiliano (risos). Ele é argentino e foi engraçado porque eu tive um casamento de onze anos e a minha primeira filha foi fruto desse casamento, a Alícia, que tem hoje oito anos e aí eu me separei e aí eu sou essa pessoa, tipo: não gosto de ficar muito tempo numa situação. Eu preciso entender que: opa, partiu para uma outra situação, vamos tentar mudar esse lugar, essa tristeza, porque toda separação é triste, por mais que você tenha optado por isso, é muito diferente, muito difícil. Aí eu falei: “Quer saber? Eu vou entrar nesse tal de Tinder, que estão falando aí ``. (risos) E eu lembro que eu ficava, à noite. Eu já estava separada, estava morando só eu e minha filha, numa casa, eu lembro que eu chegava do trabalho, eu a colocava pra dormir, tomava um banho e ficava lá, vendo Tinder e eu falava: “Gente, que péssimo esse aplicativo”. Era péssimo, nada. E eu falei: “Não, mas eu vou ‘curtir’, sem expectativas”. Eu dava muita risada, também, falava: “Vou ‘levar numa boa"'. E aí eu comecei a entender que dava pra fazer alguns filtros. Até falo para as minhas amigas, elas falam: “Ai, Dri, preciso pedir umas dicas pra você”, porque eu comecei a filtrar um pouco. Tem um outro plano, óbvio que é o pago, que você consegue filtrar o perfil que você mais gosta. E aí eu lembro que desses perfis veio o Marcos, (risos) aí a gente deu match, a gente se conheceu num 18 de novembro, há seis anos, eu me separei e três meses depois eu encontrei o Marcos, foi muito rápido. (risos) E a gente está até hoje junto. A gente tem a nossa filhinha também. Nós temos uma família, a Alícia e a Olívia são esse núcleo, a gente não tem essa distinção, então temos uma família completa agora.
P/1 – E como foi se tornar mãe? O que a maternidade representou na sua vida? Na primeira, da Alícia e depois da Olívia, como foram essas experiências, pra você?
R - Ai, foi muito avassalador, eu diria. A Alícia eu já estava - quando eu descobri, inclusive, a gravidez - num processo de separação. A primeira vez que eu ia me separar, na verdade. E aí eu descobri a gravidez e a gente ficou mais um tempo junto, resolveu permanecer, a Alícia nasceu, fiquei mais dois anos, então me separei, a Lili tinha dois aninhos. Então, foi um lugar muito, assim, desconhecido, pra mim, não foi planejado, não foi aquela coisinha linda e maravilhosa, mas eu sei que era pra ser. Eu sempre digo que a Alícia foi o meu porto seguro. No momento que eu estava mais precisando, ela veio como meu maior presente. E a Olívia eu tive com quarenta anos, então foi também um momento bem diferente da minha vida, um segundo casamento, já estava mais preparada, sabia o que eu queria. E hoje eu vejo as duas como duas pessoinhas que me fizeram muito melhor, muito diferente. Mesmo essa impulsividade que eu tenho, eu acho que eu consegui conter um pouco mais, entender como as coisas funcionam. Consegui entender também que parte do meu resgate de história, de ancestralidade, inclusive, tem a ver com o fato delas olharem pra mim e me verem como uma referência, isso tudo mudou muito, muito mesmo. Hoje elas têm essa referência de uma mulher que está inteira e antes eu sentia que faltava isso e não é nada filosófico, é real. Você percebe que quando você está do jeito que você quer, que você se gosta, que você se assume como uma mulher inteira, as suas filhas é como se você fosse uma heroína pra elas e eu acho que foi isso, essa construção com a Alícia. A Olívia tem três aninhos, a Alícia tem oito, então a Alícia que foi essa criança que conseguiu me construir também, sabe, muito mais. Então, a maternidade foi linda, pra mim. Muito, muito. Por mim eu tinha meia dúzia. (risos) Eu adoro, mas é desafiador, também.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes pra você, hoje?
R - Ai, que eu não ‘abro mão’ é da minha qualidade de vida e da minha família. Então, é esse lugar. E sempre trabalhar com paixão. Se eu não puder trabalhar com paixão, eu vou procurar algo que me faça me mover. Na verdade, eu sempre fui essa pessoa, mas eu precisei, talvez, atuar em ambientes que eu não era feliz. E hoje eu tenho esse privilégio de poder dizer: “Não, eu não quero aqui, eu posso ir pra outro lugar, eu quero exercer isso, ou aquilo, com paixão”. Eu não sou aquela pessoa que trabalha pra comprar um carro, um apartamento. Nunca fui. Eu sou muito expansiva, nesse sentido. Eu tenho outras ambições e a minha maior ambição é ter qualidade de vida. Eu gosto do conforto, amo o conforto que o dinheiro me traz, não ‘abro mão’ disso também, não posso dizer que isso não faz sentido pra mim, faz muito, mas é onde eu trago, também, todas as possibilidades de descansar. É pra isso que eu trabalho.
P/1 – E quais são seus maiores sonhos?
R – Ai, meus maiores sonhos? Eu gosto muito de pensar em ter algo, um projeto meu, um pouco mais específico, meu. Eu acho que eu tenho feito muita coisa, mas ainda é muita coisa pra muita gente e eu sei que eu tenho potencial pra fazer algo com o meu nome, ainda. Então, eu estou, também, construindo esse lugar, pra eu ver resultados um pouco mais de perto, mais tangíveis, de ponta a ponta. Então, o meu sonho é ter algo, um projeto, sei lá, que tenha o meu nome, que eu consiga, em todos os sentidos, ver uma evolução, fazer uma evolução até pra sociedade, mesmo e trabalhar com isso com muita paixão e ter um futuro pra mim e pra minha família, com segurança. Meus sonhos são gigantescos, mas esses são os mais factíveis, eu diria. (risos)
P/1 – Adriana, qual é o legado que você deixa para o futuro?
R – É de que tudo é possível, de que a gente pode, sim, ser quem a gente quiser. Eu sou essa pessoa que eu não tenho, acho que nunca, mas mais do que nunca, eu não tenho medo de ser quem eu sou, de falar o que eu penso, óbvio que nas devidas proporções, nos ambientes em que eu estou, mas o legado que eu quero deixar é esse: que dá pra gente transformar e não precisamos aceitar condições que nos são impostas. A sociedade nos impôs muitas condições e eu quero deixar um legado de que: “Não, a gente não precisa aceitar essas mesmas condições, de um padrão. Não quero seguir padrão”. Então, meu legado é esse, de querer quebrar padrões.
P/1 – A gente já está chegando ao fim, tenho só mais duas perguntas. A primeira delas é que eu gostaria de saber se você quer deixar alguma mensagem, ou contar alguma coisa que eu acabei não te perguntando.
R – Eu acho que, deixando uma mensagem mais de esperança, o que eu quero acho que também está ligado ao que eu penso de futuro, é que as pessoas que hoje não se enxergam, ou não se veem importantes, têm uma importância gigantesca. Elas só, ainda, talvez, não estão em uma fase ou em um despertar e todo mundo tem essa fase, isso é importante, a gente também respeitar a fase, o despertar de cada um, eu também tive vários despertares e ainda estou nesse processo, mas eu vejo muita gente ainda não acreditando no seu potencial porque, de novo, a sociedade nos colocou nesse lugar. Então, o que eu digo é: “Todo mundo é capaz, mas a gente é muito mais capaz juntos”. E aí, quando eu falo até da população negra, a gente é muito maioria, mas eu vejo a gente muito, ainda, separados e não é separado por opção nossa, é porque realmente foi um projeto mesmo de nos separar, de não nos gostarmos, não nos identificarmos, não nos querermos ser quem somos. Então, naturalmente a gente acabou não tendo essa conexão forte com a nossa história, com a nossa ancestralidade e a gente acabou meio que não criando essa união, essa identificação e eu tenho visto isso mudando, mas ainda assim falta. A gente tem um poder gigantesco, mas quando a gente está muito perto e junto, é muito maior. Eu sempre falo isso muito para as mulheres negras, principalmente, que eu atuo, que eu trabalho, no voluntariado. Como é muito potente essa energia quando a gente está junta e isso é ancestral. É muito forte. Então, é isso: juntos é muito melhor.
P/1 – Como foi contar a sua história hoje, revisitar um pouco da sua trajetória?
R - Ai, foi emocionante. Foi lindo, foi bem profundo pra mim. Me emocionei algumas vezes. Eu sou chorona, mas eu me segurei um pouquinho. (risos) Eu sou a durona chorona. (risos) Sou muito chorona, sou muito sensível e eu resgatei coisas bonitas, porque apesar das dores, das dificuldades, é de se ter orgulho e eu me emocionei. (risos) É muito bonito saber que eu não quero ser alguém que seja um exemplo de superação, ou de meritocracia, porque isso não existe, eu batalhei muito pra estar onde eu estou, mas não é saudável, não deveria ser assim e tem muita Adriana esperando por uma ‘porta’. Eu só tive essa chance, essa oportunidade, mas tem muitas Adrianas esperando essa mesma oportunidade, então foi muito bom eu resgatar tudo isso, com muito orgulho de quem eu sou, mas ao mesmo tempo também entendendo que tem um grande caminho aí, de transformação, para muita gente, pro mundo, pra sociedade. O olhar pro outro, voltar muito esse olhar pro outro. Foi bonito. E ver que a gente vai evoluindo, então tenho orgulho de ter contado a minha história pra vocês.
P/1 – Adriana, muito obrigada! Agradeço enormemente, por poder ter a oportunidade de te ouvir e poder contar a sua história junto com você, sendo um instrumento pra você contar sua história. Fico muito feliz que você ‘topou’ participar desse projeto. É enriquecedor pra gente, mesmo, ter a sua história também no Museu, então eu agradeço em meu nome, em nome do Museu, em nome do Banco Pan também.
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