P/1 – Dona Ermantina, nós vamos começar a entrevista. Qual é o seu nome completo?
R – O nome completo é esse nome que você botou aí mesmo.
P/1 – Pode falar de novo para gente gravar?
R – Cilene, fala o meu nome aqui completo com ela, direitinho.
R – É Ermantina Rocha de Almeida
P/1 – Ermantina Rocha de Almeida?
R – De Almeida, é.
P/1 – E a senhora nasceu em que dia, dona Ermantina?
R – No dia 9 de junho.
P/1 – De 1924?
R – Acho que é. Desse número eu não sei não. Sei que eu nasci no dia 9 de junho e faço anos no dia 9 de junho [risos].
P/1 – Em que cidade a senhora nasceu, dona Ermantina?
R – Com que idade eu nasci?
P/1 – Em que cidade?
R – Aqui mesmo em Itaipava. Papai era dono disso aqui, então a gente morava aqui porque de primeiro não tinha nada não, minha santa. Ó, tudo o que tinha eram só papai com nós e dois vizinhozinhos.
P/2 – Só que com essa barulheira toda aí, só um segundinho.
R – É ruim, né?
P/1 – Bem agora as crianças resolveram chegar [risos]. Deve ser o ônibus da escola, não é?
R – É, eu acho que é da escola.
P/1 – Tem escola aqui perto?
R – Não, é lá em cima.
P/1 – A senhora tava dizendo, dona Ermantina, que nasceu aqui mesmo.
R – Aqui mesmo: nasci e me criei. Primeiro, quando a gente nasceu não tinha escola mesmo, não tinha ninguém que dava escola. Então, depois de já nós estarmos todas grandonas, veio uma mulher não sei da onde e botou escola. Aí fomos para escola, mas em um ano o que uma criança aprende? Não aprende nada, né? Eu já tinha idade de mais de uns dez anos já, de nascida. Meu irmão mais velho fez 101 anos agora, no mês passado e eu sou mais nova do que ele dois anos e uns dias ou uns meses. Mas aí, “papai”, ficaram os meninos aqui... Aí naquele tempo, a gente não sabia...
Continuar leituraP/1 – Dona Ermantina, nós vamos começar a entrevista. Qual é o seu nome completo?
R – O nome completo é esse nome que você botou aí mesmo.
P/1 – Pode falar de novo para gente gravar?
R – Cilene, fala o meu nome aqui completo com ela, direitinho.
R – É Ermantina Rocha de Almeida
P/1 – Ermantina Rocha de Almeida?
R – De Almeida, é.
P/1 – E a senhora nasceu em que dia, dona Ermantina?
R – No dia 9 de junho.
P/1 – De 1924?
R – Acho que é. Desse número eu não sei não. Sei que eu nasci no dia 9 de junho e faço anos no dia 9 de junho [risos].
P/1 – Em que cidade a senhora nasceu, dona Ermantina?
R – Com que idade eu nasci?
P/1 – Em que cidade?
R – Aqui mesmo em Itaipava. Papai era dono disso aqui, então a gente morava aqui porque de primeiro não tinha nada não, minha santa. Ó, tudo o que tinha eram só papai com nós e dois vizinhozinhos.
P/2 – Só que com essa barulheira toda aí, só um segundinho.
R – É ruim, né?
P/1 – Bem agora as crianças resolveram chegar [risos]. Deve ser o ônibus da escola, não é?
R – É, eu acho que é da escola.
P/1 – Tem escola aqui perto?
R – Não, é lá em cima.
P/1 – A senhora tava dizendo, dona Ermantina, que nasceu aqui mesmo.
R – Aqui mesmo: nasci e me criei. Primeiro, quando a gente nasceu não tinha escola mesmo, não tinha ninguém que dava escola. Então, depois de já nós estarmos todas grandonas, veio uma mulher não sei da onde e botou escola. Aí fomos para escola, mas em um ano o que uma criança aprende? Não aprende nada, né? Eu já tinha idade de mais de uns dez anos já, de nascida. Meu irmão mais velho fez 101 anos agora, no mês passado e eu sou mais nova do que ele dois anos e uns dias ou uns meses. Mas aí, “papai”, ficaram os meninos aqui... Aí naquele tempo, a gente não sabia se escola valia algo. Não valia nada, para nós não valia nada porque a gente não sabia de nada. Papai dizia assim: “Ah, minha filha, como que eu vou pescar, sua mãe vai para roça…” eu tinha dez anos quando eu comecei na cozinha. Mamãe ia com os dois filhos homens mais velhos e com a minha irmã que morreu – que eu tenho duas irmãs que morreram - e eu ficava em casa para fazer o almoço. E papai tinha um barquinho, só um barquinho mesmo; ele ia pescar, botava rede e aí pegava o peixe. Vinha com peixe, trazia da rede de manhã cedo, aí vinha e botava em casa aquilo. Eu tinha de fazer o almoço. Todo mundo almoçava, mamãe e papai botavam os chapéus na cabeça, iam para roça outra vez e eu ficava em casa, pois agora eu tinha que dar conta daquele peixe para ficar limpo e salgado. Papai tinha duas cocheiras grandes, compridas assim, onde salgava aquele peixe todo. No outro dia, sabe o que ele fazia? Botava no sol, não vendia, não tinha comprador de peixe não, mas papai pegava. Tinha gente que morava lá para os lados de Rio Novo, para aqueles lados de lá, que vinha sempre com cargueiro, que naquele tempo era cavalo com jacá -não sei se a senhora conhece o jacá, colocavam um de um lado do cavalo e outro do outro lado-, então botava o peixe salgado e levava para vender lá no interior. Nós salgávamos; papai tinha o lugar de botar a rede estendida assim e a gente botava todas aqueles pescados, aqueles cações que isso aqui da gente, a faca comia porque que o cação é duro né, aquela lixa do cação é ruim de limpar. Aí limpava, no outro dia botava aquele no sol e papai já chegava com outro, com outro peixe. Aquele lá que estava no sol, vinham as outras pessoas para comprá-lo. Para comprar uma pescada desse tamanho, mil réis. E dava graça quando vendia por um realzinho, que naquele tempo mil réis valiam dinheiro: a gente ia com dez cruzeiros na loja, fazia uma “comprona” grande, né? Aí botava aquele peixe no sol. Era assim a vida toda até e as outras para roça.
P/1 – Dona Ermantina, quem levava para vender no cavalo era o seu pai ou outra pessoa?
R – Os que vinham comprar do meu pai. Compravam do meu pai, botavam no jacá e levavam para o interior para vender lá, já que não tinha peixe, né, não existia peixe lá para o interior. Então vinham, pegavam aquele peixe, compravam, às vezes faziam… que naquele tempo, se você visse um homem com cem cruzeiros no bolso, nossa mãe! Papai tinha os terrenos, mas dinheiro “necas”, não tinha. Nós passávamos bem para falar a verdade, nós não comíamos mal porque nós tínhamos o peixe; os porcos que papai criava muitos; muitas galinhas; tínhamos peru; cabrito; tudo isso nós tínhamos. E boi também: quando papai queria um boi, nós o matávamos, mas não o vendíamos não. A gente tirava a carne e quando era pouco fritava e botava dentro de uma lata grande; nós não comíamos. Não sabíamos o que era óleo: tirávamos aquelas latas de banha, dessas latas de banha de querosene, que tratava e botava aquela carne assada. Porque não existia geladeira. Você não via uma geladeira, não via uma bicicleta, você não via nada, nada. Quando eu fui casar, marchei daqui até Barra Mansa [bairro de Petrópolis]. Não é mole, né?
P/1 – Não.
R – A pé?
P/1 – Não é mole.
R – Pois é, eu casei lá. Fui e voltei a pé, e atravessava de barco ainda. Atravessava de barco para vir, arrastava...quando chegava no caminho...que naquele tempo as moças casavam direitinho, né, então tinha que casar com o vestido arrastando aqui no pé, branquinho. A gente ia e arrumava na Barra mesmo, eu tinha uma colega que arrumava a gente lá mesmo. Então quando chegava no caminho, como é que andava com aquele vestido? A senhora sabe o que eu fazia? As meninas morrem de rir por causa de mim: não tem esse guriri da praia? Eu fui no guriri.
P/1 – O que é guriri?
R – Guriri é aquela palmeira na praia que dá aquele cachinho assim, que é coquinho. Aí eu quebrei um pedaço e ele tem um coque, né? Aí falei: “Meu velho, segura aqui”. Serrava, puxava, pedia: “Segura aqui também”, cortava aqui e abria. “Agora tá bom, agora anda bem”. Tirava o sapato - muito singelinho - e vinha a pé naquele chão duro. E o senhor pensa que era estrada aqui? Nem um pau de arara não tinha para você ir em cima. E não era estrada não e ainda se passava por cima daquela salsa cheia de espinho.
P/1 – Esse vestido que a senhora rasgou e o sapatinho eram do casamento?
R – Eram do casamento. Pois não andava! Não podia andar porque era muito apertado, justo. A roupa era justinha assim nas pernas. Como é que a gente ia andar?
P/1 – A senhora gostou do seu vestido de casamento?
R – Eu não gostei não. Tanto que eu cheguei à minha casa e logo eu rasguei tudo.
P/1 – É mesmo? Por que a senhora não gostou?
R – Ah começou que… porque papai fez uma festa quando nós casamos. Casamos eu e minha irmã em um dia só.
P/1 – E por que a senhora não gostou do seu vestido?
R – Porque era muito chique. E eu não gosto de vestido apertado não, eu gosto de vestido assim, olha.
P/1 – E quem fez seu vestido de noiva, dona Ermantina?
R – Ah, eu comprei feito lá na Barra. Comprei um para mim e a minha irmã comprou outro para ela. Cada uma comprou o seu.
P/1 – Dona Ermantina, vamos voltar para quando a senhora era pequena, criança. A senhora falou que seu pai...era só a sua família aqui?
R – Só a minha família e tinha um homem que fazia linha de pescador. Torcia assim, fazia linha de pescador para pescar. Porque não existia esse náilon de hoje em dia, né?
P/1 – Fazia de que a linha?
R – Fazia de algodão, algodão e ____, um negócio que rodava assim e torcia ali. E depois aqui na frente tinha outro que ia enrolando ali e ficava fechadinho; ficava uma linha mesmo, toda fechadinha. Ai papai o pagava, comprava lá na Barra ou no Rio Novo, pois era lá que tinha. Para gente ir ao médico, era só lá em Rio Novo ou em Cunha porque em outro lugar não ia não.
P/1 – E como ele chegou aqui? Ou ele nasceu aqui, seu pai?
R – Meu pai nasceu no bairro da Serra ____. Quando ele casou veio embora para cá com a minha mãe. Aqui papai ganhou seis filhos, né?
P/1 – Dona Ermantina, ele veio para cá e a senhora falou que não tinha ninguém aqui?
R – Ninguém, ninguém.
P/1 – Por que ele veio para cá? A senhora sabe?
R – Ele veio para cá porque ele comprou o terreno aqui. Então lá não era terreno de mamãe e de papai, era terreno do meu avô e era um pedacinho pequeno. Também era ruim de água e tudo. Porque aqui, quando o meu pai morreu, não tinha luz não. Quando ele faleceu tinha luz na casa dele, na pedra. Papai fez uma casa, depois que nós todos casamos e aí botou motor e luz para ele. Mas nós queimávamos querosene na lamparina.
P/1 – Quando a senhora casou usava lamparina?
R – Lamparina com querosene: botava querosene e acendia a luz à noite. Fazia janta cedo porque ficava escuro, fazia tudo mais cedo. Hoje em dia a gente pode fazer a hora que quiser, né? Mas naquele tempo não, tinha de fazer mais cedo porque senão... Porque papai era um homem que tinha tudo de fartura. Nós não comprávamos arroz, farinha, fubá; nada. Sabe o que nós comprávamos na venda? O que papai comprava? Querosene, o sabão e o sal eram as três coisas que papai mandava. Nós levávamos um cargueiro de banana, como papai tinha muita banana plantada e cana... porque a gente não fazia café de açúcar...do coiso não..moía... Eu tinha um sogro que era sogro até embaixo d’água, vou dizer. Um sogro que morreu e que eu quase morri também de tanto que ele era bom para nós. Ele fez casa para mim e meu marido e criei meus filhos todos nela. Então, papai o mandou ele fazer um engenho para moer cana e fazer açúcar também. Moía aquela cana; botava em um cavalo ou em um boi uma canga assim nas costas; botava para puxar a manjarra e rodava o engenho. Aí você tinha que ficar do lado de lá e enfiar a cana. O outro ficava do lado de cá e quando a cana vinha, você enfiava a cana e o bagaço para tornar a passar. E depois tinha forno: papai já tinha casa de botar o forno e tacho de cobre para fazer o açúcar; depois botava um pano na boca do barril. Era barril que tinha para aparar, botava um pano bem fechadinho para coar o vinho e não ficar aqueles... O vinho da cana tem aqueles farelos, né? Papai não deixava ficar aquele farelo porque tinha que botar no forno, deixar ferver. Quando virava melado tinha que ficar mexendo ali com o rodo. Aí quando virava o ponto de açúcar, papai despejava no tacho assim, que é para mexer até virar açúcar. E virava açúcar. A gente não comprava, fazia quando queria açúcar.
P/1 – Dona Ermantina, quem fazia tudo isso? Era ele ou eram vocês?
R – Papai, mamãe e nós todos. E tinha um rapaz que trabalhava também para papai que ajudava. Papai arrumou uma pessoa para arrumar...
P/1 – Dona Ermantina, a senhora falou que o seu pai comprou essas terras. De quem que ele comprou?
R – Ele comprou de um homem em Vitória. Era até padrinho da minha irmã que morreu.
P/1 – Mas as terras aqui tinham dono assim?
R – Tinham dono. Eu acho que tinha porque papai comprou isso por... Você sabe por quanto papai vendia um lote? Dois cruzeiros, o máximo que fazia. Por fim já ele vendia por cinco cruzeiros um lote 20x30.
P/1 – Mas ele vendia daquele que ele tinha comprado mesmo?
R – Comprado e pago. Papai comprou e pagou direitinho porque apareciam aqueles dinheirinhos trocadinhos. Mas naquele tempo um terreno não era nem um milhão, né. Pagava devagarzinho, pagando pouco a pouco até pagar tudo.
P/1 – E depois, dona Ermantina, com o tempo ele foi vendendo os lotes?
R – Aí com pouco, papai foi vendendo os lotes. Ele vendia os lotes e fazia aquele dinheirinho, né? Quando papai morreu, a metade dessa terra eles apanharam tudo porque papai vendia e marcava o tempo para receber. Vendia, passava a escritura e coisa para marcar o tempo de pagar. Papai adoeceu e em 12 dias morreu. Com 12 dias internado, em Cachoeiro – era a única coisa que tinha em Cachoeiro. Papai era “doido no chitão”, sei lá em que; era vesícula e foram operar. Naquele tempo era a mesma coisa que botar um burro no matadouro e matar porque não tinha médico. Os médicos eram todos iguais nós, sabiam de nada, né? Mas papai morreu logo.
P/1 – A senhora era... Mas ou menos que idade a senhora tinha quando ele morreu?
R – Quando papai morreu? Eu já era casada, já tinha os meus filhos. Essa menina aqui, quando papai morreu, ela tinha três anos. Essa que mora aqui.
P/1 – Dona Ermantina, em quantos irmãos vocês eram?
R – Nós éramos seis irmãos.
P/1 – Quantas mulheres e quantos homens?
R – Nós éramos um homem e o resto era mulher.
P/1 – E a senhora falou que a sua mãe trabalhava na roça.
R – Na roça.
P/1 – Mais na roça. Ela não pescava?
R – Não, minha mãe não pescava. Às vezes ia tirar um marisco, assim, para comer só, sabe? Mas só trabalhava na roça. Morreu quando não trabalhava mais. Estava bem coisa e papai já vendia terra, então não precisou trabalhar mais. Papai vendia feijão; vendia e botava as coisas.
P/1 – Tudo o que vocês plantavam?
R – Tudo que plantava a gente. Pois é, a gente plantava e colhia, né? Quando casei, eu e meu marido ainda fomos plantar arroz na beirada do brejo, no rio.
P/1 – Dona Ermantina, a senhora falou que quando veio para cá, não tinha ninguém, nenhuma família? Ou tinha primos da senhora?
R – Não, não tinha primos, nada, nada. Só tinha esse homem que o nome dele era Julião, o que fazia linha. Depois que papai comprou e eles foram sabendo que ele tinha terra, todo mundo queria vir de tal lugar e comprar, né? Aí foram comprando e construindo casa. Mas isso já foi muito tempo depois; compravam e construíam a coisa. Aí foi juntando gente quando papai vendia muita terra. Tinha o meu cunhado, irmão do meu marido, que morava lá em Barra Mansa. Então ele veio, botou uma vendinha e já limpava o peixe. Ele vendia na vendinha e limpava uma lata assim de peixe, essas pescadinhas. Todo peixe que a gente limpava para ele, ele pagava uns 50 centavinhos, por um tanto de peixe assim. Mas era dinheiro.
P/1 – Mas quem pescava esse peixe que a senhora limpava?
R – Quem pegava? Eram os pescadores que já tinham aqueles barquinhos pequenininhos. Comprava... e os pescadores eram de longe, né? Porque os pescadores que vinham morar aqui já vinham com interesse de pescar mesmo, que era a produção. Toda a vida aqui foi assim, vivia do peixe.
P/1 – Que peixes tinham bastante aqui? Que qualidade que tinham?
R – Só não tinha peixes do alto mar, porque esses, meu filho, só peixe grande.
P/1 – Que peixe que eles pegam?
R – É atum; dourado; toda qualidade de peixe.
P/1 – Mas quando pescavam aqui perto, que peixe que tinha?
R – Pescada, cação, esses peixes assim que pegavam. Pescadinha, araúja, cortadeira... esses peixes pequenos que a gente às vezes pega na pedra até. Que eu já peguei muito na pedra. Então, pegavam esses peixinhos. Aí papai vendia já para a pessoa tornar a revender.
P/1 – E quem comprava, quando começou a ter mais peixes e mais pescadores pescando? Quem comprava?
R – Todo mundo comprava e ia comprando um do outro. Aí a gente já tinha... Aí depois que eu já era mais velha, teve um homem que botou uma peixaria. Sabe quantos quilos de peroá eu limpava por dia? Quatrocentos.
P/1 – Quilos?
R – Quatrocentos quilos de peroá.
P/1 – O que é peroá?
R – Peroá é aquele peixe cascudo. Cortava a asa dele assim, tirava a pele e a tripa. Botava em cima do balcão, cortava tudo e tirava o couro. Até a hora do almoço, eu tirava quase duzentos quilos. E duzentos quilos de peroá é peroá, né? Muito peroá. Limpava. Depois, em casa, fazia almoço, dava às crianças e voltava para lá. Tirava, às vezes até tinha... Essa mulher até já morreu, coitadinha, ela era tão boa para mim. Às vezes eu deixava já o almoço pronto e meu marido esquentava e tirava para as crianças. E eu, às vezes, comia até lá com ela. Quando ela morreu, quase morri também de tanto que ela era boa para mim. Eles eram muito bons para mim. Ela fazia aquele prato de comida gostosa, aquele peixe gostoso. Eu nem comprava peixe porque lá eles davam peixe às vezes para eu trazer para casa.
P/1 – Ela era mulher do dono?
R – Do dono da peixaria.
P/1 – Dona Ermantina, e quando a senhora era criança, qual era a diversão de vocês? Vocês brincavam do que?
R – Roda. Brincava de roda, cantava roda, a senhora não foi de… [risos]
P/1 – A senhora se lembra de alguma cantiga de roda?
R – Eu me lembro. Agora eu não lembro muito não. Nós cantávamos (entrevistado canta) “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar”. E por aí nós íamos cantando; cantando de todo jeito. E depois cantava aquela roda e cada uma dizia verso.
P/1 – A senhora se lembra de algum verso?
R – Lembro [risos].
P/1 – Fala um para nós.
R – “Subi no morro lá, de lá se avista bem. Só não vi o meu amor quando não se conhece alguém [risos]. “Subi no morro alto para ver o sol nascer, avistei tão lindas prendas, só você não pude ver” [risos].
P/1 – E sobre o mar, tinha algum verso sobre o mar?
R – Sobre o mar eu agora não me lembro não, mas tinha muitos versos. Tinha do alecrim: “Alecrim seco se muda, só eu nunca me mudei. Quando eu quis apanhar amor, por tu sempre eu esperei. Alecrim seco se muda do sul para o norte. O futuro só vale no amor quem tem sorte”. Ih, eu sei verso demais. Eu diria aqui sobre isso por toda a vida.
P/1 – E música de mar? A senhora lembra alguma sobre o mar?
R – Do mar não lembro não.
P/1 – Sobre pesca, pescador?
R – Sobre pescador não lembro muito não. Podia até lembrar assim... a cabeça da gente esquece muitas coisas, né? A gente se esquece de muitas coisas de primeiro.
P/1 – Mas a senhora lembrou agora.
R – Mas eu me lembro de muito. Os atrasados eu lembro mais agora do que no futuro. Porque dos atrasados, a minha mãe e as minhas irmãs trabalhavam na roça, mas eu era da cozinha. Naquele tempo, a gente tinha que fazer uma cacimba grande assim, fazer um buraco para apanhar água, sabe? E apanhar água com o canecão: enchia a lata, punha na cabeça e trazia para casa. Então, papai tinha uma talha assim e quando nós ainda éramos solteiras em casa, a gente enchia aquela talha e não tinha uma pia para você lavar uma louça, né? Não tinha nada disso não para nós lavarmos louça. Era um brejo aqui, mas você podia jogar uma agulha no fundo do brejo que você enxergava. Era uma coisa linda! Depois que chegou gente para morar, em um dia isso virou lama, ninguém fazia mais nada. Então nós apanhamos água da cacimba, enchia a talha... aí as meninas morrem de rir quando eu conto para elas: um dia estava eu fazendo almoço e com medo de papai vir e não ter o almoço pronto, da pesca. Aí eu disse assim às minhas irmãs: “Vão buscar lata de água para mim”. Elas disseram assim: “Ah, eu não vou buscar água não. Você não trabalha na roça e nós trabalhamos”. Eu disse: “Mas eu estou ocupada aqui. Dá aqui que eu vou buscar água, mas quando papai vier o arroz não vai estar pronto”, porque papai era exigente, queria que quando chegasse estivesse tudo prontinho. Aí ela disse assim: “Eu não vou não”. Eu disse assim...eu pensava que o inferno era na Barra. As meninas morrem de rir porque eu falo isso. Falei: “Sabe então o que mais?” – papai tinha uma raiva de dizer nome feio - “Vocês vão para o inferno lá nas bandas da Barra”. Aí mamãe estava lavando roupa. Dia de sábado papai não trabalhava não, sabe? Mamãe não trabalhava, pois era dia de lavar roupa... Ela disse assim: “Eu não vou não, você não trabalha na roça, você não está cansada”. Eu disse: “Credo, desconjuro!”. E aí eu mandei elas irem para o inferno das bandas da Barra. Mas eu não liguei não, papai e mamãe não gostavam de nome. Eu fui até a porta da cozinha, assim de casa, tava toda a comida na chapa, porque a gente cozinhava na chapa que era do fogão, sabe? Aquela chapa buraco, né? Botava tudo quentinho em cima do fogão, feitinho, cozinhado e botava. Aí eu fui e sentei com a perna, as costa assim e a perna...
P/1 – A senhora contou que nesse dia...
R – Eu mandei elas para o inferno das bandas da Barra. Aí eu sentei na porta assim, fiquei com a perna lá, cá assim, e fiquei com as costas. Aí estou pensando: “Mamãe está assobiando e estendendo a roupa, né?” Estendendo a roupa eu estou lá, bem fresca. Eu disse: “Conta suas arengueiras.” Aí elas contaram para mamãe. Mamãe já tinha preparado uma varinha de araçá e eu não sabia, né? Eu tava sentadinha na porta, mamãe veio, me agarrou e deu uma surra de galho de araçá, por eu ter mandado as meninas para o inferno. Eu disse: “É mamãe, a senhora me bateu, né? A senhora vai ver só”. Papai tinha ciúme de mim, gostava muito de mim. Aí a senhora sabe o que eu fiz? Eu apanhei uma faca e fui para o morro que tinha muita cana, muito abacaxi, muita coisa. Deixei o almoço todo lá e fui para o morro, fiquei o dia inteirinho no morro. Lá eu comi abacaxi, chupei cana e levei o dia inteiro. Quando chegou a noite, eu disse: “Ah, agora não vou ficar aqui não, eu tô com medo, vou-me embora”. Aí papai tinha um chiqueiro grande, onde criava porco e dentro do chiqueiro tinham aquelas bananeiras tatu, daqueles cachos tatu grandes assim. Eu fui, cortei com a faquinha umas folhas; forrei e disse: “Eu vou dormir aqui no chiqueiro junto aos porcos”, mas não tinha mais porco não, sabe? Os porcos papai já tinha vendido. Pensei: “Eu vou ficar aqui dentro”. Aí papai virou e falou para ela: “Por quê você fez isso com a minha filha? Para que você bateu nela? Ela não merecia você bater”. Ela chamava Catrina. “Catrina, para que você bateu nela? Para quê? Agora eu vou ver”. Papai gritava, mamãe gritava e eu, com raiva, não respondia. Aí papai apanhou a lamparina e foi me procurar. Papai me viu deitada nas folhas de banana, pegou no meu braço e me trouxe para casa. Mamãe pediu desculpas porque ela me bateu. Aí eu fiquei de bem, nunca mais brigamos não, mas ela me bateu à toa, só porque eu mandei as meninas para o inferno. Mas eu sabia o que era inferno? Não sabia não.
P/1 – Por que a senhora falou? A senhora lembra o porquê falou inferno da Barra?
R – Porque eu falava inferno, eu pensava que o inferno era lá na Barra. Falava inferno de tão burro que a gente era; a gente era muito burra, não sabia de nada não. Naquele tempo não tinha nada para ensinar você, tinha nada.
P/1 – Dona Ermantina, e os irmãos meninos? Tinha quantos?
R – O quê?
P/1 – Tinha irmão homem?
R – Tinha só um. De irmão da minha coisa, só tinha um homem. Só meu irmão…
P/1 – E ele acompanhava seu pai na pesca, não?
R – Não, ele ia para roça com a mamãe. Ele não ia pescar não, papai pescava sozinho até que naquela ilha... papai tinha um barco, um botinho e mamãe botava um caldeirãozinho de feijão cozinhado, uma latinha de banha e uma panela para papai fazer a moquequinha de peixe lá na pedra; botava os temperinhos, que a gente tinha muito tempero na roça. Colhia alho, colhia cebola, colhia tudo naquela coisa que batia o feijão lá na pedra. Meu irmão mora em um lugar onde nós batíamos feijão, meu irmão, esse mais velho.
P/1 – O que é bater feijão, dona Ermantina?
R – Bater feijão é você arrancar o feijão e bota no sol para secar. Quando ele fica sequinho, você bota em cima, por exemplo, desse cimento aqui e põe umas duas varas e bate, bate, bate, vai revirando ele e batendo. Aí os caroços caem todos assim. Agora aquela palha você joga para o beirado do mato e aquilo vira um esterco. Você plantava cebola e ela ficava assim ó. A cebola de folhinhas a gente plantava e ela ficava grandona assim. Você não precisava nem comprar cebola porque tinha. Papai plantava alho e dava cada cabeça assim, ó.
P/1 – E levava essas coisas lá para...
R – Levava lá para o farol, também levava o sal. Ele chegava ali, pegava o peixe, mas tinha que levar linha grossa e boa porque lá só dava peixe grande, de primeira. Papai ficava lá sozinho, mas tinha vezes que eu ia com papai.
P/1 – Só você Dona Ermantina?
R – Ia com papai tarrafear, ia com papai... Tudo eu ia com papai.
P/1 – E o seu irmão, não ia?
R – Não ia não. Porque era da roça, só tinha que trabalhar na roça e não ia com papai. Depois que papai coisa de roça...ele enjoou de tanta roça e pegou, vendeu terreno e aí ele já ia pescar com o papai. Aí ele comprou barquinho para ele também e aí já era pescador também junto com papai.
P/1 – E a senhora ia. Conta como era quando a senhora ia com seu pai pescar.
R – Ia com papai no barquinho, sentava, mas era assim, a gente fazia um paninho. Todos os barcos daqui não tinham o tal do motor como é agora. O meu marido era sabido como só vendo. Sabido! Ele sabia ler, não sabia muito não, mas de onde ele morava, ia pra escola e meu marido sabia. Se você o mandasse fazer uma conta, não tinha quem fizesse uma conta igual a ele, fazia bem. Então ele ia pescar, quando eu já tinha meus filhos, ele ia pescar com o meu mais velho, esse que pesca lá fora ia pescar com ele. E esse meu filho que mora aqui, é um filho que nunca que… é assim, os olhos iguais ao do pai dele, nunca...de tão bom que ele é. E minhas filhas... Às vezes eu estou aqui na cozinha, vejo um saco de pão pendurado ali porque ele vai à padaria e volta com o saquinho de pão. Eu já acordo, abro a porta e o saquinho de pão está pendurado. É um filho bom, pergunte a ela. Irmão bom como ele é. Hoje ele foi me levar lá no médico, me botou lá e foi bater uma chapa das costas, porque ele não pode trabalhar não, coitadinho. Uma dor nas costas que ele não pode mexer com o braço, de tanto fazer pintura assim, de casa e tudo. Ele fazia muita pintura, trabalhou muito, depois eu chorava e pedia a Deus para botar meus filhos para casa e eram todos os dois. Aí eu botei dentro de casa, até que ajeitaram, foram pescando e fazendo casinha. Hoje em dia, graças a Deus, todo mundo tem sua casa boa, mas eu tirei lá do Rio. Quando eles vieram, vieram com uma mão atrás, outra adiante. Até minha filha que sabe.
P/1 – Dona Ermantina, antes da senhora falar dos seus filhos, conta um pouco o que a senhora fazia na pesca com o seu pai.
R – Pescava.
P/1 – Mas a senhora ia lá até onde ele ficava?
R – Lá no mar, no mar.
P/1 – Como que era? Conta para gente.
R – Pois é, ele pegava o peixe. Lá na pedra ele escalava, lavava com a água do mar e salgava tudo em cima da pedra. Aí a gente no outro dia trazia tudo salgadinho ali, para cima do barco. Botava um plástico assim, botava todo o peixe em camadinhas ali em cima, tudo salgadinho na pedra. Já limpava lá mesmo e limpava. Eu gostava de ir com papai.
P/1 – Mas e pescar mesmo, a senhora pescava, não?
R – Eu jogava um bocadinho da linha porque os peixes, quando papai pegava, eram grandes e a gente não tinha força para tirar. Eu pego peixe grande aí na pedra, mas pergunta para as meninas, precisa um para ajudar porque tinha que pegar cada arraia assim. Pergunte a ela aí. Pego mesmo, aquelas bichonas grande. E lá era muito peixe. Papai não deixava pescar, né, porque tinha medo que a pedra não fosse boa assim como é aqui. Aqui a gente fica na beirada da pedra, pode pescar e lá não. Lá é ruim pescar e aí papai não me deixava pescar não. Gostava de pescar, mas a gente pegava cada uma com boca de velho. A boca dela é vermelha, então chamava boca de velho.
P/1 – É um peixinho?
R – É um peixinho assim, vermelhinho.
P/1 – Dona Ermantina, ele ia com o barco até a pedra, mas não pescava no barco, pescava na pedra?
R – Não, só pegava na pedra. O barco puxava na areia, que é um lugar lá que tem areia. Nós puxávamos o barco e botava na areia, mas não era toda vez que eu ia com papai não. Eu tinha preguiça de ir com papai.
P/1 – Por que pesca da pedra e não do barco?
R – Porque tem muita pedra lá e barco pequeno não pesca lá não. Tem muita pedra, assim, então os barcos batem. Então só tinha que pescar na pedra e todo mundo, às vezes, vai lá pescar. É na praia, na pedra.
P/1 – E perto da pedra? Por que as pessoas vão para perto da pedra?
R – Pesca na pedra e depois joga a linha para fora. Igual a gente faz na pedra, a gente roda a linha assim ó e joga onde a gente quer. Ah, eu tenho lá, quer ver?
P/1 – A Cilene pode pegar sua linha para mostrar, né Cilene?
R – Mostra a linha ali no balde, no amarelo.
P/1 – Só porque ela está com o microfone.
R – No amarelo aí. Me dá o balde aqui. Mostra para ela.
P/1 – Só a linha que a senhora mostra. Mostra para gente como é.
R – Ó, quer ver?
P/1 – Mostra um pouquinho aí na imagem.
R – A gente faz assim. Eu boto três anzóis porque...
P/1 – A senhora ainda pesca, Dona Ermantina?
R – Eu pesco.
P/1 – A senhora vai para a pedra?
R – As minhas filhas me levam de bicicleta...
P/1 – Como?
R – Me levam de bicicleta e meu filho me leva de moto.
P/1 – Elas levam de bicicleta?
R – Leva de bicicleta e leva o telefone… o celular, quando uma leva, a outra fica em casa. Quando eu quero ir embora, elas telefonam e outra vai lá me buscar.
P/1 – Mas a senhora fica sozinha lá na pedra?
R – Não, fico com os outros, com as meninas.
P/1 – Com quem que a senhora fica?
R – Agora você pega aqui ó. Aqui é destorcedor, ele destorce. Aí você garra aqui, roda assim, joga lá fora e ela sai daqui, ó.
P/1 – Mostra o destorcedor, Dona Ermantina. Mostra mais para senhora para ele mostrar a câmara. Ah, para rodar aqui assim.
R – Aqui a linha toda e essa bolinha é para boiar a linha para não ir muito para o fundo. Aqui tem peixe que fica na flor da água assim, então você pega. Então tem anzol pequeno e tem maiores.
P/1 – Ai que bacana. Dona Ermantina, suspende um pouquinho. E esse peso é para que?
R – Para linha ir para o fundo. Esse peso aqui é a chumbada, que tem de ficar lá no fundo da água.
P/1 – E a senhora até hoje pesca?
R – São três dias os que eu gosto mais de pescar: segunda, terça e quarta, porque a minha filha que vai comigo, essa que está no Rio, que é a minha companheira de pescar. Todo dia nós íamos mesmo. Aquela ali quase não sai porque tem filho que trabalha e tem que fazer comida. As vezes que ela vai mais a outra... Aquela lá de cima não, ela faz isso aqui dos olhos e pinta cabelo. Nos dias dela pintar o cabelo e fazer isso, ela não pode sair. Às vezes eu ponho minha linha, vou ali, ali pertinho. Ela vai me levar lá, bota eu lá na beira da pedra e vem embora. Eu fico lá.
P/1 – E para puxar o peixe, quando é um peixe maior?
R – Eu puxo! Essa aqui é para peixe menor. E as outras ali são para peixe maior. Tem de toda grossura o náilon.
P/1 – E a senhora puxa sozinha? Não é pesado?
R – Puxo, puxo sozinha.
P/1 – E depois que a senhora pega o peixe? Aí a senhora traz para casa?
R – Traz para casa e salga. Nós vamos cozinhar sururu, então levamos a panela preta de cozinhar lá para o mato. Vamos cozinhar sururu, cozinha lá, retira, cozinha, debulha e traz debulhadinho dentro do balde, limpinho. Chega aqui, lava na água doce, depois bota dentro de uma vasilha grande outra vez e lava com água de sal, meia quentinha. Bota na geladeira tudo limpinho, limpinho! Se você ver os meus mariscos... eu tenho quase três quilos de marisco.
P/1 – Dona Ermantina, a senhora pesca e ainda pega marisco só para vocês ou a senhora vende?
R – Quando tem comprador eu vendo também. Eu não gosto de marisco não, eu como fritinho, às vezes eu faço, mas dizer que eu gosto, eu gosto é de tirar. Mas é tão bom, você leva uma comidinha gostosa, come lá, leva fruta. Você está comendo. Se você for debaixo da amendoeira que nós cozinhamos marisco, você diz assim: “Ah, eu não quero outra vida”. Pergunte a ela: é fresquinho, limpinho, o chão nós limpamos todo, a gente não deixa sujeira não, sabe? O chão, olha, tem até um rastelo lá no mato, escondido. Acaba de cozinhar o marisco, bota em cima dos panos, joga para baixo do mato, sabe? E fica limpinho. Você pode botar um lençol, deitar, dormir, é limpinho, nós carregamos e bota lá debaixo da sombra. Traz o fogão e bota dentro do caldeirão, cozinha e debulha.
P/1 – Quantas pessoas ficam no mar com a senhora pescando e pegando marisco?
R – Às vezes a gente tira marisco e pesca e, enquanto o marisco está cozinhando, a gente dá uma linhada, sabe? Dá uma linhada e pega o peixe quando dá peixe. Esses dias estava dando Araújo, a pescadinha assim, ó. As pescadinhas nós pegávamos, mas agora o tempo mudou e ficou ruim de peixe. Ainda ontem aquele neto que chegou ali, ele foi e disse “Ah, vovó, eu fui pescar, não marquei nada não, só marquei três peixes. Ainda o menino enterrou na areia e eu me zanguei: Estava com dois e ele enterrou na área brincando. Os grandes ele perdeu e os outros eu joguei lá no mar”.
P/1 – Dona Ermantina, e quantas pessoas ficam pescando com a senhora lá?
R – Às vezes duas, três...minha sobrinha. Eu tenho uma sobrinha ali que pesca; minhas filhas que também vão. Minhas colegas.
P/1 – Geralmente são parentes?
R – Sobrinho.
P/1 – Dona Ermantina, a senhora vai, assim, porque a senhora gosta?
R – Porque eu gosto mesmo; não é por necessidade, não é por nada não. Às vezes aparece um: ”Não tem um quilinho de peixe para vender para mim não?” Nós levamos e eu vendo. Ás vezes pego pelo peixe que eu gosto, com aqueles peixes maiores eu gosto de fazer moqueca, fritar. Eu gosto assim fritinho, o peixe. Ainda ontem eu fiz uma moqueca, fritei umas postas que meu genro, quando vem de fora, traz aqueles peixões grandes, sabe? Aí a gente tempera aqueles peixes grandes e faz moqueca. Aí ele traz, dá para ela, dá para outra irmã, dá para eles, para todo mundo, o peixe que ele traz. Ele está para chegar.
P/1 – Dona Ermantina, a senhora gosta ainda de pescar e tudo. E para os seus filhos, como foi assim essa parte da pesca, de passar para os seus filhos. A senhora ensinou alguém?
R – Ensinei. Por exemplo, eu ia tirar marisco e eles iam junto comigo, né? Eles iam comigo e também tiravam. Se eu ia pescar, elas iam comigo porque não deixavam eu ir sozinha. Quando vinha embora, quando eu podia andar, eu ia andar; mas agora eu fico muito cansada. Para dizer a verdade, eu fico cansada. Por exemplo, se a outra for pescar comigo, me levar, essa que vai me levar ela leva o telefone. Quando é na hora de ir embora, aí eu telefono para o meu filho buscar eu de moto ou senão ela vai lá me buscar.
P/1 – Mas assim, quando eles eram pequenos?
R – Quando era pequeno, só comia e brincava e eu que trabalhava.
P/1 – A senhora...vamos começar desde quando a senhora casou. A senhora falou que casou para...
R – Eu disse assim: “Tomara que eu case mesmo, porque eu vou casar e depois largo de limpar peixe para o papai”. Aí meu marido “pegou” para pescar também e pronto, caiu na esparrela aqui. Ainda vou dizer uma coisa para você, que tinha dia de eu empurrar a canoa para baixo com ele, depois...
P/1 – Conta para gente essa parte, Dona Ermantina, que a gente não gravou. A senhora quando casou, ele era pescador?
R – Eu era.
P/1 – Ele?
R – Ele era pescador, aprendeu logo a pescar. Ele pescava, calafetava o barco. Não tem aqueles barcos grandões? Então, tem que colocar um “calefeta” nas brotas assim, ele também trabalhava para bater com o fio, sabe? Fio dobrado para tapar os buraquinhos para não encher de água. Depois pintava o barco todinho. Aí trabalhava disso. Depois pescava também, ia pescar.
P/1 – Mas quando ele começou a pescar, não foi depois que casou não? Antes ele já era pescador?
R – Já era, ele já pescava. Quando nos casamos, ele pescava já.
P/1 – Como que a senhora começou a namorar ele?
R – Porque ele veio aqui e não tinha rapaz. Foi o primeiro que veio, então eu namorei.
P/1 – Como é que foi Dona Ermantina?
R – Aí começamos a namorar e dali mesmo nós casamos.
P/1 – E as suas irmãs?
R – As minhas irmãs também. As minhas irmãs também namoraram e casaram. Vou dizer a você: eu casei e no dia do meu casamento foi uma irmã também, nós duas casamos. Papai para fazer uma festa só, fez a festa já de duas quando nós casamos.
P/1 – Dona Ermantina, mas a senhora falou assim: “O primeiro que apareceu”. Como é que foi?
R – O primeiro que apareceu eu casei. Namorei e casei.
P/1 – Elas ficaram para depois?
R – É, ficaram para depois. Ficaram em casa, depois uma foi para longe. Lá namorou e casou também. Foi assim, a vida foi assim, levando assim, aos trancos e barrancos, porque naquele tempo dinheiro era muito pouco, né, não tinha.
P/1 – Como era o namoro naquela época?
R – Um de lá, outro de cá. As meninas às vezes brincam comigo assim: “Mamãe, a senhora beijava?” Beijar para ganhar um tapa na cara?
P/1 – Quem dava um tapa?
R – Papai, ele era severo.
P/1 – Mas no dia do casamento a senhora ficou contente?
R – Fiquei, claro que fiquei! Mas cansada, andando daqui até a Barra e depois voltando. Cansada mas...
P/1 – Eu digo, assim, foi na igreja que a senhora casou?
R – Não, eu casei no cartório mesmo. Eu já era crente também. Casei no cartório mesmo.
P/1 – Foi mais alguém além da sua irmã? A sua irmã casou no mesmo dia que a senhora. Foi mais gente?
R – Foi. Acho que não foram nem dez pessoas no casamento. Tinha que dar duas, três viagens para atravessar lá no Pontal, naqueles barquinhos, porque a gente não tinha ponte ainda, né? Atravessava de barco assim: sentava dentro do barco e o outro remava, botava do lado de lá. Vinha buscar outro e botava do lado de cá. Era assim. Pensa que a coisa era boa? Era não, era severo.
P/1 – A família foi lá ver o casamento? Como era?
R – Foi pouquinho. Papai nem mamãe foram porque era longe e não aguentavam ir, né, andando. Só foram os mais novos. Nem minha sogra, nem meu sogro, nada que já moravam lá. Só assistiram o casamento lá mesmo, nem vieram porque quando nós casamos papai fez uma festa muito bonita. O pessoal... já tinha muito gente aqui, foram convidados os parentes, primos, tios; era muita coisa e papai fez uma festa.
P/1 – A festa foi aqui! Por isso que eu perguntei se a senhora ficou contente.
R – Foi aqui. Na casa de papai mesmo a festa. E nós aí tínhamos uma casinha e nós nunca... Eu era muito...eu tinha muita vergonha. Pensa que eu ia na casa de papai comer um prato de comida? Nós compramos uma casinha.
P/1 – Dona Ermantina, a senhora falou que fez uma festa, mas aí falou que ficava com vergonha do que?
R – Eu ficava com vergonha. Aí nós compramos uma casinha por cinco cruzeiros. Um moço queria vender a casinha e ela era de palha, assim, pequeninha, só tinha um quartinho e uma cozinhazinha. Aí nós compramos por cinco cruzeiros e fomos logo morar. Compramos, cada um, um prato só. Não tinha dinheiro: compramos prato, colherzinha, umas panelinhas de ferro e cozinhava naquelas panelinhas. Não tinha nada. Hoje em dia se diz que as coisas estão ruins, mas a coisa está muito boa, né?
P/1 – A senhora tinha vergonha do que, Dona Ermantina?
R – Tinha vergonha de comer na casa de papai. Às vezes eu chegava lá e papai estava com um pedação de carne seca no prato. Falava: “Ai minha filha, come um pedacinho com papai”. Ele gostava muito de mim: papai às vezes espetava uns espinhozinhos no pé e quem tinha que tirar era eu, de tanto que ele gostava de mim. Papai quando morreu, eu quase morri. Eu me meti na frente do carro para o carro me matar também para eu ir com o papai.
P/1 – É?
R – É. De tanto que eu gostava do meu pai. Minha mãe também era boa, mas papai era melhor. E meu sogro, que sogro bom que eu tinha, ô meu Pai! Meu sogro morreu logo cedo, mas ele era bom para mim. Meu Deus, meu sogro era muito bom, tudo fazia para mim.
P/1 – Por que a senhora ficava com vergonha de comer na casa do seu pai?
R – Mas eu tinha vergonha. Papai dizia assim: “Para que casou?”. Eu imaginava assim papai: “Por que você casou? Não queria casar? Queria casar? Por que casou?”. Não comia não. Eu criei meus filhos todos, graças a Deus nenhum passou fome. O meu velho trabalhava, mas depois ficou doente e aí que foi “barro de cachimbo” mesmo. Ficou doente, deu um reumatismo. Meu sogro ia a Cunha buscar o doutor, de cavalo. Você vê, ia buscar o doutor de cavalo para atender o filho porque não tinha como levar meu velho para a coisa. Deu um reumatismo. Tocou aqui na perna, tocou aqui, tocou na coxa e quase morreu. Foi indo, tratou e ele ficou bom. Depois ele deu... Fui botar querosene na luz à noite. Eu ia para igreja, aí ele falou assim: “Minha velha, eu vou ficar” – ele não ia para igreja, não gostava não. “Você bota querosene na lamparina para eu ficar com a luz acesa com as crianças”. Os menores ficavam com ele e eu ia com as maiores para a igreja. Aí eu fui, dona coisa...assim, apanhei a lamparina, segurei, tirei o pavio, segurei aqui, apanhei o latão, o galão de vidro e virei na lamparina. O fogo pulou dentro do garrafão, estourou o garrafão e queimou ele todinho.
P/1 – Ele?
R – É, o meu marido. Queimou ele todinho. A senhora acredita que eu morri quando eu vi ele queimado? Minha filha lá do morro tinha casado. Ela tava vindo com água e falei: “Corre, minha filha, corre. Acode aqui”. Nós pegamos um cobertor para enrolarmos ele; a sandália já tinha ficado no pé, queimado tudo. Deu queimadura de terceiro grau e depois uma luta para levar para os médicos, para ficar. Ele bebia dois litros de água por curativo que iam fazer nele.
P/1 – E ele ficou bem depois?
R – Depois foi indo, foi indo e ficou bem. Depois ele teve alta do hospital e a senhora sabe o que eu fiz? Eu fiz uma caixa grande assim, botava um pedaço de colchão dentro, pois era tempo frio e não podia tampar ele porque se botasse em cima das pernas, pegava a queimadura. Ele queimou as pernas todas, os braços, e o rosto sapecou todo. Não chegou a sair a carne não, só sapecou, saiu a pelinha. Aí eu fiz aquela caixa, botava um pedaço de colchão e, quando estava com frio, botava aquele cobertor por cima da caixa para cobrir ele para passar. Isso tudo essa velhinha aqui passou, tudo essa velhinha passou. Aí foi indo e ele ficou bom. Aí pegou... Ele já fazia muita gaiolinha para vender; fazia e vendia. Nós morávamos aqui e tinha um pé desses que dá aquela azedinha. Ele botou um banco, fazia as gaiolinhas e vendia por cinco, três cruzeiros.
P/1 – Quando ele ficou doente a senhora trabalhava?
R – Trabalhava. Ele ficava em casa e eu trabalhava.
P/1 – Trabalhava no que?
R – Com peixe. Toda vida eu trabalhei com peixe.
P/1 – E a senhora, para sustentar mesmo a casa, fazia que tipo de pesca?
R – Vinha com peixe, cozinhava... que a gente tinha o feijão, o arroz e outras coisas. A carne a gente também tinha em casa, porque criava muita galinha, né? Aí quando queria, matava uma galinha. Quando casei, eu tinha uma porca que no dia seguinte ao meu casamento ganhou uns 10 leitõezinhos. Criava aquela porca com tanto cuidado que ela criou aqueles porcos grandões. A gente matava e fazia banha; tudo isso a gente fazia.
P/1 – E o marisco, a senhora também...
R – Tirava marisco e cozinhava também.
P/1 – Mas não vendia?
R – Não vendia. Tirava assim “para o gasto”, pouquinho, sabe? Agora ninguém pode tirar uma porção: as meninas às vezes tiram 12, 13 quilos e em um instante vende tudo.
P/1 – Agora falando dos seus filhos, Dona Ermantina, quantos filhos a senhora teve?
R – Oito.
P/1 – Oito filhos? Quantos homens e quantas mulheres?
R – Só três homens e no mais todas mulheres.
P/1 – E quantos netos a senhora tem?
R – Neto? Se eu não tiver uns 50, “não tem nada”! Eu tenho três tataranetos: duas mulheres e um menino. Um eu nem conheço ainda.
P/1 – E bisnetos?
R – Bisnetos eu nem tenho quantia.
P/1 – E desses filhos todos, todas as suas filhas tiram marisco?
R – Todas as que estão aqui tiram.
P/1 – Mas para vender, não?
R – Elas tiram para vender. Eu agora não tiro muito não. Eu tiro assim, elas brigam comigo: “Mamãe leva ali, nós vamos tirar marisco e a senhora vai pescar”, porque para pescar fico na areia, é só jogar a linha e bateu um peixinho, você puxa. Já para tirar o marisco você tem que tirar com facão, botar na vasilha e carregar. Elas brigam comigo, eu tiro e elas têm de carregar. Esses dias nós fomos lá tirar e elas carregaram para mim. Meu neto foi, carregou tudo para mim e botou. Eu cozinhei dois caldeirões daquele. Vai lá na geladeira para você ver como eles estão todos bonitinhos.
P/1 – E quantas trabalham com marisco aqui? As suas filhas quantas são?
R – Das minhas filhas, todas elas.
P/1 – Que moram aqui, quantas são?
R – Essa daí, aquela lá de cima do morro, a outra que mora ali do lado, uma que foi para o Rio e outra que está com o filho lá em Petrópolis.
P/1 – Mas elas tiram assim, por trabalho? Ou umas sim e outras não?
R – Ah, tira, tem os dias de tirar também, né, filha. Olha: tem três dias antes e três depois da maré. A maré seca três dias, aí você vai e aproveita aqueles três dias. Depois de três dias dá mais três dias para você tirar. E depois a maré enche e você não pode tirar mais. Aí elas vão pescar. De lá não pode tirar o sururu, então vai pescar. A vida é assim.
P/1 – Pesca num barco longe ou pesca aqui?
R – Não, só na pedra e na praia.
P/1 – Agora, desde quando a senhora pescava aqui até hoje, mudou assim? O mar mudou? A areia?
R – Mudou, mudou muito.
P/1 – O que mudou?
R – Você vê que aqui, aquela praia era uma praia que você olhava e tinha uma coisa linda. Agora os barcos fizeram essa pilastra e aquela ponte para o mar fez uma mixórdia que, para tirar um barco da areia, precisa a maré encher, porque não dá para tirar aqueles barcos. Você vai lá na praia, vê a quantidade de barco que tem. Todos têm dono! Tem um homem, um primo meu, que trabalha lá fazendo barco e faz para todo mundo. Tem gente que tem dois, três barcos, vai para fora e bota camarada. Tem muito peixe que dá lá, o porto que mais tem calado é esse o nosso aí.
P/1 – Porto onde?
R – Aí, porto na praia.
P/1 – Onde tem as pedras?
R – É.
P/1 – Mas os barcos ficam lá. Aquelas pedras foram boas ou não?
R – Foram ruins.
P/1 – Por quê?
R – Porque repreendeu o mar. Agora você não está vendo porque eles estão fazendo um negócio aí para poder chegarem os barcos grandes nesses lugares; estão aprofundando. Tem arataca lá no meio do mar. Agora tiraram e botaram lá para frente a arataca.
P/1 – O que é uma arataca?
R – Eles fincaram os ferros no meio do mar, lá e cá, aí faz aquele negócio em cima. Tapa lá e fica ali em cima para observar as coisas. Essezinho da minha filha ali, ele trabalha. Ele tem que dar conta da maré quando está seca, tem que dar conta quando está cheia e quando vai encher. Ele já sabe tudo.
P/1 – Ele trabalha lá?
R – É.
P/1 – Quantos anos ele tem, esse neto da senhora?
R – Quantos anos? Esse neto que trabalha aí no coiso de peixe tem 20 anos já. E o outro, que vai só na arataca, ele só vai às quintas-feiras. O barco dele -tem um barquinho meu neto- vai lá e leva os camaradas para botar nessa arataca. Já tem um barco lá fundeado.
P/1 – Arataca é feita para que?
R – Para ficar a pessoa em cima dali, no meio do mar.
P/1 – E sempre teve isso? Ou não?
R – Não, só agora de uns tempos para cá.
P/1 – E por que puseram isso? A senhora sabe?
R – Não sei. É por causa disso que estão fazendo esse negócio aí agora, que está essa mudança porque esse pessoal comprou... que até o pessoal está evitando cozinhar marisco. Não podia fazer um churrasco na praia, não podia tirar marisco, cozinhar na coisa. Quem vai conseguir tirar marisco e carregar para casa? E o peso?
P/1 – Por que eles estão fazendo isso?
R – Tiraram agora, botaram… fizeram uma reunião. Agora eles vão deixar cozinhar o marisco, só não vão deixar fazer churrasco no chão. Agora que eles compraram isso aí para baixo todo.
P/1 – Quem são eles?
R – Ah não sei. São de longe e estão tomando conta. E lá, onde eles compraram e tomaram conta, era uma sacanagem, minha filha. Eram drogas, vendiam, era uma… coisa. Aí endireitou tudo. Você vai lá na praia e faz gosto olhar.
P/1 – A senhora acha que melhorou?
R – Melhorou! Claro que melhorou. Da praia que você ia lá era uma… sabe?
P/1 – Agora, e para os peixes e para os mariscos, como é que está? Está igual?
R – Para o marisco, por enquanto, está igual.
P/1 – E para pescar?
R – Para pescar também, por enquanto, está igual.
P/1 – Mas pensando quando a senhora era novinha, está igual ou mudou?
R – Agora mudou mais. Mudou do dia para noite.
P/1 – O que fez mudar assim?
R – O pessoal que foi juntando, né? Foi juntando, foi moderando. Você vê essa Itaipava do jeito que ela está, ela emendou com Itaoca, né? Ficou uma coisa só.
P/1 – E o que isso fez com os peixes? Mexeu alguma coisa?
R – Não, não mexeu com os peixes em nada, porque o pessoal quase todo pesca lá no alto mar. Por exemplo, saiu hoje e volta daqui a dois meses. São três, quatro viagens que dão. Lá tem de ter a isca e eles têm a tina grande. Pega isca e bota rede. O pessoal lá já tem. Esses dias estavam incumbidos de pegar a sardinha. Eles pescam sardinha. Então juntam a rede assim, toda, pega aquela sardinha, despeja ela vivinha dentro da tina e bota o negócio de purificar para não morrer e aí vamos embora para fora.
P/1 – Tem filho seu que pesca?
R – Tem um, o outro não deu para pescaria. Ele ia e vomitava muito.
P/1 – E como que ele aprendeu a pescar?
R – Ele pesca agora, o Davi. Ele pesca, mas na pedra, na praia. Se ele for para a pedra e disser que não tem peixe, não tem mesmo não. E ele não pode trabalhar agora, “tadinho”, só pesca assim.
P/1 – E eles aprenderam com quem a pescar? Os seus dois filhos?
R – Com o pai. Todos o pai levava para pescar no barquinho dele. Nós tínhamos um barquinho, o nome era Marechal. Esse era o nome do meu barquinho. Ele era tão bom: eu fiz um pano para ele e ele voava. Cabiam três pessoas no nosso barquinho. Nós tivemos primeiro uma canoa e depois nós compramos esse barquinho. Fomos melhorando de vida, né, e aí compramos um barquinho. Naquele tempo era tudo baratinho, a gente comprava tudo baratinho. Agora que é pela hora da morte, um barco é 40, 50 milhões, né?
P/1 – E a senhora pôs um pano? Como assim?
R – Eu falei que meu velho fazia o coiso do pano e eu cosia na máquina. Cosi tudo, embainhava e aí tinha naquela bainha tinha que botar cordão. Aí você tem que cortar um pau grande assim para amarrar a ponta da verga. Aí você içava para dentro e o vento tocava para terra. Era... E tinha que saber fazer o pano direitinho. Meu marido fazia o modelo do pano, todo direitinho como tinha que fazer, e eu com a tesoura a roda toda. Depois eu fazia a bainha.
P/1 – E o seu filho, um dos filhos, tem barco, não? Ele trabalha para alguém?
R – Não, ele trabalha de ajudante, de camarada. Esse que trabalha fora tem o mestre do barco que vai com ele e de tudo o que ele pesca quase todos os peixes são grandões. Tem os barcos e as pessoas que vão com eles pescar, sabe? Eles governam o barco, mas meu filho também governa o barco. Por exemplo, tem duas horas de vigia cada camarada -se tiver cinco camaradas dentro do barco, ou seis, sempre é seis, sete- tem duas horas de vigia. Governando e vigiando. O outro barco vem, um navio, e tem que seguir o rumo direitinho para não bater no navio. A senhora pensa que é fácil?!
P/1 – Dona Ermantina, quando seu filho está no mar, como é que a senhora fica?
R – Ah, quando dá um tempo eu vou para janela orar a Deus. Orar a Deus e pedir para que Ele o guarde, porque eles estão procurando o pão. Porque Deus diz assim: “Vai e come o pão do suor do seu rosto”. Não foi assim que ele falou? Então como comer o pão do seu suor se não vai trabalhar? Você não vê esses ladrões, o que eles fazem? Rouba até das velhinhas. Por quê? Preguiça de trabalhar. Agora, esses pobrezinhos que vão lá para fora trabalham iguais uns condenados. Meu filho conta coisa que você nunca na vida vai ver eles vêem lá fora.
P/1 – O que ele já contou para senhora?
R – Conta tudo de peixe grande: como é que pega o peixe, como é que ferra. Bota na beira do barco e eles já levam aquele pau grande com o anzol para puxar o peixe para cima. Tudo ele conta para mim. Às vezes fica um bom tempo aqui contando para as irmãs. É, não é mole não.
P/1 – E como é que a senhora se sente quando ele fica contando essas coisas?
R – Ah, eu fico contente: “Ah, mamãe, aconteceu isso assim, mas não aconteceu nada com a gente”. Eu disse: “É o poder de nosso Deus, nosso Deus que é poderoso”. Agora o marido dela telefonou: “Eu estou saindo”. “Tadinho”. Hoje nós estávamos lá no hospital e o marido dela telefonou: “Ó, eu já vou saindo”. Ela atendeu ao telefone: “Vai com Deus, meu velho, vai com Deus”. Ele mandou beijo, abraço; mandou isso, aquilo e foi embora. Agora, só quando chegar em terra. E o meu quando chega em terra... ele tem a filha dele que fica aí e é casada; o nome dela é Lilian, é neta minha. Aí diz: “Fala com mamãe que eu estou bem, graças a Deus fiz boa viagem. Para ela não pensar em mim não”. Ele manda assim. Aí ela vai, telefona para minha filha aqui e ela me conta tudo como ele mandou. Ela conta tudo que ela trabalha . Não pode vir aqui, “tadinha”, ela trabalha e tem uma filhinha também pequenininha. Aí eu já sei, fico contente e alegre porque ele fez boa viagem. Mas eles vão e fazem boa viagem né? Trabalham, mas não fazem, o tempo não deixa, né? Já deu uma viagem, telefonou e agora saiu outra vez.
P/1 – Dona Ermantina, e o petróleo, a exploração do petróleo? O que a senhora ouve dizer sobre isso?
R – Do petróleo? Só petróleo no Rio. Os barcos que levam o óleo para o mar...os donos do barco para o petróleo, eles já têm um lugar de tirar, aí perto do nosso estado, dentro dele, tem um lugar que tira petróleo. Descobriram que tem em Vitória.
P/1 – Mas a senhora falou que eles vão pelo Rio... Ah! No Rio de Janeiro.
R – No Rio de Janeiro. Às vezes eles vêm de barco, ficam aqui e vão de barco para fora. Vão para o Rio apanhar a isca. Levam três, quatros dias viajando daqui para o Rio, de barco. Chega ao Rio, encosta numa ilha, os pescadores dão a isca e pesca. Se não tiver proibido, eles pescam, e se tiver proibido, pesca de noite escondido para poder botar a isca.
P/1 – Mas por que eles vão para o Rio de Janeiro pescar?
R – Eles vão aonde tem o peixe, minha filha.
P/1 – Aqui perto não tem mais?
R – Não tem mais perto. O peixe daqui da beira da costa acabou.
P/1 – E por que a senhora acha que acabou? O que seu filho fala?
R – Acabou porque o pessoal pescava muito na costa e o peixe abriu fora. Agora ele tem que pescar... são quatro, cinco dias de viagem do rio para fora para pescar. Se a senhora ver um pescador contar, fica boba.
P/1 – Não estão pescando mais aqui?
R – Não, aqui peixe grande e barco grande não. Só no mar do Rio de Janeiro. No Rio, o marido da minha filha do morro pesca lá na Baía de Guanabara.
P/1 – Mas alguma coisa eles falam, que seja por causa do petróleo ou não?
R – Não, por causa de petróleo não. Não é nada por causa de petróleo. Lá eles têm de ir por causa do peixe que é longe mesmo. Peixe bom só está longe. Você sabe que o atum quando está com preço bom, minha filha, é de 20, 30 reais um quilo do atum. E é peixe grandão mesmo.
P/1 – Antes tinha bastante.
R – Aqui nunca deu desse peixe, só dá no mar, lá fora. E eles precisam ir para fora mesmo. Cada viagem, às vezes, eles fazem três mil, dois mil conforme a viagem, os camaradas fazem. Agora, o mestre faz muito porque tem a parte dele.
P/1 – Seu filho já pescou atum aqui perto?
R – Não.
P/1 – Nunca?
R – Nunca. Não dá nada desses peixes perto daqui, não dá nada. Aqui perto só dá pescada, esses peixes mais ou menos, mas não dá futuro de nada. Não dá para o futuro, não dá não.
P/1 – Dona Ermantina, eu já ouvi aqui que o atum e o dourado dão mais em alto mar.
R – Em alto mar, aqui perto não dá não.
P/1 – Mas até há pouco tempo aqui, no alto mar desse estado tinha.
R – Tinha.
P/1 – E ainda tem?
R – Acho que tem, mas acostumaram todos irem para o Rio, Cabo Frio - porque chega em Cabo Frio - no Rio, em Petrópolis; tudo eles pescam e carregam os barcos na beira das ilhas. Por exemplo, se acontecer de precisar dar um tempo, amontoam os barcos, fica um no rabo do outro ancorado na beira da ilha, porque a ilha tapa o vento.
P/1 – E aqui? Por que eles não ficam aqui? Por que vão para o Rio de Janeiro? É isso que eu queria entender.
R – Porque aqui não dá o peixe. Tem que ir para o Rio para pegar o peixe e lá no Rio eles descarregam, vendem o peixe e de lá mesmo eles saem.
P/1 – Entendi.
R – Agora, quando querem vir embora, trazem o barco e fundeiam ou deixam lá uma pessoa tomando conta e vem para casa de carro Topic. Vem a tripulação toda de Topic para casa. Passam aí duas semanas, conforme o tempo, em casa. Aí torna a pegar a Topic e ir para o Rio outra vez pegar o barco lá e carregar de isca. Assim que é o negócio, os camaradas.
P/1 – Tem algum neto seu que pesca?
R – Tenho seis ou sete netos que pescam; todos têm 20 anos como esse aqui.
P/1 – Eles vão porque gostam ou porque precisam?
R – Eles gostam de pescar e vão também porque precisam, né? Porque aqui não tem emprego, a gente não vê um emprego. O filho dela e esse aí trabalham lá fora. Ele casou. a mulher ficou em casa e ele foi para o mar, vai fazer dois meses já. O marido dela só deu uma viagem e está fazendo dois meses. Mas trabalha de tripulante
P/1 – E eles falam o que, assim, da pesca, os seus netos?
R – Falam que gostam. Agora o meu neto, esse ano, ele disse que vai pescar lá fora. Agora para o ano que vem ele não vai mais não, ele vai se aposentar e não vai mais não porque ele já está cansado. Tem uma boa idade já, meu filho. Boa idade e já está cansado, né? Luta muito. É muito peso. Para puxar um peixe para cima, todo mundo pesca e é o cozinheiro. Você acha, é a coisa que eu não queria na minha vida: ser cozinheira de barco.
P/1 – Por quê?
R – Pois é: ter que botar o feijão no fogo para cozinhar; amarrar a panela porque tudo que o barco faz é assim, faz assim e ele derruba as panelas. Então as panelas têm que ser todas amarradinhas. E os cozinheiros bons fazem bolo, comida gostosa, mas comida gostosa mesmo. Faz bolo, pudim; faz tudo quanto é coisa que nós fazemos em casa. Você não viu nada. E quando eles põem um cozinheiro bom, nossa mãe! Está muito bom! Mas tem uns que têm preguiça. Ainda agora o meu filho, quando chegou dessa viagem, primeiro ele falou: “Mamãe, ai meu Deus! Tomara que aquele cozinheiro não vá, ele bebe muita cachaça”. Bebia muita cachaça e não dava conta do serviço todo, sabe? Não dava conta do serviço não. Fazia as coisas só que, de manhã cedo, precisava o meu filho fazer o café.
P/1 – O seu filho fazia o café?
R – Fazia o café para beber e continuar pescando, né?
P/1 – Dona Ermantina, a gente já está terminando a entrevista.
R – Está bom. Eu já falei muita coisa, né?
P/1 – E eu gostaria que a senhora falasse muito mais, mas...
R – Nós já estamos cansados. Até ele está cansado, como você, como eu, né?
P/1 – Nós não estamos não, mas... Dona Ermantina, a senhora tem um sonho, alguma coisa assim que a senhora queria muito que acontecesse?
R – Não. O sonho que queria que acontecesse, que eu desejo da minha família, é que todos subissem para cima, para o céu. Ser crente como eu sou, graças a Deus.
P/1 – Ser crente?
R – Ser crente e tudo, mas tem umas que não são. Essa que é de lá do morro, nossa mãe! Ela tem conjunto que se a senhora ver o conjunto dela, a senhora fica passada.
P/1 – Dona Ermantina, a gente vai terminar por aqui. Foi ótimo. Nossa, parabéns! Eu ficaria horas aqui ouvindo as histórias. Foi muito gostoso.
R – É, foi muito gostoso. Tem muita coisa. De toda a minha idade eu sei tudo o que se passou desde o tempo em que eu era criança.
P/1 – É mesmo, a senhora tem uma memória ótima.
R – Agora, daqui eu sou danada de esquecida.
P/1 – Mas eu sou assim também, viu, dona Ermantina?!
R – Todos nós, né?
P/1 – Muita coisa que a gente fica sabendo. Então não é tudo que a gente lembra.
R – A gente, às vezes, está vendo o repórter, vê essas coisas, né, fica...
P/1 – É muita informação e aí tem coisa que tem que esquecer para não guardar tudo, né?
R – É.
P/1 – A senhora tem uma memória ótima.
R – Ainda hoje minha filha correu e falou: “Mamãe, ligue a televisão”. Um homem achou dez cruzeiros. Aí disse assim: “Esses dez cruzeiros são meus”, deu no repórter hoje de manhã cedo. “Como hão de ser seus? Você não estava aqui e como que é que agora você chega e fala que está com dez cruzeiros e são seus?”. Aí ele disse: “Me entrega”. O outro disse assim: “Ah, não vou entregar não, não sei se é seu”. Aí ele deu dois tiros no homem e o matou na hora. Por causa de dez cruzeiros matou o homem que achou os cruzeiros. Você vê? Eu digo: “Quero ver isso não”.
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