P/2 - Bom dia, senhor Abidon.
R - Bom dia.
P/2 - A gente queria primeiro que o senhor falasse o seu nome completo, local a data de nascimento?
R - O meu nome é Abidon Ribeiro da Costa. Eu nasci em Sete Lagoas, Minas Gerais, no ano de 1924. Dia 15 de abril.
P/2 - E o nome dos seus pais?
R - Raimundo Ribeiro da Costa e a minha mãe Antônia Ribeiro de Abreu.
P/2 - Fala um pouco dos seus pais, quem eram eles?
R - Quem eram eles? Como pobres que eram, eram pessoas excelentes. Eu nunca tive conhecimentos de maus tratos pelo meu pai ou pela minha mãe. Sempre foi muito correto com a família e a gente viveu até a data do desaparecimento do meu pai, no ano de 1936, quando ele desapareceu e nunca mais foi visto, nem nunca mais localizamos o paradeiro dele.
P/1 - Que idade que ele tinha quando ele desapareceu?
R - Ele tinha 45 anos.
P/1 - E ele fazia o que? Qual era o trabalho dele?
R - Ele trabalhava em lavoura, em fazenda no interior.
P/1 - E aí como é que foi esse desaparecimento? E a sua mãe trabalhava no que?
R - A minha mãe era doméstica em casa, né? Aqui ela trabalhava na zona atacadista lá do Mercado como “escolhedeira” de feijão, de milho, de arroz. Aquela coisa no armazém geral.
P/1 - E onde foi que ele desapareceu?
R - Ele desapareceu aqui de São Paulo, na Vila Talarico que nós fomos para uma fazenda lá no interior, num lugar por nome de Joá, na Companhia Paulista e ali ficamos naquela fazenda oito meses, toda a criançada, né? Então a minha mãe se destinou a vir para São Paulo com a família. E ele, por sua vez, estava trabalhando na fazenda. Então ela trouxe os filhos para São Paulo porque aqui eu tinha uma irmã que morava aí na Rua Olavo Egídio em Santana. Então ela veio pra cá. Nós não tínhamos aonde ir, como ir e como viver em São Paulo e viemos assim “a toque de caixa”, como diz o outro. Aí quando chegamos aqui ela não tinha como arranjar um amparo pra família. Não sabia...
Continuar leituraP/2 - Bom dia, senhor Abidon.
R - Bom dia.
P/2 - A gente queria primeiro que o senhor falasse o seu nome completo, local a data de nascimento?
R - O meu nome é Abidon Ribeiro da Costa. Eu nasci em Sete Lagoas, Minas Gerais, no ano de 1924. Dia 15 de abril.
P/2 - E o nome dos seus pais?
R - Raimundo Ribeiro da Costa e a minha mãe Antônia Ribeiro de Abreu.
P/2 - Fala um pouco dos seus pais, quem eram eles?
R - Quem eram eles? Como pobres que eram, eram pessoas excelentes. Eu nunca tive conhecimentos de maus tratos pelo meu pai ou pela minha mãe. Sempre foi muito correto com a família e a gente viveu até a data do desaparecimento do meu pai, no ano de 1936, quando ele desapareceu e nunca mais foi visto, nem nunca mais localizamos o paradeiro dele.
P/1 - Que idade que ele tinha quando ele desapareceu?
R - Ele tinha 45 anos.
P/1 - E ele fazia o que? Qual era o trabalho dele?
R - Ele trabalhava em lavoura, em fazenda no interior.
P/1 - E aí como é que foi esse desaparecimento? E a sua mãe trabalhava no que?
R - A minha mãe era doméstica em casa, né? Aqui ela trabalhava na zona atacadista lá do Mercado como “escolhedeira” de feijão, de milho, de arroz. Aquela coisa no armazém geral.
P/1 - E onde foi que ele desapareceu?
R - Ele desapareceu aqui de São Paulo, na Vila Talarico que nós fomos para uma fazenda lá no interior, num lugar por nome de Joá, na Companhia Paulista e ali ficamos naquela fazenda oito meses, toda a criançada, né? Então a minha mãe se destinou a vir para São Paulo com a família. E ele, por sua vez, estava trabalhando na fazenda. Então ela trouxe os filhos para São Paulo porque aqui eu tinha uma irmã que morava aí na Rua Olavo Egídio em Santana. Então ela veio pra cá. Nós não tínhamos aonde ir, como ir e como viver em São Paulo e viemos assim “a toque de caixa”, como diz o outro. Aí quando chegamos aqui ela não tinha como arranjar um amparo pra família. Não sabia ir na casa dessa minha irmã. Então ela pediu a um guarda civil na Estação da Luz, tinha guarda civil por aquele tempo, o guarda civil chamou um carro do Juizado de Menores naquele tempo, aí a Perua veio e levou toda a família para o Juizado de Menores. Primeiro para a delegacia central de polícia. E lá o delegado até, de certa forma, foi grosseiro com a minha mãe, xingou e tal, porque nós estávamos aqui sem saber aonde ia porque ela discutia muito com o meu pai. A convivência deles era boa, só que não se davam um com o outro. Pessoalmente brigavam muito, né? Mas até aí.
P/1 - Então ela saiu da fazenda porque ela brigou com ele?
R - Não. Ela já brigava já desde começo de casada nunca se deu com ele mesmo e nem ele com ela e vivia pelos filhos juntos. Viviam pelos filhos tanto ele como ela. E de certa forma sempre foram muito bons com os filhos, muito carinhosos, muito amigos para a família e para os filhos e tudo. Ela se batia como um herói para não deixar o filho passar fome. É o que ela fazia. Ela corria, trabalhava e fazia a luta dela pra família, para a responsabilidade da família. E o meu pai ficou lá nessa fazenda porque quando entramos lá o fazendeiro forneceu ferramenta para trabalhar no cafezal, que era café naquele tempo, e fizeram uma conta de 170 mil réis daquele material pra trabalhar, ficamos oito meses nesta fazenda e o meu pai só recebia uma ordem de 40 mil réis por semana para o sustento da família. E trabalhavam cinco pessoas na roça, na enxada, carpindo café e ninguém via dinheiro. Aquela ordem de pagamento era um papel que só dava direito a comprar o alimento em um armazém na cidade de Guariba. Então a gente, é perto de Jaboticabal de um lado. Então aos domingos a gente pegava aquela ordem de pagamento e ia lá fazer compra, a despesa da casa. Aquela despesa dentro de três dias acabou tudo. Nós éramos em nove, dez pessoas. E a menor que era mais uma que faleceu há pouco tempo. Não. Eu ainda tenho um irmão vivo que era o mais novo. Ele está com 69, 70 anos, por aí. E a irmã mais velha que eu tenho está com 87 anos, mas ela se acha agora inutilizada para tudo na cama doente, pessoas estranhas até cuidando dela e ganhando um salário pra cuidar dela na cama pelos meus sobrinhos.
P/1 – Tá, seu Abidon. Vamos entender isso então. Aí a sua mãe saiu, vocês foram para o Juizado de Menor, para a delegacia, e depois?
R - É. Eu parei por aí, né? Dali nós fomos aonde? O Juizado de Menor aceitou as crianças que era eu, mais um, dois. Tudo mundo que estava com a minha mãe. Tinha um irmão mais velho, tinha o outro do meio que era mais velho do que eu, tinha o Cirilo, o Almiro, tinha eu, a Maria e o Miquinho, o Antônio e o Raimundo que eram crianças.
P/1 - E aceitou pra que?
R - Senhora?
P/1 - Aceitou como?
R - Aí encaminham nós ao juizado de menor que era lá na FEBEM do Tatuapé. Naquele tempo não era FEBEM, era Instituto Provisório de Menores e lá ficamos internados. A minha mãe de lá veio procurar a casa da minha irmã de noite quando chegou. A minha irmã não morava mais na Rua Olavo Egídio; morava na Rua Deocleciana ali perto da Avenida Tiradentes. Então ela ficou ali na Rua Deocleciana na casa da minha irmã uns dias até arrumar emprego e os outros ficaram num abrigo lá no Juizado de Menores. Ela arrumou emprego numa pensão que ainda hoje existe o mesmo prédio do mesmo jeito na esquina da Avenida Tiradentes com a Rua Rodrigo de Barros, um prédio assim de três andares. E ali ela ficou trabalhando de cozinheira uma temporada, né? Quando ela recebia o pagamento ia correndo lá nos visitar aos domingos, eu e os outros que estavam lá, né?
P/1 - Quanto tempo vocês ficaram lá?
R - Ali eu fiquei por volta de um ano e pouco. Não lembro bem, mas um ano e pouco eu fiquei ali até arrumar um emprego pra eu trabalhar em São Paulo também que eu era menino de dez anos para 11. Foi quando ela permaneceu trabalhando naquele emprego uma temporada e os filhos lá. Depois ela tirou os dois menores e arrumou um quarto para alugar na Avenida Cruzeiro do Sul que ali ainda passava um trenzinho da Cantareira falado até hoje. E ali ficou numa casa de cortiço lá no quintal com essas duas crianças.
P/1 - E como que era lá a sua vila? Conta um dia. Como é que era lá quando vocês chegaram e tiveram que ir para o Juizado de Menores como é que foi?
R - Ah, ficamos sem saber para onde ia. Sem saber o que ia fazer, né? Criançada não tinha cabeça para pensar e ela coitada pensava por todos. Ela se batia para não ver os filhos passar fome e nem ficar jogado. Ela queria amparar.
P/2 - E como é que era o seu dia lá na instituição?
R - Lá era severamente rigoroso o regulamento do instituto. Só que crianças não eram judiadas. A criançada era bem tratada. Agora ali de certa forma eram misturados os criminosos, ladrões e outras crianças, mas cada tamanho tinha um tipo de conjuntura. Tinham três de idades que eles formavam aquela forma, aquela fila separados. Mas de noite se dormia num salão grande dormitório e todo mundo tinha as suas camas e dormiam ali. Tinha bastante vigilância, eram coisas muito bem organizadas e severas porque ali ninguém abusava não. As crianças não eram judiadas. Tratavam bem das crianças, né? Também tinha uma coisa: era muita sujeira. Tinha até insetos, tinha bastante. Tinha percevejo, tinha pulga, tinha muquirana, aquela coisa que nem se fala mais hoje, não existe mais, né? Muquiranas. Era tipo de um piolho branco e grande assim que tinha demais. Então aquilo contaminava de certa forma toda a molecada, todos aqueles internos que tinham ali. E vivia ali daquele jeito, mas por outro lado era bem tratado. Comia na hora, bebia café na hora e tudo, dormia direitinho, né?
P/2 - E o que vocês faziam durante o dia?
R - Durante o dia ficava num pátio grande que tinha lá. Sentava no pátio e ficava ali no pátio o dia inteiro.
P/1 - Não tinha aula? Não tinha nada?
R - Não. Não tinha nada de escola. Aula nenhuma ali. Eles só chamavam para alimentar na hora certa e a gente ficava por ali.
P/1 - Vocês ficavam o dia inteiro no pátio sem fazer nada?
R - Sem fazer nada. Conversava, brincava.
P/1 - Vocês jogavam bola?
R - Tinha um joguinho de bola, mas não eram todos os dias que eles deixavam jogar não. Tinha lá um dia da semana que eles chamavam aqueles meninos maiores, punha pra treinar um pouco com a bola e então divertiam com a bola.
P/1 - Tinha algum tipo de professor, de instrutor?
R - Não. Não tinha nem psicólogo. Não tinha nada. Só o segurança que era... Naquele tempo não se falava bem segurança. Falava-se em vigilante, tinha vigilante, né? Eles judiavam sim dos meninos se algum teimasse com eles por qualquer coisa eles batiam. O Rio Tietê. O Rio Tietê passava ali por volta do Instituto de Menor naquele tempo beirando. Do outro lado era tudo mato, capoeira de mato e ali tinha um lugar que eles reservaram para castigar algum menor que por acaso tentasse fugir, que descobriram e falavam pra qualquer segurança, eles colocam lá três dias naquele quartinho do outro lado, na ilha, atravessavam no barco, punham lá e ficavam lá três dias lá preso. Aí não podia sair de lá. Então tinha medo, a molecada não fazia nada errado porque tinha medo de ir para a ilha. Qualquer coisa falava que ia por lá na ilha. Então eles tinham medo de ficar lá, né?
P/1 - O senhor tinha medo também?
R - Não. Não porque comigo não acontecia nada porque eu sempre fui um camarada pacífico. Nunca fui de discussão, nem de encrenca e nem de fazer travessura assim que nem o tipo de coisa que eles faziam que fugiam. Pra fugir emendavam cinco ou seis lençóis lá do dormitório e desciam pela janela abaixo que o prédio ainda é hoje o mesmo. O mesmo sistema está lá até hoje dos dormitórios das crianças dos meninos que eram presos lá.
P/1 - Vocês não sentiam falta da mãe de vocês? Como que era isso?
R - Sentia. Nós chorávamos muito lá. Chorávamos porque nós estávamos sempre agarrados com ela, sempre convivendo com ela e naqueles momentos tristes que nós nos encontrávamos presos ali , a gente não sabia o que estava se passando com ela. Só sabia quando ela vinha lá visitar. Quando vinha nos visitar cada um queria ir embora, cada um queria ir embora, queria sair dali. Chorava e ela não tinha condição nenhuma pra ter os filhos com ela. Mas na primeira oportunidade que teve ela foi lá e retirou os pequenos que eram três abaixo de mim: uma menina e dois meninos. Dali ela foi trabalhar na pensão, continuou trabalhando na pensão e depois a mulher tinha outra irmã que morava na Praça da República num prédio ali do lado de baixo. Eu não sei se é 393, 300 e não sei o quê ali. Na Praça da República ao lado daquela. Em baixo assim do metrô naquele prédio ______. Já tinham aqueles prédios ali em São Paulo. Tinha o que? Dois ou três prédios naquele tempo. Não tinha mais. Martinelli e o Correio Velho.
P/1 - Mas e aí? Conta pra mim. Quando foi que o senhor saiu de lá?
R - Do Instituto ali? Tão logo passou um ano, um ano e pouco, minha mãe tirou aqueles três. Depois com o tempo ela veio lá e tirou eu e o outro irmão mais velho meu para ir trabalhar também. Ela tirou a minha irmã mais velha que faleceu faz 15 anos. Que estava também lá. Aí ela foi trabalhar numa fábrica de bala aqui na Avenida do Estado, Rua Deocleciana mesmo que tinha ali embaixo.
P/1 - Então quantos de vocês foram para o Instituto?
R - Seis. Meia dúzia. E ela a minha irmã também: sete. Fomos em sete pra lá.
P/1 - E a sua mãe tirou todos de lá?
R - Tirou, depois tirou. De duas, três depois tirou todos. Aí foi todo mundo trabalhar. Cada um tinha um serviço pra fazer aqui, né?
P/2 - Agora; antes disso, vamos voltar antes do senhor chegar a São Paulo. O senhor tem lembrança lá da primeira infância do senhor, da família de quando ainda tinha um pai? Como é que era a vida lá na lavoura?
R - Na fazenda aí no interior?
P/2 - Antes de vir pra cá.
R - Eu não posso analisar isso porque quem sofria mais eram os meus pais. A gente era menino pequeno, mas de certa forma não prestava, não era boa a vida não. Porque segundo eu posso dizer que eu tive três mães nessa vida: tive a minha mãe legítima, a primeira. Uma segunda mãe que foi lá nesse interior nessa fazenda. Uma italiana muito boa que tinha família grande ali, mas ela já era colônia, velha fazenda. Então eles tinham uma vida moderada, uma vidinha mais ou menos. O que acontecia? Essa mulher colhia qualquer coisa na roça e trazia para a minha mãe e dava pra ela. Era feijão, era abóbora, era milho, era arroz, era tudo o que ela podia ela trazia para a minha mãe para dar para aos filhos pequenos, né? Ela ajudou de certa forma a minha mãe enquanto estava ali, ela ajudou muito a minha mãe para não passar fome com os filhos. Que lá tinha muita gente estrangeira. Tinham espanhóis, tinham italianos. Japoneses não. Japoneses não existiam naquele tempo ainda. Muito pouquinho japonês. Mas aquela gente era muito caridosa. A pessoa humana, né? Viam as pessoas sofrendo assim e eles queriam acudir de qualquer coisa. Então elas viam as crianças e tinham dó das crianças, ajudava muito a minha mãe a manter a despesa do alimento.
P/1 - Mas com que idade que o senhor vai para essa fazenda?
R - Eu tinha nessa época dez anos e meio.
P/1 - Antes de chegar a São Paulo onde é que o senhor morava?
R - Em Belo Horizonte.
P/1 - Como é que era a vida em Belo Horizonte?
R - Era boa. A vida lá era boa. Todo mundo tinha emprego, todo mundo trabalhava. Naquele tempo Belo Horizonte era uma cidade pequena que eu atravessava de um bairro para o outro a pé.
P/2 - E a vida da criança? Do senhor criança como era? Esquecendo os adultos.
R - Eu não posso queixar. A minha vida foi sempre maravilhosa. Minha infância, minha juventude. E mesmo agora não posso me queixar não.
P/2 - Do que o senhor brincava na infância?
R - Naquele tempo de certa forma não havia brinquedo para pobre. Só o rico. Quando eu via um menino de filho de rico andar com uma bicicletinha de três rodas na rua eu ficava aguado para andar naquela bicicletinha. Porque pobre não tinha brinquedo, não tinha nada. A não ser que soltava assim e ____________ à vontade num campo de bola, andando pro mato, para as lagoas pescando, nadando. Eu fazia isso.
P/1 - Conta um dia do domingo na sua casa, um dia que estava todos os irmãos, está todo mundo junto. Conta um dia típico, como é que era, o que vocês faziam?
R - Era bom porque a gente reunia a família e não havia discussão, não havia briga, não havia nada. Só se brincava, conversava um com o outro e quando estava reunida a família e sempre juntinhos. Nunca foi separado nenhum dos meus irmãos da casa. Nunca. Até casar todo mundo e possuir famílias e assim foi. E agora restam três que sou eu e mais dois vivos: uma irmã e um irmão. Estamos aí vivos e sãos, né? Mas de certa forma a minha infância foi muito boa por aí porque aquele tempo quem era pobre, era pobre e quem era rico, era rico. Ninguém se queixava por ser pobre porque tinha a vidinha moderada, todo mundo trabalhava, todo mundo tinha comida, né? Então não havia. De certa forma eu vinha falando muito desse progresso desenfreado em São Paulo que muitas coisas deixaram para trás e ainda está muito atrasado em certo ponto de vista pelo que eu vejo. Porque o tempo da minha infância, a minha juventude que foi aí na Vila Talarico depois da Penha, a minha juventude foi maravilhosa. Eu era mocinho, menino, mocinho adolescente. Eu brincava, jogava futebol, eu ia para aqueles campos catar frutinha do campo e pescava num rio que tinha lá com uma peneira buscando peixinho. Gostava. Era pobre, eu estava vivendo como pobre. Hoje não. Hoje a pessoa não quer se conformar porque é pobre muitas vezes, não quer passar por um apuro qualquer como muita gente passou no meu tempo. Porque nada cai do céu pra gente, agora aqui em São Paulo eu comecei a vender jornal aqui na Praça do Correio. Só tinha o Prédio Martinelli ali e o Correio Velho do outro lado. Ali passava um córrego grande na Avenida Nove de Julho, Anhangabaú, e ia descendo aquela rua que vai para o Mercado, não lembro o nome daquela rua. Só sei que ali foi tudo galeria e depois canalizaram. O tubão está lá atrás do Mercado no Tamanduateí tem um tubo grande lá de água desse córrego que vinha da Paulista por ali afora, né? Eu vendia jornal ali. Pegava A Gazeta onde é a Estação do Metrô São Bento hoje era a redação da A Gazeta. Então eu pegava A Gazeta ali e ia para a Praça do Correio com o jornal debaixo do braço. Eu era menino de 12, 13 anos e ia vender. Pegava um bonde, ia até a Lapa, pagava outro, ia até a Penha vendendo jornal e pendurando nos balaústres. Depois dos jornais eu passei a engraxar sapato com uma caixinha assim. Andava na zona do Mercado por ali com a caixa de sapato e perguntava para um cidadão: “Quer engraxar? Quer engraxar?". E tinha muita criança ali engraxando sapato naquele tempo ali, né? Era a minha vida que eu fazia, né? Dali eu fui trabalhar numa farmácia aqui na Avenida São João esquina da Rua Vitória do outro lado indo para a Lapa é do lado esquerdo perto da Praça Júlio Mesquita, por ali, Praça Júlio Mesquita ainda tem uma pracinha, né? Ali hoje é um prédio grande na farmácia que eu trabalhei, era um prédio grande e ali eu vinha trabalhar da Vila Talarico nessa farmácia. Eu pegava o trem.
P/1 - Onde que era essa farmácia?
R - Chamava Farmácia Vitória: esquina da Avenida São João com a Rua Vitória, bem na esquina.
P/2 - Bem no centrão mesmo.
R - Hoje é um prédio.
P/1 - A São João faz esquina com a Vitória.
R - Faz.
P/2 - Aurora.
R - Ela vai até o Largo do Arouche. Aurora e depois a outra é Vitória, Rua Vitória.
P/1 - Qual que é Aurora? Aurora vai para o Arouche ou vai para a ________.
P/2 - A Vitória é onde é o Largo do Arouche.
R - Praça da República.
P/2 - Onde tem o Vitória.
R - Praça da República a Aurora vai, né? Perto. E a Vitória é a outra.
P/1 - Está certo.
P/1 - É a primeira do Largo do Arouche para quem vem da República.
R - Isso. Uma travessa a Avenida São João.
P/1 - E agora lá não é mais farmácia, é outra coisa.
R - Não. Fizeram um prédio. Aquela farmácia caiu, né? E naquele tempo eu andava por aí até nos Campos Elíseos eu sabia que quem era dono dessa região dos Campos Elíseos aqui da Alameda Northmann até a Estação da Luz, Barão de Limeira, Barão de Rio Branco.
P/1 - Quem era?
R - Ali eram os Almeida Prado que eram os donos dessa região dos Campos Elíseos. Era rua de terra ainda. Depois lotearam, tanto é que ainda tem alguns casarões velhos ainda antigos.
P/2 - Eles venderam para a Companhia City, né?
R - Isso, Companhia City. Era do Almeida Prado. Conheci bem a família do Almeida Prado. E por aí afora como eu estou falando dali na farmácia eu fiquei dois anos e meio trabalhando.
P/1 - Eu sei que o senhor já estava falando, mas tem uma curiosidade. Quando é que o seu pai desaparece? Se eu senhor conseguisse me contar isso rapidinho. Vocês saem da fazenda e vão para a cidade e aí nunca mais vocês veem o seu pai, é isso?
R - Não. Não vimos mais ele porque ele ficou lá para pagar uma conta desse 170 mil réis que eu falei de ferramenta para trabalhar e o fazendeiro não deixou ele sair da fazenda que ele tinha que ficar para pagar aquela conta trabalhando.
P/1 - Certo, e aí?
R - Nós viemos embora e ele ficou lá sete meses. Depois nós fomos morar numa casa na Vila Talarico numa casinha que tinha lá no alto, perto de uma capelinha de igreja era de uma espanhola que morava aqui na Rua Benjamim de Oliveira no Brás.
P/1 - Isso já a família toda foi morar lá?
R - É. Fomos todos lá. O meu pai não, o meu pai estava no interior. E essa espanhola ficou conhecendo a minha mãe através de um serviço que ela trabalhava aqui na zona atacadista num armazém Geral.
P/1 - Entendi, mas quando é que o seu pai desapareceu?
R - Foi numa viagem que ele veio pra cá visitar os filhos, ele já tinha pagado a conta dele lá, então resolveu fazer uma viagem para o Rio de Janeiro porque ele falou que ia para o Rio de Janeiro. E parou em casa para visitar os filhos, né? Naquela mesma noite que ele parou em casa para visitar os filhos a minha mãe brigou com ele e aí ele achou que não devia nem mais ficar lá com os filhos.
P/1 - Nem pra dormir?
R - Nem pra dormir. Nós fomos obrigados a aconselhar ele para ir embora procurar um hotel, algum lugar para dormir ou na casa da minha irmã, essa irmã mais velha como eu disse morava ali na (Guaiaúna?), Manchester ali indo para o Carrão onde tem a avenida agora Aricanduva.
P/1 - Então fazia um tempão que a sua mãe não via o seu pai e quando eles viram brigaram?
R - Brigaram. Porque eles já viviam mesmo de briga, né? Toda vida viveram de briga. Lá em Belo Horizonte também ele vivia mais fora de casa do que em casa porque ela brigava muito com ele. Ela era nervosa. E nesse dia lá na visita dele com os filhos o que deu? Ela quis cobrar uma dívida dele que devia para essa mulher, para essa espanhola que foi a terceira mãe minha que eu falei.
P/1 - Ah, entendi. Porque ela queria que ele pagasse o aluguel.
R - Queria que ele pagasse. Nós não pagávamos o aluguel da casa, ela deu de graça para a minha mãe morar com os filhos. Ficamos cinco anos nessa casa morando de graça. Ela pegou, essa mulher, começou a fornecer alimento para a minha mãe. Ela comprava no armazém aqui, armazém, naquele tempo falava armazém, né, era um empório aqui na Rua Benjamim de Oliveira tinha um empório. Eu vinha buscar lá da Vila Talarico, eu vinha aí buscar toda semana uma sacola de alimentos para os filhos. Ela trabalhando junto com essa mulher essa mulher quis dar um apoio para ela. Deu a casa para morar de casa lá. Nós fomos pra lá e lá nós ficamos cinco anos morando naquela casa de graça. Então essa mulher era muito boa para a família, muito boa demais pra nós.
P/1 - Que tipo de dívida que o seu pai devia pagar pra ela?
R - Então. Ela apresentou uma conta pra ele pagar de 150 mil réis naquele tempo. Ele não sabia dessa conta, veio de viagem, parou para visitar os filhos, daqui ele ia seguir viagem para o Rio de Janeiro e ele não pôde dormir nem aquela noite em casa porque ela "ferveu" com ele, brigou, ela passou a mão no machado pra dar uma machadada. Ele passou a mão numa navalha, naquele tempo andava de navalha, né? Os filhos pularam no meio, fazer o que, meu Deus? "Vai se matar aí" os dois, né? Nós tudo chorando, gritando, acudimos ela, acudimos ele e ele pegou e falou: "Olha, meus filhos, vocês nunca mais vão ver eu na minha vida, nunca mais". Saiu e foi embora. Até hoje. Isso foi no ano de 37.
P/1 - Mas também, né...
R - Mil novecentos e trinta e sete.
P/1 - Ele não sumiu, ele avisou pra todo mundo.
R - Avisou, avisou.
P/1 - Receber uma machadada. (Risos)
R - A senhora vê que coisa aí, né? Por causa disso eu vivo hoje embaraçado até com um inventário de casas, embaraçado. Porque ele foi desaparecido e não tem como provar com o atestado de óbito dele porque nunca conseguimos o atestado de óbito dele.
P/1 - Mas espera lá. Depois de uns sete anos. Depois de sete anos o senhor tem auto.
R - Mas não deram. Eu fui atrás, a minha mãe foi atrás e ninguém conseguiu. Ninguém conseguiu.
P/1 - Tudo bem.
R - Fomos nos arquivos da central da polícia aqui, fomos procurar.
P/2 - Depois eu dou uma dica para o senhor. Eu sei como é que faz isso.
P/1 - Depois a gente volta. Então o senhor é farmacêutico na Vitória ali.
R - Rua Vitória.
P/1 - E aí?
R - Bom; aí é como eu disse pra senhora. Dali eu saí e fiquei dois anos e meio trabalhando ali. Quando eu saí dali o que eu fui fazer? Eu já tinha mais ou menos uns 14, 15 anos. Tirei a carteira de saúde ali no Parque Dom Pedro aquele tempo era, a minha carteira de saúde para trabalhar. Naquele tempo a carteira de saúde. Eu fui trabalhar de empregado numa fábrica de vidro onde hoje existe o metrô Brás. Ali tinha uma fábrica de vidro.
P/1 - Como era o nome da fábrica?
R - (Vejolito?). Fabricava aparelho de laboratório, ampola de injeções, essas coisas aí. Ali fiquei trabalhando nove anos.
P/1 - Foi fácil o senhor conseguir um trabalho? O que o senhor fazia?
R - Foi fácil. Naquele tempo era muito fácil. Eu fazia um serviço que ninguém fazia. Dava serviço numa seção de mais de 50 homens e eu trabalhava fazendo limpeza no vidro quente, mole como um mingau. O vidro é...
P/1 - O que é que o senhor fazia?
R - Eu fazia limpeza no vidro com um cano grande e uma peça na ponta. Raspava aquele cubo que saia com aquele vidro para os outros tirar aquele vidro limpo para fazer a tubulação porque não podia ter uma bolha no vidro, não podia ter uma pedra. Tinha que ser limpo. Então muitas vezes o vidro não fundia direito porque tinha maçarico de fogo forte de 2.000 graus para fundir o vidro para fazer a composição. Muitas vezes o vidro não derretia direito e então vinha pedras no meio, vinha bolha, vinha aquela coisa toda e eu tinha que raspar aquilo por cima aquela caloria forte para os outros tirarem o vidro pra trabalhar . Trabalhei nove anos naquilo lá. Dali foi indo, foi indo e eu fui trabalhar até de ajudante de padeiro na vila lá de uma padaria.
P/1 - Por que o senhor saiu de lá?
R - Porque eu saí da fábrica de vidro? Porque eu briguei. Eu briguei lá com um camarada, um químico lá, por causa de um joguinho de futebol. Era um resto de terreno da fábrica de vidro, então a gente ia jogar bola na hora do almoço ali, brincava na hora do almoço, acabava a hora do almoço e ia trabalhar. E chega um camarada, um químico lá, chamou um gerente que nós estávamos jogando bola e não podia jogar bola lá. Aí eu me desentendi com ele e nos agarramos, brigamos, e eu quis empurrar ele dentro do forno para queimar ele e não consegui. Ele era gordão, forte, pesado e não empurrei não. Ainda pus os pés nas costas dele, mas se...(Risos) Eu também não era bom não. Eu era briguento sim, eu confesso que eu era briguento. Mas tudo é coisa da mocidade, da juventude da gente. Tudo passa muita coisa.
P/1 - E aí o senhor foi demitido ou o senhor saiu?
R - Fui demitido em 47. Aí eu já era casado. Fui criando dessa forma que eu estava falando para a senhora.
P/1 - O senhor se casou com que idade?
R - Eu me casei com 21 anos. Em 45.
P/1 - ______________________.
R - Após o final da guerra de 45 eu me casei. Em julho de 45. Eu tinha até um diploma aí. Coisa curiosa, mas isso é dessa revolução de 64 já. Não é daquele tempo.
P/1 - Bom; primeiro fala do seu casamento.
R - Me casei.
P/2 - Como que o senhor conheceu? Como é que era jovem?
R - Bom; eu me conheci ali. Jovem, eu gostava muito de baile e foi num baile que eu conheci a minha esposa.
P/1 - Que bailes que o senhor ia?
R - Baile familiar. Naquele tempo fazia muito baile familiar, brincadeiras e a gente gostava ali.
P/1 - Onde?
R - Lá na vila mesmo onde eu morava. Talarico.
P/2 - Era em casa, clube?
R - Era baile familiar em casa de famílias. tinha uma festinha em casa, numa outra, convidava a gente e a gente ia lá.
P/1 - Era aniversário?
R - Não. Baile assim comum, às vezes tinha aniversário, tinham pessoas que gostavam de fazer bailes em casa pra ver a alegria da mocidade e a gente ia. Então eu conheci a minha esposa.
P/1 - Como ela chama?
R - Guilhermina Amélia da Silva. Ela também trabalhou muito na fábrica de alpargatas que tinha na Almeida Lima, rua lá no Brás, trabalhou na fábrica Samara de lenços lá no Belém.
P/1 - Conta um pouquinho. Como foi que o senhor conheceu a Dona Guilhermina?
R - No baile.
P/1 - O senhor andava com alguma turma? Como é que era a vida do jovem paquerando? Como que era chegar numa paquera, o senhor lembra disso?
R - Era ótima porque de certa forma a mocidade se convivia bem. Agora tinha sempre aquele desarranjo de ciúmes. Um tinha ciúmes da namorada e não queria que o outro conversasse com ela, não queria que ela conversasse com o outro. O outro às vezes namorava, tinha ciúmes do namorado e brigava. Era aquela coisa assim.
P/1 - O senhor era ciumento?
R - Não. Eu não sei o que é isso. Eu nunca tive isso na minha vida. (Risos)
P/1 - E a Dona Guilhermina?
R - Ela era demais. Demais, até hoje.
P/1 - Como o senhor conheceu ela, quem lhe apresentou pra ela?
R - As colegas dela e os meus colegas. A gente tinha coleguismo ali, andava sempre em quatro, cinco moços, colegas.
P/1 - Como é que foi, como o senhor pediu ela em namoro?
R - Ah, conversando e dançando no salão. Era casa de família, de baile, né, dançando em baile eu a conheci e conheci também a família dela que ela era aqui de Ribeirão Pires. Nasceu aí. Então ela frequentava a Vila Talarico, o pai mudou pra lá, ficou morando com a família lá, aí nos conhecemos, dali nos casamos em 45 e estamos até hoje vivendo juntos. São 59 anos.
P/2 - O senhor se lembra do dia do casamento?
R - Lembro.
P/2 - Descreve pra gente como é que foi?
R - O dia do casamento foi o seguinte: tivemos lá um romance amoroso que não foi muito bem aceito pela família e aí o pai me denunciou que eu tinha que casar com a filha dele e não sei o quê. Eles não gostavam de mim. Nem meu sogro e nem a minha sogra, não podiam me ver porque eles eram portugueses da Ilha da Madeira e a minha mulher era brasileira que nasceu aqui em Ribeirão Pires. Então eles tinham aquele preconceito porque diziam que eu era preto pra casar com a filha deles e que não queriam preto na família. E aí nós nos desentendemos muitas vezes. Aí deu o casamento depois porque eu gostava dela demais, não queria largar de jeito nenhum e ela também não e gostava demais, muito. Então casamos mesmo pra não dar o gosto para a mãe e para o pai de interromper aquela vida amorosa nossa. Então acabamos casando. Mas casamos como? Fomos casar na delegacia da Penha.
P/1 - Escondido?
R - Não.
P/2 - Obrigados.
R - Obrigados. O meu sogro me denunciou lá, me chamaram o escrivão e o delegado "E o senhor vai ter que casar se não vai ficar preso três anos e não sei o quê e tal". E eu falei: "Eu caso, não tem problema não. Eu gosto dela e ela gosta de mim. Agora o pai mais a mãe estão criando problema aí, eu não tenho nada não. Vamos casar sim". E acabamos casando.
P/1 - Ela estava grávida?
R - Não. Não casou grávida porque o meu filho mais velho nasceu depois de um ano e pouco depois acho que eu tinha casado, né?
P/1 - Por que ele denunciou o senhor então?
R - Porque eles não gostavam, eles não queriam que ela casasse comigo porque eles achavam que eu era preto pra casar com ela.
P/1 - Eu entendi, mas aí por que a delegacia o obrigou a casar?
R - Obrigou porque de certa forma eu me comprometi com ela, né, e tivemos lá uma passagem assim dizendo amorosa de certo modo que não foi bem visto por eles. Eles não gostaram, né?
P/1 - E naquele época então...
R - Acharam que foi por pirraça que fizemos aquilo. Não foi pirraça. Foi uma coisa passageira que de certo modo hoje em dia é normal na vida da juventude e da sociedade digamos assim; normal.
P/1 - Ela voltou mais tarde para a casa, foi isso? Ela dormiu fora de casa?
R - Não.
P/1 - Tudo bem, vai.
P/2 - Aí foi obrigado a casar.
R - Fui obrigado a casar.
P/1 - E aí?
R - Casei e já trabalhava nessa fábrica de vidro como eu estou falando para a senhora , continuei trabalhando naquela fábrica de vidro e ela continuou trabalhando naquela fábrica de lenços lá no Samara, o dono da fábrica chamava, ali no Belém perto da Rua Padre de Lima era morava.
P/1 - Onde vocês foram morar?
R - Eu fui morar no Largo do Peixe que hoje é falado o Largo do Peixe, falado lá na vila.
P/2 - Vila Guilhermina.
R - É. Na casa de um ferroviário lá que me alugou um quarto na frente da casa, fui morar lá, continuei trabalhando e ela também trabalhando. Mas ela trabalhou muito pouquinho depois de casada. Depois eu achei que ela não tinha que trabalhar, tinha que ficar em casa e acabou. Fui enfrentar a luta e até hoje graças a Deus não trabalhou para ninguém mais.
P/2 - Agora eu fiquei curioso que o senhor falou do Largo do Peixe. Descreve pra gente, mais ou menos, como é que era o bairro naquela época? Mudou muito pra hoje em dia? Como que eram as casas?
R – Mudou totalmente. Ali tinha uma casa aqui e outra lá, mas depois generalizou de certo modo o progresso e fechou tudo. Não existe mais um metro de terreno vazio ali.
P/1 - Espera lá. Onde que é isso? Na Vila Guilhermina?
R - Vila Matilde.
P/1 - Vila Matilde. E a rua?
R - Rua Joaquim Maia.
P/2 - Como era? As casas, como era a construção? Mudou muito.
R - Ah, mudou.
P/2 - Se dá pra reconhecer alguma coisa.
R - Mudou. Mudou demais. As casas geralmente eram feitas naquele tempo simplesmente de tijolo, barro, cobriam e pronto. Era uma casa. Não tinham os equipamentos que tem hoje. Muita coisa hoje é luxuosa até. Naquele tempo não havia isso. Levantava a casa, cobria e era uma casa. Entrava dentro a família e ficava ali.
P/1 - Mas como é que era a rua, era aterrada, asfalto?
R - Não. Era de terra, toda a rua era de terra.
P/2 - Eram chácaras assim ou eram casas?
R - Não. Era vila, mas era tudo de terra. Tinha uma olaria em frente, tinham duas olarias depois e fazia volta na Rua Joaquim Maia que ali do lado esquerdo era uma olaria. E o córrego, galeria, passava ali no meio daquela olaria.
P/1 - E aí as pessoas plantavam? Tinham galinhas? Como é que era?
R - Tinham tudo. Até porco criavam em casa. Galinhas, cabritos, vacas de leite, cavalos. Ali era um pasto.
P/2 - Muito italiano e espanhol ali, né?
R - Tinham muitos espanhóis. Eu posso dizer até que na rua de cima da onde eu moro, no outro quarteirão que hoje é uma feira, lá nessa rua ali tinha um hangar grande de avião, tinham dois aviões lá, aviões pequenos. Tinham dois guardados naquele hangar e era tudo campo, pasto, campo de futebol, olaria. Não tinha nada de “casaiada” lá como tem hoje, né? Tinham duas moças loiras alemãs e aos domingos elas iam passear lá, a família e elas também iam e então chegava lá pegavam aquele teco-teco, aquele avião, e voavam por lá e passeando.
P/1 - Alemãs?
R - Alemãs. Me lembro bem que...
P/1 - Judias?
R - Não. Eram alemãs mesmo, as mulheres eram alemãs.
P/2 - Isso antes ou depois da guerra?
R - Tinha uma coisa curiosa pra contar. Quer ver uma coisa? Lá tinha um campo de futebol e tinha uma várzea. Era um brejo até.
(Pausa)
R – A história é que tinham uns portugueses ali, então tinham animais, cavalos, burros por ali, tinha uma mula alta, brava, aquela mula via a gente e ela dava coice para todo lado e pulava, sabe? Estava sempre amarrada. Era do português. Num domingo eu estava por ali com um estilingue caçando passarinho com um cunhado meu que já morreu, era molecão, moço, né? Mas a gente não tinha o que fazer e ia se divertir com um estilingue na mão às vezes. Ali veio o aviãozinho voando, de repente o avião deu uma pane e caiu. Caiu perto dessa mula. A mula pulou cada pulo dessa altura aí e a moça gritava dentro do avião com medo, aí eu corri com o meu cunhado, fomos lá e abrimos a porta e a mulher falou: “Segura a mula amarrada na corda que eu vou tirar ela”. E segurou a mula e era uma mulona alta brava que era uma fera. Aí eu fui lá, abri a porta, a mula saiu gritando e eu falei: “Não é nada, não é nada. Vamos pra lá”. Eu levei ela pra longe da mula e depois soltou a corda da mula e a mula dava cada pulo sozinha. Estava brava que só vendo. Eu falei: “Essa mula aí não pode ficar nem perto de criança e nem gente, rapaz. Olha aí, coloquei ela no campo aqui e está certo que está aí, mas uma pessoa como aconteceu com essa moça aí podia ser uma criança, uma pessoa que ela pegasse e desse coice e matava”. A mulher era terrível de brava. E aí eu fiquei rindo e rindo. O meu cunhado riu, eu contava isso para os outros e o pessoal caiu de rir de susto que a moça teve com aquela mula lá. Depois esse avião ficou lá, só sei que vieram buscar mais tarde os alemães, levaram lá para aquele hangar que eles tinham lá naquele barracão grande e hoje se eu falar isso lá hoje o povo não acredita porque pouca gente da minha idade existe por ali agora, né? Muito pouco e então...
P/1 - Em que ano foi isso, hein? O senhor já estava casado?
R - Eu não estava casado não. Eu tinha 19 anos para 20. Foi no ano de 43, por aí.
P/1 - Quarenta e três avião de guerra.
P/2 - Teco-teco.
P/1 - Teco-Teco alemão no Brasil.
R - Olha, a senhora sabe de uma coisa? Outra coisa que eu tenho a contar aqui se for permitido. Ali existia uma trincheira de revolução em frente à Vila Talarico.
P/1 - Trincheira de revolução de que?
R - Trincheira da revolução de 32. Teve uma revolução de 32 em São Paulo, em Minas Gerais, então os mineiros vieram até a Serra da Mantiqueira aí naquela revolução. E ali tinha tanta bala de fuzil jogada por ali naquele barrando do... Que era uma trincheira, ali tinha uma trincheira, que hoje ainda passa na avenida ali do (Gamelinha?), mas o lugar está lá ainda que eu reconheço e me lembro bem. Um lugar que tinha trincheira de soldado escondendo e ficavam com a arma. E deram tanto tiro que estava cheio.
P/2 - O senhor lembra dessa época?
R - Lembro, lembro. Balas desse tamanho.
P/2 - Como que foi essa época de 32?
R - Trinta e dois. Foi uma revolução que estourou aí de Minas Gerais com São Paulo e depois disso muitos anos ficou aquele preconceito marcado que mineiro não tinha vez aqui em São Paulo. Vinha aqui e falava que era mineiro e eles punham pra fora. Tinha aquele preconceito, né? E paulista lá em Belo Horizonte não tinha também.
P/2 - E o senhor era mineiro aqui.
R - Eu era mineiro aqui.
P/2 - E como era essa vida ser mineiro aqui em São Paulo nessa época?
R - A gente não se falava sobre isso quase, né? A gente vivia aí no meio dos outros aí, cada um tinha a sua nacionalidade e vivia, mas não se falava que raça era que era discriminada tal raça. Essa discriminação racial ainda existia, mas a gente não envolvia com isso. Queria é o coleguismo, estar no meio dos outros brincando.
P/1 - Deixa eu entender uma coisa. O senhor estava em São Paulo em 32?
R - Não. Eu estava em Belo Horizonte. Eu vim pra cá em 34.
P/2 - Logo depois.
R - Logo depois de dois anos viemos pra cá pra São Paulo.
P/1 - Mas aí ficou ______________.
R - Viemos de trem até a Barra do Piraí que o trem só circulava de Belo Horizonte até o Rio de janeiro. De Rio de Janeiro a Belo Horizonte. Em São Paulo, Rio São Paulo. Não tinha trem direto. Central do Brasil e Barra do Piraí fizemos baldeação viemos para São Paulo no outro que veio do Rio para São Paulo e aqui ficamos, né? É uma coisa meio esquisita mesmo. Eu estava pensando hoje como é que está e como é que a gente lembra disso mais tarde. Então assim foi, eu de certo modo nessa vila aí tem muita coisa pra contar do meu passado porque eu fui criado ali desde de 34. Eu estou com 80 anos.
P/1 - Vai contando, senhor Abidon.
R - Quer dizer que dali. Então foi assim a minha mocidade. Vivia ali, trabalhava na fábrica, depois da fábrica eu fiquei parado uns tempos e em 47. Eu ia continuar o texto que nós vínhamos falando e eu parei. Em 47 eu fui mandado embora porque eu briguei com um homem lá na fábrica, dali eu saí e fiquei meio desempregado. E aí o que eu fiz? Fui trabalhar de servente de pedreiro. Em 47 nós éramos casados já há dois anos. Eu e a minha mulher: 48 e 49; isso. Eu fui trabalhar de servente de pedreiro. Nessa altura eu já tinha dois filhinhos. De servente de pedreiro eu trabalhava muito, mas eu enfrentava, eu não tinha medo de trabalhar como servente de pedreiro não. De servente de pedreiro eu tinha um encarregado muito chato que a gente não se dava bem com ele, nem eu, nem os outros que trabalhavam ali nas obras, eu saí e convidei, tinha um outro homem lá que era servente também. Ele convidou e disse: "Escuta, vamos largar isso, vamos trabalhar por nossa conta". Eu falei: "Como trabalhar por nossa conta?". “Vamos fazer poço por aí”. "Ah, eu sei fazer poço", eu falei pra ele. "Trabalha comigo aos domingos fazendo poço lá na vila lá eu faço poço com ele". Depois do meu casamento as coisas voltaram ao normal. O meu sogro, a minha sogra foram a outra mãe e o outro pai que eu tive na minha vida. Gostava demais dele.
P/1 - Depois do casamento ou depois que as crianças nasceram?
R - Sim, depois que nasceu o meu primeiro filho. Aí foi aquela coisa que se transformou num paraíso, que beleza! Porque o meu sogro e a minha sogra queriam mais do que filhos. Eu adorava eles depois partia pra trabalhar junto com ele aonde fosse eu ia todos domingos, sábados, o que ele pegava de serviço por ali bico eu ia com ele trabalhar. Enfrentava poço pra cavucar, puxar terra, né? E fui aprendendo com ele. Aprendi e depois fui trabalhar de poceiro mesmo.
P/1 - Aprendeu a cavucar poço?
R - Cavucar terra, fazer poço. E aí chamei esse rapaz.
P/2 - Porque naquela época todo mundo pra ter água em casa era poço, né?
R- Era poço.
P/2 - Não tinha água encanada ainda?
R - Não. Nem existia, nem se falava. Da Penha pra lá nem se falava de água encanada. E ali fui trabalhar de poceiro com esse cara mais aí. Comprei uma corda grande e ele preparou lá uns cavaletes de caibro e falou: "A ferramenta está pronta". E comprei um enxadão, comprei uma pazinha, uma (banga?), chamava (banga?) aquela pazinha direto. "Vamos trabalhar?" "Vamos”. E aí apareceu o serviço lá e peguei com ele. Foi aparecendo o serviço e fomos pegando, pegando, pegando. Aí teve um que apareceu lá na Cidade Líder, não sei se a senhora já ouviu falar da Cidade Líder perto de Itaquera. Está tudo fechado lá hoje está que nem aqui. Apareceu um serviço lá pra eu fazer um poço. Eu fui fazer esse poço lá e comecei a cavucar, cavucar, cavucar e tirar a terra. Quando chegou a dez metros de "Fundura" apareceu uma laje de pedra branca, uma laje dura de pedra, e aí pra eu furar aquela pedra? Eu batia a marreta e pontilho. O dia inteiro e saía lasquinhas assim, lasquinhas, mas a pedra mesmo não furava.
P/1 - O que era?
R - Uma pedra branca dura que tinha lá. Aí eu chamei o dono do terreno e falei: "Olha, infelizmente não vamos parar o serviço". "Por quê?" "Ah, tem uma pedra lá que eu não consigo furar ela de jeito nenhum. Só com dinamite". A gente utilizava bomba também pra furar poço. Quando chegava uma pedra dura assim punha uma bomba e fazia um estopim, um buraco, punha a bomba lá, explodia e aí furava um pedaço. A gente ia lá, acertava as beiradas e continuava a furar o poço outra vez.
P/1 - E aí?
R - Ali eu parei o serviço. Ele falou: "Então, vamos deixar pra lá, não vamos tocar serviço mais não. Deixa pra lá o poço". E aí eu larguei e fui pegar outro serviço, poço aqui e ali, aqui e ali. Eu fiz o poço mais fundo foi 26 metros e acho que ainda existe, existe ainda hoje esse poço lá que era de um farmacêutico que fez um prédio e pediu pra fazer o poço lá. Eu fui lá e fiz um poço pra ele. E trabalhei de poceiro uma temporada. Depois então fracassou um pouco o serviço de poço, eu andei me machucando muito com lata que caía em mim, pedra, né, e aí eu parei com aquilo. E aí o que eu fui fazer? Eu falei para a minha mulher: "Olha, eu tenho que ir a luta. Seja lá o que aparecer eu pego. Você sabe que eu enfrento. Nós precisamos criar esses dois filhinhos nossos e precisa dar um jeito de comprar um terreninho, fazer uma casa porque eu não tenho nada ainda". E ali então tinha loteamentos por ali, mas eu não podia comprar porque eu não tinha o dinheiro pra dar de entrada e comprar, né? Não era difícil, mas o dinheiro não tinha. Aí eu fui trabalhar. Fazer o que? Eu falei: "Olha, eu vou fazer uma coisa. Eu vou experimentar uma coisa e se der certo eu vou tocar pra frente. Se não der eu largo e passo para outro”. Naquele tempo a gente tinha alternativa. Minha senhora, era só a gente ter cabeça que não ficava esperando emprego. Podia se virar e achava com o que viver porque o importante é a saúde, é Deus, é a saúde e a força de vontade do homem. Se o homem fracassa, desanima e não tem coragem, aí fracassa todo mundo de certo modo. O homem eu reconheço que é o esteio da casa, se caiu ele a casa cai também. Não é verdade? E aí o que eu fiz? Comecei a vender galinha na rua. Naquele tempo podia sair vendendo galinha na rua.
P/1 - Mas o senhor criava galinha?
R - Não. Eu comprava no interior. Eu ia buscar até em Jaú. Eu ia buscar um engradado de galinha e ia vender aqui. Chegava aí e vendia aquelas galinhas.
P/1 - Como é que o senhor ia pra Jaú na época?
R - De trem, o trem da Paulista. Pegava aqui de noite às sete horas e chegava lá de manhã, de madrugada, e aí eu.
P/1 - Vinha no trem? Tinha lugar pra dormir?
R - Dormia no trem, sentava e cochilava, dormia.
P/1 - Ah, o senhor não ficava no camarote.
R - Não, não. Um vagão de segunda classe.
P/2 - Naquela época todo mundo andava mesmo de trem, né?
R - De trem, trem. E era boa a viagem de trem.
P/2 - Como é que era o trem? Tinha trem pra tudo quanto é lugar?
R - Era bom. Tinha. Eu pegava o trem da Paulista e eu vinha nesse fundão aí até Panorama, às vezes, Presidente Prudente. Não, Presidente Prudente era o de cá. Era da Sorocabana que eu pegava, às vezes, né? Mas eu gostava muito de viajar para esse interior afora e conhecer lugares assim. Eu gostava muito. Pegava o trem e ia qualquer dia, né?
P/1 - Era caro?
R - As galinhas?
P/1 - Não. A passagem e trem?
R - Não, não era caro. Era baratinho. Eu não lembro bem quanto era o preço, só sei que era baratinho, sempre tinha um dinheirinho pra viajar. Eu comprava lá e vinha vender aqui. Então quando acabavam as galinhas, eu tornava a viajar pra lá buscar mais. Lá tinha um sitiante que morava perto da cidade que comprava dos outros para revender. Então eu comprava dele e vinha pra cá por conhecendo ele aí comecei a fazer a minha vida vendendo galinha. Chegava em casa eu passava a mão num carrinho que eu tinha lá, saía com as galinhas dele e ia vendendo lá pela Vila Carrão. Aquele tempo era tudo mato, tudo brejo pra lá: uma casa aqui e outra ali. Eu oferecia as galinhas e vendia. Fui uma temporada vendendo galinha e depois eu comecei a ir pra Mogi buscar, já não comprava lá no interior. Eu buscava aqui em Mogi que era mais perto. Comprava ali, despachava no trem e depois chegava na estação eu tirava do trem, pegava um carrinho de mão e já levava lá. Eu pagava uma carroça e levava até lá em casa no Talarico que era longe até a Estação da Vila Matilde, né? Eu ia fazer isso. Comecei a fazer isso e vivendo assim vendendo as galinhas. Depois parei com as galinhas e fui vender linguiça na rua.
P/1 - Quem fazia a linguiça?
R - Comprava em Guarulhos. Tinha um frigorífico lá em Guarulhos, naquele tempo quase que não tinha frigorífico em São Paulo, tinha muito pouco. Eu buscava em Guarulhos e ia vender lá pra rua nas casas.
P/1 - O seu sogro fazia o que, trabalhava em que nessa época?
R - O meu sogro trabalhava no Estado de funcionário público. Em 49 ele me arrumou um emprego no Estado também. Aí eu entrei. Ainda posso mostrar para a senhora se quiser ver por acaso o primeiro holerite de pagamento de 49 comigo. Entrei no dia três de março de 1949.
P/2 - O senhor trabalhou de?
R- O meu serviço era serviço braçal. Serviço de limpeza de lagoas, de rios, de córregos, valetas de rua.
P/1 - Sabesp. Sabesp?
R - Não.
P/2 - Não existia.
R - Não. Era da sanitária, da Secretaria da Saúde, Seção de Epidemiologia e Profilaxias.
P/2 - Os mosquitos, essas coisas.
R - Os mosquitos, pernilongos, insetos venenosos. A gente matava, né? Eu limpava aqueles barrancos de córrego, valetas de ruas. E eu depois de pulverizar, petróleo, pra matar aqueles insetos. E dali a minha vida foi assim.
P/2 - E como é que era essa equipe assim.
(Pausa)
P/2 - Como é que era a equipe de limpeza? Como é que o senhor se reunia? Como é que era o trabalho, descreva pra gente.
R - O trabalho era cada um com uma enxada. Tinha uma equipe de uns nove e um feitor. A gente ia carpindo aqueles barrancos, tirando com a enxada e o outro vinha com um gancho tirando o capim pra fora do rio pra limpar a calha do rio. E no outro dia vinha os petroleiros jogando o petróleo com uma bomba pulverizando as beiras de barrancos para matar insetos. Esse bairro da Água Rasa a gente fazia isso, Vila Maria, que Vila Maria era um brejo só. Vila Maria só tinha o nome de Vila Maria, mas não existia. O pessoal andava de barco ali nas ruas de Vila Maria hoje. Era de barco, eram lagoas, águas paradas ali. Porto de areia que tiravam areia, pedras, uma ponte de madeira lá que passava o bonde, era ponte de madeira.
P/2 - Que é onde é a Ponte do Tatuapé agora?
R - Isso. Depois fizeram de cimento, mas era de madeira antigamente. Aquela ponte balançava quando o bonde passava em cima, o povo tinha medo. O bonde da Vila Maria andava lotado, lotado pra lá e pra cá mesmo. Não tinha outro jeito do povo viajar pra cá. A Vila Maria era dividida: São Paulo e Vila Maria, bem dizer. Vila Guilherme, Vila Maria pra lá, né? Como eu estava falando, eu parei com a venda de galinha e linguiça e aí fui trabalhar no Estado. O meu sogro me arrumou lá em 49, eu entrei e fiquei até em 82 pra aposentar. Mas aí eu trabalhei uma temporada ali como eu estava falando e dali eu passei a trabalhar de mecânico de automóvel que aí eu já entendia bem, eu já conhecia bem de mecânica de automóvel.
P/2 - No Estado?
R - É. Eu fui trabalhar de mecânico lá no fim da Rua José Paulino, Rua General Flores se chama. Lá tinha a nossa oficina e a garagem e o escritório.
P/2 - Como que era o nome da empresa?
R - Ali não era empresa. Era do estado também. Era da Divisão de Transporte da Secretaria da Saúde. Eu me aposentei por lá. Só que ultimamente eu trabalhava no hospital com a ambulância lá no Hospital Cândido Fontoura no Belém. Depois eu deixei a oficina porque eu achei que sujava muito a roupa, eu me sujava muito de óleo e graxa, eu não queria mais viver na sujeira e aí eu fui trabalhar de motorista. E aí eu fiquei de motorista até me aposentar. Mas essa passagem pra trás ainda tem muita coisa que eu não contei aí.
P/2 - Pode escolher o que o senhor quiser contar.
R - Então. Agora eu me lembro de uma outra coisa que eu quero deixar aqui claro que eu quando morava com o meu sogro na casa dele, ele me arrumou um cômodo de cozinha pra eu morar lá que ele tinha comprado uma casa a pouco tempo _________. Fui morar lá com a minha mulher e com os meus dois filhos. Depois nasceu um e morreu infelizmente esse aí não teve jeito e morreu o do meio, né? E ali eu fiquei. A gente tinha que buscar lenha perto de Itaquera na cabeça, feixe de lenha, pra cozinhar. Gás naquele tempo nem rico tinha gás. Nem aqui na Praça da República. Essa mulher tinha gás por acaso, um gás encanado aí que tinha, mas só zona de rico que tinha, zona nobre. Zona de pobre nem se falava em gás, era lenha. Depois veio o carvão e depois veio o querosene. Aqueles fogãozinhos de querosene com uma boca só com bombinha pra sair o fogo, a chama de fogo, pra cozinhar arroz, o feijão, a mistura e tal. Aí ia buscar lenha na Estrada de Itaquera com o meu sogro, a minha sogra, a minha mulher. Nós íamos e vinha trazendo o feixe de lenha na cabeça. Na Estrada de Itaquera eram os barrancos, era só terra, era um caminho. Era nem estrada, não se falava estrada, era caminho. E tinham umas olarias pra baixo. Então a gente passava por ali. Ontem eu ainda tive nessa região aí. Eu estive andando ontem lá, mas foi para outra coisa. Mas ali fechou tudo que nem aqui. Não tem mais lá um metro de terreno aberto e livre, tudo fechado de casa. Ali nós íamos buscar lenha na cabeça e na beira da estrada tinha uma árvore lá no barranco que era o lugar da gente descansar quando vinha com o feixe de lenha de lá na cabeça. Aquele sol quente que Deus dava. Chegava ali, jogava o feixe no chão e sentava ali no barranco um pouco e uns 40 minutos a gente punha uma rodinha de pano na cabeça, pegava o feixe de lenha e punha na cabeça, e vinha embora para a Talarico. E assim ia a vida da gente cozinhando com lenha, buscando lenha longe, água de poço e a vida era normal. A vida do povo era boa naquele tempo. Nunca via ninguém se queixar por ser pobre, de estar __________, ninguém. Todo mundo trabalhava, todo mundo tinha trabalho, todo mundo tinha a vida que ele queria. Então eu fazia assim: cozinhava com lenha, buscava a lenha lá, depois de muito tempo apareceu o carvão pra cozinhar, né?
P/2 - Quando mais ou menos?
R - Essa época parece que foi no ano de 50, 51, por aí. Cinquenta, cinquenta e um. Aí veio o carvão. Em 52 eu comprei um terreno na Vila Ré que estavam loteando lá e fiz um barracão de madeira.
P/2 - Vila Ré é pra lá do Oratório, né?
R - Da Penha, depois da Penha lá dentro. Aí fui morar na Vila Ré, né? Mas ali a minha vida já estava mais ou menos equilibrada. Eu já não me apertava muito demais porque eu já trabalhava no Estado, recebia o meu pagamento todo mês. Era pouco, mas era pontual o pagamento ali. E tinha além do pagamento tinha uma cooperativa que a gente fazia compra ali na cooperativa e não faltava nada. Levava a vida normal já. Já normalizou a situação, vivia melhor, né? Não estava tão apertado pra dar conta da família minha que não era tão numerosa. Eram três, quatro pessoas, mas eu tinha que me virar.
P/2 - E a mãe do senhor?
R - A minha mãe faleceu não sei se foi no ano de 89 parece que ela faleceu. Oitenta e nove. Ela faleceu com 84 anos. Mas a minha mãe foi guerreira, ela foi uma mulher de luta. Toda vida com os filhos, toda vida. ___________ para criar os filhos. Dali, como eu vinha dizendo, fui morar na Vila Ré. Da Vila Ré em 52 me deu na cabeça de ir procurar uma chácara pra eu ir viver numa chácara. Mas o meu emprego eu não largava não, eu não larguei o meu emprego. Fazia um bico, morar fora, _____________ alguma verdura, alguma coisa de casa. Naquele tempo essas coisas eram fáceis da gente adquirir, muito fácil. Aí lendo o jornal Diário popular eu achei uma chácara lá em Poá. Aí eu falei para a minha mulher: "Você quer ir para Poá? Tem uma chácara boa no jornal aqui, olha. Dezesseis mil metros de terra, uma porção de coisas está dizendo aqui. Vamos ver essa chácara?" Ela falou: "Ah, não. Eu não quero saber de chácara não. Vamos ficar por aqui". Eu falei: "Ah, vamos procurar ali, minha filha. Vamos fazer força para criar nossos filhos. Não estivemos até agora bem? Vamos. Não vai me interromper o que eu quero". Aí eu chamei um cunhado meu queria também. Era pedreiro, queria até também me arrumar uma chácara. Eu falei: "Vamos lá compadre, vamos lá em Poá ver essa chácara?" "Vamos". Eu falei: "Vamos lá ver domingo". E fomos num domingo pra lá. Chegamos lá fomos lá à chácara e tinha lá um homem que morava lá. Não era caseiro, ele tinha outra casa alugada na Vila Santa Isabel no Carrão e ele morava lá com a família. Ele era até evangélico, tinha duas filhinhas e a mulher. Aí conversamos com ele e tal, olhamos a chácara toda, ele falou que ele queria passar o contrato da chácara porque queria ir embora porque a casa dele estava lá alugada, ele queria ir morar na casa dele e aquela coisa toda. E aí nós fomos para a chácara. Ficamos no contrato que o português que era dono e entramos lá. Lá eu fiquei nessa chácara. Essa chácara foi a melhor coisa da minha vida, foi ali que eu arrumei a minha vida melhor, bem melhor, entendeu? Porque eu tinha de tudo lá, quase não comprava nada. Vinha trabalhar aqui no Bom Retiro todo dia lá em baixo no fim da José Paulino, voltava todo dia pra casa e ainda ia mexer com enxada às vezes no escurecer da tarde com a lua e ainda ia mexer com milho, mandioca quando chegava a terra, abóbora, verdura de folha, pé de escarola grande, couve plantava também ali. Então foi ali que eu comecei a minha vida melhor porque eu fiquei lá e dali eu tirei dinheiro pra eu comprar uma casa boa depois. Comprei dali daquela chácara e em três anos eu já me arrumei. Porque Ferraz de Vasconcelos era só mato, não tinha nem se falado em casa em Ferraz de Vasconcelos naquele tempo. Poá, aliás, em Poá que eu estava, também era só aquele bloquinho de casa no meio da cidade e depois o resto era zona rural. Então tinham granjas de galinhas, tinham chácaras para todo o lado e a gente se arrumou por ali. Então fiquei naquela chácara três anos. Eu vendia de tudo. Até capim eu vendia para uma olaria que tinha lá que um homem tinha nove animais, ele mandava cortar capim lá e pagava o dinheiro na hora. Aquele capim foi plantado porque o português que morava lá tinha vaca de leite e ele plantou capim para o gado eu vendia o capim depois que eu estava lá. Já me livrava a cara no aluguel da chácara que eu pagava 700 cruzeiros por mês de aluguel, mas aquele capim só já me dava o aluguel todo quase o ano todo eu ganhava o dinheiro dele, né? Então naquela época tinham pessoas aí por volta de São Paulo que trazia verdura para vender no mercado da venda aí embaixo da Cantareira, o mercado de verdura de cima. Então apareceu umas mulheres lá de charrete.
P/2 - Como é que era? É o mercadão de hoje o mercado central ou é outro mercado que tinha?
R - Em frente. Outro mercado que tem.
P/2 - Porque ainda existe também.
R - Existe. O mercado velho ainda está lá.
P/2 - Está bem destruído. Aquele em frente.
R - Isso. Em frente.
P/2 - Que são para os atacadistas?
R - Não. Ali vende de tudo também que nem o outro. Mas só que aquele turco dali da Vinte e Cinco de Março, Rua Pajé, Vinte e Cinco de Março, por ali, todo aquele pessoal comprava de mim as coisas lá de Poá. As mulheres iam lá em casa, compravam, punham nas charretes sacos, caixas de coisas que eu vendia pra elas pagavam o dinheiro na mão. No outro dia seguinte de madrugadas elas pegavam o trem às três e 40, era a Estação de Poá e vinha pra São Paulo trazendo aquela mercadoria. Quando chegava à Estação do Norte, que é Brás hoje, tinham os peões com os carrinhos do mercado, aqueles "chapas" que falavam, então pegavam aquelas mercadorias, punham nos carrinhos e elas voltavam pra trás. Já estavam vendidas as mercadorias e iam direto ali.
P/2 - Mas na Estação do Brás que é do lado do metrô eles iam até a Cantareira?
R - Até a Cantareira.
P/2 - No carrinho?
R - No carrinho. No carrinho grande que aqueles camaradas carregavam um peso danado naquele carrinho.
P/2 - Vinham. Então eu levei essa vida muito tempo. Eu tinha dois pés de louro lá naquela chácara já grandinho
R - Assim como da altura desse pedestal aí, dois pés de louro que me dava a cada dia, a cada 25 dias, me dava 150 Cruzeiros. Elas iam lá e compravam folha de louro pra vender no mercado e cortava tudo com a tesoura aquelas folhas novas, faziam maços, punha no carrinho e traziam. Pagava-me 150, 140 mil réis, né? Então com esse dinheiro eu ia mantendo a minha vida e dali eu comprei uma casa boa assim atrás depois e lá fiquei.
P/2 - Lá em Poá?
R - Em Poá. Nessa casa depois eu fiquei lá naquelas\ casa mais uns três anos e dali eu vim embora para a Vila Matilde outra vez. Fui morar na casa do meu sogro outra vez. Nessas alturas ele já tinha morrido, ele morreu em 55 e fiquei uns tempos. Os meus filhos já eram moços, criei eles e aí um casou e depois o outro também quis casar e casou também, eu fiquei com a minha mulher e até hoje estou junto com ela. São 59 anos. E fiquei ali moramos. Dali foi que eu comprei uma casa que apareceu lá na Talarico. Comprei essa casa que era do Talarico mesmo, o dono da vila, comprei dele e fiquei morando mais ali uns 12 anos. Dali então cismei de ter uma outra chácara e aí comprei outra em Itaquera, que hoje é o metrô.
P/2 - Isso já em que ano?
R - Cinquenta e cinco.
P/2 - Que o senhor já comprou a chácara.
R - Não. A chácara eu comprei depois em 62. Eu fiquei mais uns tempos naquela chácara de Itaquera que hoje é aquele galpão do metrô lá em cima, aquele galpão vermelho. Ali era meu. Tudo ali até a avenida lá de Itaquera eu comprei aquela chácara de uma senhora de idade e fiquei morando ali uns tempos. Dali é que eu vim pra cá na Vila Guilhermina outra vez e estou lá até hoje 29 anos morando nessa casa que eu comprei.
P/2 - E como é que foi Itaquera?
R - Itaquera era boa. Naquele tempo era uma maravilha, era uma beleza. Eu gostava muito de Itaquera.
P/2 - Como que era o bairro?
R - O bairro era bom. Bom. Povo tranquilo, povo honesto, quieto, não tinha desordem, não tinha vagabundo, não tinha ninguém perturbando a tranquilidade dos outros. De certa forma era bom, podia andar de noite qualquer hora pela Estrada de Itaquera por ali tudo. Não tinha perigo de nada. Ficou ruim foi agora porque agora generalizou porque gente de todas as raças em São Paulo. Esse acúmulo de população em São Paulo é que dá muitas vezes essas coisas.
P/2 - E o senhor lembra de como começou o crescimento de Itaquera? O senhor viu isso crescer? A chegada do metrô? Depois do metrô como é que foi?
R - Isso. Depois do metrô começou a povoar Itaquera mais...
P/2 - O senhor lembra? O metrô desapropriou o senhor? Como que foi?
R - Ia desapropriar, mas antes deles desapropriar eu vendi.
P/2 - Como é que foi essa época a chegada do metrô? Como é que foi o impacto lá com o pessoal?
R - Ah, foi uma alegria para todo mundo. Todo mundo vivia alegre e satisfeito por causa do metrô porque sabiam que o que estavam operando aqui em Santana na zona norte para o Jabaquara que era bom. Então quando foi o do zona leste, que primeiro começou até o Tatuapé, e depois de muito tempo foi até Itaquera. Quando abriu o metrô para Itaquera o povo tudo ficaram contente. Acharam que ia ser um sucesso lá em Itaquera. E hoje povoou demais lá, depois eu vim embora pra cá para a Vila Guilhermina e ainda tem lá um eucalipto de lembrança do meu terreno lá.
P/2 - Mas como que foi essa época assim a venda? Descreve pra gente.
R - Isso foi no ano de 75 foi quando eu vendi. Porque eu fiz uma casa grande lá e estava morando lá.
P/2 - Ainda nesse povoado?
R - Ali ainda era chácara, né? E depois tinha pedreira pra cima ali naquela várzea ali do rio pra cima era tudo brejo, tudo várzea até a descida da Cidade Líder ali da Estrada da Pedreira que falavam antigamente. Tinha uma pedreira grande ali. Então ali era brejo encharcado de água. Eu tinha o rio que passava no meio da chácara que eu tinha outro terreno de frente para a estrada. Então eu vivia ali, plantava verduras ali dava muitas verduras boas. Eu tinha muita coisa plantada lá. Até porco eu criei lá, galinha, tudo eu tinha lá. Eu gostava de lá, estava contente, mas a minha mulher já não gostava e queria ir embora de lá de qualquer jeito e eu falava: "Mas está bom aqui, eu vou ficar aqui". "Não, eu não quero ficar aqui". E aí acabamos vindo para a Vila Matilde. Depois que o metrô ia desapropriar aí apareceu um cidadão lá um PM, capitão da PM, morava aqui no Brás na Rua João ___________ com a família. Ele queria comprar uma chácara por lá e comprou. Ele entrou em negócio comigo e eu vendi pra ele. Mas eu sabia que ia ser desapropriado. Aí eu falei pra ele: "Olha, aqui está para desapropriar". "Não, eu não tenho problema com isso não", falou pra mim. "Não tem problema não. Eu compro, no fim eu questiono com o advogado e eu recebo do metrô o dinheiro". Eu falei: "Eu não sei por que pra mim eles não vão querer pagar muito. Agora eu vou sair e o senhor se vira". "Deixa comigo". Ele comprou a chácara, o outro terreno eu vendi para um cidadão lá que comprou depois também e fez uma casa e mudou com a família também pra lá. E dali eu vim pra cá para a Vila Guilhermina. Procurei uma casa e achei essa casa que eu moro lá hoje, né? Era pequena, era dois cômodos e cozinha, eu a aumentei até o fundão lá e fiz um casarão danado. Moro lá ultimamente, né? E a minha vida está por aí assim desse jeito até hoje.
P/2 - O senhor se aposentou em?
R - Aposentei em 82.
P/2 - Como é que foi essa época?
R - Faz 22 anos de aposentado, né? Eu estava trabalhando no Hospital Cândido Fontoura no Belém, hospital infantil. Trabalhava com a ambulância conduzindo crianças para o hospital e para o outro por aí transferindo. E dali eu cheguei a ser encarregado de tráfego. Depois eu pedi a minha aposentadoria. Já tinha o tempo já pra contar. Pedi a minha aposentaria, saiu a minha aposentaria em 82, então eu me afastei e estou até hoje vivendo ali na minha casa que eu moro. Só que eu não paro lá não. Eu estou hoje aqui, mas eu tenho serviço pra fazer todo dia lá em casa. Estou sempre mexendo no quintal, é parede, é um telhado, é uma coisa. Eu estou sempre mexendo, eu não paro com isso, né? Está assim a minha vida por aí.
P/2 - E a família?
R - A família vai bem, graças a Deus.
P/2 - Quantos filhos?
R - Tenho dois filhos, dois filhos já um com 57 anos e o outro com 55. Meus netos já casaram tudo também. Eu tenho uma bisneta com 10 pra 11 e tenho um bisnetinho que nasceu agora e está com cinco meses, filho desse moço aqui. A mulher dele é a minha neta.
P/2 - E naquela região, como é que era o futebol lá? Time, essas coisas?
R - O futebol era a maior diversão de São Paulo naquele tempo. Já havia cinemas, mas muitos moços não gostavam muito de cinemas não. E moças preferiam mais o futebol ao vivo assim. Eles gostavam.
P/2 - Lá era a região do Corinthians, né?
R - Não. Porque tinham muitos clubes de várzea. Existia o futebol varzeano que era mais divertido do que hoje o futebol da federação da Liga.
P/2 - Descreve pra gente como era isso?
R - Os jogadores normalmente trabalhavam. Tinha a vida dele normal no trabalho só que aos domingos que ele ia mostrar a capacidade dele no futebol. E os jogadores jogavam e mostravam o futebol verdadeiro dele. Não tinha esse negócio de fazer manha e não jogar. Aqueles tempos eles jogavam pra valer, todo mundo queria ganhar o jogo.
P/2 - O Jabaquara, o Nacional, o Vila Maria?
R - É. Esses times aí. Tinha o Nacional ali na Água Branca, acho que ainda existe o campo deles ainda lá. E teve o Olaria ali no campo deles, eu não sei se o senhor lembra. Teve um Olaria lá antes do campo do Nacional. Depois parece que faliu, fechou, acabou. Não. Continua, está na ativa. O Juventus também ainda tem, é daquela época. O Juventus, Nacional, tinha o Jabaquara. Tinham diversos grupos de várzea.
P/2 - O Vila Maria também tem, né?
R - O Vila Maria não sei por que eu quase não ando lá. É muito difícil, mas por aí ainda tem os clubes ainda velhos. Só que depois que encamparam o futebol, eu falo assim encamparam porque acabaram com o futebol varzeano. E o futebol varzeano era que divertido porque até mulher, criança, tudo ia ver o jogo. Quando era um time de rixa mesmo um com o outro, todo mundo aparecia no campo pra ver, queria ver o jogo, né? Então eram aqueles jogões de futebol, enchiam os campos. Muita briga também de torcida com juiz, com aquela confusão toda saía muito, mas não saía morte, não saía crime não. Eu mesmo briguei muito em futebol, briguei muito em campo de futebol. Eu estava contando pro rapaz hoje de manhã e aí falei: "Aí na Vila Esperança onde é a estação do metrô Vila Matilde tinham dois campos de futebol. Um dia eu briguei naquele campo e eu sei que todo mundo pulou o rio para o outro lado e eu fiquei com o _________ de cerca cheio de arame farpado quebrado e eu falei: venha, venha pra cá. (Risos) Ninguém puxava uma arma.
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