P/1 – Então eu vou pedir para você, por favor, se apresentar...
R – Certo...
P/1 – Falando seu nome completo, a sua data e o local do seu nascimento.
R – Certo. Ok. Pode ser agora?
P/1 – Sim, por favor.
R – Eu sou Maria do Carmo, sou de Jaguaretama, Ceará. Minha data de nascimento é 14 de abril de 1965. Tenho 54 anos.
P/1 – E Maria do Carmo, quais os nomes dos seus pais?
R – O nome do meu pai é João Genésio Bezerra, da minha mãe é Maria Otacília Xavier Bezerra.
P/1 – Conta a origem da sua família, como é que eles se conheceram? O que você sabe da história deles?
R – Olha, eu não sei muito sobre a história deles, né, eu sei só que eles se casaram e tiveram 11 filhos, a qual eu sou uma delas, mas vivos, né, só sobreviveram 6 filhos, os outros morreram.
P/1 – E eles se conheceram, assim, você sabe pouco dessa história dos dois, de como eles se conheceram, mas eles se conheceram e se casaram ainda no Ceará ou, enfim, em outras partes?
R – Não, eles se conheceram no Ceará, se casaram e começaram a vida deles numa cidade próxima dessa que eu nasci, chamada Senador Pompeu. E meu pai era comerciante, dono de uma padaria na época, teve aí esse monte de filhos, acho que não tinha televisão (risos) e eu acho que eles ficavam só fazendo filho, porque tiveram muitos filhos. E meu pai era um alcoólatra, ele veio de uma situação de vício, meu pai tinha problema também com jogo, era viciado em jogo, álcool e por conta disso tiveram muitos problemas na minha infância, porque ele se tornou uma pessoa bastante violenta, ele era bastante violento e ele servia a uma religião lá que a gente na época até brincava que ele tinha bíblia, chamava de São Cipriano, que na verdade era uma seita, né, que ele aderia a vida dele. Eu acho que não sei se por conta disso ele se transformou numa pessoa bastante violenta, né, o álcool também trouxe bastante dificuldade na nossa família.
P/1 – E Maria do Carmo, você contou, né, falou que seu pai tinha uma padaria, qual que era a atividade da sua mãe, o que ela fazia?
R – Então, ela ajudava também na padaria, ela trabalhava em casa e trabalhava na padaria também. Ela ajudava no balcão, ajudava na confecção dos pães, bolos etc.
P/1 – E você falou que é de uma família a qual nasceram 11 irmãos, sendo que 6 deles vingaram, né?
R – Sim.
P/1 – Você sabe dessas, enfim, você estaria em que lugar dessa escadinha de irmãos, você sabe dizer?
R – Olha, tem... Acho que eu sou a... Talvez a quarta, porque depois de mim tem mais 4, tinham mais 4, né? Assim, vivos, fora os que morreram, os que morreram provavelmente eram bem mais velhos do que eu, porque eu já sou uma das mais novas, né.
P/1 – E você se lembra, enfim, como que era o relacionamento com os seus irmãos, com os irmãos que você teve mais contato na época de infância? Como é que era?
R – Na realidade, eu tive pouco relacionamento em casa, porque eu saí muito cedo de casa. Eu vivi mais uma infância um pouco conturbada, porque eu saia muito, eu vivia muito na rua, eu me envolvi muito com amizades, por conta dessa questão da violência em casa, de brigas, de agressões, eu acabei me distanciando muito de todo mundo, dos irmãos, do pai, da mãe. Então, assim, eu tive pouca convivência, eu vivia muito mais na rua do que em casa.
P/1 – E você falou, né, que nasceu numa cidade chamada Jaguaretama, no Ceará. Qual a lembrança que você tem desse lugar na sua infância, como que era essa cidade e como era a casa onde você morava?
R – Ah, a nossa casa era uma casa que tinha 13 cômodos, era muito grande a casa, e do lado tinha a padaria, que era um outro espaço que meu pai trabalhava. Era uma casa bem no centro da cidade e meu pai era o único que tinha padaria na época, e a gente vivia, assim, financeiramente não era uma situação ruim, né, a situação ruim era por conta da questão do alcoolismo, do vicio que ele tinha, que ele trouxe para a vida dele e para a nossa também, porque quando ele se tornou um alcoólatra ele adoeceu as outras pessoas, os familiares próximos dele.
P/1 – E Maria do Carmo, essa questão da dependência do seu pai, ela começa a afetar a vida de vocês, você começa a perceber isso na infância também?
R – Sim, sim. Com certeza, porque na infância o distanciamento veio, pelo menos com relação a mim, por conta do álcool, né, e como ele era bastante agressivo, ele batia na minha mãe, batia na nossa frente, então isso acabou gerando um sentimento ruim para com ele, eu cresci muito revoltada com ele, a gente não se dava bem, a gente criou uma distância muito grande entre eu e ele, acredito entre as minhas irmãs também, os meus irmãos.
P/1 – E, enfim, você consegue se lembrar de um momento, que era um momento no qual a sua família se reunia, que era um momento, ou um período do ano, um evento, um momento que acontecia uma reunião familiar?
R – Não. As vezes eu brinco, hoje né, nas casas de recuperação quando eu vou falar e eu falo que eu acho legal quando eu vejo uma família reunida, que eu chamo de família Doriana, aquela família [onde] todo mundo é certinho, sentado a mesa, todo mundo comendo, eu não tive isso. Eu não tenho essas lembranças boas desses momentos, não.
P/1 – E você falou que já desde criança você já tinha uma certa liberdade, enfim, passava boa parte do tempo fora de casa, né?
R – Sim.
P/1 – Com relação a brincadeiras, você lembra de brincadeiras? O que você gostava de brincar?
R – Eu gostava de brincar de bola, eu jogava muita bola (risos). E na escola eu sempre tinha um grupinho que eu me familiarizava e tudo para brincar sempre de bola. Nunca gostei muito de brincar de boneca, dessas coisas, eu era muito, assim, meio voltada para brincadeira pesada, sempre de luta, de coisas assim. Eu não sei se por conta da própria história, da própria vivência que eu tinha, eu caminhava muito para esse lado.
P/1 – Então a maior parte do tempo essas brincadeiras eram brincadeiras imagino, provavelmente, com meninos, né, mais ou menos da sua faixa etária?
R – Sim.
P/1 – E como eles lidavam, como você interagia com eles?
R – Eu sempre fui muito, assim, eu sempre tive uma característica de liderança, sempre eu atraia muitas pessoas para mim. Eu sempre tive essa característica de liderar, de trazer para junto as pessoas, de atrair pessoas para o meu grupo. Então eu sempre tive isso até nas brincadeiras, eu sempre fui assim. Hoje eu vejo com esses olhos, antes não, eu achava que, nossa, mas eu sempre tive essa característica de unir, de trazer, de chamar as pessoas para junto. E depois eu descobri que isso tinha a ver com a liderança, com o meu perfil de liderança.
P/1 – Você falou da escola, qual sua primeira lembrança de escola?
R – (Risos) Nossa... Muito ruim, viu? Porque eu era muito agressiva na escola, eu brigava muito, eu tinha muito problema com os professores, na época eu estudava numa escola particular e eu lembro que era uma escola de padre, e o padre chamou meu pai e falou que eu não estava indo para a escola, porque eu acabava pegando o dinheiro das mensalidades e usando com grupinho de amigos, né, de baladinha, coisas assim. Eu era muito jovem e eu já tinha muita essa coisa de liberdade, uma falsa liberdade que eu acreditava que era liberdade e na verdade era uma libertinagem, porque trazia coisas ruins para a minha vida. E eu não... Na realidade na escola eu não aprendi muita coisa, porque eu não atentava para as aulas, eu era muito de bagunça, de viver com bagunça, de viver com grupinhos, com amizades, sempre amizades erradas, eu sempre tinha uma atração por algumas coisas que não eram muito legais. Então, para mim, a escola trouxe muita coisa que eu acreditava que poderia ser um futuro para mim, não era, porque eu não me dedicava nada, entendeu, a saber, a aprender. E assim, o que me fazia crescer e amadurecer era porque eu gostava muito de ler, eu sempre gostei muito de ler, eu lia e devorava livros, gibis e historinhas, eu sempre gostei muito de ler, esse sempre foi um hobbie meu.
P/1 – Você mencionou que estudou em um colégio de padres, essa foi a primeira escola que você frequentou?
R – Sim, foi a primeira e durante muitos anos eu estudei, enquanto eu morava lá, eu estudava nessa escola de padre.
P/1 – E como era o trajeto para ir até lá? Como você ia para essa escola?
R – Então, essa escola era próxima da minha casa, porque essa escola ficava bem no centro da cidade. Tinha uma pracinha, lá onde eu ficava com a turminha, as vezes matava aula, ficava lá bagunçando, então esse era um trajeto curto, não era muito longo.
P/1 – E nessa fase, você consegue se lembrar se você já sonhava ou se você visualizava alguma coisa que você queria ser quando crescesse?
R – Então, eu tinha alguns sonhos, um deles era escrever um livro da minha história. Eu queria escrever um livro e eu não sabia que livro eu iria escrever. Depois eu comecei a falar, comecei sonhar, falei “Poxa, eu acho que eu quero escrever da história da minha família, a história da minha vida”. Para mim, na época, esse era um dos sonhos que eu queria fazer. E eu sempre tive um desejo de cuidar de pessoas, de estar junto de pessoas, de cuidar das pessoas, de estar ali fazendo alguma coisa, só que como eu vivia muitos dramas familiares, eu não conseguia me encaixar ou eu não conseguia me achar no meio daqueles grupos, porque eu tinha um pensamento meio acelerado, eu era muito agitada, eu era muito elétrica. Então isso acabava me tirando um pouco do grupo, que já era um grupo mais tranquilo, um grupo mais família, onde todo mundo tinha o seu lugar na casa, o seu lugar na família. Eu não. Eu não tinha lugar em lugar nenhum, estava sempre buscando alguma coisa.
P/1 – E você, enfim, falou dessa experiência conturbada na escola, mas você se recorda de algum professor ou professora que de alguma forma foi marcante na sua formação?
R – Eu acho que esse diretor, esse diretor da escola. Ele chamava Padre Maleno Alexandre. Eu lembro que, na época, eu tinha bastante baixa auto estima e ele me dava... Na escola, eles colocavam muita redação para fazer, essas coisas, e eu sempre tirava nota boa nas redações, aí um dia ele me chamou e falou assim “Poxa, você se coloca em uma posição que não sabe, que não faz as coisas, mas você é tão inteligente, olha suas redações, você só tira 10”, então ele me dava sempre... Ele fazia uma representação talvez de um pai ali, né, “Olha, você mostrando para mim que eu não era exatamente aquilo que eu achava que eu era” e ele sempre me trazia “Olha, você tirou 10 nas redações, você sempre tira 10, redação é meio difícil, não é todo mundo que tá caminhando, fazendo isso com sua idade, ter essa cabeça e tal” e eu lembro disso, essas coisas boas que ele me passava.
P/1 – E dessa fase que você está falando, que imagino que já é um pouco da transição da adolescência, você falou que tinha uma vida livre, né, mas o que você fazia, o que você gostava de fazer na companhia de outros jovens, pessoas, enfim, outras crianças e adolescentes?
R – Dançar e beber. Eu comecei muito cedo a beber. O álcool já começou a tomar conta da minha história muito cedo. E eu gostava muito de dançar, por isso eu bebia muito em baladinha, porque era algo que eu me extravasava muito, na bebida, no álcool, para depois começar com a questão da droga.
P/1 – E essas festas, baladinhas, tinha na sua cidade natal?
R – Sim. Tinha na minha cidade natal.
P/1 – E porque eu vi a sua história, né, e você conta que em determinado momento da adolescência você muda, você sai e vem para São Paulo...
R – Sim.
P/1 – Se você puder contar...
R – Bem na minha adolescência eu tive dois episódios lá, um eu posso falar, o outro eu não gostaria de falar. Mas um eu tive... Eu fui vítima de um abuso sexual e um outro eu me envolvi numa situação muito chata, muito desagradável, eu não podia ficar mais lá e eu tive que vir embora para São Paulo.
P/1 – Como foi esse processo em que você, enfim, passa por problemas... Você relatou que passou por uma situação de abuso e de repente tem que sair e mudar para uma cidade como São Paulo, em meio a todas as questões que você estava passando naquele momento.
R – Foi muito difícil. Foi bastante doloroso, porque eu tive... Foram muitas emoções, muitas coisas, muitos sentimentos, né, que aí, tipo, de repente eu passo por um abuso, de repente uma situação mais grave, depois tem a questão de largar tudo mesmo eu não tendo uma família ali muito acolhedora, no caso. Eu tinha que largar tudo isso, né, e poder me aventurar para ir para um lugar que eu não sabia exatamente como que era. Tudo era muito novo para mim, mas eu precisava fazer isso, eu precisava sair de lá, eu não podia mais continuar lá.
P/1 – E a decisão de que você sairia de lá e mudaria para São Paulo como foi? Partiu de quem?
R – Partiu de mim e da minha mãe, né, porque quando minha mãe viu toda a situação, ela falou “Não dá mais para você ficar aqui, porque vai ser muito perigoso, vai ser difícil para você”, então eu resolvi que eu iria sair. Aí veio uma tia minha para lá, que era minha irmã da minha mãe, minha mãe contou a história e falou para me trazer, e ela me trouxe eu era novinha. Só que todas essas questões elas me deram uma mistura de sentimento muito profundo, muito forte. O abuso mesmo me trouxe uma série de conflitos e eu passei a viver muito... Tinha algo que eu não conseguia confiar nas pessoas, eu não conseguia me aproximar, eu não gostava de toques, eu tinha raiva. E eu comecei a ser uma pessoa totalmente estranha, entendeu? E eu sempre digo que eu era uma pessoa antes da questão do abuso e pós abuso eu era outra pessoa. A minha cabeça mudou totalmente, totalmente, aquela menina ingênua e boazinha, talvez, ela morreu ali. Quando eu vim eu já era uma pessoa totalmente diferente, a minha cabeça mudou muito, muito mesmo. Então eu já tinha um sentimento de pensar só mal das pessoas, de programar mal para as pessoas e me envolvi com um monte de gente errada, comecei a me envolver com drogas, comecei a me envolver com crime. E aí a história foi tipo uma degradação muito grande na minha vida durante a minha adolescência, ainda na minha adolescência, isso tudo foi na minha adolescência, eu ainda era muito jovenzinha.
P/1 – E esse episódio do abuso aconteceu você tinha quantos anos?
R – Ai, eu sou meia ruim de datas, viu? Mas eu devia ter uns 13 para 14 anos, eu acho. Porque eu cheguei aqui devia ter uns 15, 16, por aí, foi nessa faixa de até os 16 anos, eu acredito.
P/1 – E me conta como é que foi a viagem, não sei se você consegue se recordar da viagem e a chegada em São Paulo como é que foi...
R – Sim, sim, eu lembro que eu vim com a minha tia e a minha tia veio me dando conselhos, conversando comigo, me dando, assim, uma ideia de que seria diferente, que eu teria mais oportunidades na vida, que eu iria crescer, que eu era uma pessoa inteligente e tal. Só que, assim, também o abuso ele traz, ele destrói você emocionalmente, porque você começa também a ter muito baixa auto estima e eu tinha muito. Quando eu vim de lá eu tinha muito isso, e essa baixa auto estima ela vai destruindo você, porque você quer crescer e você não consegue, porque você pensa muito negativo de você. Então eu fui trabalhar em alguns lugares, tudo, trabalhei no hospital, trabalhei em vários lugares, mas eu já comecei usar muita droga, já comecei a usar muito álcool com comprimido e aí a minha cabeça também já foi mudando o rumo de tudo, eu não conseguia mais ficar sóbria nunca, estava sempre sob efeito de alguma droga, então talvez até para fugir daquilo que eu estava sentindo, não sei.
P/1 – A sua tia morava em que lugar aqui em São Paulo?
R – Ela morava na zona norte, próximo de onde eu moro hoje.
P/1 – E você consegue recordar ou dizer como era essa região ali do Tremembé na época que você chega?
R – Era uma avenida muito movimentada, que ela tinha um bar, ela tinha um barzinho, era um lugar movimentado que eu sei lá, comecei a ter amizades, algumas amizades, e tudo meu era muito guardado, muito escondido, eu não era uma pessoa muito aberta para falar sobre alguns assuntos, eu era muito fechadona, então assim, eu estava sempre escondendo alguma coisa, mentindo para ela, “Aonde você estava”, “Eu estava em tal lugar, estava em outro”, “Com quem você estava?”, “Eu estava com fulana” e não estava, eu estava com outras pessoas, então, assim, eu escondia muito tudo que eu fazia né, então as pessoas nunca sabiam realmente quem eu era e o que estava fazendo, porque eu era muito de esconder tudo, né? Eu era bastante reservada nisso, não gostava muito de falar de mim, não gostava muito de falar de assuntos que traziam dor, então eu tinha muita essa dificuldade.
P/1 – E você falou que chegou e já começou a trabalhar quando chega aqui em São Paulo, quais foram os trabalhos que você foi fazendo, que você foi ocupando nesse momento?
R – Então, eu lembro que eu fui trabalhar na casa de uma pessoa, para cuidar de alguém, acho que de uma criança, mas eu não me adaptei porque o dono da casa começou a se aproximar de mim, ficar com malícia e tudo, e eu já comecei a criar um monte de coisa na minha cabeça. Já comecei a pensar de matar o homem, aquela coisa toda, então eu saí, eu falei “Antes que aconteça alguma coisa, deixa eu sair”, aí eu saí aí eu fui trabalhar no hospital, só que nesse hospital que eu trabalhei também foi bastante difícil, porque eu comecei a me envolver com um monte de pessoas que usavam drogas também, embora eu trabalhei bastante tempo lá, mas eu também criei muita situação ruim porque eu tive overdose lá e tudo, eu tomava muito álcool com comprimido e isso ajudava porque o hospital fabricava a medicação, e eu acabava tendo acesso, então, assim, foi bem tumultuado esse período, e foi um período longo porque foi um período de quase 8 anos.
P/1 – Nessa experiência, então, que você está trabalhando no hospital, você tinha falado que já tinha esse histórico de consumo de álcool e drogas ainda quando você morava no Ceará...
R – Sim.
P/1 – Mas a partir dessa experiência que você percebe, trabalhando no hospital e tendo acesso muito maior a medicação, potencializou então a sua dependência química?
R – Sim, potencializou a dependência porque daí também eu fui morar sozinha e nessa época que eu fui morar sozinha eu comecei a usar bastante, e me envolvi muito com grupo de pessoas que moravam comigo, né, na minha casa e aí foi bastante complicado.
P/1 – Enfim, no meio dessa vida conturbada, o que você lembra de conhecer de São Paulo, porque imagino também que, claro, você passou por muita coisa, por muita turbulência, mas também estava conhecendo uma cidade nova e muito diferente da cidade de onde você veio. Como que foi esse processo de descoberta de São Paulo e o que foi te chamando atenção?
R – Ah, São Paulo eu sempre gostei, desde que eu cheguei aqui eu sempre gostei muito de São Paulo, para mim foi sempre um cidade que tinha muito a ver com as minhas características, agitada e todo mundo faz as coisas, todo mundo desenvolve as coisas, dá certo, esse meu lado empreendedor que eu sempre tipo ia, mesmo diante de toda a luta conturbada, eu sempre conseguia mesmo eu usando droga, eu trabalhava, eu criava as coisas, eu dava uma direção diferente, porque, assim, eu não virei uma noia de rua, está entendendo? Eu trabalhava, sempre trabalhei e então eu sempre criava algumas coisas, eu desenvolvi várias coisas de trabalho, coisas manuais, então, assim, para mim São Paulo sempre foi uma cidade que eu sempre gostei muito, né, sempre achei uma cidade legal, de grandes oportunidades, de oportunidade também até de conviver com pessoas, com amigos, eu tive muitos amigos, muitas pessoas boas, eu não só não tive gente ruim. Eu fiquei internada numa clínica de casa de recuperação em Curitiba de um americano, não, um homem da Carolina do Norte, e esse homem me ensinou muita coisa boa, ele foi um paizão, um cara super culto, super educado, amoroso, ele chama Angus Plummer, e ele me ensinou coisas maravilhosas, ele sempre falava “Olha, você é inteligente, você é esperta, você é dinâmica” e ele sempre criava essa coisa boa dentro de mim que eu não tinha, e que ele queria trazer isso para fora. Então eu tive várias experiências, várias amizades legais. Eu fiz um tratamento com psicólogo durante 3 anos, também marcou muito a minha história, como uma pessoa maravilhosa, que me mostrava um monte de coisas boas, queria mostrar um caminho diferente e tudo. Então, assim, eu tive várias pessoas que me ajudaram muito. Eu tive esse projeto, essa ONG chama JEAME que eu tive a Suzanne Duppong, uma moça, e a Valdete Varela, duas que me acompanharam muito, elas fizeram meio que um papel de família para mim, foi quem me internou, foi quem me acompanhou, foi quem buscava sempre ajuda para mim, até hoje elas são minhas parceiras amigas, então eu tive muitas coisas boas, não tive só coisa ruim. E, enfim, esse tempo, para mim, ele foi um tempo de mesmo com as coisas negativas, eles foram quem me fizeram eu ser quem eu sou hoje, porque a força que eu tenho hoje é por conta de toda essa história, porque ela não trouxe só coisa negativa, hoje eu trabalho com o pessoal doente, dependente químico, que foram abusadas, que foram marcadas pela dor e eu hoje consigo conversar, entender, abraçar, ajudar, acompanhar todo esse povo, porque isso trouxe uma experiência para a minha vida, então na verdade ela foi uma escola. Eu vivi uma escola da vida, e essa escola me mostrou a que ponto chega o ser humano, a família desestruturada, desajustada, disfuncional, para onde ela leva. E hoje eu consigo abraçar o menino e entender a situação que ele vive, a situação que até onde ele chegou, porque que ele chegou ali, né, então como hoje eu desenvolvo um trabalho social com dependência química nas casas de recuperação em grupo de apoio, eu consigo hoje mais do que eu vi, eu consigo me colocar no lugar deles, ter empatia, algo que não é tão fácil, se você não viveu, né. Eu sempre digo que a Elaine Martins tem uma música que ela “Só sabe o valor de uma lágrima quem já chorou”, então, assim, eu posso olhar hoje para a história desses meninos e dessas meninas e falar “Eu sei o que é essa lágrima”, porque eu também já derramei ela. Então, assim, para mim, tudo que eu vivi serviu muito de uma escadinha para eu chegar, ah você pode falar assim né “Olha, mas você não fez nada, você não fez uma faculdade”, mas eu fiz uma faculdade da vida. E eu aprendi, eu aprendi a ser gente, eu aprendi a ser humana, aprendi a olhar pessoa com outros olhos, enxergar dentro dela que, talvez, se eu não vivesse tudo que eu vivi, eu não seria essa pessoa. Talvez eu seria uma pessoa que poderia estar presa hoje, poderia ser alguém que tivesse continuado no crime, né, e para mim o importante é que eu estou aqui, viva, e eu estou aqui olhando com outro olhar para tudo isso.
P/1 – A gente vai entrar, claro, nessa parte da qual você vai falar do seu trabalho de reabilitação de pessoas com dependência química, mas eu queria explorar um pouco mais esse momento que você chega aqui em São Paulo, porque eu ia te perguntar, você chegou a terminar os seus estudos aqui em São Paulo?
R – Aqui em São Paulo. Terminei aqui em São Paulo.
P/1 – E você tem lembranças dessa fase escolar aqui em São Paulo?
R – Ah, tenho. Sempre isso de jovens, eu estudei em várias escolas aqui, né... Grupos de amizades, grupos de pessoas boas, pessoas legais, que eu conheci também na fase de escola, tem amizades que eu tenho até hoje com essas pessoas. Foram para mim aprendizados, foram marcados como histórias de aprendizado, eu aprendi um pouco aqui, um pouco ali, e aí eu fui montando uma estrutura de pessoas, baseado nos meus conhecimentos nas amizades.
P/1 – Nesse período, qual era o vínculo que você tinha com a sua família que ficou no Ceará?
R – Nenhum. Nenhum. Eu cortei totalmente o vínculo familiar, eu não tinha nada, não ligava. Fiquei muitos anos sem dar nenhuma notícia, para ninguém.
P/1 – E você pode contar como é que foi e quando foi esse momento se retoma esse vínculo?
R – Então, foi agora (risos), tipo há uns 6, 7 anos atrás, que eu soube que meu pai estava com uma doença e que ele estava numa fase e ia morrer, ele estava internado e aí ele estava em Fortaleza, uma cidade lá no Ceará, e aí eu descobri que ele estava muito ruim e aí eu entrei em contato e consegui um telefone para falar com ele, porque eu sabia que ele ia, que ele não ia durar muito, ele estava muito mal, e aí eu tive uma conversa que eu nunca tinha tido com ele em questão de tudo aquilo que eu tinha vivido, de toda a raiva que eu tinha colocado dentro de mim por conta de toda a história, de tudo aquilo que eu tinha vivido com ele. E aí eu falei para ele que eu queria que ele passasse aqui dessa vida pelo menos com uma ideia diferente de mim, de que eu tinha mudado, de que eu era uma pessoa diferente e que eu estava liberando o perdão para ele por tudo que ele tinha feito, tudo, então foi uma conversa muito legal, ele chorou bastante. E foi uma coisa muito boa para mim também, porque isso tirou meio que um peso, sabe, de cima de mim, e foi uma coisa legal. Duas horas depois ele faleceu, mas aí aquele sentimento já tinha ido embora. É como se você tivesse uma mochila nas costas bem pesada e tirasse aquela mochila, entregasse e falasse “Olha, não quero mais”, então para mim foi uma coisa muito boa, porque não sei para ele como foi, mas para mim foi algo libertador.
P/1 – E com relação a sua mãe, que foi a pessoa que até te trouxe, que fez com que você viesse para São Paulo...
R – Então, a minha mãe, tem o que? Acho que uns 8 anos mais ou menos, eu fui em um congresso em Fortaleza, sobre abusos, né, como eu trabalho nessa área, sempre a gente vai em congresso em alguns lugares e eu fui em um em Fortaleza e fui até lá, a cidade que eu tinha nascido, que eu tinha vivido bastante tempo. E aí eu fiquei lá 4 dias com todo mundo e tive oportunidade de ficar com a minha mãe por um tempo, de conversar sobre alguns assuntos que ficaram meio no caminho da história, né, e foi muito bom também, porque a gente teve 4 dias de sei lá, colocar os pratos na mesa e falar tudo que tinha vontade para uma. Também, infelizmente, ela faleceu logo depois, este foi o último contato que eu tive com ela, e aí em seguida ela faleceu. Mas foi bom, porque eu fui, fiquei 3 dias no congresso e fiquei 4 dias lá, ao todo 7 dias no Ceará. Foi o mesmo que um encontro de entender a história de tudo que tinha acontecido, algumas lembranças, algumas coisas que tinham ficado meio com um ponto de interrogação e eu acho que eu consegui colocar algumas coisas no lugar.
P/1 – E nesse momento em que você volta para, enfim, participar desse congresso em Fortaleza e volta à sua cidade natal, você também reencontra com outras pessoas, você também reencontra irmãos, irmãs?
R – Sim, reencontrei com as minhas irmãs, fiquei um pouquinho na casa de uma, um pouquinho na casa da outra, brincamos, dançamos, almoçamos juntas, conversamos, foi legal. Minha irmã preparou um almoço bem legal, a gente brincou muito, dançou, pulou, foi muito bom, tipo assim, a gente viveu meio que uma adolescência que eu não tinha vivido em alguns minutos, mas foi bom também, porque trouxe, sabe, meio que esse vínculo que tinha sido cortado lá atrás.
P/1 – E Maria do Carmo, você falou uma coisa que é de, enfim, processo no assédio, que constitui em uma estrutura de pessoa, uma estrutura de pessoa que você é hoje. O episódio do abuso foi um episódio muito traumático e que teve repercussões em muitos outros momentos da sua vida, em que momento que você entende que você começa a lidar com essa situação em um processo... Não sei se superação é a melhor palavra, talvez não seja porque acho que é uma experiência que não se supera, você lida com ela... Mas em que você foi, enfim, lidando melhor, como é que foi esse processo?
R – Olha, quando eu saí de lá eu tinha dois sentimentos muito fortes de ódio dentro de mim, um era contra o meu pai, o outro contra esse cara, então, assim, por conta da violência algumas vezes o meu pai tentou me agredir e até me matar, então eu tinha esse ódio muito forte dentro de mim. E quando eu tive essa conversa com ele, parece que uma coisa estava muito ligada a outra, sabe? O abuso estava muito ligado a questão do pai e aquela coisa, eu não consigo entender, eu só sei que quando eu liberei perdão para o meu pai, eu registrava algumas imagens na minha mente com relação ao abuso e isso acabou. Não sei se também porque eu fiz acompanhamento psicológico durante muito tempo, eu comecei a estudar muito sobre essa questão de violência, de abuso, porque como eu sempre gostei muito de ler eu comecei a buscar muitas informações a respeito do assunto, e aí eu comecei a estudar muito sobre a questão do abuso, que a pessoa quando abusa ela geralmente foi abusada, então está repetindo um hábito que destruiu ela em algum momento, eu comecei a ler muito, estudar muito sobre isso. E eu comecei a colocar isso numa estrutura que eu dissesse assim “Perai, mas se há uma repetição e se eu fui uma pessoa também tão agressiva, tão abusadora também até com palavras, com atitudes, por que não?”, e aí eu comecei a construir essa liberação dentro de mim de tirar essa mochilinha das costas e falar assim “Não quero mais ela para mim”. Então eu quero liberar perdão, eu quero entender que esse pode ter sido um momento de dor dele, de repetição também, não sei, então eu comecei a tirar essa mochilinha das minhas costas aí. Quando eu liberei perdão para o meu pai, eu também trabalhei esse perdão, até as imagens, os pesadelos, as coisas que eu tinha, acabaram. Eu deixei de ter, porque eu tinha muito pesadelo com relação a isso e eu tinha uma ira muito forte contida dentro de mim, isso também foi embora junto com essa questão de elaborar o perdão dentro de mim. Então quando eu elaborei os dois perdões dentro dessa história toda, isso começou a me liberar, é como se eu tivesse presa em uma situação e eu começasse a soltar as cordinhas dele e me liberar e foi aí que eu senti, realmente, que eu estava livre de tudo isso. Aquela ira eu não tinha mais, aquele ódio eu não tinha mais, aquelas imagens eu também não tinha, os pesadelos também eu não tinha, não sei se foi uma construção do acompanhamento psicológico, com toda a questão do perdão do meu pai ou com as histórias que eu comecei a trabalhar, eu comecei a identificar algumas situações minhas, eu comecei a me colocar no lugar e falar “Puxa, eu também sentia isso, eu também vivi isso aí”. Então acho que tudo isso foi me levando para o caminho do perdão.
P/1 – E você falou que quando você saiu de lá, você saiu sentindo do seu pai e da pessoa que praticou o abuso. Essa pessoa era próxima de alguma forma do seu pai?
R – Sim, ela era próxima. Ele era amigo do meu pai, ele frequentava a minha casa. Geralmente é assim.
P/1 – Sim, infelizmente. Maria do Carmo, você falou também que foi contando ao longo da vida com apoio de pessoas, enfim, que não foram só más influências que apareceram, mas que pessoas também foram aparecendo na sua vida e te trazendo apoio. Em que momento que começa a acontecer também esse processo de você rever e tratar a sua dependência química?
R – Então, eu fui para uma casa de recuperação, né, que eu fiquei 1 ano e 3 meses lá, e eu tive várias quedas, eu voltava, ficava um tempo bem, depois eu caía, ficava um tempo bem, eu caía. E eu fiquei muito nesse ciclo durante muito tempo, mesmo depois da internação. E aí eu engravidei, eu tive o meu filho e por conta dessa estrutura de drogas, essa coisa louca que estava minha vida, meu filho nasceu com problema. Meu filho nasceu com problema na mente, ele nasceu todo deformado, ele nasceu com os pés para dentro, uma série de coisas, um problema na cabeça, que a cabeça não conseguia ficar normal, estava sempre para trás, não lembro o nome do problema, eu sei que ele nasceu com uma série de problemas. E eu sempre digo que ele foi, apesar da loucura que foi o nascimento dele, foi ele que me levantou de verdade, foi através do nascimento dele que eu me levantei. Hoje eu entendo que o dependente químico precisa ter um objetivo para olhar e ter, assim, para onde ele vai lutar, onde ele vai olhar, para que este olhar seja algo que traga algo positivo para ele. E o meu filho trouxe isso para mim, então ele nasceu com todos esses problemas e eu comecei a ficar muito angustiada com tudo isso, e eu comecei a ficar revoltada “Poxa, Deus, e agora? Meu filho está aí aleijado, o que vou fazer com um filho doente? Eu já tenho tanto problema e ainda tenho que arcar agora com um filho cheio de problema?” e aí eu não sei, em uma conversa, não sei em que religião você está, mas assim, o que eu vou falar aqui é algo verdadeiro, profundo. Eu tive uma conversa mesmo com um poder superior mesmo e eu falei “Poxa, e agora? Eu queria ver o meu filho curado, queria ver o meu filho restaurado, queria poder acreditar em alguma coisa, queria poder olhar e ter um objetivo na vida e eu não tenho” e aí eu pedi para Deus, para que Deus tivesse compaixão com o meu filho, meu filho não tinha nada a ver com tudo que eu tinha vivido, não tinha nada a ver com a coisa errada que eu estava fazendo, com o que eu tinha feito até hoje. Não era justo o meu filho pagar por uma coisa que era minha, né? E duas semanas depois o meu filho estava normal, e por causa disso eu nunca mais usei droga. Nunca mais bebi, nunca mais. Eu prometi para Deus que meu filho seria algo que iria trazer uma libertação para mim, e ele trouxe. Ele tem 26 anos, tem 26 anos que eu não uso álcool, nada, nada, nada de droga, maconha, nada. Eu nunca mais usei um cigarro de maconha, nunca mais bebi, nunca mais usei droga, meu filho foi curado. Meu filho voltou ao normal, ele hoje é casado, tem dois filhos normais, perfeitos, trabalhava, dirige, não tem problema na mente, não tem problema nos pés, os ossinhos dele voltaram para o lugar e Deus fez um milagre, e por causa desse milagre nunca mais eu tive recaída. Então por isso que toda a história minha tem muito a ver com aprender, eu aprendi, eu não tinha nada a ver com igreja, eu não tinha nada a ver com cristianismo, isso não tem nada a ver com cristianismo, tem nada a ver, não, esse milagre não tem a ver com igreja, tem a ver comigo e Deus, comigo e um poder superior que eu chamo de Deus, né. Então quando eu pedi para ele, eu não estava bem, eu não era uma pessoa correta, eu tinha uma casa cheia de arma e cheia de droga, dentro desse contexto Deus ouviu, tipo “Que loucura é essa?” e eu comecei a me desfazer de tudo que eu tinha, e eu falei “Não, agora eu quero minha vida direitinho”, aí foi quando eu fui para igreja, comecei a frequentar a igreja Batista e aí eu fiquei na igreja Batista até hoje, tem 26 anos isso.
P/1 – E quantos anos você tinha nessa época?
R – Então, eu tenho 54, faz a conta aí.
P/1 – 28 anos mais ou menos.
R – 28, é.
P/1 – Você já era casada, você chegou a casar?
R – Não, eu não era casada, esse rapaz que o meu filho nasceu era de um relacionamento também meio conturbado, meio louco, porque na verdade eu tinha um problema seríssimo de identidade, uma hora eu gostava de mulher, outra hora gostava de homem, então eu tinha minha identidade toda deturpada (risos), eu não sabia exatamente quem era eu e em que ponto do mundo eu estava, e eu dizia assim “Eu devo ser uma aberração, porque eu não gosto de nada, não gosto de ninguém, 6 meses eu gosto de mulher, 6 meses eu gosto de homem, aonde é que eu estou nisso tudo?”, então eu tinha essas confusões todas na minha mente. Na realidade, eu não nutria nenhum sentimento forte e profundo por ninguém, era só algo passageiro, curtindo em balada, uma droga, um sexo e já era. Então foi nesse contexto que eu engravidei do meu filho. Hoje que eu sou casada e pela primeira vez na vida, primeiro relacionamento que eu tenho, que inclusive é um dependente químico em recuperação, ele foi o primeiro homem que eu senti prazer de estar, de viver bem, de ter uma relação sexual de boa, normal, depois de 50 anos, porque tem 5 anos que a gente está junto, olha que louco. E foi, na realidade, o primeiro homem na vida que eu tive a situação de identidade resolvida. Loucura, né? (risos), mas é mais ou menos isso.
P/1 – E Maria do Carmo, nesse momento você, enfim, já não estava mais trabalhando no hospital quando você tem o seu filho, você está nesse processo de... Até então você estava tentando a recuperação, fazer reabilitações não bem sucedidas, você tem o seu filho, você contou, né, teve essa experiência que você relatou e o seu filho se reestabelece, a partir daí você fala também que entra na igreja Batista, mas a partir daí como sua vida se desenrola, como que você também ali sendo mãe, provavelmente mãe solo, tendo que cuidar também de uma criança, como a vida transcorre a partir desse momento?
R – Então, nesse período eu ainda trabalhava no hospital, e foi por causa de tudo isso que eu saí do hospital. Aí eu conheci uma outra pessoa, que eu tive uma outra filha, tenho uma menina, uma filha, de 23 anos, linda maravilhosa minha filha. Casei, fiquei casada 12 anos também, não deu certo, foi um casamento que eu ainda estava num processo de recuperação, então ele não entendia os meus conflitos, ele não entendia porque uma hora eu era de um jeito, outra hora era de outro. Então, assim, eu ainda estava em um processo muito doído, doloroso, porque eu tinha muita ira dentro de mim, eu tinha muita crise de abstinência, eu quebrava tudo dentro de casa, quebrava prato, quebrava copo, ficava desesperada, mas como eu tinha prometido que eu nunca mais usaria droga por medo do meu filho voltar a ser aleijado, então eu não usava, então eu quebrava as coisas dentro de casa, eu ficava louca e ele falava “Você é louca” eu falava “Sou mesmo”, então foi um processo muito doído, muito sofrido, então assim, eu comecei a trazer para a minha vida algumas pessoas que foram justamente a Suzanne Duppong, a Valdete, eu comecei a procurar um acompanhamento psicológico e tudo, eu comecei a fazer algumas sessões de aconselhamento com algumas pessoas mais maduras, eu comecei a procurar ajuda, “Preciso de ajuda”, comecei a procurar, assistir alguns vídeos, procurar o Amor-Exigente, enfim, eu fui buscando ler, literatura que tinha a ver com recuperação, a ver com drogas, a ver com homossexualidade, “Perai, eu preciso me encontrar, preciso achar alguma coisa que me de um sentido” e foi na raça. Isso que me deu realmente a estrutura de me levantar, de falar “Agora sim, eu posso caminhar sóbria, sem precisar de nenhuma droga para sobreviver” e foi assim mesmo que eu comecei a dar os primeiros passos. Olhando para o meu filho, quem criou dentro de mim o objetivo foi ele, a forma que ele foi curado da situação dos pés, da cabeça, do problema mental, tudo, foi ele que me deu essa força para me dizer assim “Olha, vale a pena continuar, porque você tem um filho aí para cuidar” e foi isso mais a minha luta, assim, procurando grupos de apoio, procurando ler alguns livros, tudo o que tinha envolvimento na questão de droga, de homossexualidade e de identidade eu procurava. Eu começava a ler eu falava “Ah, então eu sou isso, ah então estou aqui”, comecei a ler muito sobre abuso, sobre livros que tinham a ver com a questão do abuso, e eu comecei a me descobrir em tudo isso, eu falava “Poxa, é isso mesmo que eu sinto, exatamente, eu sou doente nessa área, eu tenho essa deficiência” e eu comecei a trabalhar isso, quando eu chegava na psicóloga eu falava assim “Eu tenho isso, isso e isso” e ela falava assim “Mas você já sabe tudo, então o que você está fazendo aqui?”, brincava né. Eu falava “Então, mas é isso que eu preciso saber, por que que essas coisas acontecem, por que eu tenho esses sentimentos?” e eu comecei cuidar, correr atrás da minha recuperação, né, e eu pensei assim “Eu tinha uma disposição para fazer as coisas erradas, então agora eu quero ter disposição para a minha cura, para a minha recuperação” e foi essa doideira mesmo da minha cabeça que fez eu me levantar.
P/1 – E no meio desse processo dessa luta que você foi relatando e de busca de apoios, de se entender, qual que você considera o momento em que você percebe que “Opa, eu acho que agora eu estou conseguindo me aceitar aqui, eu consigo me entender melhor”?
R – Olha, é assim, a recuperação é recuperar as ações, quando você é um dependente de algum tipo de droga, você tem, não só a dependência, mas você tem o comportamento doente, então assim, o que me fez a libertação, a cura, a transformação, chame do que quiser, foi, na verdade, o meu comportamento que eu fui começando a mudar. Então, assim, eu não vou mais agir com agressividade com as pessoas, não vou mais ficar escondendo quando eu tiver sentindo alguma coisa, eu não vou mais mentir, eu não preciso mais disso, eu quero ser uma pessoa verdadeira, autêntica, eu quero ser alguém que eu possa passar algo bom, foi quando eu comecei a fazer os trabalhos nas casas de recuperação, que daí eu comecei a me descobrir, ajudando alguém, sendo útil para alguém e , para mim, acho que esse foi o ponto X para eu entender porque eu estava ali, porque eu tinha vivido tudo aquilo, eu sirvo para alguma coisa, eu posso ajudar alguém, eu posso dizer para a pessoa “Olha, você tem condições de sair porque eu saí. Você pode dizer que a partir de hoje você não é homossexual, você está homossexual. Você não é alcoólatra, você está alcoólatra. Você pode sair desse lugar e ir para outro, é só você querer”. Então, assim, é só você lutar, é só você segurar com força e eu sempre digo assim para os meninos que vontade dá e passa, se eu disser para você hoje, após 26 anos, que eu não tenho mais vontade de usar drogas, estou mentindo, porque eu continuo tendo vontade, mas eu não sou mais escrava da minha vontade, eu não sou mais uma pessoa que me deixo levar por todos, porque se você for viver todos os prazeres da vida você vai morrer, porque você não vai viver todos os prazeres, não é tudo que você tem vontade que você pode ter. Então eu frequentava muita boate de lésbica, de gay, de tudo, então eu não preciso mais ir para esses lugares, eu posso me divertir com uma família legal, daora, eu posso ir para uma praia, curtir uma praia, eu não preciso beber, eu posso tomar um sorvete, posso comer uma comida gostosa, posso ser quem eu sou, eu não preciso de álcool e droga, eu não preciso de prazeres exorbitantes para poder ser feliz, então eu entendi isso dentro de mim, mas como eu entendi? Entendi vivendo, entendi passando, entendi dizendo assim “Eu não preciso ter esse prazer para viver, eu posso viver sem que isso que me adoece seja algo que eu possa potencializar, eu quero ser alguém diferente daqui pra frente, então para que eu seja alguém diferente preciso lutar por isso” e eu comecei esse processo assim, sabe, indo para as casas de recuperação, o pessoal me chama de contadora de história, eu chego nas casas de recuperação e conto minha história, falo “Cara, você consegue sair porque eu estou aqui, você consegue sair do álcool e da droga, porque eu não sai?”, “Ah, Maria do Carmo, mas você tem vontade?”, “Tenho, mas ninguém morre de vontade, você já foi em um velório de vontade? Ninguém morreu de vontade, então se ninguém morreu de vontade, dá para vontade dar e passar, então espera um pouquinho que vai passar”. E eu vivo assim, a minha recuperação é recuperar todo dia minhas ações, é dizer “Isso está errado? Então perai”, eu não quero viver errado, eu não quero ser uma pessoa taxada como noia, não quero ser uma pessoa taxada como alguém que não é feliz, como alguém que vive alcoolizada, não, quero ser alguém que eu possa transmitir algo bom, eu quero deixar um legado nessa terra, quero deixar um legado de coisa boa, de alguém que fez a diferença, de alguém que mudou uma história, então, assim, após esses anos muitas histórias tem mudado através da minha, muitas histórias, de meninas e meninos das casas de recuperação, dos grupos de apoio, que eu hoje montei um grupo de apoio para mim, né, para mim não, para atender as pessoas. Então eu hoje posso dizer no grupo de apoio “Eu tenho 26 anos em pé”, “Como é que você conseguiu?”, “Então, eu consegui assim”, eu posso dar essa receita para todo mundo, porque eu passei por ela. Para mim a minha vida foi superação na raça, sofrido, nada na vida é fácil, tudo que você vai viver na sua vida, nada é fácil. Você vai fazer uma faculdade fácil? Você vai estar em um emprego e é fácil tolerar muitas vezes pessoas que não tem nada a ver? Então tudo na vida é difícil, é batalha, é guerra, é você conseguir conviver, conseguir se relacionar com as pessoas é muito difícil em qualquer lugar, então por que para mim tem que ser diferente? Foi assim que eu entendi minha vida, que eu precisava lutar e quem precisava dessa luta era eu. As vezes eu brinco com os meninos e alguns caem, volta para o final da fila, e eu falo “Só quem não pode cair sou eu”, então eu vivo nessa quem não pode cair sou eu, e vivendo como os alcoólatras anônimos dizem, um dia de cada vez, matando um leão por dia. Eu venho matando muitos leões durante esses anos e vou continuar matando até eu morrer, porque a vida é assim, as vontades vêm, as vezes dá umas crises loucas, quando tem alguns conflito dá vontade de você jogar o balde, eu lembro “Não, mas perai, eu vou fazer o que? Eu já caminhei demais para voltar atrás, eu não quero voltar atrás”, eu sempre olho para isso, olho para o meu filho e falo “Poxa, Deus me ouviu. Eu era uma pessoa tão ruim, com a casa cheia de droga, de arma, Deus ouviu uma pessoa dessas e curou uma criança que não tinha nada a ver, Deus fez tanta coisa linda na minha vida, por que eu vou voltar atrás?”, então eu vivo nessa direção.
P/1 – E você falou da questão da empatia, eu queria que você falasse desse momento em que você começa a se colocar no lugar de alguém que faz uso da experiência própria para ajudar outras pessoas. Como que isso começou a acontecer? Quando isso começou a acontecer?
R – Então, eu acredito que começou quando eu comecei nas casas de recuperação. Um dia uma pessoa me chamou para ir em uma casa de recuperação, e eu falei “Ah, pelo o amor de Deus, não me chama para casa de recuperação, porque eu sou traumatizada com casa de recuperação porque eu fiquei internada em uma e eu não gosto de casa de recuperação, por favor”, “Não, Maria do Carmo, mas você precisa ajudar as pessoas, a recuperação é boa quando você ajuda, você se sente útil”, eu falei “Não, mas eu posso ajudar outras pessoas sem precisar ir para casa de recuperação”. E eu fui para a casa de recuperação e ali eu entendi o que Deus queria, o ministério meu era com os loucos mesmo, os drogados, os malucos que ninguém queria ouvir. E aí eu comecei nas casas de recuperação contando minha história, contando o que eu entendia da recuperação, quem eu era, e aí eu comecei a entender realmente que ali era alguma coisa que Deus estava dizendo “Olha, vai fazer alguma coisa, faz alguma coisa por alguém, para que você possa se sentir útil, ajuda alguém” aí quando comecei a fazer aconselhamento, quando comecei atender os meninos e eu comecei trabalhar muito na questão de ouvir, de emprestar o ouvido, né, e de me colocar no lugar, eu peguei muitos abusadores que falavam “Poxa, Maria do Carmo, quando você falou de abuso, poxa, me senti tão mal e tal” e aí eu comecei a fazer e eu falei “Poxa”, no começo eu me sentia meio assim né “Poxa, o cara é abusador, eu estou aqui com um abusador, com um cara que eu odiei a vida toda” e eu comecei a me colocar no lugar dele, falei “Quantas vezes não abusei das pessoas? Quantas vezes não fiz tanta coisa errada? Eu atirei em pessoas, eu bati em pessoas, o que me torna diferente dessa pessoa?”, e eu comecei a me colocar no lugar, comecei a ter empatia por cada perfil de cada menino, e eu comecei a entender que quando ele falava que usava droga o sentimento que ele tinha era o sentimento que eu tinha também, quando falava de alcoolismo era o sentimento [que eu tinha também]. Então, assim, eu lembro que eu fui fazer um congresso sobre abusos no Ceará e quando eu começava a falar do abuso com homens, né, a os professores deram para gente uma rosa e era para gente chegar para os homens e falar que chega de abuso, porque lá no Ceará tinha muito. E aí quando eu começava a falar da questão do abuso, do sentimento do abuso, eles falavam para mim “Eu conheço essa dor” e aí eu brinquei com as meninas com o professor no feedback “Poxa, mas a fila dos abusadores veio só para mim?”, tipo porque os caras vinham e se identificavam comigo, por quê? Porque eles tinham sentido que eu era aberta para falar sobre o assunto, mesmo tendo passado pelo abuso, e eu tendi falei “Poxa, Deus, que legal que eu posso fazer alguma coisa por alguém em algum lugar desse mundo e eu posso ajudar uma pessoa a pensar diferente, ajudar uma pessoa a sair de um lugar e caminhar para um outro. Eu posso ajudar a pessoa, abraçar a pessoa e dizer do sentimento que ela está sentindo, porque eu também já senti”, então foi aí que eu entendi que a minha recuperação ela estava desenrolando para esse espaço de tempo, porque era ali que eu precisava fazer, era ali que eu precisava ajudar, porque era algo que eu sabia o sentimento de cada um deles, né? Porque a empatia é isso, é você conseguir se colocar no lugar da pessoa e você conseguir sentir que há um sentimento sem julgamento, sem apontar o dedo, você fez isso, você fez aquilo, mas é um sentimento de você poder dizer “Olha, eu entendo, mesmo sendo uma coisa tão ruim eu consigo entender, porque eu também já passei por isso, eu também já vivi isso”. Eu acredito que foi aí que começou a desenrolar minha recuperação e a minha empatia.
P/1 – E Maria, você lembra como foi a primeira vez, porque imagino que você já tenha contado essa história em muitas ocasiões, né?
R – Sim.
P/1 - Como foi a primeira vez que você falou em público, contou em público a sua história?
R – Então, foi exatamente numa casa de recuperação. Foi a primeira vez que me chamaram para falar, para dar uma palestra em uma casa de recuperação, porque as pessoas conheciam a minha história, e falaram “Poxa, você vai ajudar muito lá na casa de recuperação contando sua história e tal, e você vai ajudar muitos meninos a conseguirem ter no coração deles uma esperança de que há mudança, de que há realmente uma esperança para eles de sair das drogas, de sair do álcool, de sair dessa questão de abusos, de tantas coisas”, e foi a primeira vez, eu falei numa casa de recuperação.
P/1 – E você consegue se recordar de como foi para você esse momento de estar ali, falar abertamente da sua história de vida, que sentimentos que passaram por você naquele momento? Você conseguiu, por exemplo, perceber a reação das pessoas que estavam ali naquele momento te ouvindo?
R – Foi muito doído (risos), foi doloroso, até, sabe. Eu tinha sonhado com um episódio de que eu estaria em um lugar cheio de gente e eu começava a falar da minha vida e na hora lá eu lembrei do sonho, falei “Poxa, tive um sonho parecido com esse negócio aqui”, com esse lugar aqui, um lugar cheio de mato, um monte de homem sentado no chão, aquele lugar estranho para mim, eu falei assim “Nossa, parece uma coisa tão real” e eu comecei falar, e eu comecei reviver algumas coisas, né? Tinha uns momentos que eu parava, que parecia que eu estava vendo as situações, e foi um pouco doído, no começo é muito difícil falar, sabe, no começo é difícil falar com psicólogo, no começo foi difícil falar com as pessoas, todo começo é muito doloroso, porque, assim, há muito sentimento envolvido, muita coisa. Mas como eu já tinha passado por todo um processo de recuperação na casa de recuperação, no acompanhamento psicológico, com aconselhamentos normais, então eu já tinha falado em alguns momentos, quebrado esse silêncio, né, e quando eu cheguei na casa de recuperação eu me senti em casa porque ali eu estava falando a língua de todo mundo. Quando eu falava uma coisa todo mundo entendia o que eu estava falando, então eu me senti em casei falei “Mano, estou em casa, todo mundo entende o que estou falando”, e a gente brincava e falava “É nós” (risos). Então é mais ou menos, eram meus manos, os manos que tinham vivenciado e estavam vivendo tudo q eu tinha vivido, quando eu falava os caras falavam “Nossa, que louco”, então cada caso de recuperação que eu vou é uma empatia, porque todo mundo se coloca no lugar e já sabe ali. Eu costumo dizer que a gente fala A eles já entendem B e C, então não precisa explicar muito, todo mundo já sabe o mundo que a gente viveu, essa vida louca que a gente viveu, então todo mundo meio que se coloca no lugar, já sabe o que está falando, porque é uma dor que todo mundo viveu.
P/1 – E esse seu trabalho nas clínicas de recuperação ele se da junto com o seu trabalho missionário da igreja Batista?
R – Não, não da igreja Batista. Esse ministério JEAME é Jesus Ama o Menor, é um trabalho que é feito na Fundação Casa, com meninos de rua e eu faço um trabalho diferenciado porque eu faço nas casas de recuperação, no grupo de apoio e eu faço encontros de 4 dias com as casas de recuperação, eu levo eles para lá para um trabalho mais profundo, de aconselhamento, de resgate de identidade, algumas coisas assim. Então é vinculado ao Ministério JEAME, porque eu sou do Ministério JEAME, na realidade, o Ministério JEAME foi o Ministério que me recebeu, me acolheu e me ajudou na recuperação e eu me tornei a missionário do Ministério JEAME por conta de toda a história que eu tinha vivido com eles, porque foi através deles que eu tive ajuda, tanto na casa de recuperação, quanto no acompanhamento psicológico, na questão de aconselhamento, de discipulado, foi tudo relacionado ao Ministério JEAME.
P/1 – E quando que você começa a atuar efetivamente fazendo esse trabalho junto a jovens, enfim, de ajudar no processo de recuperação da dependência química?
R – Foi há 10 anos, quando eu voltei na segunda fase, na primeira fase eu era a louca perdida, que o ministério me acolheu e me ajudou. Na segunda fase eu já estava bem, já estava estabilizada, já tinha um tempo sem recaída, eu comecei a trabalhar como... Aí eu vim para o ministério não como uma recuperanda, mas eu vim como uma pessoa que já estava recuperada, já estava em um processo mais longo, já tinha um período que não tinha quedas, já estava com uma cabeça diferente, então eles me acolheram para trabalhar ajudando os outros que estavam no mesmo lugar que eu estava lá atrás.
P/1 – E esse trabalho que você realiza, para além de você compartilhar da sua história pessoal, como que é a dinâmica desse trabalho?
R – Então, o que eu faço lá, eu fico o dia inteiro em uma casa, por exemplo, eu tenho o trabalho dos encontros que eu levo eles, alugo um sítio e levo eles para um trabalho mais profundo na área de cura de traumas, essa coisa toda, e nas casas eu faço trabalho de aconselhamento, de palestra, de dinâmicas, eu começo a contar uma história e junto com ela eu desenvolvo alguns personagens bíblicos que tiveram experiências semelhantes, então eu faço um conjunto de tudo isso e eu costumo dizer que eu sou a contadora de histórias, eu conto as histórias, conto a minha, conto a de alguns personagens da bíblia, e aí eu vou desenvolvendo isso, eu converso, aconselho, trabalho, faço um acompanhamento com cada um deles. Cria meio que um vínculo, né?
P/1 – Sim. E são mais ou menos quantos jovens que são atendidos? E o público é jovem, adolescente, início de fase adulta?
R – Não, a maioria são jovens e adultos. Adolescente é mais o pessoal que trabalha com a Fundação CASA, eu já sou mais jovens e adultos, e meninas, meninas também, moças usuárias de drogas que têm problemas nessa área, alcoolismo também.
P/1 – Mais ou menos quantos são atendidos?
R – Olha, é bastante, porque cada casa tem um grupo de pessoas, por exemplo, tem uma casa em Suzano que tem 25, tem uma em Cotia que tem 15, tem uma outra... É assim, cada casa tem um grupo de tanto de pessoas.
P/1 – Eu estava lembrando agora que você falou que desde jovem percebia que tinha como uma das suas características a liderança, né?
R – Sim.
P/1 – Quando você começa a se ver, quando o empreendedorismo passa a fazer parte da sua vida e de alguma forma influencia nessa atuação que você tem?
R – Eu acredito que é o meu perfil de empreender, porque, assim, o empreendedorismo está muito ligado a não desistir, a você olhar e conseguir ver coisa positiva, você não se deixar abater por situações, por algo que não deu certo, é você mudar, é você correr atrás, é você empreender, é você levar isso para frente, é você conseguir conduzir isso de uma forma que tenham resultados positivos, mesmo tendo os negativos, os negativos você pode dar uma trabalhadinha aqui e você correr para frente para desenvolver alguma coisa que valha a pena. Então cada trabalho que eu faço consigo ver empreendedorismo nele, porque eu consigo, por exemplo, eu faço um encontro de 4 dias e eu consigo ver o resultado desse encontro e vou vendo empreendedorismo, por quê? Porque eu consigo... O encontro que faço chama-se Ressuscitando os Sonhos... Então eu consigo ver o sonho desses meninos mudarem de uma fase para outra, porque eles perdem os sonhos, perdem a graça pela vida, eles desacreditam. Então quando eu consigo dizer para esse menino “Olha, tem esperança, tem chance, você tem um potencial, você consegue fazer, você vai vencer” eu estou empreendendo, estou fazendo empreendedorismo neles, eu estou criando meio que um coach na cabeça deles “Vai, que vai dar certo”. Então todo o trabalho meu tem um lado empreendedor, porque ele tem um lado de caminhar para frente, de empurrar para a frente, de incentivar, de fazer não deu certo, que a gente chama de (?) [1:21:10], não deu certo vai para a frente, muda a história, muda o contexto, mas caminha. Então tem lá um lado de empreendedorismo porque tem uma função de liderança e de uma liderança que dá a esperança, porque mudar a pessoa você não muda, mas você pode mudar o contexto da história e você pode mudar o pensamento dela com relação ao que ela pensa até dela mesma. Eu estou lembrando de um rapaz que ele disse assim para mim uma vez “Olha, Maria do Carmo, eu sou um noia, eu só sei vender papelão na rua, eu só sei mexer com lixo”, tipo assim, sabe, esse pensamento meio pobre, e aí eu chamei ele para minha casa um dia e falei “Olha, me ajuda aqui com esse portão” e ele tirou o portão e eu contei no relógio 45 minutos, ele tirou o portão, colocou o portão no lugar e colocou as coisas que estavam faltando e colocou o portão, quando ele terminou eu falei assim “Ah, você fez um portão, tirou, montou e colocou em 45 minutos e você diz para mim que você só sabe carregar lixo, cara? Você é um serralheiro, de primeira mão” e o cara hoje tem uma serralheria. Então o que eu fiz da vida desse rapaz? Eu mostrei para ele que ele era um empreendedor e estava vendo só lixo na vida dele, não estava vendo quem ele era, estava olhando para um lado dele negativo, ruim, e que ele não era aquilo, ele era um empreendedor só que estava em uma fase difícil da vida dele. Então quando eu faço isso, quando eu ajudo o menino a olhar para dentro dele e ver as coisas boas que ele tem, eu estou empreendendo na vida dele, estou dizendo para ele assim “Olha, você consegue, você é alguém diferente, você dá para criar com o que você tem, não tem muita coisa? Beleza, mas cria com o que você tem agora, faz o que você pode agora, muda essa história agora”, porque a recuperação é mudar os hábitos da pessoa, é poder mostrar a ela que ela tem algo diferente e que ela não conseguiu enxergar ainda, então isso também está ligado ao empreendedorismo, e eu faço no grupo de apoio, a gente tem um momento que é falado que é criar com o que tem, e a gente faz um monte de artesanato, faz um monte de coisa, e a gente cria mesmo com coisas recicláveis, agora mesmo estou fazendo uma decoração de um casamento de uma menina que também era lésbica e hoje ela vai casar com um homem, mudou a história da vida da menina. E assim, ela está vivendo uma outra fase da vida, descobrindo a identidade dela como pessoa, também relacionada a abuso, ao tratamento com abuso, a história de abuso, então a gente está fazendo o casamento dela, a coisa mais linda, no sítio onde ela foi recuperada, e hoje ela é líder da casa de recuperação e a gente vai fazer o casamento lá com tudo reciclado, com caixote de feira, vidros recicláveis, com decoupage, um monte de coisa legal e tipo assim, olha, olha aqui o horizonte que tem para você, é só você parar, sair desse lugar que você está e partir para outro porque a vida é assim. Então eu acho que tudo isso está ligado muito a empreendedorismo, é mostrar um outro lado da pessoa que ela não conseguiu enxergar ainda, que eles são todos cheios de dons, só que a auto estima, a história de vida deles fizeram com que eles olhassem só para o lado negativo.
P/1 – E você contou agora alguns episódios, algumas lembranças que foram marcantes de pessoas que você desenvolveu, trabalho... Você lembra de alguma passagem, um momento marcante que tenha acontecido nessas suas interações, nessas suas experiências, compartilhando da sua vivência com jovens, enfim, fazendo isso que você chama de uma mudança de postura ou de fazer com que as pessoas percebam qualidades que a princípio não conseguiam ver em si... Tem alguma história, alguma lembrança de personagem que tenha sido marcante nesse sentido?
P/1 - Tenho várias, várias. Essa moça mesmo que vai chamar, ela chama Sheila, nesse encontro que eu faço, eu faço uma festa de 15 anos e eu chamo de Sonhos antigos, Sonhos atuais e os Sonhos de Deus para a vida da pessoa, porque quando ela chega no encontro chega sem sonhos, e aí eu escolho algumas meninas para desfilar como princesas, as princesas do dia, e essa moça Sheila foi a escolhida em um desses episódios e ela bateu o pé que ela não ia porque ela não vestia roupa de mulher, só vestia roupa de homem, eu falei “Sheila, quando você entrou aqui o primeiro dia, você fez um compromisso comigo que você seria praticamente conduzida a fazer ou obrigada mesmo a fazer tudo que a gente pedisse, você assinou um termo dizendo que tudo que chamasse você para fazer, você iria fazer, você não iria sentir constrangimento” aí ela foi contra a vontade dela, e ela vestiu um vestido e desfilou como princesa. E naquele dia, ela viu a identidade dela diferente, depois daí eu fui na casa de recuperação, que ela estava internada e ela falou “Olha, Maria do Carmo, você acredita que depois daquele encontro eu não tive mais nenhum desejo por nenhuma menina da casa?”, eu falei “Nossa, Sheila e aí?”, ela falou “Não sei, não consigo, não tenho mais, parece que aquele negócio morreu dentro de mim”, eu falei “Sheila, será que sua identidade mudou?”, ela falou “Eu acho que sim, eu não consigo mais, eu sou uma pessoa diferente, agora não tenho mais vergonha de usar roupa de mulher”, essa mesma menina vai casar. Na minha visão o que aconteceu ali, ela tinha uma identidade deturpada por ela mesma, porque ela mesma criou na mente dela que ela era homem, só que ela não era homem, ela era uma mulher, era uma menina linda, só que a identidade dela, porque assim, quando eu falo de identidade, eu estou falando também da questão da homossexualidade e eu tenho autoridade para falar porque eu era uma delas. Então quando eu paro para falar elas me ouvem, porque elas falam “Poxa, Maria do Carmo, que daora”, eu sou casada com um homem hoje, né? Então essa identidade foi... Não que eu tenha dificuldade nenhuma com a questão da homossexualidade, eu acho que é uma escolha que cada um faz, mas está muito ligado também a identidade, é algo que você foi destruído lá atrás, na maioria dos casos é assim que acontece. Então esse para mim foi uma coisa que marcou muito, porque eu vi uma pessoa entrando homem (risos) e eu vi saindo uma menina. E eu vi uma história mudando de traumas, de sentimento de abuso, de coisas tão marcantes, por algo que hoje vou lá fazer o casamento dela, olha que daora, olha que coisa legal. Então ela era uma pessoa marcada, sofrida, destruída por dentro, foi abusada, foi rejeitada, foi uma série de coisas, então tem muitas coisas na vida dessas meninas que elas precisam abrir o coração, colocar para fora e dizer quem elas são de verdade, porque as vezes uma coisa é você olhar para a pessoa com julgamento, é você olhar e falar assim “Nossa”, outra coisa é você ouvir, se colocando no lugar da pessoa, é você ter aquele sentimento de empatia, não de julgamento, de olhar apontando o dedo para a pessoa. Eu acho que isso mata as pessoas e esse olhar de abraçar, de entender, de apoiar, isso cura, isso é curado, porque foi curador para mim quando eu abri o coração para algumas pessoas que me acolheram, que me abraçaram, que me entenderam, isso foi curador para mim, então isso para mim também tem sido marcante porque eu acabo trazendo para a vida de muita gente essa cura no falar, no abrir o coração, da pessoas ter coragem de dizer para mim “Nossa, Maria do Carmo, eu abusei de uma pessoa, eu sou abusador” e eu não tenho o negócio de julgar, de falar “Nossa, vou chamar a polícia para você, você é um safado”, não, de entender que o cara também foi abusado, passou por um processo doloroso, então tudo isso marca a vida da gente, porque tem muitas histórias nesses casos de recuperação, muitas pessoas marcadas, muitas pessoas feridas trazem essa mochilinha nas costas que vão tirando ao longo do tempo, tanto positivo quanto negativo. Então depende de quem elas cruzam no caminho, se no caminho delas cruzar pessoas que vão ouvir sem julgamento, ela pode tirar dessa mochilinha uma coisa ruim e colocar uma coisa boa, ou o contrário também é verdadeiro, depende muito. Para mim, a empatia traz essa conotação de mudança, de transformação, quando você se deixa, quando você se senta para ouvir e para olhar para a pessoa com olhar diferente daquilo que ela está acostumada a ver. Ela estava costumava a ver ser julgada, ser condenada, ser rejeitada, a não ser ela, por isso que ela tem uma máscara, ela se veste de várias máscaras porque não consegue tirar as máscaras, quando ela tira as máscaras, não é bem-vinda. Tem até um livro que tem um título “Tenho medo de lhe dizer quem sou”, por que não quero dizer quem sou? Porque se eu disser sou rejeitado, então prefiro não dizer, visto uma máscara de bonzinho, uma máscara de pessoa normal, só que eu não sou normal, sou um doente problemático, então é isso, isso para mim tem muitas histórias que eu cuido, que eu trabalho, que já vi mudanças radicais, tanto de abusadores, quanto da questão da homossexualidade, quanto da questão da droga, quanto da questão do homossexualismo. Tudo. Tem muitas meninas que eu acompanho, eu acompanho muitas pessoas, né, então de cada caso de recuperação, eles saem, ou cadeia, eles saem acabam me procurando, eu acabo acompanhando, essa Sheila mesmo eu acompanho há 5 anos. Então cada um tem uma história, tem o Paulo Felipe que era um rapaz que era morador de rua, hoje é um rapaz que trabalha em um restaurante famoso, casado, com uma vida super estabilizada, e eu tirei ele da rua. Um dia fui à Cracolândia, tirei ele, levei para uma casa de recuperação, acompanhei ele, ele me chama de mãe, tem 8 anos que eu acompanho esse rapaz, então ele hoje é uma nova pessoa, uma pessoa totalmente diferente de quem ele era. Então assim, tudo por quê? Porque na vida é assim, se você encontrar pessoas, você pode encontrar pessoas ruins e pode encontrar pessoas boas. Elas vão afetando a sua vida tanto positivo, quanto negativo, então começou a contadora de histórias (risos), eu acabo contando a história delas e minha dentro desse contexto todo, e isso faz uma mudança na minha vida e na vida deles, que recebem. É isso.
P/1 – Maria do Carmo, nesse trabalho de reabilitação, qual que você considera o maior desafio que você já lidou?
R – Para mim é a homossexualidade, porque ela traz uma marca muito profunda, elas trazem uma marca de rejeição, de abandono e de abuso muito grande, é uma dor muito grande, é uma dor muito grande de ser sarada, de ser... Porque o álcool você tira, você não usa mais álcool, tudo bem, você está sóbrio, a droga você não usa mais droga, você está sóbrio, mas a homossexualidade é muito difícil, porque ela traz muito mais do que um vício, ela traz uma dor escondida e essa dor para você abrir ela, para você, dependendo de como você vai abrir você fica mais doente, porque a pessoa que vai ouvir você ela te julga tanto que ela te traz mais dor ainda, te traz mais trauma, então para mim o maior desafio é essa questão, da identidade destruída na infância ou na adolescência, que trouxe esse estigma para a vida da pessoa.
P/1 – E eu queria que você falasse quando que você tem contato com o SEBRAE e, enfim, você teve essa participação no 1000 Mulheres, mas foi a primeira vez que você se envolveu ou participou de alguma ação do SEBRAE com esse foco no empreendedorismo?
R – Não, eu fiz vários cursos no SEBRAE, eu estou sempre envolvida no SEBRAE, eu sempre vou em palestras, sempre fiz vários cursos, fiz o Aprendendo a Empreender, eu fiz vários cursos na área de Gestão de Empresas, de caixa, estoque de caixa, tipo assim, eu sou aquela curiosa que quer aprender tudo. Então, assim, eu gosto de aprender, gosto de aprender, então vou fazer os cursos e depois eu fui chamada para o 1000 Mulheres, a primeira fase, depois a segunda fase, que foi as 25 mulheres que a gente recebeu o presente do curso, né, e eu brinco que eu falo que sou PhD no SEBRAE, eu vivo fazendo curso lá e eu tenho as meninas estou sempre tirando dúvida, tudo, então o SEBRAE me ensinou muito, muito, muito, e me ensinou de uma forma não só em questão do empreendedorismo, mas na questão da capacidade que a gente tem e nem sabe que tem, tem algumas coisas que você olha e fala “Poxa, eu sei fazer isso, eu consigo fazer essas coisas” e eu não me achava assim, então ele dá mais do que um norte para você, ele traz uma cura para sua vida também. Então a questão do empreendedorismo ele liberta você de várias coisas ruins e traz umas coisas muito boas para você, dizendo para você “Você é capaz, você consegue, vai, vai, vai”, então isso para mim é muito bom.
P/1 – E o que você sente que leva disso, dessas experiências, para a sua atuação, para o seu trabalho missionário?
R – Ah, muita coisa. O empreendedorismo e os cursos no SEBRAE, eles me ajudam em muita coisa no trabalho, porque, assim, o SEBRAE é uma espécie de coach, de um treinando de liderança, de dizer “Olha, você...”, eles dão uma direção para você “Olha, é isso daqui, você vai chegar lá então você precisa ter esses acompanhamentos aqui, essas coisas aqui para chegar lá”, então todo o trabalho de empreendedorismo do SEBRAE, para mim, ele me ajuda na questão do aconselhamento, de enxergar potencial nos meninos, ele ajuda a direcionar, a levar o direcionamento dos meninos para onde eles estão indo “Olha, isso daqui não vai ser legal, vamos avaliar isso aqui, vamos ver se dá para você fazer...”, tipo o menino do lixo “Eu só sei carregar lixo”, “Não, perai, você é um serralheiro, você é trabalhar com serralheria”, então dá essa ideia de você ajudar eles a enxergar coisas que eles não estão enxergando, eles tem uma visão aqui, só que a coisa está muito longe, está muito ampla e eles não estão vendo. Então o empreendedorismo entra também nessa parte de você direcionar e na liderança direcionando eles para um caminho que eles já tem, só que não descobriram ainda, eles não conseguiram entender ainda em qual papel estão, em qual caminho estão, então, assim, a direção é essa, então quais os caminhos que vai chegar lá? Então vamos trabalhar nos caminhos que você tem que chegar. Então o empreendedorismo entra nessa parte e o SEBRAE ajuda muito nisso.
P/1 – E para além da atuação do seu trabalho missionário, que outras ações, que outros trabalhos você vem desenvolvendo?
R – Então eu trabalho como cuidadora também de pessoas doentes, eu trabalho com artesanato, eu trabalho com trabalhos manuais, eu faço um monte de coisas (risos). Então tudo dentro desse, assim, na ajuda. Por exemplo, os meninos vão casar, não tem condições, então nós vamos juntos, faço trabalho de artesanato, giro alguma coisa em dinheiro também, mas também na questão de suprir uma necessidade que eles tem. E trabalho também na área de cuidadora.
P/1 – Quando apareceu, porque foi até uma das vezes que você tinha destacado no seu relato escrito que a gente teve acesso, esse trabalho como cuidadora, não sei se especificamente de idosos, mas enfim, em que momento você começou a fazer esse trabalho como cuidadora? Quais são os desafios desse tipo de trabalho?
R – Então porque na verdade, lá atrás eu já tinha feito enfermagem, tinha trabalho no hospital e eu dei uma parada por conta da questão que já contei. Eu parei mesmo. Como esse trabalho que eu faço envolve muito tempo, montar estudo, levar estudo, montar todo uma planilha de trabalho, leva um pouco de tempo, né. E eu estava meio que parada e quando eu fiz o empreendedorismo, eu começo a ver outras coisas que eu tinha, falei “Peraí, dá para eu também conciliar isso aqui”, então comecei a conciliar, entendeu? Estou montando um bazar permanente lá também, por conta de tudo isso, do empreendedorismo que eu fiz e falei “Não posso focar só nisso, também tenho outras áreas que posso atuar para unir com todo o trabalho que eu já tenho”.
P/1 – E no meio de tudo isso, você começou a fazer o trabalho missionário, e você contou que em determinado momento você começa a idealizar e começar a colocar em prática o seu próprio projeto, ali, né?
R – Sim.
P/1 – Conta como foi e como está sendo esse processo junto a JEAME?
R – Não, o JEAME já tem 10 anos que estou no JEAME, a segunda fase, quando eu fui convidada para voltar e atuar num trabalho. Na época tinha lá o escritório e eu tinha uma sala que atendia encaminhamentos, encaminhando os meninos para casas de recuperação, antes de encaminhar a gente tem que fazer um trabalho de conscientização, como é que ele vê tudo aquilo, se ele está interessado realmente ou se é só manipulação para agradar a família, então a gente faz um trabalho de conscientização com ele e interna. Essa internação tem que ter um acompanhamento e eu fazia toda a parte de acompanhamento com ele, o vínculo com a família, o aconselhamento, o acompanhamento mais de perto com ele, então eu comecei lá desenvolvendo esse trabalho. E aí quando eu fui já fazendo trabalho já nas casas de recuperação eu comecei a ampliar, comecei a fazer um trabalho na casa. Encaminho, acompanho e quando ele sai fora tem o grupo de apoio que eu já acolho ele para ajudar ele no grupo de apoio, para evitar as quedas. Então é tipo assim, é meio que uma coisa vai vinculando a outra, né?
P/1 – Meio que você foi ao longo desse tempo atuando nessas diferentes cadeias...
R – Sim.
P/1 – Etapas dessa cadeia de reabilitação, né?
R – Sim, promovendo para ele a reabilitação dando uma direção “Poxa e agora? Eu estou na Cracôlandia, o que vou fazer? Não tem mais jeito para mim”, então é tipo assim “Olha, agora tem jeito, vai para uma internação, vai ser acompanhando, depois de ser acompanhando você vem para o grupo de apoio”, vai dando para ele uma direção, para onde ele está indo e o que ele está fazendo da vida dele.
P/1 – Enfim, a gente está nesse contexto de pandemia, a Covid-19, eu queria que você falasse qual que foi o impacto da pandemia nesse seu trabalho e na sua vida pessoal?
R – É, foi um pouco difícil, porque assim, a casa de recuperação eu tenho ido, fiquei uns 3 meses sem ir, mas agora eu tenho ido. Há 2 semanas eu já fui em três casa, vou de máscara, vou com luvas, vou com tudo bonitinho, os meninos ficam uma certa distância também todo mundo de máscara. Mas afetou bastante porque o grupo de apoio está parado, porque eu não estou conseguindo... Muitas pessoas no grupo de apoio estão na área de risco porque tem bastante problemas de imunidade e tudo, enfim, o grupo de apoio está parado, embora eu acompanhe eles, toda situação eu acompanho pelo face, pelo whatsapp, por telefone, em questão de aconselhamento. Mas tem afetado bastante, porque o vínculo é algo que precisa muito dessa questão do abraço, a questão de acolher mesmo a pessoa, da pessoa entender, porque tem coisas que a pessoa não dá para falar por telefone, tem coisas que não dá para falar no WhatsApp, tem coisa que tem que ser realmente pessoalmente, né, então isso tem afetado um pouco. Mas eu tenho tentado na medida do possível não deixar eles sem nenhum acompanhamento, eu tenho, de alguma forma, tentado fazer algumas estratégias para chegar e não deixar totalmente sem o trabalho acontecer, entendeu?
P/1 – E na sua vida pessoal, como tem afetado esse momento?
R – É, também tem sido um pouco difícil, porque você acaba... Parte financeira mexendo, até na parte emocional mesmo, essa ansiedade de nossa, você tem família, eu tenho hoje meu filho, tenho meus netinhos, tenho minha filha, então acaba criando um desconforto por conta desse medo, dessa ansiedade de “Nossa, e agora?”, eu tenho 54 anos, sou diabética então não posso também, estou em uma área de risco também, não posso ficar facilitando muito, né, então tem afetado bastante nessas áreas.
P/1 – E a casa que, enfim, a casa de recuperação fica em qual região, fica na zona norte ou fica em outra parte?
R – Não, não, tem em vários lugares, tem em Cotia, em Caucaia do Alto, em Suzano, em vários lugares, são lugares sempre no interior, são longe, não é tão perto.
P/1 – É grande São Paulo e interior, né?
R – É.
P/1 – Enfim, eu ia fazer essa pergunta pensando numa questão que, enfim, você passou boa parte na sua vida na zona norte, né, que é onde você mora até hoje. Eu queria que você dissesse o que essa região representa na sua vida.
R – Ah, a zona norte para mim é a melhor que tem (risos), a melhor zona de São Paulo, que é a que eu moro. É bom, ali eu tenho bastantes amizades, desenvolvo um trabalho, faço meus artesanatos, faço meus trabalhos, para mim a zona norte é muito boa. E assim, precisava ter mais coisas, precisava ter mais oportunidades no caso dos dependentes químicos, né, se tivesse mais oportunidades de ajudar esses meninos na questão de emprego, né, mas para mim é um lugar que foi para mim sempre acolhedor, sempre foi muito bom.
P/1 – Tem algum lugar da região que você goste mais ou, enfim, lugares da região que você considera que são marcantes ou que você goste de ir para passear, frequentar?
R – Olha, eu... Eu gosto de, sei lá, do Jardim Tremembé, morei dez anos lá, gosto da região de Santana, lá tem muitos lugares que eu vou, restaurantezinhos, barzinhos, não para beber (risos), mas eu vou tomar um suco, bater um papo. Eu gosto bastante, quando eu faço alguns eventos, eu chamo os meninos para almoçar, para jantar fora, a gente sempre faz uma brincadeirinha em algum lugar e para mim é sempre bom. Ali, a região do Jardim do Tremembé e Santana eu gosto, são os que mais gosto.
P/1 – A gente está indo já para a parte final e eu vou te perguntar nesse momento como é o seu dia a dia?
R – Meu dia a dia é uma loucura (risos). Então, meu dia a dia é assim, eu aluguei um espaço que eu trabalho com o grupo de apoio, então eu tenho esse trabalho, tenho o trabalho de artesanato também que eu faço e eu faço bastante estudos, vou fazendo estudos baseados no, como eu falei, textos bíblicos, envolvendo a recuperação, então eu dedico bastante tempo nessa questão de ler muitos livros e tirar algumas coisas positivas para poder levar para os meninos. Então eu faço toda essa questão, eu estou organizando agora um bazar permanente para que eu consiga ter um pouco mais de recurso para o próprio trabalho do grupo de apoio, por o grupo de apoio tem o grupo, tem o jantar e tem o lanche, então como eu não tenho ajuda de fora eu batalho para conseguir suprir essas necessidades, né?
P/1 – Um ponto que você trouxe agora, como é que, enfim, de que maneira esse projeto que você se sustenta? Que apoios que você tem para manter o projeto, a ação?
R – Então, o projeto do grupo de apoio é em bazar, eu faço bazar e faço artesanato para poder manter o projeto, porque tem, como eu falei, o jantar, que eu faço jantar para eles, e o lanche antes, o jantar depois. Então material, essas coisas, eu vou tirando do próprio artesanato do bazar.
P/1 – Ou seja, é basicamente do seu próprio trabalho...
R – Sim, do meu próprio trabalho, inclusive o aluguel do espaço, o aluguel do espaço também eu que pago do meu [trabalho].
P/1 – E você falou que conheceu o seu marido nessa trajetória de trabalho, enfim, envolvida na reabilitação, na recuperação de dependentes, como foi que vocês se conheceram, como foi esse encontro de vocês?
R – É, a gente se conheceu em um dos trabalhos que eu faço dos encontros e das casas de recuperação, e a gente começou a ter uma amizade, ficamos amigos durante um bom tempo e depois a gente resolveu caminhar juntos (risos). Ele é um recuperando também, em processo de recuperação e a gente está aí juntos há 5 anos, e foi para mim algo bem... Ele tem algumas dificuldades ainda nessa questão da recuperação, nessa questão de se manter em pé, ainda tem alguns conflitos para resolver. Mas, assim, por outro lado a gente tem muitas coisas que foram positivas para mim, porque trouxe para mim essa questão da identidade que deu uma... Abriu a mente, né? Falou “Você é isso aqui, e você acreditou que era isso”, então para mim foi positivo nessa parte. Eu tinha uma questão muito difícil na questão de autoridade, eu não sentia a vontade com nada que me trouxesse ódio, que alguém que me desse ódio, alguém tipo patrão, polícia, pastor, todo mundo soava alguma coisa muito ruim dentro de mim, e com ele eu tive uma, também, mudança. Tipo assim, as vezes as meninas brincam comigo “Foi o primeiro homem que mandou em você”, é que essa questão mudou na minha cabeça, eu não preciso ser assim, uma pessoa que está sempre com o pé atrás em questão de autoridade e isso é uma coisa que trouxe cura para mim, trouxe uma... Ou eu já estava em um processo e completou, alguma coisa assim, então essas duas coisas para mim eu tiro como positivo nesse relacionamento. Fez com que eu mudasse a ideia de autoridade e a questão da identidade, para mim foi algo muito bom, muito inovador e trouxe para mim uma cura mesmo, de verdade.
P/1 – E para gente ter esse registro, qual o nome do seu esposo?
R – Anderson. Anderson Jesus dos Santos.
P/1 – E você falou que tem dois filhos, né? Um rapaz e uma moça, quais os nomes deles?
R – O nome do meu menino é Nathanael Silas e o nome da minha menina é Raquela Maia.
P/1 – E eu queria que você dissesse, você já meio que falou sobre a importância que teve principalmente o nascimento do seu primeiro filho, nesse processo, enquanto um objetivo que você colocou para si e para ele também, mas eu queria que você dissesse o que a maternidade representou na sua vida?
R – Então, na época, eu sempre... Assim, essas duas gravidezes minha nenhuma foi programada, eu, na realidade, não tinha intenção nenhuma de ser mãe, foi alguma coisa muito surpresa para mim. Para mim, o meu filho ele trouxe primeiro uma dor, um sofrimento, e depois algo muito bom, positivo, que foi aquilo que me fez acreditar em uma vida diferente e criar um objetivo para a minha recuperação. E a minha filha completou uma fase da minha vida que foi... Ela trouxe muita alegria para mim, porque diferente do meu filho, ela nasceu perfeita, ela nasceu muito inteligente, muito esperta, minha filha é linda, maravilhosa, nunca teve nenhum problema com nada de defeito nenhum, nasceu perfeita, é uma menina que estuda, trabalha. A gente é uma família, hoje eu tenho uma família, hoje a gente é uma família, a gente se reúne, aquilo que eu não tive na infância nem na adolescência eu tenho hoje. A gente está sempre se reunindo em casa para bater papo, para jogar conversa fora, para almoçar juntos. Eu, ela e o marido dela, que ela é casada, a esposa do meu filho também, então hoje nós vivemos em família. Hoje a gente é uma família, né?
P/1 – E você mencionou que hoje são dois netos que você tem...
R – É. Eu tenho dois netos do meu filho, os dois são do meu filho.
P/1 – E como foi o momento de se tornar avó?
R – Ah, foi muito legal, foi muito bom. Porque no começo eu fiquei com medo do menino nascer com problema por conta do nascimento do meu filho, mas graças a Deus os dois nasceram perfeitos, o Gustavo e o Daniel, são dois meninos lindos, espertos, inteligentes, e veio completar a nossa alegria, a nossa família. Tem um versículo na bíblia que fiz assim “Aquele que não tem família, Deus faz habitar em família”, então foi o que realmente aconteceu, eu fui criada sem família e Deus me deu uma nova família, Deus fez com que eu pudesse habitar em uma família saudável, sem drogas, sem coisa errada, a gente é uma família saudável, graças a Deus.
P/1 – A gente está indo para a parte final, que é essa parte de avaliação. E eu queria que você dissesse quais foram os maiores aprendizados que você tira da sua trajetória como empreendedora?
R – Olha, o que eu tiro de aprendizado para mim foi primeiro me conhecer, saber quem eu sou, saber das minhas capacidades, que eu não entendia bem o que era ser capaz de alguma coisa, eu sempre vivi lutando contra baixa autoestima, e eu aprendi que eu tenho força, eu tenho garra, eu por ter vivido tudo que vivi, sou uma pessoal normal, eu não tenho inveja de ninguém, eu não torço contrário pela vida de ninguém, eu sou uma pessoa que luta pelo bem, pela recuperação das pessoas, eu consegui superar tudo isso de uma forma que me trouxe uma liberdade, mas ao mesmo tempo me trouxe ser uma pessoa centrada, ser uma pessoa que onde eu passo, sempre deixo coisas boas, eu acredito que o meu legado que eu vou deixar é alguém que superou tudo isso e que superou com força, com sabedoria, e com sobriedade, porque sobriedade é o que dá saúde para a pessoa, né, então eu não tenho mais revoltas, luto pelas coisas que acredito, por aquilo que eu gosto e faço valer a pena tudo que eu faço. Então, para mim, o empreendedorismo é isso, é você fazer valer a pena a sua vida e aquilo que você faz, o amor que você tem pelo que você faz, é acreditar naquilo que você faz e confiar naquilo que realmente você acredita.
P/1 – E eu queria te perguntar quais valores pessoais que você considera que define sua trajetória como empreendedora?
R – Eu acho que os valores são integridade, verdade, aquela pessoa que mentia não mente mais, aquela pessoa que manipulava hoje vive a vida de outra forma, acredita no ser humano, acredita na possibilidade de mudança, e no caráter transformado. Hoje eu tenho um caráter transformado, já não sou mais aquela pessoa cheia de máscara, é um valor que eu carrego, deixando mesmo o legado de uma pessoa que fez a diferença, que mudou a história, que conseguiu sair de um lamaçal de coisas sujas, de coisa errada, para uma mente diferente que consegue enxergar um objetivo e uma esperança na vida.
P/1 – E, Maria do Carmo, você diria que hoje quais são os seus sonhos?
R – Meus sonhos... Olha, eu continuo sonhando em escrever o meu livro, viu? Dessa vez a minha história, eu continuo sonhando. Mas o meu sonho para mim é também poder ajudar o maior número de pessoas a sair das drogas, a sair do alcoolismo, a enxergar a vida de outra forma, esse para mim é um sonho que eu quero realizar, o maior número de pessoas possíveis que eu consiga ajudar a tirar das drogas, esse para mim é um sonho.
P/1 – Eu queria te perguntar se tem alguma coisa a mais que você gostaria de acrescentar que você achou que não teve oportunidade de contar da sua história de vida e que você gostaria de aproveitar esse momento...
R – Então, eu não sei se eu posso falar um pouco da questão religiosa, pode?
P/1 – Pode.
R – Então eu quero homenagear a trajetória da minha vida, uma coisa que eu sempre falo nas casas de recuperação, tem uma passagem na bíblia de Agar, uma moça que foi convidada a sair para o deserto com o seu filho, e ela ia morrer de fome e sede e ela pediu a Deus para socorrer o filho dela que ia morrer também, e aí Deus ajudou ela e mandou ela voltar para a casa, e ela registrou aquele momento como o Deus que me vê. Algumas coisas eu aqui não falei por conta de envolver outras pessoas, por conta de envolver coisas mais sérias que eu não posso revelar, até porque para preservar algumas pessoas e até a minha vida também, mas Deus me tirou de muita situação perigosa, onde eu estava prestes a morrer e Deus me tirou. Eu também como Agar, eu batizei esse Deus superior, esse poder superior, como Deus que me vê, Deus que olha para mim, Deus que quando eu peço socorro ele vem e me ajuda. Eu nunca vi Deus, mas eu já senti Deus na minha vida. Todas as formas que eu estava em alguma situação muito difícil, muito dolorosa, Deus me tirou. E eu sei que não foi outra pessoa, foi Deus, porque somente um poder superior poderia me tirar daqueles lugares. E hoje eu quero homenagear esse Deus, que fez tanto por mim, sem eu merecer. Então é uma graça, porque a bíblia diz que o amor de Deus é graça, você não merece, e realmente, eu não merecia, mas ele me deu a graça de viver, ele me deu a graça de ter um filho perfeito hoje, porque ele nasceu imperfeito, ele me deu a graça de ter meus filhos maravilhosos e perfeitos, ele me deu a graça de viver um casamento que eu não acreditava que existisse entre um homem e uma mulher, ele me deu o privilégio de ter uma visão diferente e uma mente sadia daquilo que eu era, doente. Então somente um Deus, um poder superior, poderia me dar tudo isso, e algumas pessoas que me ajudaram durante essa trajetória, que eu já falei aqui que foi a Suzanne Duppong, que foi a Valdete, que foi o ministério JEAME, que foi a casa de recuperação que me acolheu do pastor Angus Plummer, que é Recanto da Paz, em Curitiba, e de muitas pessoas que Deus foi colocando no meu caminho para que eu hoje fosse essa pessoa que sou hoje. O SEBRAE que também me ajudou muito a me enxergar em muitas coisas, muitas pessoas, muitos cursos que eu fiz, que me fizeram acreditar e me fazer conhecer quem eu sou. Mas para eu homenagear hoje, é Deus, é o meu poder superior, é aquele que me trouxe, que me tirou de um lugar tão ruim, tão sujo e me colocou em um lugar muito bom, que é viver hoje, que é ser sóbria, que é ter vencido tudo isso e eu ser uma pessoa normal (risos).
P/1 – E você que se disse uma pessoa que tem o sonho de escrever um livro sobre a sua história, como foi para você, o que você achou de ter participado dessa entrevista e ter contato uma parte da sua história de vida?
R – Ah, eu achei muito legal. Vocês me deixaram bem à vontade, você fez as perguntas legais, foram boas, porque não aprofundei muito em coisas que são muito doídas, então foi bem legal, bem tranquilo, não me senti constrangida, foi muito bom, eu gostei. Apesar de a gente não estar se vendo pessoalmente, mas também foi legal, né? O pessoal aqui muito acolhedor, muito bom, atencioso, educado, eu gostei.
P/1 – Ah, que legal, a ideia, de fato, é que não seja uma entrevista da qual você se sinta constrangida e que bom que ainda que a gente, eu ou a Luiza, não esteja aí no estúdio presentes, é possível construir esse vínculo, né, a qual a pessoa, a gente tem percebido isso ao longo das entrevistas desse projeto, a gente consegue construir algum tipo de conexão com as pessoas, ainda que seja dessa forma, um pouco mais distante, mas que possibilita que esse momento seja um momento no qual tenha significativo para as pessoas convidadas a participarem. E aí eu vou fazer uma última pergunta se você me permite.
R – Tá bom.
P/1 – O que você acha dessa proposta de mulheres com trajetórias empreendedoras serem convidadas a contarem as suas histórias de vida em um projeto de memória como esse?
R – Eu acho excelente, maravilhoso, porque assim, tem muitas mulheres, as 1000 mulheres que a gente participou, muitas mulheres doentes, feridas, marcadas pela dor, e elas não tem muitas vezes quem as escute. Ou elas não têm, assim, um ouvido que possa emprestar para contar a historinha delas, e quantas mulheres dessas estão com as dores guardadas dentro delas esperando oportunidade? Eu acho que isso, em Thiago 1:16 da bíblia diz assim que a dor quando ela é partilhava, ela traz cura mudança, então as vezes assim a pessoa que coloca para fora ela tem mais possibilidade de trazer cura para ela, porque ela conseguiu passar para frente uma coisa que ela tinha guardado, então a gente costuma dizer assim: os nossos lixos ficam guardados dentro de um lugarzinho na casa que precisa ser limpo, e para que você limpe esse lugarzinho é falando, é tirando para fora, como é que você tira para fora? É compartilhando e falando com alguém.
P/1 – Maria do Carmo, então em nome aqui, falo por mim, também pela Luiza, que acompanhou toda a entrevista, em nome do Museu da Pessoa a gente queria agradecer muito você ter aceitado o convite e ter compartilhado a sua história com a gente, foi muito bacana, enfim, é sempre um prazer fazer essas entrevistas. É bom também quando as pessoas conseguem se sentir à vontade, não se sentirem constrangidas e que essa experiencia tenha sido significativa. Espero que tenha sido também para você.
R – Ah, sim, com certeza, sempre é bom, porque eu não sei para onde vai essa gravação, mas pode ser que alguém que escute essa história possa quem sabe estar vivendo uma situação parecida ou ter vivido coisas semelhantes a mim e que isso possa trazer também ajuda para algumas pessoas, né? Então para mim eu sempre faço as coisas com esse pensamento, de que, mais uma vez falando da bíblia, e segundo o Corinthians 1:04, que diz que com a mesma dor que você foi curado, Deus usa a sua dor para curar outras pessoas, então é o que eu faço hoje, eu faço isso, eu faço com que a minha dor tenha algo positivo, fazendo com que tudo isso possa ajudar alguém de alguma forma, em algum momento, em algum lugar. Então eu espero que essa gravação consiga fazer isso, dar essa oportunidade para alguém que, de repente, possa precisar. E eu estou disponível a hora que precisar estou aqui, tá bom? Eu também gostei, obrigada, foi muito bom te conhecer, foi muito bom conhecer os meninos aqui e eu espero que esse trabalho seja sempre para ajudar mesmo, abençoar pessoas, e poder ser sempre algo positivo para levar para frente, para poder trazer essa oportunidade para as pessoas que precisam.
P/1 – É isso, acho que é isso. Não tem muito mais o que dizer, só mesmo agradecer muito.
R – Tá bom, eu que agradeço, imagina, eu que agradeço.
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