P/1 – Henrique, primeiramente eu gostaria de agradecer a sua participação, em nome do Museu da Pessoa. Para começar eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R – Henrique dos Santos Dias. Local e data de nascimento: São Paulo 28 de abril de 1989.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Luiz Roberto Ribeiro Dias e Elide dos Santos Dias.
P/1 – E qual é a profissão deles, você poderia descrever um pouquinho isso pra gente?
R – Os dois são formados em Administração. O meu pai trabalha no RH do Carrefour há 22 anos e minha mãe agora é funcionária do INSS.
P/1 – E os seus avós, você tem contato com eles?
R – A minha avó é minha vizinha, então tenho bastante contato com ela! (risos)
P/1 – Descreve-a um pouquinho para gente. Como é essa relação com ela?
R – A minha avó por parte de mãe é minha vizinha e é minha ligação com o bairro. Meu avô já é falecido, mas a minha avó é a parte da família que nos trouxe para o bairro, senão poderia estar morando em outro lugar. Hoje eu tô na Mooca.
P/1 – E você sabe um pouco da história da sua família?
R – A minha família tem uma parte portuguesa, que é a parte do meu pai. A parte da minha mãe que é da Mooca é de origem italiana. Eles são calabreses. A minha bisavó e meu bisavô vieram da Itália.
P/1 – E você poderia descrever para gente um pouco da sua casa na sua infância? Onde você morava? Como era a casa?
R – Na minha infância eu passei até os 12 anos morando num apartamento lá na Mooca mesmo. E o que seria assim o que você queria saber?
P/1 – Como era a casa? Lugar da casa onde você mais ficava, você mais gostava?
R – Cara, na minha infância eu gostava de ficar na parte de baixo do prédio, ficar brincando com os amigos. Não ficava muito no apartamento, não. Quando estava no apartamento ficava no quarto, no vídeo game e tal.
P/1 – E como era esse Henrique criança? O que ele gostava de fazer? Do que ele brincava?
R – Gostava de fazer tudo menos o que tinha que fazer, que era estudar! (risos) Então sempre desviando do objetivo ali.
P/1 – E quais eram as brincadeiras?
R – Nunca fui muito de ficar no vídeo game e no computador, só quando precisava mesmo. Quando não podia sair de casa ficava no vídeo game, mas a diversão mesmo era jogar bola, esconde-esconde, essas brincadeiras que o pessoal da nossa idade sempre gostou.
P/1 – E você tem lembranças do bairro na sua infância? Como era?
R – Bom, nessa parte da minha infância que eu morava em apartamento nem tanto, porque a gente ficava só na parte de baixo do prédio. Agora, eu comecei a conhecer o bairro mesmo dos 13 anos em diante quando eu passei a morar numa casa, onde até hoje eu moro, na Rua Dois Córregos, que é uma rua assim, bem típica da Mooca, que todo mundo se conhece. A minha família morou lá a vida inteira, está lá há mais de cem anos. Então assim, qualquer coisa que você faz o vizinho já vai lá falar com a sua mãe. Então foi a época em que eu comecei a vivenciar o bairro, comecei a, sei lá, dar um rolê aqui, ir a um comércio um pouco mais longe, ir ao parque da Mooca com os amigos, jogar bola, empinar pipa, correr atrás de balão. Essa coisa bem de bairro mesmo! Bem da Mooca!
P/1 – E você consegue descrever essa casa da Mooca em que você morou? Como ela era? Era espaçosa, como era?
R – Essa casa da Mooca que eu moro até hoje é bem espaçosa, tem um quintal com seis árvores frutíferas. Como se eu morasse numa chácara quase no centro de São Paulo! É muito gostoso.
P/1 – E como foi para você sair do prédio e ir para a casa? Você lembra mais ou menos a sensação?
R – Nossa, a visão do paraíso! Você mora num lugar apertado e do nada seu quarto é gigante, você tem um quintal para você plantar o que você quiser, você pode ter um cachorro. Pô, é mil vezes melhor!
P/1 – E você tem alguma lembrança do comércio na sua infância? Alguma loja que chamava a sua atenção? Alguma vitrine que você parava para ficar olhando com seus amigos? Alguma coisa assim?
R – De infância assim, bem infância, era o comércio que tinha virando à esquerda ali. Era uma tia que vendia gelinho, que a gente gastava tudo que o pai dava. Se o pai dava um real era um real de gelinho, depois ela passou a vender sorvete. Era essa mesma tia, que era uma casa que tinha uma plaquinha “Vende-se sorvete, tal, não sei o quê”. Pô, a gente gastava tudo lá. Depois a gente começou ir à bomboniere, que era um pouco mais longe. Bem coisa de criança, não? Antes você só pode virar à esquina, depois você pode atravessar a rua. Quando pôde atravessar a rua, a gente ia à bomboniere na rua mais um pouco abaixo. Aí também comprava um monte de coisa, tal. Isso foi o começo, começando a lidar com dinheiro. Seu pai te dá um real, dois reais, você vai comprar isso, aquilo. Foi o início assim, no comércio.
P/1 – E qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Primeira lembrança da escola? Primeiro colégio que eu estudei foi o Primeiros Passos, atrás do Clube Atlético Juventus. Era muito legal, cara. Bem divertido.
P/1 – E como era o Henrique na escola?
R – É o que eu te falei, nunca fiz o certo! Sempre atrapalhando a aula, sempre fazendo aquilo que não era para ser feito.
P/1 – E você se lembra como você ia à escola?
R – A minha mãe me levava. Levava e buscava. Nunca fui a pé quando era criança assim.
P/1 – Era próximo da sua casa?
R – Não. Não. É atravessando a Paes de Barros, é o outro lado do bairro.
P/1 – Tá certo. E esses amigos da escola eram os mesmos amigos da rua? Como era essa relação?
R – Não. Todos os colégios que eu estudei foram particulares, um nível bom. E os meus amigos da rua estudavam em colégio público. Então eu tive essa visão, essa experiência de conviver com pessoas de um nível igual ao meu ou maior e com as de um nível inferior, que estudava num colégio público, o pai não tem recursos. Então isso foi muito bom para minha infância, tive a visão dos dois lados da moeda.
P/1 – E os seus amigos assim, da maior parte do tempo, eram quais? Eram os da escola ou eram os da rua?
R – Na minha infância sempre preferi os amigos da rua, cara. Até pela liberdade que você tem quando você está na rua. Você faz o que você quiser, você joga bola a hora que você quiser, não sei o quê. Já no colégio é aquela coisa mais restrita. Você tem um intervalo, você tem o intervalo entre as aulas para conversar, para fazer alguma coisa. Então era meio assim, todos os colégios que eu estudei eram meio militares. O Agostiniano, o Primeiros Passos também era rígido, o Santa Catarina, o Liceu, sempre um pouco mais rígido.
P/1 – E depois você foi ficando um pouquinho mais velho. Na adolescência os amigos eram os mesmos? Como era? Que lugar vocês frequentavam? Mudou muito o tipo de coisa que vocês faziam para se divertirem?
R – Você diz da infância para a adolescência?
P/1 – Isso. E na adolescência também.
R – O que mudou, cara? Os amigos eram os mesmos. Do Primeiros Passos eu pego as fotos e alguns são os que eu converso até hoje, tenho amizade. Agora, sempre muda, não? Antes você era muito limitado ao que você podia fazer, você dependia muito de seus pais para decidir aonde você vai. Depois de certo tempo, com 13, 14 anos você já vai a pé à casa do seu amigo, vai jogar bola, marca um lugar. Muda um pouco. Você tem uma liberdade um pouco maior.
P/1 – Em que lugares vocês costumavam ir para se divertirem? Barzinhos, cinema, como era?
R – Com que idade você diz?
P/1 – Adolescência. Desde os 15 até os 18, por aí.
R – Bom, o rolê típico dessa fase era sair do colégio e se encontrar no Mc Donald’s da Paes de Barros e de lá decidir o que fazer, se ia ao clube, se ia jogar bola na casa de alguém. Mas o ponto de encontro, nessa fase, era o Mc Donald’s da Paes de Barros.
P/1 – E depois que você terminou o colégio você foi fazer alguma faculdade? Como foi?
R – Logo que eu terminei o colégio entrei na PUC no curso de Administração, mas não me identifiquei muito com o curso e depois eu fui para Anhembi, que é uma faculdade do meu bairro. Aí também visão do paraíso! Estava indo até Perdizes estudar, do nada mudei para uma faculdade ao lado da minha casa. Foi bem melhor e em um curso que eu prefiro, que é o Marketing, que eu acabei me formando.
P/1 – E você se lembra da sensação de entrar na faculdade? Como foi? Se você ficou orgulhoso, se seus pais ficaram orgulhosos, como foi?
R – Da PUC eu fiquei muito orgulhoso, cara, porque é uma faculdade de nome, eu não acreditava que eu ia entrar lá, mas acabei entrando. Fiquei muito contente, mas infelizmente não continuei lá.
P/1 – E na Anhembi Morumbi?
R – Ah, a Anhembi Morumbi é a mesma sensação que eu tive quando eu saí do Agostiniano e fui para o Liceu. Foi um colégio mais liberal, a sensação assim de: “Achei meu lugar”. Muito bom!
P/1 – E como foi o início dessa sua atividade profissional? Qual foi o seu primeiro emprego? Quando foi?
R – Eu comecei com as camisetas, que é o que eu faço até hoje! Foi o meu primeiro contato com comércio, com qualquer coisa assim. Com 14 anos, quando eu estudava no Agostiniano, ainda na oitava série, eu comecei a fazer as camisetas por um pedido dos amigos, tal, que queriam camiseta e ninguém sabia onde comprar. E eu comecei com 12 camisetas! Eu vendi e com essas camisetas eu já paguei a minha tela. Comecei a vender para o tio, para o amigo do tio, para não sei quem. Aí quando eu fui ver virou um comércio! Mas nesse meio tempo assim, desde essas primeiras camisetas até hoje, já trabalhei como mecânico em bicicletaria, na fase que eu gostava de bicicleta; já trabalhei com representação comercial de xenon, essas peças para carros. E hoje eu continuo fazendo o que eu tava fazendo desde o início, que é vender camiseta.
P/1 – E como foi? Vamos voltar um pouquinho. Como foi esse início de fazer as camisetas? Você fazia para você e aí seus amigos gostaram? De onde surgiu essa ideia de fazer uma camiseta para você? Como você correu atrás? Como foi?
R – A ideia foi partindo do principio que eu não encontrava em nenhum lugar as camisetas do Juventus. Se encontrava, era um valor muito alto para o que eu tinha na época, com 14 anos. Seria cem, mais de cem reais. Não ia pedir isso para o meu pai por uma camiseta do Juventus, até porque meu pai é santista, ele não ia entender o porquê eu queria uma camiseta do Juventus de cem reais. Aí o que eu fiz? Eu comprei uma camiseta da cor do Juventus. Encontrei a camiseta primeiro, avisei meus amigos que eu tinha encontrado, aí todo mundo gostou, falei que era o preço tal, ia sair por tanto, todo mundo aprovou, falei: “Vou fazer então, vocês me pagam quando estiver pronta”. Fiz umas 12 camisetas, quando ficaram prontas eu levei ao colégio e vendi para o pessoal. Nem poderia ter feito isso porque não é legal fazer isso no colégio. Comercializar. Mas fiz lá, deu tudo certo! E depois eu vi que ficou legal, outras pessoas pediram. Me vendo usar na rua, falou: “Ou, onde você comprou?”. Falei: “Não. Foi eu que fiz” “Ah, me passa seu telefone, vou querer uma!”. É assim, usando na rua! Você é o outdoor ali.
P/1 – E como foi? Você comprava a camiseta da cor e aí você levava em algum lugar para estampar? Quem ia com você? Você chegava com as camisetas...
R – Exato. As primeiras camisetas que eu comprei já eram da cor, só que eram um valor elevado. Eu pagava 19 reais a camiseta, muito caro! Aí depois eu descobri um lugar que vendia camiseta mais barata, só que não era da cor do Juventus. Aí o que eu fazia? Eu comprava aqueles tubinhos de tingir camiseta, comprei vários baldes, fazia uma bagunça em casa! Fervia água, jogava o tubinho lá com o corante. Jogava as camisetas brancas, fervia tudo e saía grená! Aí colocava para secar no quintal de casa, uma bagunça! A cozinha da minha mãe ficava da cor do Juventus, uma bagunça absurda.
P/1 – E como seus pais encararam essa atividade? Eles apoiavam ou como era?
R – Pô, desde sempre eles acharam uma piada! Nunca ninguém levou a sério. Talvez nem eu levasse a sério. Mas depois de uns dois anos para cá, faz oito anos que eu vendo camiseta, mas só de uns dois anos para cá, quando eu abri a loja, foi que eu percebi que os meus pais estavam falando: “Não, acho que é sério o negócio. Pode ser viável financeiramente, pode render frutos para ele”. E hoje é sucesso a loja! Estou muito feliz com o que eu faço.
P/1 – E depois você falou que foi trabalhar numa bicicletaria. Foi então a primeira vez que você trabalhou com patrão, alguma coisa assim.
R – Sim. Foi.
P/1 – Como foi essa experiência? Por que numa bicicletaria? Como surgiu essa paixão, tudo mais?
R – Eu tinha, se eu não me engano, 15, 16 anos. Eu queria muito comprar uma bicicleta legal, uma bicicleta de competição, porque eu já andava de bike e queria competir. Queria fazer mountain bike, queria fazer trilha e não ia pedir também uma bicicleta de mais de mil reais para o meu pai. Aí eu comecei a trabalhar numa bicicletaria para juntar dinheiro, aprender a mexer na bicicleta para não ficar gastando toda hora com manutenção. E fora o divertimento! Você sai do colégio, almoça, vai trabalhar, trabalhava só na parte da tarde, muito legal! Também trabalhava com um pessoal bem humilde, aprendi bastante coisa tanto de bicicleta e tanto da vida. Muito legal lá.
P/1 – E como foi? Eles estavam precisando? Você chegou lá falou: “Olha, gostaria de trabalhar nessa biciletaria”. Como foi esse contato?
R – Precisando assim eles sabiam que não, porque meu pai tem uma condição financeira boa. Mas eu era uma pessoa de confiança, eles conhecem minha família. O dono da bicicletaria achou legal o motivo por eu estar procurando um emprego. Não por precisar de dinheiro, por meu pai estar precisando de dinheiro. Não. Não era isso. Eu queria aprender! Queria estar lá, ajudar, queria estar lá com eles ali trabalhando mesmo. Era o que eu gostava de fazer.
P/1 – E é ali no bairro mesmo, próximo da sua casa?
R – Cerca de dez minutos andando ou dois de bicicleta. (risos)
P/1 – E depois você disse que passou por uma representação de faróis xenon. Como foi?
R – Sim. Também foi por intermédio de... Pelo meu tio, na verdade. Um amigo do meu tio ficou sabendo que eu não estava mais trabalhando na bicicletaria. Sabia que eu era uma pessoa de confiança e tinha que ser uma pessoa de confiança, porque eu lidava muito com dinheiro, cheque. Uma coisa assim, que era muito fácil para eu desviar alguma coisa. Mas é lógico que, pô, amigo do meu tio, tal, eu nunca faria isso. E foi muito legal também, porque eu aprendi a vender um produto um pouco mais caro. Porque até então eu só vendia produtos de dez, 20 reais. Agora, para você vender um produto de 450 você tem que convencer a pessoa de que é honesto, que tá fazendo uma coisa correta. Então foi difícil no começo, mas me dei muito bem também.
R – E como surgiu a vontade de sair de lá? Abrir a sua própria loja? Como foi?
R – Ah, chegou uma hora que esse produto começou a se tornar ilegal praticamente. Teve muitos problemas o xenon. Então eu vi que não ia dar certo, tal. Daí também já meio que dei a entender que eu não queria mais trabalhar com isso quando passou a ser considerado ilegal, não sei o quê. Eu não me sentia bem vendendo uma coisa que pode dar um prejuízo, pode dar uma dor de cabeça para quem eu vendia, daqui um mês, não sei.
P/1 – E voltando um pouquinho, quando você trabalhava na bicicletaria, o que você fez com seu primeiro salário? Você lembra?
R – O primeiro salário eu guardei. (risos) Guardei porque eu tinha esperança de no final do ano juntar mil reais e comprar a bicicleta que era a top da loja.
P/2 – Conseguiu?
R - Consegui. A Caloi Elite.
P/1 – E você ainda anda com ela? Como é? Você compete?
R – Não. Essa daí eu não vendo. Essa daí é troféu, é minha conquista! Ainda a uso.
P/1 – E fala um pouquinho para gente como foi abrir a loja, quais foram as dificuldades, o porquê você sentiu essa necessidade de abrir a loja. Você tava com muitas camisetas? Como foi?
R – Foi uma necessidade mesmo. Não foi porque eu quis abrir loja! Eu sempre vendia em dia de jogo. Depois que eu ganhei um carro eu comecei a ir todo sábado na Rua Javari. Parava ali na esquina, abria o porta-malas, fazia uma barraquinha. Aí eu comecei a perceber: “Meu, todo sábado tá ‘bombando’! Se eu abrir seis dias por semana vai ser muito maior o lucro, a venda”. Primeiro eu fiquei com dúvida: “Aí eu vou ter um custo que até então eu não tinha”. Pegava o carro, gastava 50 centavos de gasolina para chegar até à Javari, nem isso. Não tinha custo nenhum, daí eu falei: “Vou ter aluguel, vou ter que pagar conta de água, de luz, de telefone, não sei o quê. Será que vale a pena? Quanto eu tenho que vender?”. Primeiro mês que eu abri a loja eu já tive um lucro, então eu já falei: “Nossa, deu certo! Agora é só aumentar”. Mas foi uma necessidade mesmo. Foi porque muita gente pedia, falava: “Você só vem de sábado? E durante a semana onde que eu troco?”. Às vezes dá um defeito ou ficou pequena, o cara não consegue vir de sábado, quer vir durante a semana. Aí ficavam me ligando, iam à minha casa. Pô, to lá em casa, acabei de chegar, gente me telefonando: “Ou, preciso trocar a camiseta”. É chato, né? Uma pessoa que você mal conhece deixar entrar na sua casa para trocar um produto. Começou a ficar meio estranho, daí eu tive que abrir a loja mesmo. Só beber uma água.
P/1 – Claro.
P/2 – Henrique, nesse processo de fazer as jaquetas, as camisetas, você já chegou a ter algum problema com o Juventus em termos de utilizar o distintivo deles?
R – O logo, assim? Eu faço a oito anos camisetas. Teve uma vez na Rua Javari, que veio uma pessoa me intimar dizendo que era da polícia federal, que ia me prender, não sei o quê. Aí eu olhei para ele e comecei a dar risada, falei: “Meu, que você da polícia federal, que você vai me prender? Eu tô com meia dúzia de camisetas aqui”. Sabe? O cara veio querer tirar um sarro. Acho que foi o mais perto de alguém querer me atrapalhar, mas eu ri da pessoa. Falei: “Meu, até parece que a polícia federal vai se preocupar com um moleque que vende meia dúzia de camisetas na porta do estádio”. Mas foi só isso. Eu acredito que seja alguém ligado ao Juventus, alguém que tenha uma ligação com a loja que tem no Juventus, sei lá! Ou com a torcida. Não sei cara, alguém que não estava satisfeito com o meu sucesso ali, sabe? Tava se sentindo incomodado. Veio para querer me intimar, mas eu percebi na hora que não era uma coisa séria. Dei risada do cara, não tinha o que fazer. Mas com o Juventus, com o clube, eu diversas vezes fui conversar com eles para fazer uma coisa mais redonda, pagar um royalty, para eu poder colocar na camiseta “Produto licenciado do Clube Atlético Juventus”. Mas nunca obtive êxito. Sempre: “Ah, não. Deixa. Isso aí vai dar trabalho. Conversa com não sei quem”. Não sei quem não estava. Sempre empurrando um para o outro e nunca consegui fazer o que eu queria, que era colocar “Produto oficial do Juventus” nas minhas camiseta. Mas não está me atrapalhando em nada. Não me atrapalha em nada e nunca tive problema, pelo contrário! Tanto o presidente do Juventus quanto o candidato a presidente, que é rival desse que está hoje, vai à minha loja comprar. Os diretores vão à minha loja. Então não existe. Quem deveria reclamar, ou teria motivo, vai à minha loja comprar.
P/1 – Fala para gente, como surgiu essa paixão pelo Juventus? É de infância? Foi dos avós, dos amigos? Como foi?
R – Cara, não vou te falar que é de avô, que é de família. Não é! Comecei a ir como um rolê de moleque. Ia com os amigos depois do colégio, com um amigo meu, o Luis do Agostiniano. E comecei a gostar. No começo eu falei: “Nossa, é totalmente diferente do que eu estava acostumado a ver com meu pai, assistindo jogos do Santos” que meu pai é santista. Era uma coisa familiar, uma coisa de amigo. Que se você está no Morumbi, se está no Pacaembu, você está no meio de milhares de pessoas. Na Javari você é o Henrique, você é o Miojo! As pessoas te conhecem pelo nome, jogador te conhece pelo nome. O jogador olha para trás, fala: “Ei meu, você veio!”. Sabe? Uma coisa assim. Uma família mesmo. É muito legal!
P/1 – E de onde é que veio esse apelido?
R – Miojo?
P/1 – Isso.
R – Por causa do cabelo. Eu era cabeludo, meu cabelo parecia um macarrão! (risos)
P/1 – E voltando agora para o começo da loja, como foi a escolha do ponto para você instalar a loja? Já veio de cara? Foi difícil conseguir? Como foi?
R – Sim. Sem querer foi o melhor lugar possível, porque é na Rua Javari, que é a rua do estádio e é mais próximo da área comercial, que é a Rua Laguna ali, com a Rua da Mooca, quase em frente a São Pedro. Então é uma localização ideal para o que eu faço. Até tem pessoas que acham que seria melhor eu fazer em frente ao estádio, só que a parte do estádio da rua é uma parte mais afastada, não tem tanto movimento. Então eu consegui estar na Rua Javari numa área que tem movimento. Ideal para mim, cara.
P/1 – Tá certo. E você descrever para gente como é a loja? Como é a fachada? Como ela é por dentro? Como os produtos estão dispostos? Como é?
R – Como é a loja? A loja é do tamanho desse estúdio aqui. No máximo dez metros quadrados. É muito pequena e está tudo abarrotado. Está cheia de camiseta para todo lado, só tem espaço para o provador. E hoje eu to com quase cem itens na loja, tudo bem apertadinho ali. Mas dá pra ver tudo, por enquanto.
P/1 – E fica em prateleiras, em araras, como é? Existe uma vitrine?
R – Os produtos, item por item, estão na arara. Os que não ficam na arara estão localizados de outra maneira, como a meia, que você coloca pregadinha assim. E todos estão fáceis de serem visualizados e os tamanhos ficam nas prateleiras, cada produto ali que está pendurado tem um bolinho na prateleira, que é P, M, G, GG, Extra Grande.
P/1 – Tá certo. E você que organiza esses produtos? Como é? Você tem algum funcionário? Você trabalha sozinho?
R – Hoje eu estou trabalhando sozinho. Hoje eu faço tudo, desde levar o tecido pra cortar, costurar, estampar, daí eu trago para loja, dobro, coloco etiqueta, até chegar à mão do cliente. Estou fazendo tudo hoje.
P/1 – Tá certo. Mesmo a loja sendo pequena, existe algum canto que você goste mais? Você fica no balcão ou no, enfim, no caixa, ou você gosta de ficar na porta pra ver os clientes passando? Como é?
R – Eu acho que o lugar mais legal é ficar na porta, porque você se distrai mais, você vai conversando, passa um amigo você conversa, passa o vizinho do cabeleireiro você troca uma ideia. Quando você fica mais para trás você fica mais isolado assim. É legal ficar na porta conversando.
P/1 – E como você acha que a loja atrai os clientes? Vocês fazem promoções, brindes, como é? Descontos?
R – Nunca fiz promoção. Desconto, é lógico, sempre tem uma negociação. E nunca divulguei em jornal, revista, nada. Zero divulgação. É por ser uma coisa totalmente diferente, que nunca existiu no bairro, que as pessoas se interessam, vão e é boca a boca. A pessoa vai, gosta, acha totalmente diferente do que já tinha visto de loja, tal. Que é uma loja temática do Juventus. Onde você vai encontrar outra dessas? E avisa os amigos. É só no boca a boca. Isso é a melhor divulgação porque é seu amigo que está falando, então você vai confiar nele. E é gratuita! Então não gasto nada com divulgação.
P/1 – E quais são os dias e horários de funcionamento da loja?
R – Eu estou na loja de segunda a sábado, das dez as 18.
P/1 – E existe algum dia ou um horário que tenha uma maior frequência, o movimento seja maior? Como é?
R – Com certeza qualquer dia que o Juventus jogar. Se o Juventus jogar quarta-feira à tarde, vai ser um pico durante a semana, porque vai muita gente e é o meu público! Que vai para o jogo e já está interessado nas camisetas, com certeza. E de sábado, quando tem jogo então, junta o que já é bom de sábado, que sábado é o dia que mais vende, com o jogo. Aí 15 minutos antes e 15 minutos depois do jogo é absurdo! Não tem como você conversar com a pessoa. É jogar a camiseta, pegar o dinheiro. É muito rápido! Você acaba atendendo mal todo mundo, parece que você é ignorante! Pega a camiseta, joga, pega o dinheiro. Muito rápido.
P/1 – E como você consegue aliar essa paixão, essa vontade de acompanhar o Juventus, como o funcionamento da loja, que tem essa maior frequência justamente nos dias dos jogos?
R – Ah, de quarta-feira, agora sem funcionário, desce a porta “Volto logo”. (risos) Volto depois do jogo. Coloco na lousa, escrevo ali “Volto depois do jogo”. E de sábado meu pai pode me ajudar, que ele trabalha de segunda à sexta, e de sábado, quando tem jogo, ele fica na loja no momento que eu vou para o estádio, porque na Javari faz dez anos que eu não perco um jogo e pretendo manter essa meta!
P/1 – E quais são os produtos vendidos na loja?
R – Da meia ao boné. Meia, calça, shorts, cueca, vários tipos de camiseta, jaqueta. Daí chega o boné, tem mouse pad, tem chaveiro, tem adesivo. Mais a parte de vestuário mesmo.
P/1 - E tudo relacionado ao clube ou existem outros tipos de produtos?
R – Eu tenho uma linha bem pequena que é só sobre a Mooca. É Mooca no peito e as frases do bairro nas costas.
P/1 – E qual é o produto que você mais gosta?
R – Produto que eu mais gosto? Hoje é essa jaqueta que eu estou usando, que demorou muito pra fazer, deu muito trabalho, ficou muito legal! Esse é o produto que eu mais gosto, que mais estou usando também. Segunda pele agora!
P/1 – E qual é o item que você acha que é mais vendido?
R – Com certeza a camiseta “A Mooca é Mooca”, que é a primeira que eu fiz quando eu tinha 14 anos e até hoje, por incrível que pareça, é a que mais vende. A gente sempre fala: “Não, agora, esse mês a gente vendeu muito ‘A Mooca é Mooca’. Acho que não tem uma pessoa no mundo que não tenha essa camiseta”. Aí no mês seguinte de novo é a que mais vende.
P/1 – E como é o controle desse estoque? Você falou que acaba fazendo tudo, vendendo, controlando o estoque. Como é? Como funciona o estoque da loja?
R – A gente vê no final do mês quanto foi vendido, é mais no olho mesmo. Você vê o que está faltando, dá uma contada assim. Não tem nada eletrônico, nada burocrático. É olhar mesmo o que está faltando. Você vê a prateleira descendo ali já vai: “Olha, essa aqui tem que fazer”. Já pega, estampa mais e faz, repõe e tal. Mas o estoque da loja fica na minha casa mesmo, porque na loja não tem condição. Nem considero um estoque aquilo, é só para o dia, no máximo para semana, o que está na loja. O estoque mesmo fica no salão de casa.
P/1 – E também existe a possibilidade de pedidos? Por exemplo, a pessoa foi lá, viu uma camiseta que não tem mais. Aí você faz, ela vai pegar. Como é?
R – Eu aceito pedidos agora, principalmente no final do ano, de pessoas que fazem festas, fazem eventos, donos de bares, que querem fazer uma camiseta da cor do Juventus, com alguma coisa da Mooca, o nome do bar. Aí pedem cem, 150 camisetas. Eu faço. Mas pedido eu não costumo aceitar, a pessoa que quer, por exemplo, colocar o nome dela na camiseta. Isso eu não pego, porque dá um trabalho. O mesmo que dá para fazer 20 camisetas dá para fazer uma. Você pegar, fazer uma tela, estampar, não sei o quê. Eu acabo não aceitando pedido pequeno assim, só pedido grande.
P/2 – Quem são as suas parceiras para ajudar a fazer as roupas? É uma loja de silkscreen ou você continua fazendo ali na cozinha da sua mãe? Como é?
R – Não. Graças a Deus eu não faço. Hoje eu só vendo.
P/2 – Quem são suas parceiras?
R – Eu compro tecido na Mooca, numa loja. Levo esse tecido para Minas Gerais, no sul de Minas. Lá tem uma pessoa que me ajuda com isso, que pega esse tecido que eu levo, leva para um lugar que corta o tecido, leva para outro lugar que costura a camiseta e essa pessoa estampa para mim. Então são três processos, cada um num lugar diferente e eu não coloco a mão. Só coloco a mão quando ela está pronta.
P/2 – E como você conseguiu esse contato dessa pessoa em Minas?
R – Lá no sul de Minas? Eu tenho um terreno lá nessa cidade e acabei conhecendo essa pessoa. Ela tem uma marca de vôo livre. Só faz camisetas com desenhos de vôo livre, paraquedas, não sei o quê. Achei muito legal. Comprei uma camiseta, vi que a qualidade era boa, estampa legal. Conheci-o num evento ali, num dia que eu estava procurando fazer esse vôo livre, estava pesquisando preço. Os caras o indicaram, falei: “Pô, gostei da sua camiseta, tal”. Falei que eu estava procurando fazer assim. Perguntei como ele fazia. Daí ele me explicou, falei: “Olha, vou deixar com você. Você pode cuidar disso para mim? Daí eu faço a estampa com você, que você tem estamparia”. A gente fez um acordo assim, uma porcentagem, tal. E hoje está indo super bem, cara! A qualidade melhorou muito na camiseta e o preço está quase igual.
P/1 – E o seu relacionamento com esses fornecedores então é bom, é isso?
R – É tranquilo. Tem fornecedor que eu tô desde quando eu comecei. Tenho fornecedor no Brás que eu trabalho há oito anos, então já é amigo.
P/1 – E por esse material vir todo, por exemplo, do sul de Minas, de outros lugares, existe algum dia específico para entrega das camisetas ou eles te entregam todo dia? Como funciona?
R – É um dia específico, porque é o único dia que eu tenho para buscar, que é domingo. O dia que, teoricamente, eu deveria descansar, pego meu carro, viajo 150 quilômetros, busco e volto com as camisetas. Normalmente eu levo tecido e busco camiseta. Sempre tem o que levar e o que buscar.
P/1 – Ah, você retira o material lá?
R – Sim. Porque eu sempre tenho que ir lá para levar o tecido. Não tem como deixar outra pessoa fazer isso. Então sempre que eu vou já tenho que trazer também.
P/1 – E fala um pouco para gente sobre a criação dos modelos. É sempre você que faz? Como surgem as ideias? Como é?
R – Sim. Eu não sou designer. Eu nunca fiz todo o processo, mas as ideias partem sempre da minha cabeça. (risos) É só a ideia. Eu sempre tento passar para alguém, para algum amigo que entende um pouco mais de computação, tal, a pessoa faz para mim. Ou quando é um desenho muito elaborado, que nem o do Casa Nostra, que é uma caricatura do estádio, aí sim eu tenho que contratar uma pessoa que só faz isso! Que faz arte, que faz desenho.
P/1 – E existem embalagens da loja? Uma sacola ou uma embalagem para presente? Como é que...
R – Por enquanto não, mas eu pretendo até o mês que vem fazer uma sacolinha personalizada. Até hoje a fachada da minha loja quando ela está aberta você não percebe que é... Tirando, é lógico, olhando os produtos. Eu não tenho banner, não tenho nada! Essa semana eu comprei um tapete com o nome da loja. Agora as pessoas sabem o nome da loja. Que antes era só quando eu vendia o produto e vinha no papel ou no cartão que vem junto com as camisetas, que a pessoa descobria o nome da loja. Foi meu primeiro investimento, depois de dois anos, (risos) com algum logo da loja na fachada. Um tapetinho.
P/1 – Existem alguns produtos expostos do lado de fora ou não?
R – Não. Nem pode! Do lado de fora da loja não é permitido.
P/1 – Tá certo. E quem você diria que são os seus clientes? Você conseguiria dar um perfil do cliente que entra na sua loja?
R – Todo mundo espera que eu responda: “Ah, é o pessoal da Mooca, os caras que torcem para o Juventus”. Mas não é. Gente de todo lugar do Brasil. E junho, julho, agosto vem muita gente da Europa também. Muito italiano, espanhol. Gente, não vou dizer do mundo inteiro na mesma proporção, mas já atendi pessoas de diversos países e diversos estados. É lógico que a maioria é da Mooca, a maioria dos clientes, e muita gente de outros bairros em volta também.
P/1 – E como é? Quais são as maiores dificuldades de atender tanta gente de tantos diferentes perfis assim?
R – Quando a pessoa entra na loja e percebe que ela não está comprando de um vendedor, está comprando de um torcedor, já é meio caminho andado. Quando a pessoa: “Ah, você conhece o título do Juventus, a Taça de Prata?”. Eu já explico de cabo a rabo. “Esse cotonifício aqui você sabe o que aconteceu?” “Sei”. Explico tudo. Aí o pessoal vê, fala: “Pô, ele não é só um vendedor, o cara é mooquense e é juventino fanático”. Então é fácil de lidar com todo mundo, porque a pessoa já chega à loja na expectativa de conhecer um pouco mais sobre o clube, sobre o bairro e quando vê que eu entendo mesmo é muito fácil de lidar com qualquer pessoa que gosta do Juventus, que admira o bairro da Mooca.
P/1 – E você conseguiria dividir esse tipo de público para cada tipo de produto? Por exemplo, o torcedor compra mais isso, o turista compra mais aquilo.
R – Sim, claro. O torcedor é o único que compra meia do Juventus, cueca do Juventus, jaqueta, que é um produto mais caro. Agora o turista vem e compra “A Mooca é Mooca”! Compra a que é conhecida, compra da Casa Nostra que tem o estádio lá que é um desenho bonito, compra um produto de no máximo 30 reais. Só um souvenir assim.
P/1 – Tá. E por se tratarem, geralmente, de torcedores muitas vezes, você acha que a exigência quanto ao produto é maior? Quais são as exigências dos clientes?
R – Desde as primeiras camisetas eu sempre prezei muito a qualidade. Então eles nem exigem muito, nem ficam muito de olho, porque eles compram desde quando eu tenho 14 anos e usam até hoje a mesma camiseta que eles compraram há oito anos. Então eles sabem que eu trabalho com produtos de qualidade, que eu não engano ninguém, que eu faço um negócio honesto. Então não tem muita exigência. Eles sempre pedem produto novo! Eu posso fazer dez produtos diferentes, eles: “Pô, mas não tem nada novo?”. Tem gente que vem toda semana. Tem gente que fala: “O que tem de novo hoje?”. Falo: “Pô, mas você veio semana passada, cara, não tem nada de novo hoje”. (risos)
P/1 – E por ser mooquense, juventino fanático, por estar sempre na Javari, como é essa relação de saber que os clientes muitas vezes são seus amigos?
R – Ah, é bem mais fácil. Você não tá lidando com um cliente, é um amigo que é cliente também! Primeiro amigo, depois cliente. E a maioria dos clientes é assim. A maioria é amigo, acaba se tornando amigo.
P/1 – E você se lembra de alguma história engraçada de algum cliente, alguma coisa assim que tenha passado na loja?
R – São tantas, mas não lembro uma assim que eu falo: “Nossa, essa eu tenho que contar”. Mas comércio é uma piada! É um stand up ao vivo o dia inteiro ali. É só piada. Gente que vem pedir dinheiro e acaba contando a história da vida. Outro que vem comprar e fala que avô jogou no Juventus. O que eu mais escuto é isso: “Pô, eu gosto do Juventus porque meu avô jogou aqui em 70 e... Espera aí, 72 dois eu acho. Você conhece não sei quê?”. Daí fala o nome, eu: “Olha, já ouvi falar”. Só para não ficar chato assim. “Eu acho que eu já ouvi falar do seu vô”. Ou então falo: “Eu não conheço. Não é da minha época”. Sempre dá uma... É muito difícil. Nem a escalação do Juventus de hoje eu sei de cor assim, imagina de 72, 73! A gente conhece um ou outro nome que foram atletas que subiram, foram para times grandes, tornaram-se famosos, mas a maioria... É 1% que se torna famoso de todos os jogadores.
P/1 – E qual você diria que é a maior dificuldade e a maior vantagem de você ser o seu próprio patrão?
R – Maior dificuldade é porque às vezes você não consegue mandar em você mesmo! Você está olhando, você vê tudo que tem pra fazer, você fala: “Não. Vou fazer depois do almoço”. Depois do almoço você fala: “Nossa, esse almoço foi pesado. Vou fazer daqui uma hora”. Você acaba deixando tudo para meia hora antes de fechar a loja. Você dá uma arrumada, tal. Fechou. Você acaba deixando tudo para depois. Às vezes vem um monte de cliente, daí fica pior ainda a situação, começa a embaralhar as camisetas. Então isso é o difícil. Às vezes é mais fácil você pedir pzra alguém fazer do que você mesmo mandar você fazer as coisas.
P/1 – E como é que você faz, por exemplo, em horário de almoço, já que é só você?
R – Hoje tá sendo uma piada. Fecho a loja, coloco lá “Volto uma hora” na lousinha ali. O pessoal passa na porta, tira sarro, dá risada. Porque é engraçado, uma loja que você vê o cara fechando, colocando uma plaquinha numa lousa ali. É engraçado. Eu almoço sempre o mais rápido possível e volto. 20 minutos e eu já almocei.
P/1 – E você pretende contratar outras pessoas? Você tem planos de ampliar?
R – Hoje tá difícil de encontrar alguém. Tem que ser uma pessoa da minha idade. Como você vai ficar o dia inteiro com a mesma pessoa, tem que ser uma pessoa que você conheça, que você tem uma afinidade. Tá difícil. A maioria dos meus amigos está procurando estágio ou já estão empregados em empresas boas, não vão querer trabalhar. Você ser ajudante numa loja é um emprego em que não vai ser bem remunerado. É difícil de alguém querer, não? Mas é bem divertido trabalhar lá na loja. Bem legal.
P/1 – E qual é a principal forma de pagamento? É cartão ou é dinheiro? Como é que é?
R – Hoje em dia, depois que eu coloquei a maquininha, parece que o pessoal vê a máquina já quer dar o cartão. Ninguém mais paga em dinheiro. São 20% em dinheiro, o resto no cartão.
P/1 – Henrique, você tava falando das formas de pagamento que o cartão domina. Existe a possibilidade de parcelar ou é sempre no débito? Como é que funciona?
R – Eu tenho a possibilidade de parcelar, só que eu não tenho acordo com a máquina de cartão, com a empresa, com o banco. Então os juros acabam sendo para a pessoa. Eu sempre aconselho a no máximo passar no crédito. Se vier um valor muito alto faz em duas vezes no máximo, porque os juros são elevados e eu não gosto de passar o cartão e depois mostrar para a pessoa: “Seus juros são tanto e o valor aumentou tudo isso daqui”. Daí é chato isso. Dar dinheiro para o banco não é legal!
P/1 – Por toda essa proximidade que você tem com os seus clientes, existe a possibilidade de, por exemplo: “Ah, vou pegar essa camiseta, você anota pra mim, eu te pago no final do mês” como é que é?
R – Tem isso. Às vezes a pessoa não pede, é difícil a pessoa pedir pra mim. Eu vejo que a pessoa está precisando porque um amigo vai chegar, ele quer dar um presente, eu falo: “Meu, leva aí, depois você acerta”. A pessoa fica meio sem graça, fala: “Não, Miojo, pô, ficar te devendo...” “O cara vai chegar aí! Leva a camiseta, dá de presente. Depois durante a semana você passa aqui”. Fora isso, as pessoas que moram em volta, umas duas, três senhoras assim, de vez em quando, quando chega perto do dia de receberem a aposentadoria já acabou o dinheiro: “Miojo, tem como você me dar uma força aí, não sei o quê”. Você fica maior sem graça. Até parece, né? “Quanto você precisa? Dez, 20, 30 reais?”. Empresto dinheiro para o pessoal. Ali é uma família. Aquele reduto, aquele miolo da Mooca o pessoal é muito unido e todo mundo se respeita. Eu nunca tive problema de emprestar dinheiro nem de deixar pegar camiseta e não receber depois. Sempre todo mundo muito honesto.
P/1 – E como é que é, de repente, cobrar o seu amigo? Chegou a esse ponto?
R – A única pessoa que tem que cobrar é meu tio, cara. Meu tio é atrapalhado! Ele pega muita coisa comigo e nunca acerta na hora. Parece que é um hábito dele. Passa na minha loja: “Depois eu acerto”. Não existe comprar e pagar, fazer o certo. Ele sempre acerta depois. Mas meu tio é meu tio! Eu passo na loja dele. Ele também tem comércio, trabalha com locação de equipamentos para evento. É na minha rua também. Quando eu vejo já buzino, falo: “Ô caloteiro”. Depois ele passa em casa e acerta. Nunca tive problema.
P/1 – E mesmo a loja sendo recente, o que você acha que mais mudou na sua atividade desde que você começou a loja até hoje em dia?
R – Da loja ou de quando eu comecei a vender?
P/1 – Da loja e do comércio em geral. Você sentiu alguma transformação? Como é que foi?
R – No bairro está mudando muito. A Mooca está passando por um processo de verticalização. Só prédio, prédio! Aquela lojinha que você viu ali, aquela fabriquinha, quando você passa daqui uma semana está derrubada, você só vê um banner lá: “Futuras obras não sei o quê. Apartamento de não sei quantos metros.” “Pô, mais um!”. Essa é a mudança maior que qualquer pessoa que você perguntar da Mooca, você vai escutar a mesma coisa: “É um prédio atrás do outro. Vão colocar um em cima do outro os prédios aqui”. É uma mudança muito grande porque não foi um processo natural. De 20 anos para cá a Mooca foi crescendo naturalmente. Foi de três anos para cá, do nada as construtoras parece que falaram: “Nossa, tem um bairro ali na zona leste que chama Mooca. Vamos construir lá?”. Ao mesmo tempo! Parece que no mesmo dia elas chegaram e começaram a comprar aqui, ali, uma corrida para comprar as fábricas que estavam desativadas e construir prédio. Foi do nada mesmo. Foi um susto para todo mundo do bairro.
P/1 – E você acha que essas transformações que estão ocorrendo são favoráveis para o comércio, para as atividades do bairro ou não?
R – Para o comércio é lógico que é bom! Até 2014 a gente vai ter mais 50 mil pessoas morando no bairro. Com certeza é bom para o comércio. Agora, tem que ver o que vai gerar essas 50 mil pessoas a mais. É complicado! Você aumenta o trânsito, aumenta... Sei lá! O esgoto que vai aumentar. Vai aumentar enchente. Sei lá o que pode acontecer com 50 mil pessoas a mais. Eu não sou técnico para dizer, mas com certeza algum efeito vai ter, alguma mudança vai ter.
P/1 – E os comerciantes que estão hoje em dia na Mooca, eles são comerciantes tradicionais de muito tempo ou você vê surgindo novas lojas como a sua? Como é que é?
R – No pedaço que eu tô ali da Mooca é difícil você ver alguém que nem eu que está só há dois anos. Normalmente é de 20 anos para mais. O meu vizinho, o Mané, está há 35 anos. O Giba também está, ele há mais de 30 anos e o pai, pô, desde sempre na Javari. Ele tinha bar. Então você vê que são famílias muito tradicionais ali do pedaço que sempre estão no comércio, passa de pai para filho. Então nem tem como calcular há quanto tempo eles estão lá.
P/1- Tá certo. E você estava falando que quando a pessoa entra na sua loja ela acaba te vendo também como um torcedor. Então isso acaba sendo uma espécie de treinamento. Você lê a respeito para poder falar com o seu cliente ou isso vem da sua paixão mesmo? Você estuda alguma coisa? Como é que é?
R – Eu não estudo muito Juventus, eu vivencio o Juventus. Eu trabalho com o Juventus. Todo dia entra alguém que me dá uma informação a mais. Vem uma pessoa: “Pô, sou ex-jogador do Juventus, joguei aqui não sei que época. Você ouviu falar o que aconteceu?”. Aquilo lá eu aprendi uma coisa. Aí vem outro senhor e fala: “Eu tava no dia do jogo lá com o Pelé e antes do jogo a gente roubou os instrumentos da torcida do Santos”. Eu falava: “Pô, sério, cara?” “A gente usou durante cinco anos no carnaval do Juventus escrito lá “Torcida Jovem”. Mais uma história. Daí entra outro e fala do pai que morava ali, que aconteceu tal coisa. Então todo dia parece que eu estou tendo aula de história da Mooca. Então ali é o centro! Ali eu tô recebendo muita informação, então eu também tenho muita informação para passar para os meus clientes que me perguntam ou querem tirar alguma dúvida sobre o bairro.
P/1 – Henrique, fala para mim, como é que você vê a atividade do comerciante hoje? Como você enxerga a importância da sua própria atividade para sociedade?
R – Cara, na minha específica antes não tinha um lugar para você comprar a camiseta do Juventus. Tinha a loja dentro do clube, mas você precisava ser sócio do clube pra comprar. Então eu vejo que o que eu faço especificamente mudou muito no bairro. Do nada, há oito anos você não via ninguém usar camiseta do Juventus em nenhum lugar, nem na Mooca! Só quando você vai à Javari você vê um ou outro. Mesmo no estádio não tinha gente usando camiseta do Juventus. De oito anos para cá, hoje você vai ao estádio, o estádio inteiro grená! Você anda na rua, pode não ser dia de jogo, qualquer dia você vai, é difícil você andar um quilômetro na Mooca e não ver uma pessoa usando camiseta do Juventus. Então esse foi o meu legado aí para o bairro. Foi a mudança que teve com o que eu tô fazendo.
P/1 – E qual é a sua relação com essa loja dentro do estádio do Juventus?
R – Eles estão há muito mais tempo do que eu. Essa semana mesmo eu fui lá para ver aulas de Muay Thai lá no Juventus e, lógico, desci lá, conversei com eles, tal. Até ofereci, se eles quiserem comprar os produtos que eu faço para eles venderem lá. É amizade! Porque quando eu comecei a fazer camisetas eu vendia para eles e eles revendiam lá na loja. Aí depois eu comecei a vender muito e tal, eles já começaram a me ver como um concorrente, não como um garotinho ali que estava fazendo camiseta para brincar, não sei o quê. Aí já deu uma separada, não vendi mais para eles. Mas é, pô, o maior respeito por eles e uma amizade mesmo.
P/1 – Tá certo. Henrique, você participa de alguma entidade comercial, alguma associação?
R – Não. Não participo de nenhuma associação.
P/1 – Não? Você conhece alguma associação ali na Mooca? Como é que é? Você acha que os comerciantes estão organizados?
R – Não relacionado ao comércio. Tem a Associação Amo a Mooca que é o meu vizinho de frente. Eu tenho um contato muito bom com eles, estou sempre conversando. Quando têm os eventos eu participo. Agora, não tô assim, infiltrado, fazendo nada em nenhuma dessas associações.
P/1 – Agora vamos falar mais um pouco sobre você. O que você gosta de fazer nas suas horas livres? Quando você não está na loja, quando você não está indo buscar as peças, o que você gosta de fazer?
R – Cara, é difícil de ter essa hora livre! Mas quando tem eu procuro estar sempre perto dos meus amigos, não importa o que for fazer. Se for para ir a um bar, ir na casa de um, fazer um churrasco. Eu pretendo estar perto dos amigos.
P/1 – E sempre ali pela Mooca ou vocês gostam de ir a outros lugares?
R – Parece que, meu, a gente mora em uma ilha assim, cercada por avenidas. Dificilmente a gente sai da Mooca, viu cara? Quando sai parece que você está perdido, você não tem onde pisar. Eu pelo menos! Eu nunca vou para o Tatuapé, dificilmente eu vou para zona sul. No máximo, cara, sei lá, para a região da Augusta onde tem os bares, tal, região central. Agora, outros bairros é muito difícil de a gente sair.
P/1 – Tá certo. E você como comerciante, você gosta de fazer compras?
R – Lógico. É uma aula! Quando você vai a um shopping que você vê os produtos todos bem expostos, as vitrines. Eu vejo com olhar de: “Pô, to aprendendo. Não to nem comprando”. Eu reparo muito como as pessoas me atendem nessas lojas grandes. Eles são treinados para isso. E tento sempre me espelhar, ver o que eles fizeram de certo, o que fizeram de errado para estar sempre melhorando também o atendimento na loja.
P/1 – E o que você gosta de comprar?
R – Roupa. Eu trabalho com roupa e, nossa, minha mãe fica maluca que eu sempre chego com roupa em casa. (risos) Mas é uma questão assim que, você vê uma roupa legal, eu não vejo assim como: “Ah, eu vou comprar para eu usar”. Não. Eu vou comprar para eu ter, para eu me espelhar, para eu ver esse acabamento, esse tipo de estampa. Eu pego, levo para Minas, mostro lá para o cara que cuida para mim, falo: “Ó, esse tipo de estampa, você sabe fazer?” “Não. Precisa comprar uma estufa.” “Quanto que é a estufa”. Sabe? É legal você comprar o produto que você gostou não só para você usar, mas para você fazer alguma coisa parecida para o Juventus, fazer uma coisa legal.
P/1 – E você pretende fazer algum curso, alguma coisa para aprimorar essa coisa dos modelos e dos desenhos?
R – Todo mundo acha que tem necessidade, mas eu foco mais na venda! Na administração de tudo isso. Eu prefiro contratar uma estilista, contratar um designer para fazer a estampa do que eu querer fazer. Eu prefiro só ter a idéia e passar para alguém. Deixa cada um na sua área. Eu prefiro só administrar.
P/1 – E dessas compras que você falou dessas roupas, você compra em algum lugar específico? Você vai a um shopping, a uma loja grande? Como é que é?
R – Não. Não tenho lugar específico, não. Se eu tiver viajando, passei por uma loja, uma coisa legal, normal. Não tenho nenhum lugar específico.
P/1 – Tá certo. Henrique, como é que é o seu dia-a-dia? Você acorda, como é que é?
R – Acordo sempre exatamente atrasado para chegar à loja. 15 pras dez eu tô levantando. Dez horas eu tenho que estar na loja. Daí eu trabalho lá até às 18. Hoje eu tô fazendo academia, fazendo algumas lutas, tal. Chego em casa já para dormir. Chego em casa, como alguma coisa e vou dormir.
P/1 – E quem mora com você?
R – Hoje moram a minha irmã, a minha mãe e o meu pai.
P/1 – Tá certo. E sua irmã faz o quê? Quantos anos ela tem?
R – A minha irmã acabou de entrar na faculdade no começo do ano, ela faz Administração na INSPER. Tem 17 anos, fez 18 essa semana passada.
P/1 – E você indicaria para ela atividade comercial?
R – Eu acho que ela não tem o perfil de empreendedor que eu tenho. Acho que ela seria melhor, uma ótima funcionária em uma grande empresa. É o perfil dela. Eu já tenho o perfil de eu fazer as coisas, de empreendedor.
P/1 – Se você tivesse que eleger uma coisa, o que mais te agrada na atividade comercial?
R – O que mais me agrada é o contato com as pessoas, cara. Não é como trabalhar em um escritório que você vai ver sempre as mesmas pessoas, olhar para o lado vai ser sempre o mesmo cara com outro computador aqui, o outro ali. Ou você gosta deles ou você tem que aturá-los. Agora, na loja é cada dia uma pessoa diferente! Cada dia entra um cliente diferente, você escuta histórias novas. É muito legal! Não tem como você enjoar de uma loja. Apesar do produto que você olha ser sempre o mesmo, mas as pessoas são sempre pessoas diferentes com histórias diferentes.
P/1 – Tá certo. E você estava falando de todas essas transformações no bairro da Mooca, de toda essa verticalização. Como é que você, um mooquense fanático, vê tudo isso? Você tem medo de que ela deixe de ser essa ilha que você falou? Enfim, como é que é?
R – Nunca vai deixar de ser porque sempre vai existir o mooquense, a pessoa. A pessoa não muda, o lugar que ela vive muda. Agora, a gente vai ser sempre mooquense, vai sempre falar do mesmo jeito, vai ser sempre a mesma coisa. Aquele clima de interior dentro da capital. Por mais que o seu vizinho não seja mais um sobrado, agora é um prédio de 20 andares, sempre tem o outro lado que continua o mesmo vizinho! É um sobradinho que vai ser aquele cara que você conhece há muito tempo. É difícil perder a identidade do bairro só porque estão fazendo prédio aí. Estão fazendo prédio aonde era fábrica abandonada. Eu prefiro um prédio bonito ali com gente morando, que pode ser gente legal, gente chata ou cara mala, do que uma fábrica abandonada que pode ser um lugar que vai ser um ponto de droga, vai ficar todo deteriorado, onde vive rato, não sei o quê. Um lugar sujo que deixa o bairro feio. Eu prefiro um prédio. Eu prefiro um prédio com um monte de arvorezinha em volta. Eles estão fazendo só prédio bacana ali.
P/1 – E como é que é o acesso para a Mooca? O transporte. Você acha que é satisfatório?
R – Eu sou suspeito para falar porque eu não saio muito do bairro. Então só reclamo do trânsito que tem interno do bairro. Eu saio da loja às seis. Eu pego trânsito na Rua dos Trilhos, na Cassandoca que é o caminho que eu faço para casa. É o suficiente para eu já falar: “Nossa, ainda bem que eu trabalho no bairro que eu moro, porque se eu tivesse que pegar a Radial Leste ou a Avenida do Estado...”. Eu vejo pelo meu pai. Aí já é uma coisa que ele me fala: uma hora e 40 para ele ir até o Morumbi, duas horas para voltar. Quer dizer, é metade da minha jornada o que ele gasta com transporte, com tempo de transporte. Então graças a Deus eu moro na Mooca e trabalho na Mooca.
P/2 – Henrique, vamos falar um pouco dessa relação com o bairro, principalmente desse mooquense com a Mooca, que é uma relação que a gente praticamente não vê nos habitantes dos outros bairros. Essa coisa de “Amo a Mooca”. E você falou muito da sua avó, que ela era o motivo de vocês estarem lá. O que é ser um mooquense, por exemplo, para uma pessoa como a sua avó que está lá há bastante tempo e o que é ser um mooquense para uma pessoa como você, que é bem mais jovem? Mudou alguma coisa?
R – Se mudou do que era ser mooquense na época da minha avó? Ah, com certeza muda muito! Ainda tem essa característica que eu falo, de conhecer todo mundo, mas você já vê que direto você vê uma pessoa ali que passa toda hora, mas você não conhece. Você vê que tem muita gente nova chegando. Uma coisa que a gente repara é que começou a aparecer muito carro importado na Mooca! Antes a gente tinha que ir para outro bairro para ver um Porsche. Hoje você está num barzinho lá na Madre de Deus e passa um Porsche, passa uma Ferrari. Falo: “Meu, estão invadindo nosso bairro!”. Está perdendo um pouco aquela característica. Mas é normal isso daí. Acho que vai acontecer com todo o bairro, não vai perder muito a característica.
P/2 – E a que se deve esse amor do mooquense pela Mooca? Qual você acha que é a essência disso?
R – Olha, eu vejo pelo seguinte: a Mooca foi um bairro que acolheu os imigrantes. Então se eu o convidar para ir à minha casa você vai gostar de mim. Você vai falar: “Pô, o Miojo é legal! O cara acabou de me conhecer e me chamou para almoçar na casa dele”. A Mooca é acolhedora, é um bairro acolhedor! As pessoas chegavam de navio em Santos, iam até São Paulo ali aonde é o Museu do Imigrante. Só que o lugar para morar, o lugar que eles chamavam de bairro, o primeiro bairro da cidade era a Mooca. O primeiro lugar a ser chamado de bairro é a Mooca, é o bairro mais antigo. Então aquele lugar acolhedor, aquele lugar que você fala: “Não, é ali que eu quero fazer minha casa!”. Pelo que eu escuto dos mais velhos. O cara chegou ao Brás, mas olhou a Mooca como aquele lugar acolhedor, aquele lugar que você queria morar para o resto da vida. Então, como a Mooca recebeu todo mundo muito bem, as pessoas têm esse carinho pelo lugar que vivem e que foram bem aceitos assim.
P/2 – Mesmo depois crise ali das indústrias, que as indústrias fecharam e depois de o bairro ter experimentado um período de decadência, mesmo assim você vê que esse sentimento persiste? De pertencimento ao bairro?
R – Persiste, cara. Acho que não mudou muito por esse fato. Teve toda essa crise, mas afetou as pessoas que vinham de fora trabalhar, mas quem mora lá teve um problema no emprego, não teve um problema aonde mora, na casa assim. Não afetou muito o “ser mooquense”, o gostar do bairro por uma crise da indústria ali. Acho que não tem muito a ver.
P/1 – E vamos imaginar assim que tivesse um cara na nossa frente agora que é “o mooquense”, você fala: “Esse cara é mooquense”. Quais são as características, quais são as qualidades, os defeitos, que fazem com que você reconheça o cara? Tirando, óbvio, o sotaque e tudo...
R – Tirando o sotaque assim, cara?
P/2 – E a camisa do Juventus. Tira a camisa do Juventus também. (risos)
R – Tirando a camiseta do Juventus, falar com a mão, que eu to me segurando aqui, tô segurando na perna para não colocar a mão na frente do rosto? (risos) O que pode ser, cara? Os trejeitos assim, o jeito de falar! Tirando isso, que mais assim? Repete a pergunta.
P/1 – Se tivesse alguém na sua frente e a gente falasse: “Esse cara é o mooquense”. O que, para você, falaria “esse cara é o mooquense”? Quais são as qualidades ou os defeitos? Como é? Você se considera um mooquense por quê? Simplesmente por morar ali ou tem também essa coisa do acolhimento? O que mais? Tem alguma coisa a mais?
R – Cara, é difícil! Um mooquense se diferencia dos outros bairros a partir do momento que ele abre a boca. Pelo menos é o que eu escuto de muitos clientes. “Meu, não tem como dizer que você não é da Mooca. Você fala, já demonstrou”. E é o que a gente vê quando você viaja. Você vai pra Goiás, aí você começa a conversar, vem uma pessoa da mesa ao lado, tá te olhando, daí a pouco a pessoa vem, te cutuca: “Espera aí, você é da Mooca?”. Falei: “Sou. Por quê?”. Você fica até assustado: “Não, porque eu vi seu jeito de falar e eu tenho um avô que mora lá, ele fala que nem você”. Então mooquense abriu a boca já era! Não precisa estar com a camiseta do Juventus, cara.
P/1 – Tá certo. E você poderia apontar para gente, agora voltando um pouco mais para o bairro, quais foram as principais mudanças no comércio, nesses últimos anos? Tiveram transformações significativas?
R – No comércio antes era muito, não sei assim, há uns cinco, oito anos, era um ar amador, um ar de comércio de periferia. Aquele comércio pequenininho, que não aceita cartão, não sei que lá. Meio quadrado! Eu vejo que hoje quem não se moldou à nova forma de comércio, em modo geral, está ficando para trás, está ficando obsoleto. Está ficando a lojinha ali, a lojinha pequena! Estão quase acabando os restaurantes que não aceitam cartão, que não tem um bom relacionamento. Que antes eram poucos restaurantes ali, então por mais que você atenda mal seu cliente e cobre um preço caro, ia gente lá porque não tinha outra opção. Hoje está muito forte o comércio na Mooca e quem não está vendendo direito, fazendo um negócio legal tá ficando pra trás.
P/1 – Tá certo. E você tava falando até da Pizzaria São Pedro e de outros comércios que estão lá há muito tempo. Como você se sente sendo um comerciante que está começando agora em meio a toda essa história, todo esse comércio tradicional?
R – Nossa, cara, é muito orgulho de estar lá naquele lugar! Porque eu estou em frente a... A Mooca é conhecida pelas pizzarias. Eu estou em frente ao lugar que foi a primeira pizzaria do Brasil, primeira de São Paulo, primeira do Brasil, que é a Pizzaria Romanato. Que hoje situa a Pizzaria São Pedro. A Pizzaria Romanato foi a primeira, o primeiro lugar que se vendeu pizza no Brasil. Nessa pizzaria tinham dois pizzaiolos, que era o senhor Rafael, o dono da São Pedro, pai do Cacau, e o senhor Ângelo, dono da Pizzaria do Ângelo. Então eu estou no epicentro ali da culinária mooquense e também do outro lado, eu viro para o outro lado está o Cotonifício Conde Rodolfo Crespi, que dispensa comentários do seu valor histórico.
P/1 – E existe algum tipo de comércio que você acha que existia e que agora não tem mais? Ou outro, que como você, surgiu agora nesses últimos anos?
R – O que está deixando de ter são aqueles pequenos mercadinhos, depois que construíram o Extra, mercados grandes. Então aqueles pequenos comerciantes estão perdendo espaço para grandes lojas que fazem a mesma coisa.
P/1 – Henrique, agora uma parte mais final, eu gostaria que você dissesse para gente quais foram as lições que você tirou da atividade comercial. O que você aprendeu nesses anos desde que começou a vender camiseta com 14 até hoje? Quais foram as lições que você tirou da atividade?
R – Cara, o que você mais assim, aprende que você não aprende em nenhuma faculdade é lidar com o público. Desde quando eu vendia no carro ali em frente ao estádio, até hoje eu aprendi a falar, não ter vergonha. Como aqui: eu tô conversando com vocês, uma luz na minha cara, uma câmera me filmando. Cara, eu tô conversando normalmente com vocês. Há oito anos eu estaria gelado, estaria com medo, tremendo. Então isso não foi faculdade que me ensinou, isso foi na rua, foi na batalha de vender, de ter que conversar, convencer as pessoas a comprar seu produto. Você acaba aprendendo a lidar melhor com a fala.
P/1 – E se você pudesse teria algo que você mudaria no comércio, na atividade comercial?
R – Na minha loja ou no comércio?
P/1 – Pode ser na sua.
R – O que eu mudaria na minha loja? Eu aumentaria minha loja.
P/1 – Tá. Então vamos ver se isso liga com a próxima pergunta. Você tem algum sonho para o futuro, uma perspectiva de futuro? Qual é seu maior sonho?
R – Quanto ao que eu faço, com certeza é um lugar maior para fazer o que eu faço, das camisetas do Juventus. E tomara que um dia eu abra uma loja de esportes, que é uma coisa que eu tenho muita vontade também, para fugir um pouco do Juventus também. Que às vezes enjoa olhar essa cor o dia inteiro, dobrar camiseta grená. Queria fazer dos outros times para dar uma diversificada, que tem muita gente que me pede também. Não pode ser na mesma loja, cara. A minha loja é loja do Juventus! Se for vender de outro time vai ser uma loja de esportes, não tem nada a ver com a minha loja.
P/1 – Henrique, você acha que tem alguma coisa que a gente poderia ter te perguntado e não perguntou? Uma coisa que você gostaria de falar?
R – Cara, é muito mais fácil você perguntar e eu ir falando aqui. São tantas informações que às vezes dá vontade falar, mas não sei o que, especificamente, seria interessante para o que vocês querem.
P/1 – Não sei. De repente falar um pouquinho mais sobre a sua relação com a sua avó, a relação da sua avó com o bairro, como ela chegou lá. Você sabe alguma coisa?
R – Então, eu digo que eu moro na Mooca por causa da minha avó porque minha mãe não desgruda da minha avó. Não é à toa que a gente mora numa casa geminada, que é parede com parede. Que elas têm que estar no máximo dois metros de distância o dia inteiro, elas são muito grudadas a minha mãe e minha avó. E se não fosse por isso talvez eu estivesse morando em outro bairro. Porque seria muito mais cômodo para o meu pai a gente morar no Morumbi perto do trabalho dele. Mas graças a Deus eu não moro no Morumbi, eu moro na Mooca!
P/1 – Tá certo. Henrique, o que você achou de ter participado dessa entrevista falando um pouco sobre você, sobre sua atividade?
R – Ah, achei muito legal vocês terem me escolhido. Eu demorei um pouco para entender o que seria isso, tal, mas achei legal ser escolhido como um representante do comércio ali, um novo comerciante do bairro assim. Muito bacana!
P/1 – Então tá certo. Em nome do Museu da Pessoa a gente agradece a sua entrevista.
R – Eu que agradeço a oportunidade de falar.
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