Era em casa mesmo que nascia. Minha mãe teve quatro abortose dez que vingaram. Nasci na comunidade Castanhal. Nós vivemosda agricultura. Pra alimentação, a gente pescava, porque era muitodifícil comprar. Quando a gente começava a andar um pouquinho,aí duns quatro anos, já ia tudo trabalhar.Q...Continuar leitura
resumo
Manoel nos conta a história de suas raízes e sua família, crescida na Vila do Castanhal, parte da cidade de Juruti - PA. Fala sobre a forma como garantiam a sua subsistência através da agricultura familiar e os diversos costumes da cidade de Juruti. Manoel discorre sobre o trabalho na sua infância, as brincadeiras da época e os problemas domésticos, especialmente com seu pai. Neste depoimento também vemos sua trajetória escolar - foi o único de dez irmãos a terminar o ensino médio - as festas de sua cidade, sua entrada para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais em 1980 e sua ligação com o PT a partir de 1982. A partir daí, vemos sua trajetória política nas prefeituras locais, o seu casamento e suas considerações acerca da importância de dar seu depoimento.
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P – Vou pedir para você me dizer o seu nome completo, o lugar e a data em que você nasceu.
R – Meu nome é Manoel Marialva da Silva, moro na Vila do Castanhal, um filho mesmo de lá.
P – Qual a data do seu nascimento?
R – A data do meu nascimento é dia 10, mas é do mesmo mês, aí meu...Continuar leitura
P – Vou pedir para você me dizer o seu nome completo, o lugar e a data em que você nasceu.
R – Meu nome é Manoel Marialva da Silva, moro na Vila do Castanhal, um filho mesmo de lá.
P – Qual a data do seu nascimento?
R – A data do meu nascimento é dia 10, mas é do mesmo mês, aí meu pai na hora de registrar colocou... Fizeram dia 1º de maio... De junho. São nove dias...
P – Antes.
R – Antes.
P – Por que, você sabe?
R – Não sei. Saiu no documento dia 1º de junho de 62.
P – E você nasceu dentro do Castanhal?
R – Dentro do Castanhal.
P – Você nasceu em casa?
R – Em casa, em casa. Era parteira leiga. Possivelmente deve ter sido minha tia, que foi parteira da mamãe.
P – Você teve muitos irmãos, Manoel? Quantos?
R – A mamãe teve quatro abortos. E dez que vingaram mesmo.
P – Dez?
R – Sim. Quer dizer, hoje nós somos nove, porque o outro já morreu, também morreu.
P – Morreu de quê?
R – Ninguém soube. Um dia ele foi trabalhar pra área de Parintins, quando soubemos uma semana depois que ele tinha sido morto.
P – Ele foi assassinado?
R – Dizem que foi assassinado, algumas conversas, mas ninguém averiguou nada, não soube nada... Mais difícil de averiguar pra lá, ele morava longe, numa colônia de Parintins... O pessoal questionar como foi, sem ter quem vai dizer o que é, qual foi o lado... Mas a conversa lá foi que ele adoeceu bastante e não resistiu. Muita dor no estômago. Sempre foi a conversa, acharam ele morto já.
P – Você é o mais novo, o do meio, como é que é sua família?
R – Deixa eu me lembrar... eu sou... eu sou o sexto...
P – Você consegue lembrar o nome de todos seus irmãos?
R – A mais velha é Maria José, a segunda é Carmelinda, a terceira é Eneida, a quarta é Maria de Nazaré, o quinto sou eu. Não! João, esse que morreu. O sexto sou eu; aí a sétima é Raimunda, não, minto, é Maria do Carmo; aí a oitava é Raimunda; o nono é o Manoel Sebastião; o décimo... É o Galdino... O décimo primeiro é a Germana. Onze, inclusive.
P – Onze.
R – Somos onze. Mas só dez que estão vivos.
P – E os nomes dos seus pais?
R – Galdino dos Santos e Maria Sebastiana Marialva.
P – Você sabe de onde eles vieram, se eles sempre estiveram no Castanhal? O que você sabe deles?
R – Olha, possivelmente a mãe da minha mãe, tinha uma descendência de portugueses. Eles moraram sempre lá também. Eu acho que meus avós já moravam ali no Castanhal mesmo, só não foram filhos daí já. Só até a minha avó eu sei. Era Raimunda Marialva.
P – Você conheceu ela?
R – Conheci. Ela morreu em 72.
P – E ela era portuguesa, não? Ela já era daqui?
R – Não, já era brasileira mesmo. É no sangue, acho que os pais dela, os avós dela eram portugueses.
P – E por parte do seu pai?
R – Agora, do meu pai, era de uma família curiboca que chamavam aí. Curiboca... Ele tinha o sangue mais indígena. O meu pai era da região, é do município de Juriti também. Agora, os pais dele, eu não conheci ninguém deles. Porque ele foi criado por outras famílias...
P – Por quê? Você sabe?
R – Não, você sabe que eu não sei muito bem, mas parece que eles morreram, o meu avô... O pai dele morreu e a mãe dele ficou mais um tempo, aí deram ele para um padrinho.
P – Que você conheceu?
R – Não, não.
P – O seu pai, ele trabalhava no Castanhal?
R – Trabalhava.
P – Sua mãe também trabalhava nos Castanhal?
R – Trabalhava.
P – Você também?
R – Isso.
P – Conta onde ficava o Castanhal. Como era o trabalho?
R – Olha, o Castanhal é uma comunidadezinha muito boa pra gente... Pela estrada do município, ela fica a 38 quilômetros. Pela PA, que vai pela 257, que vai até Curuai, ela dá 53 quilômetros, roda mais. Nós vivemos da agricultura mesmo. Para alimentação, a gente pescava, o papai pescou, pescava não pra vender, quase, era alimentação.
P – Era à beira de um rio?
R – É, fica próximo ao rio.
P – Qual rio?
R – O Lago Grande. Lago do Salé, faz fronteira com o Lago Grande, do pessoal do Curuai, região de Santarém. A gente trabalhava, quer dizer, ele pescava, fazia roçado, trabalhou em juta. E a mamãe que fazia. Ele fazia roçado, mas não fazia farinha. Quem fazia era mamãe e hoje meus irmãos mais velhos. Era assim. Agora, ele bebia muito, tinha muita dificuldade.
P – Seu pai?
R – É. Bebia muito ele... Tinha muita desavença, muita briga, em casa, porque a mamãe que trabalhava. Ele trabalhava sim, alimentação, mas quando bebia o negócio não prestava mais.
P – Ele bebia... tinha uma venda, assim na...
R – Sempre tive, sempre tive. Sempre tive venda.
P – Vocês vendiam pra fora?
R – Não.
P – Pra onde vendia?
R – Só pra manter alimento lá, só pra comprar o negócio do açougue, porque as outras coisas sempre tinha – açúcar,
café, essas coisas a gente comprava. Alimentação era muito difícil comprar. Porque a gente criava galinha, criava porco, não tinha gado, mas porco e galinha... Era peixe ou era pescado.
P – Na realidade vocês viviam do peixe, frango que vocês criavam...
R – Sempre criava...
P – E o dinheiro, vocês conseguiam o dinheiro como?
R – Dinheiro, quando vendia farinha, as coisas.
P – Vendia farinha?
R – É. Juta. Logo no início era castanha também, que era vendido pra Óbidos. Dava bastante castanha.
P – Quem catava castanha?
R – Ah, era a molecada, nós, a mãe...
P – Como que era catar, tinha muita castanheira?
R – Muita castanheira.
P – Como é que se cata castanha?
R – Vai juntando embaixo de uma árvore. Janeiro ela começa a jogar, aí ela floreia... Na floração dela, vai jogar no outro ano... De janeiro de outro ano ela começa a jogar castanha, é até abril é o período de colheita da castanha, aqui na nossa região.
P – Ou seja, de janeiro a abril?
R – Sim. De janeiro a abril.
P – Você tem que subir na árvore pra pegar?
R – Não, não. Elas caem.
P – Ela joga pro chão...
R – Joga, sim. Quando está maduro, desprende da árvore... A gente corta ele pra tirar a castanha...
P – Você corta com o quê? Com uma faca?
R – Prensado, é. Prensado mesmo, que é muito duro.
P – Você cortava quando era criança?
R – Cortava sim, cortava, a gente cortava.
P – Com um facão?
R – É um facão sim, é um facão. A gente chama persado, mas é um facão.
P – Chama como?
R – Persado.
P – Dentro o que tem?
R – Tem uma uma castanha. Aí que tá a castanha. Esse é o ouriço e a castanha está aí dentro.
P – Quantas castanhas têm dentro daí?
R – De 20 a 25...
P – E aí ela já ta pronta pra comer?
R – Não, tem uma outra casca nela, que a gente descasca pra tirar a massa de dentro.
P – Tem que torrar?
R – Não, não. Descascou e tá no ponto de consumo.
P – Vocês iam catando isso, fazendo bolinho disso?
R – Sim. Junta um monte, pra vender em latas ou de quilo. Mas no período era só em lata, que a gente comprava, enlatava... Uma saca pega quatro latas. Então, enchia uma lata e fazia...
P – E quem vinha comprar?
R – Sempre tinha um parceiro daí, um comerciante que tinha lá no Castanhal que comprava tudo, o comerciante levava.
P – E quanto que... você lembra o valor que era uma lata ou uma saca?
R – Não, mas isso era muito irrisório, não me lembro. Hoje a gente já compra de vinte reais a lata.
P – Vinte reais a lata?
R – Vinte reais a lata, hoje, a gente compra por vinte reais.
P – Quantas castanhas cabem dentro de uma lata?
R – São... 70 ouriços.
P – 70 dentro de uma lata?
R – De uma lata, conforme a castanha. Se for menos, até 50, se ela for graúda, 50... Mas é 70-76 ouriços pra fazer uma lata, pra dar uma lata de castanha.
P – Nossa. E uma árvore joga quantas, por exemplo?
R – De 1.000 ouriços, possivelmente...
P – 1.000?!
R – É, exatamente.
P – Vocês ficavam embaixo, vocês juntavam até mil?
R – Sim.
P – De lá vocês botavam na lata?
R – Sim, sim.
P – Isso é uma parte do que vocês faziam? A outra parte, o que era?
R – Criação de porco, a mamãe criava bastante porco. Só que não era barato, mas vendia sempre. Era mais pra alimentação, mas vendia bastante.
P – Vendia o quê?
R – A carne, vendia ele inteiro, ele sem pés... Vende inteiro.
P – Quem matava o porco?
R – Lá em casa sempre era o papai, quando a gente estava pequeno. Depois a gente já matava...
P – Então, vocês tinham porco, tinham castanha, o que mais que tinha?
R – Castanha, galinha, roça, banana sempre tinha também pra comer...
P – E a roça, o que vocês plantavam na roça?
R – A roça era só mandioca mesmo. Pra fora, outras coisas: era um pouco de macaxeira, mas bem pouquinho, e uma outra marca de mandioca chamada manicuera. A gente fazia caldo pra tomar com cará, essas coisas. Arroz, banana...
P – Como é que a roça era mandioca? A mandioca fica embaixo da terra?
R – Fica embaixo da terra. Faz o roçado, no outro dia faz a broca, na capoeira. Roça, derruba, depois queima, que vai fazer o plantio da maniva. Planta maniva pra colher a mandioca.
P – A maniva você planta a semente ou não?
R – Não, é um caule, é uma arvorezinha fina.
P – Aonde vocês arrumavam a maniva?
R – Lá mesmo na nossa região tem, toda região tem.
P – Vocês colhiam maniva e replantavam...
R – Exatamente, isso.
P – E quanto tempo pra dar a mandioca?
R – A partir de seis meses ela já tem uma mandioca, mas ela só tá boa mesmo de um ano.
P – Quer dizer, você plantava pra no ano seguinte colher?
R – Sim.
P – Você tem que derrubar a maniva?
R – Tem que derrubar a maniva. Ela dá pequena assim, nasce com dois metros, dois metros e meio... Ela não é tão grossa.
P – Porque a mandioca está embaixo?
R – Embaixo da terra. Corta ela pra arrancar.
P – Você arrancava e o que acontecia?
R – A gente arranca, coloca no paneiro, pra colocar na água, por três dias, tira da água pra ralar, que antes era no ralo mesmo. Pega a lata, aquele latão de 16 litros, faz o ralo, fura com um prego, aí, na munheca pra ralar a mandioca...
P – Quem ralava, as crianças?
R – As crianças, os velhos, toda a turma vai. Descasca ela, tira a primeira casca, aí rala, espreme. No primeiro momento é tipiti, é tipiti feito de tala de arumã ou de bacabeira, tala de bacaba.
P – Como e que é isso? O senhor me explica?
R – A bacabeira é uma palmeira. Ela cresce bem grande, dá cinco metros, o estalo, a folha da palmeira. E tira a tala dela, destala, tira o bucho, e aí que vai tecer o tipiti.
P – Tipiti é uma peneira?
R – Sim, é um material que fica fechado, fica assim, veda tudinho. Tece pra colocar a massa da mandioca e espremer. Tirar todo o caldo, o tucupi eles chamam.
P – Que é o caldo?
R – Exatamente. Depois ela tá seca, peneira de novo, aí vai pro forno.
P – Quanto tempo pra você colher a mandioca e ela estar pronta pra comer? Demorava esse trabalho?
R – Olha, se você coloca segunda-feira, quarta-feira você tá no ponto de trabalhar nela. Trabalha nela, aí leva três horas no forno pra poder estar no ponto de comer.
P – E quem que fazia todo esse trabalho na sua casa?
R – A mamãe. Mamãe era o baluarte de todo isso. Dificilmente papai fazia a roça, o roçado, podia plantar, derrubar, mas depois, o resto era com ela.
P – E ela que colhia?
R – Colhia. Ralava e preparava.
P – Vocês trabalhavam nisso fazendo o quê?
R – Descascando a mandioca.
P – O trabalho de vocês era esse?
R – É, descascar mandioca, começar a ralar...
P – O seu pai fazia capoeira?
R – Sim, derrubava a capoeira, depois de estar plantado, a capina, mas a maioria era por conta da mamãe e dos irmãos mais velhos. A gente ia. A distância do Castanhal pra uma outra comunidade, na Justina, meia hora de viagem do Castanhal pra lá andando, aí de lá pra roça tinha mais uma distância.
P – Vocês tinham que andar o quê? Uma hora?
R – É. Uma meia hora assim seguro até trazer...
P – Tinha trabalho todo dia, então?
R – Todo dia. De segunda a sexta.
P – E desde que idade vocês iam trabalhar?
R – Ah sim, a partir de que começava a andar um pouquinho, uns quatro anos, já ia. (risos) Mas na descascação, no caso. Que eu ia trabalhar nesse período. Quando a mamãe estava só, ela levava a molecada pequena, ela levava pra roça, na beira da roça, deixava lá na beira do mato, na sombra, enquanto ela tava capinando ou arrancando mandioca.
P – Sua mãe é que era o ídolo?
R – É.
P – Isso é normal assim, ou era só na sua casa?
R – Não, a maioria, a grande maioria. A grande maioria sempre fez isso. Mas em casa sempre foi assim.
P – E o seu pai, enquanto sua mãe estava fazendo isso com a mandioca, seu pai tava fazendo o quê?
R – Ele estava pescando, trabalhando com outro, ou então tinha jutal, era sempre assim, sempre tava... Bem difícil estar sempre junto pra fazer o mesmo trabalho. Não trabalhava assim, cada um trabalhava numa coisa. Se ela estava fazendo roça, ele estava pescando ou ele estava capinando juta ou ajudando outros parceiros pra lá.
P – O que é capinar a juta?
R – Retirar esse cerrado, porque a juta é um material que retira a fibra dela, aí no meio dela que faz a roçação. Sempre esse cerradinho, esse cerrado menor. Tem que tirar pra ela ficar melhor.
P – E aí essa juta era pra vender ou pra fazer...
R – Pra vender. A juta é pra vender.
P – Dinheiro pra comprar roupa pra vocês... vinha do quê?
R – Da juta, da farinha ou vendia bucho de porco.
P – Esse dinheiro ia pra quê?
R – Era pra alimentação, comprar o que ninguém produz, o dinheiro da roupa.
P – O que tinha de alimentação?
R – Ah, o que a gente comprava? Era açúcar, sal, café, a gente tinha, mas não produzia bastante, o sabão, pra inteirar, porque a mamãe sempre fabricou o sabão caseiro. E a roupa mesmo, as redes.
P – Redes vocês compravam?
R – Sim. É muito difícil, mas tinha que comprar.
P – Vocês dormiam em rede?
R – Em rede.
P – Tinha dez redes?
R – Possivelmente, dez redes. Tinha que ter dez redes.
P – Como que era a sua casa, assim, você consegue lembrar?
R – Era coberta de palha, cercada de palha também...
P – A parede era de palha?
R – A parede de palha, é. Era uma sala mesmo.
P – Cozinhava onde?
R – Fazia uma outra cozinha, uma outra casa desta maneira, pra ser a cozinha.
P – E o banheiro, onde era?
R – Era no porto, tomava banho no porto e faziam essas fossas... Antes não fazia esse buraco nele, depois já começou a fazer esses buracos, que chamam hoje, coordenado pelo Ministério da Saúde, mas ainda, a grande maioria, esses buracos mesmo que tem.
P – Que é uma casinha com buraco?
R – Sim, exatamente.
P – Com fossa embaixo?
R – Sim. Mas sem vaso, nada...
P – Quando nasceu não era, as pessoas tinham que fazer no mato...
R – É, no mato, uma grande maioria, mas no caso, em casa, sempre foi cavado, cavado esse buraco.
P – E essa casa era mais pra dormir? O pessoal botava a rede...
R – Sim, sim, pra dormir.
P – Dormia todo mundo junto?
R – Todo mundo. Teve divisa de...
P – O que vocês faziam fora trabalhar na roça quando eram crianças?
R – Brincava, só brincadeira.
P – Brincavam de quê?
R – Era pira que chamava, essas coisas assim.
P – Pira, o que é pira?
R – É uma brincadeira de corre atrás do outro. “Tá na pira”. Então, você corre. Se ele agarrar, já é você que pega e tem que colar na outra pessoa, pra mudar o pira. E bolinhas, no caso, quando não tinha as petecas. A gente fazia, a bola tem 60 fechos, de folha de banana, fazia com folha de bananeira...
P – Fazia bola de folha de bananeira?
R – É, exatamente, pra jogar.
P – E vocês iam muito no rio, tomar banho?
R – Sim, no igarapé, pois o igarapé era muito bonito, perto de casa. Ia tomar banho... na várzea, porque sempre dá muita arraia. Ela fura... a gente...
P – E piranha, dá?
R – Dá piranha.
P – No rio ou no igarapé?
R – No rio. Na nossa região e no rio mesmo. Eu tenho mais medo da arraia do que da piranha. Ela fura e dói, sabe? Dói muito.
P – Você já foi picado por arraia?
R – Já.
P – E o que mais que dá, fora a dor? Tem veneno?
R – Ela... Só dor mesmo. Se a gente não tratar, ela inflama, infecciona... Se a gente tratar bem, se não infeccionar, com dois meses tá bom. Se infeccionar, é de seis meses pra lá para poder sarar.
P – E trata com o quê?
R – Com anti-inflamatório.
P – Não tinha nenhum chá, nada?
R – Não, chá assim pra dor, remédio caseiro, colocava mangarataia pra tirar o frio, acabar com essas coisas pra ir sarando. Andiroba com tabaco pra sarar. Esse era o tratamento.
P – Agora, vocês moravam aqui, o pessoal morava perto?
R – Morava.
P – E todo mundo trabalhava na mesma capoeira?
R – Não, cada um tem uma área.
P – Como é que define qual é a área de cada um?
R – Meu pai trabalha aqui nessa área, 100 metros a área de frente, de outro lado, já tem outra vizinha e lá era assim mesmo. Cada um trabalhava, já conhecia o seu lote, sem divisa. Era muito difícil ter um pico nesses terrenos. Daí cada um... Eu já sabia onde trabalhei a primeira vez lá e vai trabalhar, continuar trabalhando lá.
P – Isso já vem dos seus avós ou não?
R – Sim, sim. Implantei aqui, não tem ninguém, aí a minha área é essa aqui, vai fazer fronteira lá com outro. Seria o extremante do outro; tem extrema lá na cabeceira, aqui e nas laterais.
P – Mas o que acontece, por exemplo, seu pai teve dez filhos, algum ficou lá fazendo roça?
R – Sim.
P – Os seus irmãos?
R – Sim, sim.
P – Fica na mesma área?
R – Na mesma área.
P – Mas aí não vai ficando pequeno?
R – Sim, vai ficando pequeno, mas não tem outro jeito, porque já tô naquela área ali, aí as outras áreas tudo ocupadas também. Só se for mais longe, o pessoal é sempre difícil de sair pra ir procurar outro local.
P – Então, fica todo mundo na mesma área?
R – Todo mundo na mesma área.
P – Mas isso não dá problema?
R – Dá sempre, mas vai amenizando, sempre encontra um jeito de amenizar as coisas lá.
P – E aí uma parte desse dinheiro seu pai usava na venda e bebia?
R – Bebia.
P – O que era, como era isso, o que você lembra?
R – Cachaça mesmo, pinga mesmo.
P – Ele ficava bêbado, o que ele...
R – Bêbado... Ele bebia com os parceiros. Então, a gente trabalhava, tinha dias que trabalhava a semana e quando era fim de semana, aí saía pra beber... Tinha vezes que tirava semanas bebendo, não ia trabalhar, só na alegria. Bebia, aí quem trabalhava era mamãe com os outros filhos.
P – E ele ficava violento quando...
R – Sempre ficou violento.
P – E como é que era isso? Ele chagava em casa e batia em vocês?
R – Batia... Brigava com a mamãe. De palavrão, ele queria bater sim.
P – Batia nela?
R – Tinha vezes que batia sim.
P – E ela, o que fazia?
R – Às vezes, também batia, porque ele já estava bêbado. Aí, quando a vovó estava no meio, também ajudava, esse negócio era feio.
P – E vocês participavam? Como que era?
R – Não. Não participava.
P – Vocês olhavam?
R – Porque a gente ficava com medo.
P – Dele?
R – Ficava com medo, é.
P – Mas se vocês abrissem a boca, ele ia bater em cima de vocês?
R – É, com certeza. Corria atrás da turma e pronto.
P – E aí ficava por isso mesmo? Sua mãe não...
R – Não, ficou por isso mesmo. Ficou, e muitos anos ela aguentou isso, muitos anos mesmo. Quer dizer, depois ela não aguentou mais.
P – E aí? O que ela fez?
R – Aí, ela saiu de casa, ela foi morar com um tio meu, nós moramos um tempo com ele, e aí levou uns dois anos, eu acho, aí ela tornou a voltar com ele, viveu um tempo. E aí depois disso, dessa volta de lá, a minha irmã mais velha foi jogada de casa, ele não aceitou que ela engravidou. Essa briga foi em 72... 70, 72... Ela saiu de casa e foi morar em outra casa. Nós ficamos, depois que a mamãe voltou de novo com ele e aí viveram um tempo de novo, continuaram de novo do mesmo jeito, batia, aí ficou mais violento, já batia nela e era cacetada (risos).
P – Ele era forte?
R – Não, não era tão forte, acho que ele foi muito bom de briga antes, ele era muito bom de briga. A família dele sempre brigou bastante.
P – Mas assim, por exemplo, vocês quando cresceram, se ele queria bater na sua mãe, vocês reagiam ou não?
R – Não, nunca reagimos, porque depois, a partir dos 14 anos, eu fui morar com a minha irmã mais velha. Daí ficou mamãe com os menores, no caso. E aí ficou meio difícil, porque nós trabalhávamos juntos e eu morava com a minha irmã. Quem vivenciou isso foram meus irmãos mais novos, no caso da Raimunda pra baixo que ficaram com a mamãe. Aí, um irmão mais velho do que eu, ele tinha jogado fora de casa, ele brigou com ele, saiu e esta saída, ele não voltou mais. Só nas lembranças. E aí saíram três irmãs minhas, que foram pra Belém, morar em Belém, no caso, primeiro foi a Carmelinda, depois foi a Eneida e por último, a Carmelinda veio e levou a Maria do Carmo, uma que era criança, depois de mim. Daí ficou só os menores com a mamãe.
P – Que eram quem?
R – O Manoel Sebastião, a Germana, a Raimunda e o Galdino.
P – Eles ficaram com ela nessa situação depois que sua mãe voltou?
R – Sim, sim, é.
P – Seu pai já estava mais violento?
R – Exatamente, mais violento, aí...
P – Qual foi o efeito de tudo isso?
R – A minha irmã... Como ela adoeceu um bocado, a mamãe, a minha irmã que estava pra Belém levou ela, ficou uns dois anos lá em Belém, quando ela voltou foi tentar viver com ele, mas não conseguiu não.
P – Mas e as crianças, foram pra Belém?
R – Foram, os dois mais as crianças, os três: o Manoel Sebastião, a Germana e o Galdino. Aí, ele foi com ela. A Raimunda ficou com uma família, para cá pra Juruti e eu fiquei com a minha irmã lá.
P – Qual irmã você ficou?
R – A Maria José, a mais velha.
P – Ela casou?
R – Não, não casou.
P – Ela veio morar aqui?
R – Não.
P - E por que você foi morar com ela?
R – Porque ela tinha uma casa lá de um vizinho que tinha saído, ela foi morar na casa e eu fui morar com ela. Porque ela teve uns filhos que não teve casamento, mas vários filhos, aí...
P – Ela teve filhos fora do casamento?
R – Sim, sim.
P – E aí seu pai...
R – Foi, aí papai não gostou... Depois que ela saiu de casa, não voltou a morar em casa.
P – Mas ela chegou a ter marido?
R – Ela tem homem com ela hoje. Ela vive com um homem já.
P – Ela tem quantos filhos?
R – Deixa eu conferir... Roseneide, Sônia, Roselene, Marlene... Aí, tem Roseli, Rosalina, o Antônio, um homem e a Rosene... São oito filhos.
P – Do mesmo homem, não?
R – Não. Teve pais diferentes. Ela não viveu com eles, aí ela ficou... Desde setembro de 78... 79... de 79 ela conheceu um rapaz, um colega nosso, aí viveram bastante tempo, depois se juntaram. A partir de 80...
P – Estão juntos?
R – Estão juntos ainda.
P – E ela trabalha no Castanhal?
R – Trabalha no Castanhal. Trabalhou em roça, sempre. Ela que ajudava mamãe. Morava na outra casa, mas trabalhava junto.
P – E ela faz igual a sua mãe?
R – A mesma coisa, tudo de novo. Aí, como eu já era maduro, a partir dos 14 anos, a gente começou a fazer roçado, já trabalhava, ajudava a fazer roçado. Eu fazia o roçado.
P – Você passou a fazer o trabalho do seu pai?
R – Exatamente. A cada roçada a gente aprontava junto. Convida bastante gente pra fazer plantio. Faz pra roçar, derruba, derriba e faz também pra plantio. Capina de roça, limpeza de roça, do terreno de roça...
P – Você roçava e já era pra sua irmã e pros seus irmãos?
R – Isso. Fazendo isso até 82.
P – 20 anos?
R – Isso. Daí de lá eu juntei... eu casei...
P – Você casou ou juntou?
R – Eu me juntei com uma mulher e eu casei só em 85.
P – Com essa mulher?
R – Com essa mulher.
P – Peraí, vamos voltar. Você estudava nessa época?
R – Estudava. Quando trabalhava, sim, estudava! A gente andava meia hora, vinha trabalhar na Justina e voltava meio-dia pra estudar à tarde. Quando estudava de manhã, de tarde vinha embora pra ajudar eles. A gente estudou à tarde. Sempre vinha de manhã, de tarde, meio-dia voltava pra ir estudar.
P – Todos vocês?
R – Mais eu. Mas depois sempre seguiu... Os outros sempre estudaram também.
P – Por exemplo, sua mãe sabe ler?
R – Não.
P – Seu pai?
R – Também... Ele sabia um pouquinho só. Um pouquinho.
P – Quer dizer, dos irmãos, quem aprendeu a ler?
R – Não, os outros sabem ler todos. Todos sabem ler, mas no caso que quem terminou o ensino médio ainda fui eu. Os outros terminaram o primário, mas ainda não continuaram a fazer o ensino médio.
P – Esse primário, essa escola era todo mundo junto?
R – Todo mundo junto. Seriado aí. ABC, cartilha, que tinha isso antes. ABC, cartilha e primeira série. Aí, se tivesse na segunda série, tudo era só...
P – O que você estudava?
R – O ABC. Pra estudar, aprender. Conhecer as letras. Era violento que só e eu tinha muita dificuldade pra aprender. Muita dificuldade. Eu garanto que umas três professoras que eu estudei durante uns três anos não saía do ABC. Não saía... Quando começava a ler o ABC, porque tinha um ABC que era alfabeto maiúsculo, minúsculo, do meio do ABC pra lá já começava as sílabas, começava a juntar as letras, aí eu parava tudinho...
P – O que acontecia, quando você olhava o que te dava?
R – Não entendia mesmo, juntar as letras. Juntar...
P – Peraí, você juntava o a com bê...
R – Exatamente.
P – Você já não entendia...
R – Já não ia mais. Depois eu deixei o ABC e passei pra cartilha. Aí, ensinaram a soletrar.
P – O que era a cartilha?
R – Era um outro livro diferente do ABC, que não tinha mais as vogais, não tinha mais nada disso. Já começava a ensinar a ler mesmo.
P – Isso depois de três anos que você entrou na cartilha?
R – Exatamente.
P – E aí, melhorou ou piorou?
R – Melhorou, porque a gente só ficava a partir dos 10, dos 9 anos, a gente começava a estudar, que não tinha aula, não tinha professor, a partir daí.
P – Como é que foi? Você olhava só no livro?
R – Pois é, sim. Olhava no livro, por isso que eu tô dizendo, a gente entrava nos 10 anos... Nos 11 anos, aí eu fui passar pra cartilha, pra ler, pra começar a ler. Nos 11 anos.
P – Mas não tinha professor?
R – Tinha. Começou a funcionar, ter professor. Porque antes era só uma professora que tinha, dona Mariaísa, quando eu comecei a estudar. Dona Mariaísa foi a primeira professora, depois dona Iolanda. A primeira professora que eu estudei foi dona Mariaísa Barbosa.
P – Quantos anos você tinha quando você entrou?
R – Possivelmente uns sete anos.
P – Você e quem mais dos seus irmãos foi?
R – Eu estudava... Da minha turma eu e o João. Ele era muito inteligente.
P – Você tinha sete e ele tinha?
R – Ele é de 60. Ele tinha dois anos a mais do que eu.
P – Vocês iam juntos?
R – É.
P – As meninas não iam?
R – Não. Nenhuma, porque não tinha pra elas estudarem.
P – Por quê? Só iam os meninos na escola?
R – Só.
P – Por quê?
R – Porque não tinha... Elas não estavam em período de entrar na aula, período de estudar.
P – Nem as mais velhas?
R – Não, as mais velhas tinham saído.
P – Mas elas tinham ido na escola?
R – Só tinha a Maria José e a Maria de Nazaré. Elas já tinham estudado um pouco e não quiseram mais continuar estudando não.
P – Então, iam você e o João pra escola?
R – Sim.
P – Vocês ficaram uns três anos... Vocês estudavam juntos, as mesmas coisas?
R – Sim, sim. Mas ele era mais inteligente do que eu. A gente estudava junto, ele tinha uma série a mais do que eu. Sempre teve. E era assim: a dona Mariaísa, depois da Mariaísa nós estudamos com a dona Iolanda, no caso eu, aí ele começou a trabalhar. Ele já estava com mais de dez e começou a trabalhar e parou de estudar também.
P – Ele ia pra onde? Pra roça?
R – Pra roça, trabalhar, ganhar um dinheiro à parte, por conta, pra ele mesmo. Ele não trabalhou mais com nós, era mais difícil. Trabalhava com outra família.
P – E ganhava dinheiro em troca?
R – Ahm?
P – Morava com vocês, mas ganhava dinheiro na outra família?
R – Não, não. Ele foi pra morar mesmo com a outra família. Porque houve o problema com papai, essas coisas. E aí ele foi morar...
Ajeitou uma namorada, mamãe não gostou, ele se mudou pra lá também. Aí, eles trabalhavam por lá com o pessoal. Ganhava dinheiro assim por fora. Pra se manter já.
P – E hoje, por onde ele anda?
R – Não, foi esse que morreu.
P – Ah, foi esse.
R – Foi o mais velho que tinha. E aí foi a dona Iolanda, depois da dona Iolanda eu estudei com a Odete,uns meses, porque era muito difícil de eu estudar, não era direto assim que funcionavam as aulas. Como uns meses, aí eu parava. Depois eu estudei com a Iris mais um ano e em 80 apareceu uma filha de lá que trabalhava em Manaus e lecionava com a gente. A gente pagava.
P – Vocês pagavam?
R – É, os pais pagavam, porque provavelmente os professores não ganhavam dinheiro, não eram pagos, não. Era muito difícil.
P – Elas eram da comunidade?
R – Sim, da comunidade.
P – E elas eram professoras por quê? Quem dizia que elas eram as professoras?
R – Não, porque elas já tinham... O pessoal mais antigo, que foi aumentando a comunidade, já era possivelmente mais 50 famílias já. Vinham longe, mas já... aí foi aumentando, aí tinha muita gente, muito analfabeto, aí elas saíram pra estudar pra cá pra cidade e aprenderam mais, aí ensinavam. O pessoal que tinha a oitava série já era professor formado.
P – Mas elas não eram professoras do Estado? Elas não ganhavam...
R – Não, não. Não eram do Estado não. Quer dizer, o pessoal começou a receber possivelmente em 79... Em 75 eles ganhavam gorjetas, as meninas. De 79 pra lá já foi aumentando mais o ganho, mas já era meio, a metade do salário, que elas ganhavam.
P – Que a comunidade que pagava?
R – Não, quando eles começaram a receber, os professores, quando começaram a receber. Mas antes era pago assim, dava uma pontinha de lucro, pro professor.
P – Quem que pagava? A comunidade mesmo?
R – A comunidade, os pais dos alunos mesmo.
P – Ela viveu com isso?
R – Viveu com isso. É, porque ela ia dar aula, mas a mandioca dela estava na gareira, aí qualquer uma folga o pessoal estava escrevendo uma coisa, ela ia lá na gareira dar uma...
P – Pegar a mandioca?
R – A mandioca dela, e é assim. E era assim. Já trabalhava com professora, mas tinha atividade da roça, a mandioca, pra fazer... Produzir uma farinha. Pra aumentar. Porque todos tinham família.
P – Ah, entendi.
R – E era assim. Aí, essa professora que veio, que é a Lucia, foi a última que eu estudei, até 82. Eu estudei a terceira série, veja só, até setembro. Eu tirei a terceira série e passei pra quarta série, mas não estudei a quarta série.
P – Quando você estudou, o que você sabia? Na terceira série...
R – Só ler, ler e um pouco de conta, essas coisas.
P – Você aprendeu a fazer conta?
R – Essa básica sempre... Eu era muito bom de fazer conta, eu era muito bom na matemática, porque era uma porrada... Se não soubesse, era palmatória, ela já ia gritar meu nome.
P – Quem que batia? A professora?
R – Se ninguém soubesse, a professora batia. Ela dizia um número, o número é tá. E aí...
P – Como é que era? Ela falava: “Três vezes três”...
R – Exatamente. Aí, se ninguém soubesse o resultado, ela ia: “É tanto”. Tinha que arder a mão. (risos) Aí é fogo, até pra aprender mesmo a tabuada, somar, dividir, multiplicar, as contas... Diminuir também. São as quatro operações, eu aprendi... Dificilmente eu errava um número. A gente estudou isso e depois paramos, era isso, aquilo, nossa... Em 79, eu já estava trabalhando na comunidade, como catequista num período.
P – Eu ia te perguntar isso. Sua mãe era católica, seu pai?
R – Católica.
P – Tinha igreja na comunidade?
R – Tinha. Sim.
P – Ela era muito católica?
R – Muito católica. Domingo, ia às festas, todo mundo ia. Naquele dia, não tem trabalho que tirasse de lá. Tinha que estar na missa, na celebração, nas festas de santo, ninguém falhava de ir nessas festas. O padre passava por aqui, começou a trabalhar aqui em Juruti e aí chamou o seu Rolim pra trabalhar na comunidade. Foi dirigir a comunidade.
P – O padre?
R – Não, o seu Rolim.
P – Quem era o seu Rolim?
R – É um morador de lá. Ele trabalhava em comunidade, era um dos dirigentes que trabalhou na igreja. Nesse período se monta uma igreja.
P – Quem construiu a igreja?
R – Ah, o pessoal lá. Era o João dos Santos, era Beloca, era o Luiz Carobeira, o Américo, Rossi, esse pessoal que trabalhava, que desmataram e fizeram a igrejinha. E aí o Rolim foi o primeiro dirigente lá, no Castanhal.
P – Eu não entendi. O Rolim era da comunidade?
R – Não, ele era de uma comunidade próxima.
P – Mas ele era castanheiro também?
R – Não, não.
P - Ou ele era mais rico?
O que ele era?
R – Não, não. Não era mais rico, não. Ele trabalhava com um senhor chamado Antônio Albuquerque, ele tinha um comércio, era Antônio Albuquerque, ele trabalhou e depois que namorou a filha do seu Sebastião, a partir de 72, por aí, 74, foi morar no Castanhal.
P – A filha de quem?
R – Sebastião...
P – Que é...
R – Batista.
P – Quem é o Sebastião Batista?
R – Era um morador, conhecido nosso...
P – O seu Rolim casou com ela, quer dizer, foi morar com ela e aí ele foi da comunidade.
R – Exatamente. Ele foi morar lá no Castanhal.
P – E aí com a vinda dele, o que mudou?
R – Aí, foi montada a igrejinha, porque a gente ia participar de missa na Tabatinga, na missa a gente ia, era uma vez por ano ou pela festa, ia na missa lá em Tabatinga, que o padre só ia na Tabatinga, ele não ia visitar outras comunidades. Então, em 64, que foi feita a igreja.
P – O padre passou a ir lá?
R – Passou a visitar lá.
P – Ele ia lá muito? Ele ia quantas vezes por ano?
R – Uma vez por ano.
P – Mas vocês faziam a missa todo o domingo?
R – Todo domingo.
P – Quem fazia a missa?
R – O Rolim.
P – Ah, ele fazia a missa?
R – O Rolim. É o padre lá.
P – E qual eram as principais festas?
R – Nossa Senhora de Fátima, que era nossa, que é padroeira aqui da vila. São Raimundo e Santo Antônio, que sempre a gente vê festa aqui. Nossa Senhora de Fátima e São Raimundo, que fazia festa lá na vila mesmo, era mais esses dois mesmo. Santo Antônio também tinha mais duas festas, mas não era tanto. Mas São Raimundo era todo ano.
P – E o que tinha na festa?
R – Então, era de mastro. Festa de mastro...
P – Como é que é?
R – Ele sai nas caixas, ajeita os foliões, eles saíam... A festa era 30 de agosto, 31 de agosto. Na semana da festa ou um mês antes, eles saíam nas comunidades, pra angariar fundos, donativos. Porque nas casas que iam, sempre davam alguma coisa... Fazia festa, que a festa era de graça, almoço, janta, os dois dias ou três dias de festa almoço era por conta do que já tinham dado. Tem o mastro, no mastro tem uma bandeira. Aquele que pegar a bandeira quando for derrubada, ali você vai festejar no próximo ano. Era assim a regra pra fazer. Quem conseguiu pegar a bandeira, no outro ano ele era o festeiro.
P – Ele era o dono da festa?
R – Ele ia fazer a festa. Era no mesmo local, mas o festeiro era outro.
P – E aí, quem fazia a festa mais bacana tinha um reconhecimento?
R – Não. Todo o ano fazia. Às vezes repetia no mesmo lugar, às vezes mudava. Quem queria fazer, fazia uma promessa pra fazer a festa e dava tudo de pegar a bandeira, pra fazer a festa no próximo ano.
P – Por que era bom ser festeiro?
R – Ele pagava promessa, fez algum voto pra ir, receber... Você tinha que fazer a festa naquele ano.
P – Tinha outras festas que não eram católicas? Outras crenças que não eram da igreja, no meio?
R – Não. No período era só mesmo católica. As outras festas que nós tínhamos, nós tínhamos como pastorinha. No meio de junho era animada a comunidade lá a comunidade, mesmo pequena assim... Tinha muita brincadeira... Era pastorinha, quadrilha...
P – Quadrilha? São João?
R – Quadrilha. Sempre teve. Uma outra brincadeira que tinha era o tangará. Tangará é um passarinho. Era um senhor que fazia a festa, todo o ano o tangará, o passarinho.
P - O que é a festa tangará?
R – É um passarinho. Um passarinho que tem lá, aqui na mata e aí festejava ele. Danças.
P – Sua mãe rezava em casa?
R – Rezava.
P – Pra quem que ela rezava?
R – Mamãe rezava as rezas principais, a Ave Maria, o Pai Nosso, todas essas rezas da igreja...
P – Você aprendeu tudo isso?
R – Exatamente.
P – Vocês rezavam antes de comer, por exemplo ou não?
R – Não, antes de comer não, mas antes de dormir era seguro. Pelo menos isso... Não podia dormir sem rezar.
P – Agora, não tinha nenhum outro santo nada, assim, de outra...
R – Não, tinha. Mas os que eram festejados mesmo eram eles mesmo. São Raimundo.
P – Que é o santo do quê?
R – Do mês de agosto. Mês de agosto se celebra São Raimundo.
P – Fátima se celebra em...
R – Em maio.
P – E o outro santo é Santo Antônio, que é de junho?
R – Santo Antônio é de junho... Mas ele não era muito...
P – Vamos voltar na escola, quando você tinha 20 anos, o que aconteceu que você mudou de vida? Você mudou de vida com 20 anos?
R – Não, eu mudei... Quer dizer, em 89 eu voltei a trabalhar, fui trabalhar na igreja para catequista, trabalhei de 79, participei do primeiro encontro de Campanha da Fraternidade, participei pela primeira vez da Campanha da Fraternidade. Seria “Preserve o que é de todos”. Isso aí eu me lembro bem.
P – Que era que você tinha que fazer?
R – A gente vai aprender sobre a natureza e ligar com a Bíblia. Questionamento: a natureza, que já estava em foco, né, e a Bíblia... A gente vai aprender lá e vem pra comunidade.
P – Isso era o que você fazia: você ia conversar...
R – Exatamente, foi todo esse tempo. Trabalhei de 79 a gente saía pra participar nas comunidades, vinha pra cá pra Juruti, curso. Fiz Fé e Vida, fiz reciclagem...
P – Na igreja daqui?
R – É.
P – Você pode me explicar melhor? O que é aprender a natureza e ligar... me dá um exemplo?
R – Então, começa assim: a exploração, a derrubada da Amazônia... A igreja vê o que está em foco, o que está sendo degradado mais e coloca um tema, pelo período da Quaresma, pra ser questionado nesse período. Qual a ligação da natureza com o ser humano? E a igreja? O que tem a ver isso? Foi o aprendizado maior que eu tive.
P – O que vocês discutiam?
R – Como podia ter um relacionamento mais amigável, a gente não podia derrubar tanto. Não tinha muito esse conhecimento assim, mas pra mim, hoje, foi o pontapé inicial que a igreja deu por causa do relacionamento humano e a natureza.
P – Você ia na Bíblia ver como o ser humano se relacionava com a natureza?
R – Exatamente. Entender esse do sagrado com o humano. A igreja em si, ela foi o maior marco na história daqui da Amazônia... Que a gente começou assim a questionar mesmo, como vamos nos relacionar com a natureza. E aí, começa assim as invasões do lago, na nossa região, começou a entrar geleira.
P – Quem que entrou?
R – A geleira. Pra explorar os peixes, pra exploração de peixe. E aí começa a ter as bubuias, as malhadeiras grossas. Aí, começa a fazer o circo, pegar os peixes. E já não entra mais porque ele quer... Se boiar um pirarucu na enchente, ele mete o peixe no circo lá e vai, morre mesmo. Mata todos os dois... Esse consenso começa a vir à tona na nossa região. Aqueles que têm mais dinheiro começaram a produzir as malhadeiras grandes, arrastões... Quem tinha poder começa a esvaziar os lagos. Os maiores compram os lagos que têm mais, no caso o nosso lago, que tem mais de 20 comunidades que usufruem dele, é aberto. Nesse período aqui, o pessoal invade muito. Vem enxerido até de Santarém. Conseguiu vir até de Jacareacanga, vinha um pessoal de geleira... A gente não tem essa organização muito forte pra fazer, pra se contrapor a isso. Então, a comunicação é muito longa, ela vem precária pra nossa região aqui. No caso, os órgãos eram muito mais... Ninguém tinha nenhum de defesa, no caso o Ibama, como hoje tem. Pra falar a verdade, eu não sei qual era o órgão que poderia defender nesse período. Mas era assim, a igreja foi o carro-chefe...
P – Nós estamos falando, Manoel, do quê? Dos anos 80?
R – Não, de 79.
P – As geleiras foram chegando em que ano?
R – É, a partir de 79 elas chegaram, mais empresas. Que antes, quando ia pescar, no lago, era fechado assim no lado, vinha é cardume mesmo, vinha muito. Peixe dava muito. A gente comia peixe escolhido. Depois disso. Eu queria lembrar um pouco da minha história a respeito pra chegar em 80. Com a chegada do padre Afonso, que hoje é o nosso padre mais antigo que tem aqui, que ele chegou possivelmente em 74, 72. Ele foi o carro-chefe. Nós fomos montar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais...
P – Com o padre. O padre é que motivou vocês?
R – Exatamente. Motivou pra fazer essas coisas. Ele já previa tudo o que poderia acontecer pra cá, pra Amazônia. Como tinha acontecido no sul, poderia acontecer pra cá, pra Amazônia. Essa invasão desse pessoal. Tem muita mata, muita área, o chão é imenso. A gente começou a mobilizar os trabalhadores rurais pra...
P – Junto com a igreja?
R – Junto com a igreja. Ela saiu do seio da igreja, dessas organizações.
P – E esse passou a ser seu trabalho também?
R – Eu trabalhei no Sindicato dos Trabalhadores Rurais, era simpatizante... Eu fui ser sócio a partir de 86, mas de 80 eu já trabalhava, eu trabalhei como secretário do sindicato, lá na região. Porque em 79 fundou a sede, ainda era uma sede, uma delegacia. Óbidos era a entidade representativa. Aqui era uma sede. Só em 80, 79, a gente montou aqui uma entidade mesmo, o Sindicato de Trabalhadores Rurais.
P – Deixa eu te fazer uma pergunta: era fácil montar, por exemplo, a polícia ia contra, o governo...
R – Tudo. Tudo.
P – Como é que era?
R – Eu em especial não enfrentei essas coisas. Mas os outros, no caso o Silveira, o Osvaldo que é meu parceiro, que ele sabe essa história, a trajetória. Porque no período era o governo, era a polícia, tudo era contra os trabalhadores. Ninguém podia se reunir, trabalhava no fundo da igreja. O espaço, o único espaço que nós tínhamos era na igreja.
P – Eles invadiam a igreja?
R – Não, mas fora, a equipe da polícia estava por lá sempre. Ninguém podia se manifestar, não tinha nada. Então, na década de 80, em 82 por aí teve mais espaço, a turma foi entendendo, aí mobilizaram mesmo. Foi abrindo espaço, mas era assim, se a gente ia fazer uma passeata a partir de 80, de 82, ia fazer um manifesto, a polícia estava vigiando a gente. Sempre vinha a polícia, aumentava nesse período o contingente de policial para reprimir os trabalhadores.
P – E a luta de vocês nessa época era o quê?
R – Sobre a documentação especial própria pro pessoal, porque ninguém tinha...
P – Da terra?
R – Não da terra, isso até agora não teve. É documentação pessoal, reconhecimento de classe, trabalhador...
P – De ser trabalhador.
R – De ser trabalhador e a mobilização do povo, a reunião dele com a central pra questionar os seus direitos.
P – Poder ter um sindicato.
R – Exatamente. Ter o sindicato e daí questionar o direito que ninguém sabia se tinha.
P – Por exemplo, vocês já discutiam nessa época que a geleira não podia chegar e pegar...
R – Exatamente. Já não podia chegar, o peixe poderia acabar, extinguir, então, isso é falação. A derrubada muito grande... Vai o questionamento, você pode derrubar na cabeceira do igarapé que vai secar? O lixo que era produzido, que começou, depois da década de 80, chegou muito na nossa região. Antes a gente tinha era panela de barro, cuia... Esse era o material que a gente usava nas casas. Prato, possivelmente era de barro, sempre feito de barro. Colher que tinha que comprar mesmo, ninguém fabricava quase. Quando não tinha colher de pau, tinha uma canuinha que junta na natureza, aquela partinha servia de colher também. Os moleques lá gostavam muito dela, de usar como colher.
P – E aí, em 80, o que começa a chegar?
R – Começa a chegar o desenvolvimento pra Juruti. As classes começam a se organizar. É implantado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que ainda não era da classe, mas já foi montado. Em 82, a gente toma, quer dizer, volta pras mãos dos trabalhadores rurais, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais...
P – Conquistaram a direção?
R – Conquistaram a direção.
P – E aí o que vocês começaram a fazer?
R – Aí, questionamento sobre a demarcação das terras, fazer os piques nas comunidades. Esse é o trabalho das delegacias sindicais. Então, incentivar o trabalhador a demarcar a sua área. Como pro sul, os grileiros já demarcavam muitas áreas de terra, então a gente tinha que demarcar a nossa. Isso era a nossa garantia. Na minha área de terra ter pique do lado e do outro. Ou cabeceira. Ter com quem extremar.
P – Mas isso era reconhecido? Você fazia o pique, você demarcava?
R – Era uma garantia maior.
P – Você transformava isso num papel?
R – Eu sempre fazia um histórico de posse, mas a grande maioria não fazia isso. Bastava ter o pique confinante aí, isso já era uma garantia pra nós.
P – Mas o cartório do governo reconhecia?
R – Não. Quer dizer, me parece que se você estivesse lá, morasse lá bastante tempo, então já era uma cartada, o sindicato já ia defender aquela causa...
P – Tinha outras pessoas querendo a terra?
R – Não, porque sempre o pessoal demarcava essas áreas nossas, só pelo mapa. Quando chegava assim: “Olha, essa área é minha”. Se não tivesse nenhum pico, nada... Não acontece muito na nossa região, no Castanhal no caso não aconteceu isso de chegar gente: “Essa área é minha, pode sair”.
P – O problema de vocês era mais as geleiras? O peixe?
R – Não, o peixe sempre foi isso.
P – A derrubada da mata também.
R – A derrubada da mata, essas coisas...
P – Assim, onde que eles derrubavam a mata se a terra era das pessoas?
R – Pois é. As cabeceiras. Essa foi a conscientização. A cabeceira nossa não pode ser derrubada pelo menos 50 metros, as cabeceiras.
P – Mas quem vinha derrubar?
R – Não, era a gente mesmo.
P – Ah vocês mesmo que...
R – A conscientização era nossa mesmo.
P – Vocês estavam derrubando e era pra vocês mesmo pararem.
R – Exatamente. O prejuízo.
P – E o pessoal, começou a entender? Era difícil?
R – Muito difícil, muito difícil. No caso, o Castanhal, que coberto de castanheira, os castanhais mais próximos foram derrubados todos.
P – E quem que derrubou? Vocês mesmos?
R – É. Os donos da área.
P – Eles derrubavam por quê?
R – Fazer campo.
P – Pra fazer o que no campo?
R – Pra fazer campo, pra plantar capim, pra criar gado.
P – O que mudou foi o gado?
R – Exatamente, criar, aumentar a criação de gado.
P – Se pai não derrubou o castanhal?
R – Não, não. Que ninguém tinha gado, mas quem tem gado começa a derrubar pra criação...
P – O gado chegou quando? A ideia do gado?
R – Não, já tinha. Tinha o gado, mas eles ficavam na terra firme, na várzea, sempre na várzea. Quando enchia, a gente andava na mata mesmo. Depois, desperta pra fazer campo de várzea em terra firme. Aí começa a derrubada.
P – Isso você tinha que idade quando despertou pra fazer campo?
R – De 79 pra lá a coisa...
P – Foi uma coisa que chegou?
R – É, também.
P – Veio gente de fora trazer a ideia do campo ou não?
R – Não, porque eles foram criando o gado. Antes não tinha a ideia de fazer o campo... No caso do Amaral, eles tinham visto fora da comunidade.
P – Eles tinham visto isso em outro lugar?
R – Em outro local, em outras comunidades mais próximas. Começaram a fazer campo.
P – Pro gado?
R – Pro gado.
P – Pra vender a carne pra quem?
R – Pra quem comprasse, pra fora. Vende pra fora. Mais era pra Manaus. Tinha comprador que passava pelo Castanhal e levava o boi pra Manaus.
P – Mas o matadouro era aqui mesmo?
R – Não, já tinha aqui, mas o gado que saía daqui era tudo pra Manaus, a grande maioria.
P – Mas saía vivo ou saía morto?
R – Vivo.
P – Ah, ele catava o gado vivo?
R – Vivo.
P – E aí pararam de colher castanha e a mandioca, o que aconteceu...
R – Pararam de colher castanha. A castanha foi parada. Tinha algum terreno que ainda tinha, que colhia, mas castanha era do seu Silvério e do seu Hildebrando. Esse que ainda tinha mais castanha. O resto é pouquinho, só pro consumo, às vezes.
P – Por exemplo, na sua terra, da sua família, o que aconteceu?
R – Eu saí, nós saímos, o outro, que era o outro dono que comprou a área, ele derrubou tudinho a área onde a gente juntava castanha, foi derrubado tudo. Tem poucas castanheiras agora. Foi feito o campo.
P – E ele trouxe o gado?
R – Trouxe o gado, é.
P – Hoje a sua mãe vive onde?
R – Ela vive no Castanhal mesmo.
P – Mas não faz mais a mandioca?
R – Não, que ela é de 34. Ela tá com 84 anos, é?
P – Ela vive do quê?
R – Hoje ela cria umas galinhas, ovo de galinha, pato e o aposento. E aí, como eles se separaram, depois disso, ela não voltou mais com ele depois.
P – E seu pai, onde está?
R – Hoje ele mora junto com ela, porque aí ele sofreu um acidente no olho, deu problema, depois ele morava sozinho, morava nessa casa, na casa primeira que era nossa. Ele morava sozinho, depois adoeceu, ficou cego do outro lado, foi morar... Como ele morava com um irmão meu, mais criança, depois a casa teve que ser feita, ele foi pra casa da mamãe, que ela já morava em outro lugar.
P – E ela aceitou?
R – Ela aceitou. Cuida dele. Cuida dele e duma irmã dela mais velha do que ela.
P – Sua mãe é uma coisa, hein?
R – É. Ela cuida deles ainda.
P – Mas ele tá manso, parou de beber?
R – Parou de beber, não enxerga... Só se levar pra ele.
P – Mas ele ficou sem um olho ou sem os dois?
R – Sem os dois. Ele não enxerga de nenhum lado.
P – Você conversa com ele, você vê ele?
R – Vejo sim. Sempre converso com ele. Ele é assim, não conversa muito, não é de muito conversar. Sempre foi fechado, sempre fechado. Porque nunca tive um relacionamento assim, muito amigável, de conversar muito. Não era muito de conversar. Ele conversa mais agora com um irmão mais novo, que viveu mais com ele.
P – Mas ele deixou de ficar violento?
R – Agora não tem outra saída. Ele reclama muito da vida que leva. Mas não tem outro jeito, ele vai levando. (risos)
P – E você e a sua mãe? Você tem um relacionamento grande com ela?
R – Tenho.
A gente conversa. Mas é uma pessoa muito fechada também. Se a gente leva pra conversar, puxar conversa, a gente conversa um bocado, agora se for terminar aquele assunto, acaba parando...
P – Com sua mãe também?
R – É, também assim, sabe? Conversa pouco assim. Quem mais frequenta mesmo, que vive lá, é o meu irmão mais criança, que é o Galdino.
P – Ele tem quantos anos agora?
R – Pra falar a verdade ele está com uns 30 ou 33 anos.
P – Ele vive com eles?
R – Não, ele tem a casa dele, já tem família também...
P – Mas ele frequenta?
R – Ele frequenta mais, ele vive mais lá, ele se doa mais, ele que ajuda mais mesmo.
P – Porque foi o último.
R – É o ultimo. Quando ele veio, papai estava precisando, que já estava ficando cego, foi morar com ele. E aí tá fazendo a casa dele agora, que o papai quer ir pra lá, pra onde era a nossa casa primeira. Que meu irmão tá fazendo.
P – Pra ele?
R – A casa dele lá.
P – Manoel, deixa eu te perguntar: você nessa época, então arrumou uma mulher? Com quantos anos?
R – Com 20 anos, com 22 anos ficamos juntos.
P – Conta pra mim como você conheceu, o que aconteceu.
R – Ela morava em Belém, era filha da região nossa, do seu João Amaral e ela foi pra Belém, pra Manaus, foi um tempo pra lá. Foi em 79, possivelmente, acho que 79, que ela veio, ela engravidou pra lá, veio e morou com ela. E depois em 80, 82, ela começou a trabalhar no Castanhal...
P – Ela tinha um filho já?
R – Já, tinha uma filha. Ela começou a trabalhar como professora, no Casulo.
P – Que é casulo?
R – É uma casa de educação que trabalha com criança de 3 a 5 anos. Ela trabalhou, foi a primeira tia, que antes era “tia do Casulo do Castanhal”. Foi feito um barracão e ela trabalhava lá, ela vinha da várzea, morava na várzea e vinha pra lá. Mas depois começamos a ter um relacionamento na comunidade, ela frequentou um pouco, ela não tinha isso de frequentar a igreja. Ela frequentava um pouco, eu trabalhava e ela começou se desenvolvendo, a gente foi se enamorando. E ficamos, aí acabamos ficando juntos.
P – Ela era bonita?
R – É, bonita.
P – Mais velha que você, ela era?
R – Mais velha do que eu.
P – Quantos anos ela tinha?
R – Oito anos mais velha do que eu.
P – Ela tinha uns 28 anos?
R – É, 28 anos na época.
P – Você se apaixonou por ela?
R – Acabei me apaixonando por ela e não tive outro jeito, ficamos juntos. Depois ela ficou grávida e aí, pronto, ficamos juntos (risos). Ninguém queria, ninguém, nem meus pais, nem os dela.
P – Por quê?
R – Uma diferença muito grande.
P – Da idade?
R – Além de ser idade, eles tinham um pouco mais, eles tinham gado, essas coisas e ela que viveu muito longe daqui, muito tempo. A infância dela foi em Santarém, Belém, essas coisas, aí ela veio ficar comigo pra cá. Eu não tinha nada.
P – Acharam que você era muito capiau pra ela.
R – É, não tem nada. Não tem nada pra oferecer, vai ficar... Vai ser um sacrifício dos diabos.
P – Os pais dela achavam?
R – Ah, sim.
P – E os seus, por que não queriam?
R – Por conta disso também. Mas aí, depois, quando eu disse pra eles que eu queria ficar com ela, meus pais foram pedir. Foram pedir a mamãe e o papai. Eles já estavam separados, mas foram pedir pro seu João Amaral. Nenhum queria, disseram lá, nenhum queria e aí acabou se ajeitando assim. Mas nós ficamos juntos.
P – Mesmo contra?
R – Mesmo contra. Não dava pra casar, ela saiu da casa dela e foi da casa dos pais foi pra casa dum conhecido nosso. Aí, pra lá nós fomos ficar juntos (risos).
P – Você foi morar lá com ela?
R – Fui morar com ela. Passamos só uma semana lá, porque ela levou tudinho, o bagulho dela pra casa dela, que eu não tinha o que levar, era só uma rede e uma roupa. Ela ajeitou o bagulho dela e no dia que os pais dela não estavam, foram pra casa de um conhecido nosso, que é primo dela, fomos morar pra lá...
P – E os pais dela, ficaram muito bravos?
R – Muito, quando chegaram, não tinha ninguém em casa. Foi o jeito buscar ela de volta, ela voltou pra casa, daí a gente foi ficar junto.
P – Ou seja, ela foi pra lá, você foi pra lá, e passou uma semana e eles foram buscar?
R – Foram buscar, aí manda voltar tudo de novo pra casa...
P – Com você aí?
R – Comigo já (risos)...
P – Morando com os pais dela?
R – Com os pais dela. E aí ficamos assim, esse tempão todo, porque aí ela já tinha ganho bebê.
P – Seu?
R – É.
P – Quer dizer, ela tinha uma filha...
R – Sim. Depois ela ficou grávida, do Alan, aí pra se juntar, ela veio ganhar o bebê pra cá, pra Juruti. Eu tive que vir pra cá, pra ajudar. Trabalhei com o pessoal carregando juta, essas coisas, pra começar, plantar o que comer pra ela e pra gente mesmo.
P – Vocês vieram morar pra cá?
R – Nós passamos aí um período. Um mês possivelmente aqui na cidade, depois ela volta pra lá. Vai trabalhar lá e eu continuei trabalhando de roça e ela trabalhava no casulo. Foi um no pé do outro. Aí, foram três filhos logo, rápido.
P – Ah, é?
R – É. O Alan, o Alex e Aline. Aí, pronto, nesse período ela trabalhou, daí eu fiquei em casa. Tinha que cuidar dos filhos.
P – Você que ficou cuidando dos filhos?
R – Fiquei cuidando dos filhos.
P – Por quê?
R – Porque aí ela trabalhava de manhã e de tarde.
P – Na escola?
R – Na escola, é. E aí eu ficava em casa pra cuidar da molecada.
P – Mas e o dinheiro? Só dela?
R – Dinheiro só o dela agora. Três anos assim, depois eu voltei a trabalhar, fazer roça, essas coisas, a trabalhar com os outros... Mas três anos, nós ficamos sem roça, só do dinheiro que ela ganhava.
P – Mas e aí, não dava necessidade grande, não?
R – A gente ia mantendo, era assim mesmo.
P – Dentro da casa dos pais dela vocês moravam?
R – Não, depois a gente morava pra fora. Fomos morar... Eles moravam mais fora, no retiro, no caso, na várzea. E aí eles moravam e nós morávamos do lado, em terra firme.
P – Antes da gente continuar, como é que ela chama?
R – Marisa... Era Marisa do Amaral, agora como somos casados no civil, Marisa Amaral da Silva.
P – Vocês casaram então, no fim?
R – Casamos.
P – Ela é sua mulher até hoje?
R – É. Nós casamos às escondidas... (risos)
P – Ah, como é que foi?
R – A primeira vez, nos casamos até duas vezes no civil. Que a primeira vez nós casamos lá quando o pessoal estava casando com os pais, ninguém de casa estava, só nós, sacamos no civil primeiro. Como passou a validade do período, porque lá no cartório, com 30 dias tinha que casar o religioso pra poder valer o casamento.
P – Ah é?
R – É. E aí ninguém casou nesses 30 dias, passou, parou. Perdeu a validade do casamento civil, mas a gente já estava junto. Já mais conciliadas as coisas. Não aceitavam, mas estavam vivendo. Porque nós ficamos na nossa casa e os problemas eram só nossos mesmo, ninguém queria mesmo... Tínhamos que resolver só nós mesmo.
P – Vocês perderam contato com a família?
R – Não, um pouco. Um relacionamento que a gente tinha, mas não tanto, não foi tanto, não foi briga mesmo. Depois que ficamos juntos, a gente já ia conciliando as coisas. Ninguém dependia das famílias, dos dois lados. O que der pra viver, é isso aqui mesmo.
P – Ah, por exemplo, quando nasceram as crianças, os pais dela não ajudaram?
R – Não, mais a dona Nazaré, que é a mãe dela, que a gente vivia mais junto assim... Mas o trabalho todo era nosso.
P – O dinheiro também?
R – Também.
P – Por que vocês decidiram que você que ficava em casa com as crianças?
R – Porque ela que trabalhava. Ela que era professora.
P – Ela ganhava quanto? Mais ou menos.
R – Uns... Garanto que ela começou a ganhar uns 20 cruzeiros. Ela começou a ganhar isso aqui. Como ela trabalhou em Belém, ela tinha fundo de garantia. Ela dava sempre no período de...
P – Quando ficava ruim?
R – No meio do ano, ela tinha um dinheirinho, aí isso ia ajudando, tinha fim.
P – Mas deu pra viver?
R – Nós passamos.
P – Vocês não ficaram com fome, com nada?
R – Não, isso não. Fome a gente não passou, graças a Deus. Não podia é comprar outra coisa, assim, mas fome ninguém passou.
P – E se as crianças assim ficavam doentes, qualquer coisa assim?
R – Ficaram.
P – E aí como é que vocês resolviam?
R – Vinha pra cá pra Juruti. Quando não era benzedeira lá, benzia, passava remédio caseiro, senão vinha pra cá pra cidade, era só na cidade mesmo. Ou benzedeira ou o posto que era aqui...
P – E aí resolvia no posto?
R – É, resolvia sim.
P – E ela trabalhando?
R – Trabalhando. Mas depois que eles cresceram mais, aí eu voltei a trabalhar de novo.
P – E você foi trabalhar onde?
R – Fazer roça, continuava a fazer roça...
P – Na terra de vocês?
R – Na terra nossa lá. O mesmo chão onde a gente trabalhava antes eu continuei a fazer a roça lá. E pra ajudar. A gente já conseguiu alguém pra ficar com as crianças. Os maiores ela já levava pro Casulo. E aí foi dividindo as tarefas. Mas antes eu sempre assumi tudo de casa, cozinha, lavagem de roupa, lava tudo!
P – É mesmo? Isso é normal, Manoel, ou foi uma coisa a parte, assim, o homem ficar...
R – Não, começou ter um bom impacto nisso. Porque antes era a mulher que fazia tudo, nós sempre em casa pra trabalhar... Mas depois, como eu trabalhava na igreja, sempre tive essa visão assim... As reuniões com as famílias, com o pessoal e aí eu tive essa visão que não era só ela que podia fazer, eu sempre fiz isso... Porque quando a gente saía de casa, quando a mamãe saía, a gente fazia isso sempre em casa, fazia comida pros menores...
P – Você já sabia também?
R – Era começar, não fazia bem, mas fui aprendendo. Eu fazia, varrer casa, lavar roupa, cuidar dos filhos, fazer comida, isso não tinha nenhum problema. E houve muita interferência, aí o pessoal começa a vaiar. Mas eu... não era pra eles que eu estava fazendo...
P – Na comunidade o pessoal começou a achar...
R – Sempre... Não me disseram. Mas minha própria família sempre via isso como um caso que era mandado, essas coisas, pela mulher, que tinha que fazer isso... Mas como eu não vejo por esse lado e nunca me disseram. Jogava seco, masnunca levei o caso a sério, acompanhei sempre...
P – Sua mãe achava errado?
R – Sim, sempre achou errado, meus irmãos achavam que eu estava fazendo errado. Mas eu achava que não. Eu que fiz porque o pensamento é: quem quis aquela vida, nós dois, então, tem que viver esse negocio aí. Esses problemas que acontecem, quem vai resolver somos nós mesmo. Não tem outro jeito. Vai pedir ajuda pra quem, eles vão ter que dizer que era isso, que eu sabia (risos). Então, a gente já sabe, vamos sobreviver contra isso tudo aí. E a gente viveu aí e depois do terceiro filho, passou dois anos, ela engravidou. Ela tomou remédio, ela passou muito ruim, tomar remédio anticoncepcional fazia muito mal pra ela, aí ela parou...
P – Pra não engravidar mais?
R – Pra não engravidar mais, aí parou de tomar e engravidou de novo, com dois anos da filha mais criança, aí ela engravidou de novo. Desse, ela teve que operar. Ela foi pra Belém, ela tinha uma irmã que morava em Belém e levou ela pra lá e ela operou e fez... como é? Ela parou de ganhar...
P – Laqueadura.
R – É isso mesmo, fez uma laqueadura.
P – Então, vocês tem quantos filhos?
R – Quatro só nosso, e cinco... São cinco.
P – Você passou, você assumiu a filha dela também?
R – É, porque ela chegou com ela e nós ficamos. Mas depois que ela passou dos dez anos, ela veio morar com os avós. Ele fez uma casa aqui... Ele vendeu a casa, fez uma casa aqui na cidade e ela veio morar pra cá, pra estudar e morar com ele aí. Nós só ficamos com os nossos mesmo.
P – Mas ela volta, vocês vêm?
R – Não, um relacionamento bom, sempre quando a gente vem, ela vai pra lá, não tinha nenhum problema até agora.
P – Vocês têm quatro mais essa, e aí você voltou a trabalhar?
R – Sim, eu voltei a trabalhar. Eu trabalhava com mandioca, roça, pra ganhar um dinheiro pra cá.
A gente foi trabalhando, aí depois de 79, em 82, fomos no PT aqui, levantei o PT... Em 82 eu não votei ainda nele, no PT, de 86 eu comecei a votar no PT, me filiei, ajudando a turma aí, na mobilização...
P – Você começou a ter esse trabalho de mobilização?
R – É, trabalhar nas comunidades. Eu já tinha como liderança de comunidade, como dirigente que chama, visitar as comunidades, sempre fiz isso...
P – Mas pela igreja você fazia?
R – Pela igreja.
P – Você ia lá e discutia com o pessoal?
R – Exatamente, ajudava as outras comunidades. Depois, com o partido, isso foi um marco. Nós tínhamos problema com família, porque um sempre saía. Ela ficava, era um ciúme, ciúme dos diabos.
P – Ah, ela tinha muito ciúmes de você?
R – Tinha muito ciúme, é.
P – Vocês brigavam?
R – Ela sempre quis dizer, eu nunca disse nada. A gente brigou, sempre ouvia assim, quando não dava certo eu saía de casa, pra esfriar, depois voltava, a gente ficava amuado uma semana, fazia tudo em casa, tudinho. O pessoal chegava, eu estava em casa, o relacionamento não estava bom.
P – Isso porque você viajava?
R – Exatamente.
P – O principal problema era esse?
R – Era viajar. Que ela ficava em casa. Com os filhos, porque era assim, sempre dentro da comunidade. Em 90, eu comecei a fazer uns cursos em Óbidos, pela igreja... E isso dava muito problema.
P – Curso de quê?
R – De capacitação de liderança. Esse é o texto. Formação de capacitação de novas lideranças. Pra poder trabalhar com o público. Em 92, eu, com o partido, eu era o único petista no Castanhal, acabei sendo convidado pra ser candidato (risos). Fui candidato em 92.
P – A vereador?
R – A vereador. Como o PMDB é a grande maioria, no Castanhal ainda tem muito, é uma maioria, e aí eu não consegui, só tive esses 27 votos no período.
P – Por que o pessoal do Castanhal foi evoluindo nessa discussão ou sempre foi muito difícil?
R – Não, sempre muito difícil. Politicamente ninguém consegue questionar, não tem essa visão. Ninguém discute. Até hoje, nós temos agora uns 500 eleitores no Castanhal.
P – E a maior parte vota em quem?
R – Vota noutro, ninguém tem um representante na vila. Vota pra outros de fora.
P – Por quê? Por que o pessoal é difícil?
R – Não, é difícil.
P – Você convoca uma reunião e ninguém vai?
R – Não, sempre vai, mas pra questionar isso aqui não consegui, não fizemos nenhuma vez. No caso, nessa vez que eu fui candidato, em 92, eram cinco candidatos só no Castanhal. Era eu, era meu cunhado, o Joaquim, era o Baruca e o Josino, me parece. Eram cinco candidatos só e ninguém se elegeu.
P – O pessoal votava em gente de fora?
R – De fora.
P – Por quê?
R – Não acredita... santo de casa não faz milagre...
P – E votava mais no PMDB?
R – É, sempre foi no PMDB.
P – Mas a pessoa do PMDB trazia algum benefício, como é que é? Comprava o voto?
R – Não, amizade. Porque antes do período de eleições, ele era muito carismático. Se dava com muita gente e aí como o PT estava surgindo, o PT que vai tomar terra, tomar mulher, vai fazer tudo isso, era um medo muito grande que tinha. E aí foi difícil... Até hoje ainda é difícil. Mas já aumentou mais. Mas é sempre isso, o candidato de fora. Nessa eleição passada tivemos um candidato, mas como ele foi anulado, a candidatura majoritária foi anulada, não saiu. Tem muitas pessoas que não se lançam mais candidato.
P – E a igreja, continua?
R – A igreja vai, ela continua.
P – Mas se o padre faz um sermão? Ele te ajudou na sua candidatura?
R – Não, porque no caso a igreja não entrava diretamente nisso. Politicamente, eles incentivaram mais reuniões, sempre foi incentivado, foi incentivado a escolher, a melhor escolha, aí desmonta o quadro... Ele montava o quadro das candidaturas, pra pessoa questionar qual era o melhor.
P – Pra discutir.
R – Exatamente, mas diretamente pra liderança, no caso pra mim, esse aqui é o melhor nome. Mas onde estava a grande maioria não podia fazer isso. No caso seria uma crítica enorme que a igreja estava incentivando a votar o contrário.
P – E aí, Manoel, nós estamos em 92. O seu maior trabalho era no PT?
R – Sim.
P – Você largou a roça?
R – Não, não largava a roça, porque aí é só voluntário. Ninguém ganhava pra isso, não. Ninguém ganhou pra isso.
P – Você vivia da roça?
R – Isso. Como foi aumentando o salário dela, ela trabalhou, surgiu um horário. E a gente trabalhava assim. facilitou, pra eu trabalhar mais fora.
P – Mas no que você trabalhava?
R – Incentivava mais no trabalho, trabalho da roça mesmo. Fazia isso, sempre trabalhava mais. Aumentou a produção.
P – O que você fazia na roça, o que você tava plantando? Mandioca?
R – É, continua a mesma coisa... A cultura nossa sempre foi isso. O sindicato sempre pedia pra diversificar. Mas sem apoio, sem planejamento, ninguém nunca conseguiu fazer isso.
P – Então, você fica na mandioca?
R – Na mandioca.
P – Agora você faz o trabalho da sua mãe, você rala, espera, tudo?
R – Não, agora não. Agora não rala mais com a mão.
P – O que acontece?
R – Tem motor, motor de serrar mandioca. Tem prensa já, faz uma prensa, porque antes socava, tipitiava assim na coxa. Pra uma fornada de farinha, você fazia quatro tipitiada de mandioca. E hoje você dá uma prensada, dá mais de uma fornada.
P – Rende muito mais?
R – Rende bem, trabalha mais, adianta mais o trabalho.
P – Esse material é do sindicato ou você comprou?
R – Não, eu comprei, é próprio. É individual, de cada pessoa.
P – Quais são as máquinas que você comprou?
R – Não, eu não tenho. Mas já tivemos um três e meio. Um três e meio que nós ganhamos de um projeto que a irmã Brunildes fez... A própria irmã Brunildes fez um projeto pra nós, que a gente pagava 10% da máquina e conseguia. As famílias tinham 10% pra pagar pra ela. A gente conseguiu. A única vez que nós conseguimos um motor pra nós mesmos. Mas a grande maioria, quase todos têm o seu motor de serrar mandioca.
P – Você não tem por quê?
R – Porque eu não comprei mesmo, não dava pra comprar. A preocupação era não passar fome. Se manter. É comprar o que vestir e comer. E aí, depois de 92, nós montamos a nossa casa, que ela foi primeiro de barro, era de taipa. Depois tiramos o barro, que era muito ruim, suja muito, fizemos de palha, cercamos de palha. Cobrimos com alumínio.
P – Ah, muito quente, não?
R – É. Alumínio, mas ele esfriava mais rápido que Brasilit. Nós mudamos assim. Depois nós tiramos.
P – Como é que era? Parede de palha e...
R – De alumínio.
P – E o chão?
R – O chão é piso.
P – Cerâmica?
R – Não, piso mesmo.
P – Terra?
R – Só com cimento. R – Não tem lajota, não.
P – Você que fez a casa?
R – Não.
P – Você pagou?
R – Exatamente, sim. Pago o carpinteiro. E depois bandalhou... Como a molecada é pequena, na parede eles bandalham muito a palha. Tivemos que tirar a palha e forramos de tábua. Ela está assim, ainda forrada de tábua... O chão de cimento, coberto com alumínio e está imensa nossa casa.
P – Foi crescendo?
R – É, foi aumentando, não dava mais espaço, aí vai aumentando.
P – Mas quem faz, você paga pra fazer?
R – É, sempre paga pra fazer, sim. Ela é forrada e de piso. Ela tem quase todo o terreno nosso, tem 22 metros... É a casa.
P – Mas ela tem quarto separado?
R – Tem. Nós dividimos cada quarto, porque nós temos quatro filhos. Então, dividimos, que era o pensamento, se cada um viesse já tinha um quartinho pra ele morar... Que eles sempre viveram conosco, os três meninos. E a Aline também. Depois o Alan saiu...
P – O Alan está com quantos anos?
R – Tem 24 anos.
P – E ele saiu pra?
R – Ele saiu, veio dar uma trabalhada aqui pra cidade, estudar pra cá, aí agora ele já tem mulher. Ele morava em Parintins... [A Marisa], muito apegada aos meus filhos, chorava de saudades e aí queria que eles estivessem perto dela, aí ajeitou o trabalho lá. Ele tá morando lá agora; tem dois filhos. Daí, o Alex com a Aline estão aqui, e o Aluan também, os três agora.
P – Quer dizer,não tem mais ninguém lá?
R – Agora está só o Alan com os dois...
P – Mas ele mora na casa?
R – Está morando lá com eles e ela. Eu vim pra cá também, a semana, fim de semana que eu vou pra lá. E foi assim... Quando foi 90, a década de 90, aí 2000, com a eleição do Henrique, primeiro pleito, fui chamado para assessor comunitário.
P – Você começou a trabalhar na prefeitura?
R – Primeiro a prefeitura, sim.
P – Você começou a ganhar pela prefeitura?
R – Comecei a ganhar pela prefeitura.
P – Você largou a roça?
R – Não, eu sempre faço... Sempre faço.
P – Que horas você faz isso?
R – Um paga, outro... A hora que dá uma vaga, a gente corre pra lá e faz.
P – O que virou o seu trabalho de assessor comunitário?
R – Seria a demanda que as comunidades têm pra ter a ponte mais acessível com o prefeito. Esse é o pensamento... Foi o pensamento do prefeito, em cada setor maior, tem um representante dele, no caso como Castanhal é uma vila, teria subprefeito e um assessor comunitário. Seria Tabatinga, Castanhal e Juruti Velho. Em Tabatinga e Juruti Velho funcionou melhor, Castanhal, não.
P – Por quê?
R – Porque aí nós não tivemos nem subprefeito e estava eu como assessor comunitário, mas não andou tanto como as outras comunidades.
P – O que tinha que andar?
R – Quer dizer, porque no pensamento ia fazer uma subprefeitura, ter um prédio, e pelo menos uma garantia, pelo menos dos 5 mil, o mínimo que tivesse lá, pra ajudar nas famílias, no caso. Porque lá tem água encanada, tem tubo, tem um pouco de cimento, tem prego, essas coisas pra qualquer coisa, uma emergência. Gasolina. Tirar madeira pra fazer as pontes. Não aconteceu isso, mas ele ajudou. Várias coisas, só não tive esse prédio e não tive como lutar como está no projeto. Eu não consegui funcionar no Castanhal ainda. Desde o primeiro mandato até agora não funcionou.
P – Você não conseguiu por quê? Você tem ideia?
R – Acho que por causa de planejamento mesmo.
Ninguém sentou; a comunidade mesmo espera muito, não tem esse peso político...
P – Ela não faz.
R – Não. Não vem exigir. E aí, como a gente tinha mais essas terras, acaba ficando... Faz o requerimento, como não acontece, vai ficando pra lá. Tá assim hoje. Eu saí e no fim de 2007, meados de 2008, o pessoal saiu de Alegria, fim de 2006, eles passaram no Castanhal, foram numa reunião...
P – Fala. Aí, o pessoal saiu de Alegria...
R – Pois é, saiu de Alegria, passaram no Castanhal, fizeram uma reunião, umas três reuniões, depois levou o pessoal de saúde de Alegria lá, colocaram a proposta e nós aceitamos. Aceitamos que fosse ter um telecentro lá, da comunidade. Fizemos as reuniões e estava tudo encaminhado, ata, tudo... Nós preparamos tudo e foi. Foi 2008, passou o ano todo, quando foi o final, eles voltaram de novo, remexeu tudo. Veio o Paulo Lima e mais outro lá pra fazer reunião, já trouxe um computadorzinho, deixou lá, fez a entrega pra nós...
P – Tinha eletricidade lá?
R – Já.
P – Tinha internet lá?
R – Não, não. Não tem internet ainda, só o computador, só energia elétrica. Antes era a motor, funcionava das seis às dez, das seis às onze. Fim de 2008 ou 2009, com a chegada do projeto da Alcoa, aí veio a Vale do Rio Doce, entrou bem...
P – Junto com a Alcoa.
R – Depois da Alcoa, a Vale do Rio Doce veio fazer pesquisa, aí ela começou a perfurar lá por perto de nós e aí um dia eu estava conversando com uns parceiros e perguntei o que nós poderíamos fazer... O que ela estava fazendo.
P – Ah, porque ela chegou e não perguntou nada pra ninguém.
R – Chegou, não perguntou nada pra ninguém, foi lá no igarapé, contou lá a propaganda dela. O pessoal deixou ela fazer pesquisa lá. Nós fomos no retiro, fomos lá no São Mariano, viemos na prefeitura... Não sabiam de nada. Eles tinham passado tudo e estavam pra lá. E aí um dia nós peitamos eles lá. Se reuniram, subiram, nós fizemos eles baixar lá da serra...
P – Eles estavam lá em cima fazendo...
R – Já iam fazer pesquisa... Reunimos com eles lá e disse que tinham uma portaria, estavam fazendo pesquisa, que se tivesse alguma coisa, aí iam fazer...
P – Eles estavam procurando o quê?
R – Minério. Ele não disse que marca o minério, então: “Tô fazendo pesquisa”. “O quem tem de minério aí na região?” Eles já tinham perfurado aqui na área do Besouro, que é uma área que tem aqui mais perto de Juruti, já tinham perfurado vários furos. E aí estavam indo pra lá, nessas áreas nossas. A gente impediu essa primeira vez, depois foram fazer uma reunião de novo, aí até a gente conseguiu dar uma parada neles. Até agora eles não têm voltado pra lá, mas eles fizeram umas estradas, perfuraram por lá.
P – Mas vocês pararam eles?
R – Deu uma paralisada.
P – O que vocês queriam? A Vale chegou...
R – Aí, a Vale chegou. Nós fizemos todos esses encontros, reunimos todas as comunidades da área da gleba Curumucuri, nós fizemos visita...
P – Pra segurar a Vale?
R – É, pra mobilizar o pessoal... Nós fizemos duas reuniões no igarapé pra saber qual seria o caminho que nós iríamos, para se contrapor à Vale. O único caminho era formar uma associação. Já tínhamos o retrato da Acorjuve, lá de Juruti Velho, e seria esse modelo. Nós corremos atrás.
P – Fizeram a associação?
R – É, mobilizamos o pessoal, aí dia 28 de outubro de 2008... Foi em 2007 isso. Vai fazer 3 anos agora. Nós fizemos uma assembléia no Castanhal, tinha umas 2 mil pessoas. Toda a região aqui do Curumucuri, com a gleba Juruti Velho, com a Nova Olinda e com Santarém. Nós conseguimos uma boa turma. Elegemos a diretoria...
P – Você é diretor?
R – Não. Eu não fui diretor, eu trabalhei na mobilização, mas não indiquei meu nome, porque aí estava no governo,. Então, não podia fazer parte. Nós conseguimos eleger a direção e estamos correndo atrás dessa mobilização. Eu tive umas reuniões, logo eu participei, depois eu não participei mais.
P – Mas aí a Vale não voltou mais?
R – Ainda não. O pensamento seria ela tentar... Ela tá chegando, esse é um comentário, que ela tá chegando.
P – Mas vocês não sabem mais?
R – Não, eu não tenho ido nas reuniões, como é que tá... E hoje nós conseguimos várias reuniões, apoio, o presidente já foi a Belém, já falou com o governador e a última notícia que eu sei é que ela estava assinando o protocolo, pra fazer levantamento... Porque nós fizemos levantamento, mas pra fazer qual é o modelo de assentamento que o pessoal do Curumucuri quer. Então, já foi feito isso, já está aí o plano de uso, está essas tramitações... Nosso pensamento seria correr assim, porque durante os outros governos, eu nunca tive acesso pra ir, inclusive essas casas sociais, não tive acesso. Agora, com a vinda do Lula, com a Ana Julia e o próprio Henrique mesmo, as coisas chegaram mais... Tivemos mais acesso. Foi essa briga, correria pra gente conseguir montar tudo isso. É uma correria doida. O pessoal que está na direção luta muito pra isso. Eu estou com mais de ano que não participo das reuniões deles.
P – Mas Manoel, você continua na prefeitura?
R – Não. Depois que o pessoal de Alegria passou pra lá, depois de ter o computador lá, aí o seu Natanael foi, mais o Paulo Lima, mais umas duas pessoas, fazer a reunião e disse que tinha uma proposta de trabalho pra mim. Disse: “Se você for me ajudar aqui com mais tempo, o Manoel pode fazer parte do grupo de saúde de Alegria”, da entidade. Foi dito isso em julho. Quando foi em setembro eles ligaram, eu tinha uma ligação sempre com a família, com o pessoal, as amizades, então eu falei pro presidente do partido, falei com...
P – A família que você fala, quem é a família?
R – A família local em casa. A Marisa queria muito, porque trabalho em comunidade tem muito problema. Não dava pra ficar na prefeitura e tal, começa a mentir, vem fazer uma coisa, chega na hora não vem mais, a gente vai perdendo esse crédito... Porque estava mentindo. E aí foi isso, eu falei com o pessoal lá no Castanhal... Eles sempre apoiaram, que podia trabalhar e experimentar. Eu fiz uma experiência desde o ano passado, final de 2009, estava em outubro... Novembro que eu comecei a fazer parte do projeto de saúde de Alegria. Sem dúvida, quem fez essa ponte foi o Osvaldo, que eles pararam direto lá em casa
P – E qual é o seu projeto agora pelo Saúde Alegria? Qual é a sua função?
R – Eu sou técnico em organização comunitária.
P – O que você tem que fazer?
R – Falar e mobilizar... Mobilização... Vai ter essa parceria, qual é a comunidade que está querendo. No caso, nós trabalhamos de dezembro até fevereiro na Santa Rita, que é esse projeto, foi focado mais lá... E no início deste ano, quer dizer, agora no meio especialmente de março, aí aumentou, aí veio o Caio e aumentou o número; tem uns quatro computadores no Castanhal...
P – E o que vocês fazem com os computadores?
R – Aprender a digitar. Só isso ainda, aprender a digitar...
P – Ah, é isso que vocês estão fazendo?
R – É, aprender a digitar e tirar Xerox etc., e fazer alguns documentos.
P – Quem está ensinando pra vocês isso?
R – Olha, o Caio veio. Tive uns dois dias lá e o pessoal que está levando lá.
P – O pessoal da comunidade que está aprendendo?
R – Da comunidade, é. Porque pra funcionar temos que ter voluntários. Esse é o projeto, voluntários. Seria de primeira mão seria uns cinco, depois nós conseguimos quinze pessoas. Tem uns que desistiram, porque não foi, só trabalharam... Ele chegou quarta-feira, quinta-feira foi reunião. Tive reunião à tarde, de dia, quinta-feira tive só à tarde, possivelmente pela manhã de sexta-feira um pouco da noção do computador, pra trabalhar e ele foi embora, até agora ele não veio. Esses estão levando, ficou só apostila e eles estão trabalhando lá. Já tivemos umas dez reuniões lá com eles, porque dá muito esse negocio, dá muita conversinha... Então, precisa estar sempre reunindo pra animar o pessoal...
P – O seu trabalho é arrumar os voluntários também?
R – Não, porque foi eleito o conselho gestor lá. Provisório, pra mobilizar. Está a minha esposa, o pessoal do posto, tem das igrejas, que hoje tem igreja adventista, igreja Assembléia de Deus e a nossa. A escola, que cada um tem um membro lá, tem dois membros...
P – Pra cuidar desse projeto?
R – Exatamente, é. Foi eleito esse pessoal, estão trabalhando lá pra depois, possivelmente de julho, o mais tardar fim de julho, ser montada a internet lá.
P – Ah ta.
R – E aumentar o numero de computadores também. Possivelmente pra dez.
P – As crianças estão aprendendo também, os jovens?
R – Ainda não, porque tem dificuldade, mas o projeto é pra isso, beneficiar a comunidade e as comunidades do entorno, mais próximas. Então, o pensamento seria cobrar uma taxa, mas parece que o projeto não é dessa maneira. Porque ele não vai dar certificado, quem vai aprender só a manusear e depois só faz um curso pra ter a certificação.
P – Fora daqui de Juruti?
R – É, possivelmente. Mas aí, vai ser pra receber a dos trabalhos à parte, uso de internet...
P – Isso vai pagar?
R – Vai ter que ser pago.
P – E paga pra associação?
R – Sim, passa pra lá pra poder manter o funcionamento do telecentro.
P – Entendi. Quer dizer, a comunidade que vai pagar o telecentro?
R – Sim.
P – Deixa eu te perguntar: você me contou a mobilização da Vale. Vocês fizeram alguma coisa em todo esse tempo em respeito à Alcoa ou à Camargo Correia, como é que aconteceu?
R – Não é pra esse enfrentamento não, só quando foi pra ocupar aí a base Capiranga, que é a estrada... Aí veio o pessoal da nossa região... Vieram pra ajudar...
P – Mas ocupar, o que foi essa ocupação, você pode me explicar?
R – Ocuparam lá no beneficiamento.
P – Da bauxita?
R – Da bauxita, na base de Capiranga, eles ocuparam lá e como não estava surtindo efeito, eles fecharam aqui a estrada.
P – A ocupação queria o quê?
R – Voltar pra conversar. Exigir a direção da Alcoa pra estar aqui na reunião. Já tinha tido uma reunião no meio de julho de 2008, eu tive na reunião quando o Frank Feder veio aí, foi exigida uma reunião com o pessoal da Acorjuve. Ele veio.
P – Quem, o diretor da Alcoa?
R – Diretor da Alcoa, América Latina. Frank Feder. Veio ele, o pessoal do Incra de Brasília, direção do governo do Estado...
P – Vieram porque vocês queriam o quê?
R – A exigência. Se ela não sai, mais queria participação no lucro da Alcoa e a indenização dos danos que foram causados pela Alcoa. O pagamento da indenização, da poluição do rio, a derrubada, tudo... Tudo que foi feito além da conta. O que não tinha antes essa invasão enorme...
P – E aí?
R – Desta vez não foi feito ainda, dessa primeira vez. Com a ocupação...
P – Porque vocês queriam conversar e eles não vinham?
R – Não, eles vinham, mas não tinha feito acerto nenhum.
P – Vocês ocuparam?
R – Foi ocupado. Eu não estive presente.
P – O seu grupo ajudou como?
R – Tinha uma turma na ocupação da Vale.
P – Como é a ocupação?
R – Quer dizer, eles entraram na área: “Aqui não vai funcionar nada agora, não vai funcionar nada”. Veio uma turma do Castanhal, eu não vi. Veio uma turma, mas voltaram logo, ficaram com medo deles. Não enfrentaram. Desde que andaram até longe pra pegar outro transporte pra voltar. Mas uma turma ficou. Pegaram pimenta, tudo isso, veio polícia, todo o caramba pra amenizar o pessoal, mas eles não saíram de lá. Só depois da negociação que eles fecharam aqui...
P – Aqui o que é?
R – A estrada...
P – A estrada pra chegar lá.
R – A estrada pra chegar. Que hoje tem agora um e meio por cento.
P – Isso veio dessa negociação?
R – Dessa negociação.
P – Qual foi? Quem sentou pra negociar?
R – A direção da Alcoa, o governo, todos vieram. Com a direção da Acorjuve.Que o especial daí foi a Acorjuve.
P – A Acorjuve é que mobilizou todo mundo?
R – Isso, é.
P – A Acorjuve mobilizou na negociação com a Alcoa?
R – Com a Alcoa, sim.
P – E aí, o que vocês conseguiram, o que a Acorjuve conseguiu?
R – Quer dizer, hoje ela tem um e meio por cento no lucro e algumas... Que eu sei mesmo é isso. Um e meio por cento e não sei dos danos, o que eles iam fazer pra rever todos os danos de uma vez.
P – Só terminando: hoje a Alcoa está negociando com a Arcojuve?
R – É, já fizeram sentar na mesa na negociação, já tem essa parte. Eles ganharam essa causa. As outras coisas eu não sei, porque a gente estava um pouco à parte, não estava frequentando muito...
P – A sua associação, quer dizer, a que você ajudou a fundar...
R – Eles sabem, o pessoal da direção sabe. Eu...
P – E a sua esposa está fazendo o quê?
R – Hoje ela trabalha... Quer dizer, como ela adoeceu muito...
P – Ela adoeceu?
R – Ela adoeceu bastante...
P – O que ela tem?
R – Pode trabalho comunitário, ela foi várias vezes secretária, ajudando a coordenação da comunidade, dá muito problema a comunidade. Tem muita conversinha... Apartir de 90, piorou muito pra ela, ela teve problema de artrose, dor, reumatismo, ela sofreu muito... Em 92, ela parou de trabalhar só a partir da manhã. Depois em 94 ela parou de trabalhar como professora. Depois recontrataram de novo, ela trabalhou até 96. Já um horário. Depois de 96, passou um tempo, ela foi agente de saúde.
P – Comunitária de saúde?
R – Agente comunitária de saúde. Na proposta do governo Henrique Cardoso, ela trabalhou seis meses e logo na experiência não pagavam ela, não pagaram. Esses seis meses, não foi paga. Depois ela começou a ganhar, trabalhou de 96 até 2000... Até no governo de Henrique. No segundo mandato, ela não quis mais trabalhar como agente de saúde.
P – Por quê?
R – Agora ela trabalha como auxiliar administrativa no posto.
P – Ela entrou pra prefeitura?
R – É, ela trabalhava pela prefeitura, mas agora, depois do segundo mandato do Henrique, ela trabalha como agente administrativa, auxiliar administrativa no posto.
P – E aí ficou?
R – Ela trabalha ainda lá. Trabalha o dia todo. É muito pesado pra ela, por causa dos problemas...
P – Tem muito problema com o quê? Com a comunidade?
R – Não! Problema pessoal dela, ela teve muita dor no corpo, todo... Por causa do reumatismo. Sofre, né? E ela está trabalhando pra se aposentar. Vai se aposentar por tempo de serviço, mas não conseguiu ainda. Faltam seis anos para inteirar o tempo de serviço, ela está rodando pra ver se pega por invalidez, uma pensão. Até agora não deu certo. Ela está trabalhando pra isso. E ela está lá.
P – E Manoel, só me conta um pouquinho... O que mudou desse tempo de quando você era criança pra hoje. O Castanhal, a situação. Que você acha que foram as principais mudanças?
R – Quer dizer, aumentou muito a nossa turma. Nós temos hoje 186 famílias no Castanhal.
P – Por que aumentou tanto?
R – Porque o pessoal não saiu muito de lá, sempre que volta, faz sua casa. Os próprios filhos de lá foram voltando. Hoje nós temos posto de saúde, que funciona direto. Tem o posto de saúde, são quatro funcionários. Auxiliar administrativo são dois, tem uma enfermeira e tem uma técnica de enfermagem. Depois do governo de Isaias já tinha. Mas só era uma técnica de enfermagem que trabalhava. Agora tem mais, o pessoal já aumentou. Nós temos agora no Castanhal ensino médio, tem uma escola... No final do governo de Isaias foi feita uma escola...
P – Foi lá que você estudou?
R – Foi, lá no Castanhal mesmo.
P – Aí, você decidiu voltar a estudar?
R – Voltei a estudar...
P – Por que você quis voltar a estudar?
R – Pra aumentar, pra ter um conhecimento maior.
P – E te deu conhecimento maior?
R – Como era supletivo, eu garanto que foi pouco. Deu sim, tem uma coisa. Mas a minha base maior mesmo é nas comunidades. A igreja mesmo...
P – Foi aí que você aprendeu?
R – Mais aí. Pra conviver com as pessoas, isso aqui é só um pouco, no caso. Como eu estava dizendo naquela hora: matemática até dividir, quando veio essa agora eu tinha muita dificuldade. Que isso é muito diferente. Se no supletivo tem química, essas outras coisas, isso é chato pra caramba pra gente. Eu não conseguia aprender quase nada disso, se você mandar fazer alguma coisa do que eu estudei, possivelmente eu não posso fazer na matemática. Química, física, aí essas coisas. Antes não tinha, era só dividir...
P – O que você aprendeu no supletivo?
R – No supletivo só temos Matemática, Português, Ciências e Geografia.
P – E História?
R – E História. Essas coisas, porque elas são quase a mesma coisa... Essa é uma coisa que dá certo pra gente questionar, como Ciências, Geografia, História não diverge... Não muda muita coisa. As específicas, porque a ciência é mais do corpo humano, essas coisas assim...
P – Foi a Química e a Física que foi mais difícil? A Matemática...
R – Ah, isso é muito difícil, é. Química, Física, essas coisas, muito difícil, porque ninguém teve. Agora, quando se estuda, a partir da quinta série o cara já começa a fazer. E você estudava 45 minutos cada coisa. No ensino médio a mesma coisa, 45 minutos cada hora aula. Eu garanto que isso é bom pra você ter um certificado, pra ter comprovação...
P – Mas quer dizer, o Castanhal, ele melhorou ou ele piorou?
R – Não, hoje nós temos... O carro passa lá, a cidade tem dois ônibus já no Castanhal, o pessoal comprou, faz linha todo dia do Castanhal pro Juruti, tem linha telefônica, tem energia 24 horas, tem educação do primeiro ao nono, parece que agora vai funcionar o nono ano... Quer dizer, até o ensino médio, de educação infantil ao ensino médio. E professor vem de fora, a grande maioria. Mas tem uma grande massa de professores locais. Mas depende muito...
P – Quer dizer, isso é o que melhorou.
R – É.
P – E o que piorou?
R – Rapaz... Hoje, ninguém mais trabalha como trabalhava... Hoje, no caso o Castanhal, sempre produzia bastante farinha, hoje a grande maioria compra a farinha. Compra... Os nossos filhos não se envolvem muito, que é muito pesado o trabalho da mandioca. Eu não tive essa política de incentivo, o que nós vamos fazer, produzir? Eu garanto que isso piorou, porque hoje a gente compra, o que produzia, hoje compra. Isso aqui que eu vejo que a invasão nos lagos aumentou muito mais.
P – A invasão de casa?
R – Não... Das geleiras...
P – As geleiras não foram embora ainda?
R – Não. Até agora nada.
P – O pessoal pesca ainda?
R – Pesca.
P – Tem peixe?
R – Tem. Mas já não é o que tinha, diminuiu muito. Mas tem sim, o pessoal dá trabalho, uma das coisas, sempre... E tem o investimento do governo federal, Bolsa Família, bolsa...
P – O pessoal está vivendo disso?
R – Tem muita Bolsa Família, tem vários do Castanhal. O Bolsa Trabalho, aquele do governo do estado, foi implantado também...
P – Que é o que exatamente?
R – Quer dizer, tem um plano de jovem dos 16 até os 29 anos... Tem uns que não funcionam. Tem uma qualificação pro jovem na área rural. Lá na Tabatinga funcionou, com informática, saber fazer projeto, essas coisas foram ensinadas. Tive uns três do Castanhal, mas no final, que era pra começar a saber fazer projetos, não fizeram nenhum projeto. Não quiseram, porque aí ficaram com medo na hora de pagar. Você vai fazer um projeto, e fazer um empréstimo. Na hora de fazer o empréstimo, o pessoal começou a sair.
P – Não quis:
R – Não quiseram mais. Não funcionou nenhum projeto lá da região.
P – Os jovens de hoje não sabem mais fazer a mandioca...
R – Não, sabem. Mas não se envolvem mais nisso.
P – Você acha que, com tudo isso, a condição de vida melhorou ou piorou?
R – Não, pelo que vejo as casas hoje, a maioria dão um duro de si, mas encontram um jeito, quer dizer, as casas hoje a maioria é tudo forrada, piso, quando não é piso é assoalho de madeira, todas as casas. É difícil você ter uma casa agora coberta com palha. Tem uma lá em casa, a casa de dormida, é de telha, mas como é quente, nós temos a cozinha nossa coberta de palha. Sempre tem essa marca ainda.
P – Quer dizer, o pessoal está melhor de vida?
R – É, modificou muito. Melhorou sim...
P – Agora, você disse que tiraram as árvores, tem mais lixo...
R – Tem mais lixo. Esses lixos... De supermercado. Hoje é garrafa plástica, é sacola... As casas não têm mais barro, dificilmente faz de barro... Cuia também tem. Tudo industrializado agora o material.
P – E aí faz mais lixo.
R – Faz mais lixo. Porque ninguém tem coleta seletiva, não tem, quer dizer, vai jogando na rua e vai amontoando. A gente produz muito lixo na nossa vila. Já foram feitos uns trabalhos pela escola, que era essa conscientização, já foi feito, mas pára naquilo...
P – Manoel, pra terminar, qual o seu sonho, o que você quer muito que aconteça na sua vida?
R – Uma das coisas é ajeitar a nossa casa. Depois que entrei pra casa de saúde de Alegria, a gente está comprando tijolo pra ajeitar nossa casa, modificar... Mas eu queria mesmo é ver a comunidade, tendo uma organização própria, um planejamento pra agricultura mesmo, familiar, que a gente não consiga depender muito do poder público. Que o poder público possa fazer aquilo: investir na educação, na saúde, transporte e melhorar as ruas da comunidade. Que ela seja padronizada melhor. Pessoal, eu quero que, se tiver de acontecer alguma melhoria, acho que não seja só pra mim, mas que seja pra grande maioria. (risos)
P – E a ultima pergunta: você acha interessante você poder contar um pouco da sua história? Você acha que isso pode servir pra quê?
R – Eu garanto que, como nossa história foi apagada um bocado, se a gente não tem registro, vai apagando. Isso, quando fica registrado, pelo menos um setor do país vai saber que a gente viveu, reproduziu depois... Se os nossos pais, mais velhos, não conseguiram fazer isso, a gente pode, pra ir contando um pouco do muito que já aconteceu. Que ninguém lembra mais. Isso vai ficar registrado e garanto que pode ajudar pros nossos netos que não vão mais ver isso. O que aconteceu, infelizmente não pode ser registrado mais, mas o que aconteceu, pelo menos o que era, eu espero que possa ajudar depois com os outros, pra montar uma outra estratégia, um outro desenvolvimento. Hoje, no caso, eu queria até lembrar agora, um desenvolvimento sustentável. Só que agora não tem claro pra nós qual é o desenvolvimento sustentável. Então, ninguém tem claro, os projetos ainda são muito artificiais. Teoricamente, mas no plano mesmo ninguém tem ainda isso aqui que você tem noção, é isto aqui que você vai fazer. Eu garanto, você vai ajudar, eu espero que possa ser isso. Pra que possa desenvolver, a sua história é isso como está, qual o caminho que nós vamos seguir daqui pra frente. Espero que possa ter contribuído. A história da minha comunidade, da minha região. Eu sei que tem muita coisa que ficou ainda, que pode ter ficado, mas que eu me lembre... Mas espero que possa contribuir, vai ser pouco do muito que foi feito.
P – Muito obrigada, Manoel.
R – Obrigada também.Recolher
Título: Mobilizar e rememorar
Data: 22/04/2010
Local de produção: Juruti - Pa
Personagem: Manoel Marialva da Silva Autor: Museu da PessoaO Museu da Pessoa está em constante melhoria de sua plataforma. Caso perceba algum erro nesta página, ou caso sinta falta de alguma informação nesta história, entre em contato conosco através do email atendimento@museudapessoa.org.
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