Projeto Memórias das comunidades de Paracatu
Entrevista de Benedita Alves Santana
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 08 de setembro de 2022.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV1298
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Então, dona Benedita, para a gente começar, eu vou fazer uma pergunta que é muito difícil, mas é de praxe. Qual é o seu nome completo, seu local e sua data de nascimento?
R - Eu me chamo Benedita Alves Santana, moro aqui no povoado do Cunha, nasci no dia 03/03/1943.
P/1 - E a senhora nasceu aqui no Cunha mesmo?
R - Foi, no Cunha. Nasci aqui no Cunha. Porque não tinha médico, tinha em Paracatu, mas pouco médico, pouco médico. E também não tinha nem como andar, andava era de cavalo, sabe? E aí depois que ela me ganhou, disse que sofreu muito, precisou de buscar o médico, sabe? Buscou de cavalo, doutor Joaquim, aí é que resolveu o problema.
P/1 - Aí ele veio aqui?
R - É.
P/1 - E ela ficou bem depois?
R - Ficou, ficou, graças a Deus!
P/1 - E você, a senhora sabe por que deram o nome de Benedita para a senhora? Tem algum motivo? Te contaram?
R - Não, não sei não. Isso eu não sei não.
P/1 - Não tem problema. Como é o nome da sua mãe, dona Benedita?
R - Augusta, Augusta Pereira Santana.
P/1 - E a dona Augusta. A senhora chegou a conhecer os seus avós por parte de mãe?
R - Não, o meu avô eu não conheci. A minha avó eu acho que eu era criança, nova ainda, eu lembro que ela, ela saiu e quando ela foi chegando para entrar em casa, ela morreu, morreu de repente. Ela se chamava Ambrosina.
P/1 - Dona Ambrosina?
R - É.
P/1 - E a senhora era criança nessa época?
R - Era criança. Eu não tenho muitas lembranças dela não.
P/1 - Mas os seus avós por parte de...
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Entrevista de Benedita Alves Santana
Entrevistada por Nataniel Torres
Paracatu, 08 de setembro de 2022.
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número PCSH_HV1298
Transcrita por Monica Alves
Revisado por Nataniel Torres
P/1 - Então, dona Benedita, para a gente começar, eu vou fazer uma pergunta que é muito difícil, mas é de praxe. Qual é o seu nome completo, seu local e sua data de nascimento?
R - Eu me chamo Benedita Alves Santana, moro aqui no povoado do Cunha, nasci no dia 03/03/1943.
P/1 - E a senhora nasceu aqui no Cunha mesmo?
R - Foi, no Cunha. Nasci aqui no Cunha. Porque não tinha médico, tinha em Paracatu, mas pouco médico, pouco médico. E também não tinha nem como andar, andava era de cavalo, sabe? E aí depois que ela me ganhou, disse que sofreu muito, precisou de buscar o médico, sabe? Buscou de cavalo, doutor Joaquim, aí é que resolveu o problema.
P/1 - Aí ele veio aqui?
R - É.
P/1 - E ela ficou bem depois?
R - Ficou, ficou, graças a Deus!
P/1 - E você, a senhora sabe por que deram o nome de Benedita para a senhora? Tem algum motivo? Te contaram?
R - Não, não sei não. Isso eu não sei não.
P/1 - Não tem problema. Como é o nome da sua mãe, dona Benedita?
R - Augusta, Augusta Pereira Santana.
P/1 - E a dona Augusta. A senhora chegou a conhecer os seus avós por parte de mãe?
R - Não, o meu avô eu não conheci. A minha avó eu acho que eu era criança, nova ainda, eu lembro que ela, ela saiu e quando ela foi chegando para entrar em casa, ela morreu, morreu de repente. Ela se chamava Ambrosina.
P/1 - Dona Ambrosina?
R - É.
P/1 - E a senhora era criança nessa época?
R - Era criança. Eu não tenho muitas lembranças dela não.
P/1 - Mas os seus avós por parte de mãe eram do Cunha também? Ou não?
R - Eram.
P/1 - Eles já eram daqui da comunidade?
R - Eram, eram daqui mesmo.
P/1 - E qual o nome do seu pai?
R - Serafim Alves Santana.
P/1 - E a senhora conheceu seus avós por parte de pai?
R - Conheci minha avó, Domingas Ferreira de Moura.
P/1 - Ela também era do Cunha? Ou não?
R - Era dessa região aqui, Pinheiro, essa região aqui. Ela era dessa região.
P/1 - E o que os seus pais faziam? Com o que eles trabalhavam?
R - Na lavoura.
P/1 - Os dois? Tanto seu pai quanto sua mãe?
R - É.
P/1 - Era lavoura de que, a lavoura de vocês?
R - Milho, arroz, feijão e no meio das coisas plantavam, assim, abóbora, melancia, maxixe, essas coisas, cachi…
P/1 - Mas aí que eles produziam era só para vocês, ou eles vendiam?
R - Não, era para nós, né! Não tinha assim, esse negócio de estar vendendo, porque todo mundo plantava, todo mundo tinha fartura, hoje é que não tem, mas todo mundo tinha fartura.
P/1 - E a roça era de vocês, ou era de algum fazendeiro?
R - Não, era de fazendeiro, e aí a gente… ele plantava. Inclusive esse doutor Joaquim mesmo, ele plantava uma roça de milho com doutor Joaquim, o lugar se chamava Capão. E agora arroz, plantava por aqui mesmo, aqui mesmo na propriedade onde minha mãe morava, era da minha avó né, ele plantava arroz aí, feijão também plantava lá junto com milho, lá no Capão.
P/1 - E quando vocês precisavam de uns produtos, assim, para comer, ou os produtos da casa, como é que vocês faziam?
R - Tinha uma venda aqui perto, tinha venda.
P/1 - Aí vocês iam lá, pegavam na venda?
R - É, e comprava na venda.
P/1 - A senhora sabe como o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R - Não sei não.
P/1 - Eles nunca contaram essa história?
R - Não.
P/1 - Tá bom, não tem problema. Aí eu vou perguntar um pouquinho sobre a sua infância, tá bom? O que a senhora fazia na infância, dona Benedita? A senhora chegou a estudar? Como é que foi essa época de infância?
R - Eu estudava na Lagoa, né. Naquela escola lá, Maria Trindade Rodrigues. Mas naquela época não tinha esse nome não, sabe? Agora ela é estadual, mas ela era… não, municipal agora, mas ela era estadual, era escola Graciano Calcado, que era o nome dela, sabe? Agora que mudou, porque passou a ser Municipal.
P/1 - Sim, a senhora morava onde nessa época que estava estudando?
R - Sabe ali onde é a coisa de Rosinha, ali? Aí ali bem de frente era a casa de minha mãe. Mas aí a Rodovia veio, condenou né, a gente precisou tirar a casa mais para o fundo, inclusive a casa, ainda tem ela lá mais para o fundo, tirou de lá e pôs mais para o fundo.
P/1 - Mas morava lá naquela época que vinha para a escola?
R - É, morava lá.
P/1 - Então, e aí vinha como para a escola?
R - A pé, nessa época não tinha carro não, não tinha esse negócio de carro não. Vinha menino de longe, lá de Santa Rita, Barreiro, Ambrósio, Lagoa Rica, Bom Sucesso, tudo vinha a pé para estudar lá na Lagoa.
P/1 - Aí todo mundo vinha estudar nessa escola?
R - E era uma professora só, que é dona Maria Trindade Rodrigues, que é o nome da escola agora.
P/1 - A senhora chegou a conhecer ela então?
R - Ela foi minha professora.
P/1 - Como ela era?
R - Ah, ela era muito boa, boa mesmo! Boa professora, trabalhadora, naquela época não tinha esse tanto de professora para dar aula não, era ela e ela mesma. Aí ela fazia um turno cedo outro de tarde, e ela trabalhava muito, ela tinha uma porção de filhos, trabalhava muito mesmo! Aí quando ela trabalhava tanto, aí ela adoecia, quando adoecia precisava arranjar outra para pôr no lugar dela, até ela melhorar, era desse jeito, sabe? Ela que era merendeira, era tudo ela que fazia. Tinha nada.
P/1 - E ela dava aula de quê, na escola?
R - Dava aula de português, história, matemática, composição, que eu não sei… deixa eu ver… as quatro matérias.
P/1 - E qual era a matéria que a senhora mais gostava?
R - Ah, era mais difícil para mim, era matemática. Mas português eu gostava, história, composição, que ela pedia para fazer composição, a gente fazia, pegava e fazia umas composições bonitas mesmo, sabe? A gente fazia, depois… aí só tinha até a terceira série, só tinha até a terceira série, aí eu fiquei… eu acabei… eu estudei mais um pouco foi lá em Brasília, lá eu fiz a quarta, a quinta e cheguei até a sétima. Foi assim, que aí era só até a terceira, agora não, agora tem até a nona e tem uma porção de professoras, tem merendeira, tem tudo.
P/1 - E nessa época de infância, a gente falou um pouco da educação, depois a gente vai falar sobre Brasília, antes da gente chegar lá, a senhora tinha que trabalhar na infância?
R - Olha, eu olhava criança, da minha mãe, os meus irmãos e olhava criança dos outros. Às vezes pediam para mamãe deixar eu olhar. Tinha uma menina que chamava Celina, Toninha eu olhava, um menino que se chamava, mas o menino quando foi… Sinval, ele… deu uma doença nele, quando ele estava com sete meses, ele morreu. Agora Toninha, Toninha mora em Brasília. E Ditinha, Ditinha a mãe dela chamava Mariana… é Maria, Maria Julião, aí eu olhava Ditinha, Ditim da minha tinha Negrinha e do meu tio Nego, esses todos pediam à mamãe para eu olhar, quando eu não estava olhando um, estava olhando outro, escanchava aqui nas cadeiras, sabe? As cadeiras chegavam a canjinquiar de tanto escanchar menino, né? E também ajudava em casa, ajudava a mamãe em tudo, fazer tudo.
P/1 - Nessa época a senhora tinha mais ou menos que idade?
R - Ah, desde sete anos em diante fui trabalhar.
P/1 - E essas crianças que a senhora olhava eram crianças mais novas que você?
R - É, porque eu fui crescendo e carregava elas né, carregava elas. Porque às vezes a mãe precisava fazer alguma coisa, não tinha quem olhasse, pediam a mamãe para eu ir olhar.
R - E a senhora ganhava dinheiro nessa época para isso?
R - Não, não tinha dinheiro.
P/1 - Enfim, aí essa época trabalhava e estudava também? Como é que conciliava uma coisa com a outra?
R - Dava na hora da escola, ia para escola, né?
P/1 - E tinha tempo de brincar?
R - Ah, muito pouco, só os domingos, assim, que a gente brincava, se juntava com os colegas. Tem uma colega que se chama Silvia, mora em Belo Horizonte, aí ela ia lá para casa com as outras que até já morreram, morava em Brasília e morreram: Elisa, Anisa e Silvia lá em Belo Horizonte, em Venda Nova que ela mora, em Belo Horizonte. E aí nós brincávamos ali, tinha uns cupins, eu não sei se o senhor conhece…
P/1 - O cupinzeiro você está falando?
R - É. Aí fazia igreja, o dia do cupim né, e brincava de boneca de pano, de boneca comprada não.
P/1 - Mas aí quem fazia essas bonecas?
R - Ah, tinha uma mulher aí que fazia peneira, fazia boneca e no lar dela, ela chamava Felipa e a outra Sebastiana, ela fazia peneira e a Sebastiana fazia boneca. Aí a gente brincava de boneca, boneca de pano, e quando era época de jatobá, a gente pegava as tampinhas de garrafa, e pegava o fubá do jatobá e fazia aqueles mingaus que vinha nas formas, dizia que estava assando, que era bolo (risos).
P/1 - Nessa época de infância vocês ouviam algumas histórias? Vocês ouviam o que os mais velhos contavam?
R - Quem gostava mais de contar história para mim era a minha tia, ela se chamava Belmira e o povo apelidaram ela por “negrinha”, aí eu gostava de escutar as histórias dela, ela gostava de contar histórias né, aquelas histórias antigas de quando os discípulos andavam pelo mundo, o que acontecia, essas coisas todas, ela gostava de contar essas histórias, sabe? E hoje eu não lembro muito, mas é que eu tô muito esquecendo tudo, não lembro muito não, mas eu lembro que ela contava essas histórias. Quando era de noite, “Mãe, deixa eu ir na casa de tia negrinha?”. Aí mãe deixa e eu ia, era perto, aí ela contava história, contava coisas. Contava coisa de bicho, de tanta coisa; “que tinha um povo, os discípulos estavam andando, estavam pregando, aí que a mulher ficou apavorada para ir a hora que estavam pregando, mas a molecada se juntou com mentira, porque não é possível, aí que pôs um tacho em cima da fornalha, pôs fogo e deixou o menino dentro da água e foi escutar” (risos). Agora eu não sei né, eu não sei se foi mesmo verdade né, porque o menino dentro do tacho com o fogo embaixo né, deve ter queimado, e disse que não queimou não.
P/1 - E quem é que contava essas histórias para a sua tia?
R - Não sei, não sei não. Ela que contava essas histórias para mim, e outras histórias de bicho, de tudo quanto é trem, ela contava e eu gostava de escutar, porque minha mãe não contava né, e ela contava né.
P/1 - E música, vocês ouviam música nessa época?
R - Não.
P/1 - Tinha rádio?
R - Tinha não, não tinha nada! Você acredita que uma vez eu fui na cidade e aí, ali na Casa da Cultura, tem aquela rua né, aquela rua que desce e na esquina tem a Casa da Cultura e na outra esquina tem outra casa, é bem junto, assim, a Casa de Cultura e… aqui tem a rua né, eu escutei um rádio tocando, foi a primeira vez que eu ouvi música de rádio, aí eu fiquei toda assuntando aquilo, sabe? Mas em Paracatu não tinha esses trem não.
P/1 - E quando vocês foram ter acesso à música, como é que aconteceu? Teve o rádio, e depois?
R - Ah, depois viemos embora para casa, nós não tínhamos né, ficou. Não tinha carro, né? Aqui tinha, passava aqui nessa… não era estrada de chão, não era rodovia não, passava era um caminhão de cal, que é do finado Roberto Baquesmuti, que fazia cal, ele passava no caminhão dele, finado Zé Branco, que morava na aldeia, também era o caminhão dele e também tinha um homem desse povo Rocha, eu não sei mais como é que é o sobrenome dele, só sei que era um senhor forte, ele tinha um jipe sem capô, só sentava e andava né, era isso que andava nessa estrada, só. E a gente ficava olhando né, depois passou muito tempo, aí eles arrumaram uma tal de uma jardineira, uma jardineirinha pequena, sabe? Ah, mas nossa mãe, nós ficávamos em casa…
P/1 - Quem arranjou? Sua família que arranjou a jardineira? Quem arranjou a jardineira?
R - Não, veio de Paracatu para Unaí, não foi minha família que arrumou não, a jardineira vinha de Paracatu para Unaí. Um dia nós fomos em um casamento em Unaí, nós entramos nessa jardineira, nossa mãe! Os primeiros carros que eu entrei, eu contava, contava: "Eu entrei na jardineira, um". Se entrasse em outra era dois, ia contando, era assim. O tanto que era difícil né, meu pai quando adoeceu, eles levaram para Paracatu na cama, bem ali de frente, ali onde está a Rosinha, né? A casa de mamãe era ali, bem de frente. É porque a rodovia tirou a casa, aí ele adoeceu e levaram ele na cama, colocava ele na cama e ficavam dois segurando atrás e dois na frente né, levava. A hora que ele ficou muito ruim, aí buscaram na cama.
P/1 - E a senhora tinha contado essa coisa da rodovia né, que antes não tinha. Como é que era essa casa antes? Era tudo só mato lá? Como é que era?
R - Não, tinha um quintal, minha mãe tinha um quintal, sabe? Tinha um quintal, plantava as coisas, plantava muito abacaxi, dava muito abacaxi, plantava… dava feijão também, banana.
P/1 - E onde é a rodovia hoje, era uma estrada já, ou não?
R - Não, onde é a rodovia, passava no quintal de mamãe, por isso que tirou a casa de mamãe de lá. E não só de mamãe, tinha a casa do meu tio, a casa que era de vovó e a casa de Antônio, lá de Santinha também foi tirada, a casa de Antônio não era ali não, era mais para cima.
P/1 - E quando vocês saíram de lá como foi? Como é que vocês fizeram?
R - Não, eles falaram que iam fazer estrada lá…
P/1 - Mas quem falou que ia fazer a estrada lá?
R - O Estado né, pediu para fazer isso, aí indenizou e teve que tirar a casa.
P/1 - Mas foi uma pessoa lá na casa de vocês?
R - Foi, foi.
P/1 - Então como é que foi? Falou que ia indenizar, aí vocês saíram de lá?
R - É, nessa época foi o meu irmão que fez a casa, sabe? A casa ainda está lá, ainda. O meu irmão fez a casa, ele morava lá junto com mamãe, pegou e fez a casa mais para o fundo, bem lá de frente da Rosinha, mais para o fundo lá tem uma casa, foi lá que mamãe ficou.
P/1 - A senhora tinha começado a contar sobre Brasília, que época foi essa que a senhora foi para Brasília? A senhora tinha quantos anos, mais ou menos?
R - Ah, uns 18 anos.
P/1 - Ah, já era mocinha. E aí o que aconteceu para ir pra Brasília? Como é que foi essa história?
R - Não, eu trabalhava… eu morava aqui no Cunha, aqui onde Benzinha mora. Quando meu pai morreu eu fiquei com 13 anos né, aí tinha a minha tia, que era tia dele, morava com a gente né, ela ficou viúva e morava conosco. Ela morava sozinha, lá na beira da Lagoa Rica, aí o marido dela morreu, aí meu pai era sobrinho dela, aí levou ela lá pra casa né. Aí eu, ela e a mulher de… a mãe de Passarinho, Hilda, a mãe dele, eu, ela, a minha tia, e Hilda, ela que colheu essa roça no Capão, era longe, o senhor precisa ver, longe, e aí nós tínhamos que quebrar os milhos, arrancar feijão, bater feijão, arrumar tudo, né. Nós íamos cedo, chegávamos de tarde, e eu era menina ainda. Depois meu pai morreu, foi quando ele estava doente né, que nós fizemos isso. Quando meu pai morreu, minha mãe ficou com os filhos né, era pobre, não tinha como criar todos né, aí esparramou né, eu vim para casa de tio Miguel, ele morava aí, onde Benzinha mora, tinha um curral, ele criava gado e tudo, eu morava aí. Aí ela… aí tinha a minha tia, a mulher dele, ela era muito nervosa demais, demais, aí ela… aí eu ficava aí, aí eu socava arroz. Eles levantam para moer cana e eu levantava para socar arroz, o milho eu socava de dia, agora o arroz socava de madrugada, socava arroz tanto, que minha mão parecia que era homem que capinava, sabe? Tinha galo, podia socar o dia inteiro que não sentia não, sabe? E aí eu trabalhava demais, lavava roupa, muita roupa, tudo esfregando "assim”, não tinha escova, não tinha tanque, não tinha nada, colocava a bacia de roupa na cabeça e ia procurar água para lavar. Sabão lá na gruta, naquela serra, assim, no pé daquela serra, lá em Santo Antônio, lá na praia de Santo Antônio, aí eu ia lavar roupa lá, com a bacia na cabeça, cheia de roupa, pesada. E ela era muito nervosa, a hora que queria que eu chegasse e fazer janta ainda né, se eu cheguei passada de hora, ela falava que eu enrolava para não fazer janta, mas não era, lavava tudo na mão, que "aqui assim" em mim, saia sangue, sabe? Mas ela não enxergava, ela ia olhar, estendia roupa por roupa para ver se estava bem lavada, né. E aí quando foi época que eu namorava, comecei a namorar né, aí eu namorava um rapaz, mas o rapaz não podia chegar lá não. Aí nós vínhamos da igreja, nós frequentávamos aquela igreja perto da escola…
P/1 - A de santo Antônio mesmo? A igreja de santo Antônio?
R - Não, aquela de perto da escola, era a igreja presbiteriana. Aí nós vínhamos da igreja, aí o rapaz veio junto comigo, ela conversando com uma mulher, assim, na frente, ele conversando comigo, ela foi e virou para trás de uma vez e falou: "Passa para frente!" (risos). Aí o rapaz voltou para trás e eu passei para frente, só que quando chegou em casa, ela foi contar para o meu tio, e aí meu tio não deu muito assunto, ela achou ruim, brigou, rasgou, falou, aí eu fui no outro dia, Santinha ali, tinha uma venda lá para onde é a casa de Zezé, a casa de Zezé é perto perto da mãe de Rosinha. Aí Santinha mexia com venda ali e Dininha, irmã dela buscava o leite lá na casa, aí ela pegou né, estava fazendo sabão, o sabão de primeiro era no fogo né, fazendo sabão, aí a menina chegou para buscar o leite, ela foi e falou assim para a menina: "Fala com Santinha que eu vou só tirar esse sabão do fogo, que eu vou embora deixar a casa para a dona, a dona era eu. Vou falar para o senhor, eu fiquei tão triste, ela que era a dona da casa, e ia sair para deixar a casa pra dona?! A dona era eu! Aí o meu tio chegou e eu contei para ele, eu disse: "Oh, eu vou embora, eu vou embora!". E aí contei para ele que a tia tinha falado isso e eu falei assim: "Eu vou embora!". Minha irmã morava em Paracatu, ela morava em Paracatu com a minha tia né, aí eu pedi pra ela arrumar um serviço para mim lá, ela arrumou e eu fui. Aí eu fui para lá, nesse serviço.
P/1 - Aí era serviço de que, lá em Paracatu?
R - Doméstica, doméstica. Aí estava lá na casa dessa dona, eles gostavam muito de mim, tinha uma menina, ela gostava demais de mim. E tinha um pessoal que era da igreja presbiteriana, eles eram americanos…
P/1 - Que moravam lá em Paracatu?
R - É, e ela me conhecia né. Aí ela danou para eu ir para Brasília para ficar com dona Sandy, ela era chinesa e reverendo Teoberto era americano, tanto que eu fiquei com uma chinesa e um americano, ela me levou para lá né, a de cá ficou sentida porque eu saí né, e ela estava esperando menino e a menina gostava muito de mim, e só se vendo, ela ficou muito triste, chateada porque a mulher me levou. Aí eu fiquei lá, mas lá eram duas empregadas, sabe? Uma mansão, duas empregadas. Aí quando eu fui para lá, ela tirou a outra e deixou tudo para mim.
P/1 - Era uma casa grande e a senhora tinha que fazer o que lá?
R - Tudo, tudo, tudo e ainda deixou tudo para mim e não me pagava, pagava o tanto que eu ganhava né, por que ela não passou o ordenado da outra para mim? A obrigação era isso, não era? Aí eu falei assim: “Não!” Aí minha irmã trabalhava no planta, plano piloto, aí ela arrumou um serviço para mim lá na 306, bloco I apartamento 302, aí eu trabalhei lá seis anos né, seis anos. Aí eu cheguei lá, ela, a dona Isabel disse que lá não parava empregada, aí eu disse: “Oh meu Deus, agora sim, eu saio de um e caio em outro”. Aí ela foi e falou assim, eu cheguei lá ela mandou eu fazer o almoço, aí ela falou assim: “Frita um ovo para mim”. O ovo estava na geladeira, aí eu fui pegar o ovo para fritar e ele pregou, porque estava muito gelado e pregou, quando eu levei na mesa ela achou ruim, “Aí eu pensei que você sabia fazer as coisas, você não sabe!”. E foi lá na cozinha com uma estupidez, derrubou as panelas no chão, as panelas que estavam no armário ela derrubou no chão, e eu fiquei, “Meu Deus do céu!”. E antes de eu ir para lá, ela tinha arranjado uma colega minha para ficar comigo até eu ir, ficar com ela até eu ir, ela a mandou passar roupa, sabe? E ela passou a roupa mal passada, aí ela fez assim, e eu falei assim: “Uai, se a senhora não tiver gostando, a minha mala está arrumada, eu não tirei nada da mala, eu posso sair agora!’. Eu falei com ela, sabe? Aí ela foi para lá, não falou nada mais não. E ela falou assim, foi no sábado, “Você passa essa roupa que está aqui, porque a Anísia não sabe passar roupa não!”. A Anísia foi ficar para ela, enquanto eu não ia “Ela não sabe passar roupa não!”. Pegou as roupas e jogou todas em cima da cama. Aí eu peguei e passei a roupa, quando ela chegou, pegou, olhou a roupa, e eu sabia passar roupa, sabe? Ela olhou a roupa e não falou nada não. Aí quando foi no outro dia, ela falou assim: “Você está de folga, nós vamos comer fora e você está de folga”. Aí quando foi na segunda, isso foi no sábado, quando foi na segunda-feira, ela perguntou: “Você está gostando de mim?”. E eu falei: “Mais ou menos”. Aí ficou, e eu com a mala lá, "Qualquer coisa eu vou me embora”. Aí depois ela foi mudando, sabe? Mudando, e eu fui fazendo as coisas, ela não foi falando mais nada, e aí eu fui fazendo as coisas, fiquei lá seis anos, sei anos. O marido dela, ele era um médico, doutor Silvio, ele ficou admirado, que lá não parava empregada, não parava, ela era de uma estupidez, sabe? Não parava empregada, ele ficou admirado, ele mesmo falou: “Ah, mas você foi a única que parou aqui, porque ninguém dava certo com Isabel”.
P/1 - E a senhora comentou até que passou a roupa, essa história que a senhora está me contando…
R - Passei.
P/1 - Nessa época era ferro elétrico já? Como é que era?
R - Era.
P/1 - Aí já tinha ferro elétrico? Ou era aquele outro de brasa?
R - Já, foi lá em Brasília.
P/1 - Entendi, mas não era aquele antigão de brasa?
R - Não.
P/1 - Já era elétrico?
R - Brasa era aqui, aqui oh, nessa casa que tem Benzinho aí, eu passava roupa até de madrugada, ferro era de brasa. Quando eu punha a lenha no fogo, que era aquela lenha forte, que dava aqueles carvões, eu apagava aquele carvão, punha água naquelas brasas, apagava, para mim, a hora que eu fosse passar roupa, eu a punha no fogo e tornava a pegar e eu punha no ferro, aí eu passava ferro de brasa, aí passava as roupas todas. E socar arroz, nossa! Socar arroz, nossa! Socava milho para fazer farinha de milho para canjica, e aquele povão trabalhando e eu fazia comida, era tudo! E lavava roupa, roupa suja, roupa de roça, antigamente, hoje não, hoje está bom demais, mas antigamente era suja mesmo!
P/1 - E tinha que lavar como, a roupa?
R - Lavar esfregando, não estou falando para o senhor, era na unha pura, aqui esfregando, lá na praia.
P/1 - E o sabão também eram vocês que faziam?
R - É, ela fazia sabão. Até hoje eu faço sabão, mas não é no fogo não.
P/1 - Mas como é que faz o sabão agora?
R - Nós fazemos com esse tanque aqui, se tiver a roda no fundo… não, esse é o detergente, né? Agora o sabão nós… põe o óleo né, depois derrete a soda e põe álcool, álcool não, álcool é no detergente que a gente põe, e faz no tanque, bate no tanque de lavar roupa, e o sabão é com a soda e põe um pouco de sabão em pó, põe… se quiser por um detergente põe, sabe? E bate, e deixa endurecer, vira sabão. Tem até uns pedaços ali em cima.
P/1 - Que é o sabão que a senhora fez. E vamos voltar lá para Brasília, então a senhora ficou seis anos trabalhando para essa pessoa lá em Brasília, para o médico, o doutor, e depois?
R - Depois? Depois eu… aí eu namorava com esse rapaz né, namorava com esse rapaz.
P/1 - Mas esse mesmo da igreja presbiteriana? Ou não, era outro já?
R - Outro, não e eu não contei, aí o outro eu deixei para lá. Aí tinha um da igreja que queria namorar comigo e ele vinha montado em uma égua (risos), ele morava lá no Engenho do Padre, aí, ele já morreu até, aí sabe? E tinha Zé, meu irmão, Zé meu irmão era deste tamanho assim, porque ela era muito… gostava muito de mim, quando meu pai morreu, aí eu vim para aí e ele veio também. Aí nós fomos para a igreja lá no fundo, aí ele veio montado na égua, ele morava longe e vinha montado na égua né, e pôs o Zé meu irmão na garupa, e aí veio até na porta, aí ela foi e apanhou uma faca e falou assim, falou com Zé meu irmão, “O dia que você montar na garupa desse rapaz, eu quero te dar uma surra, e eu sei dia que você vier com esse rapaz aqui, eu quero enfiar essa faca em você até o cabo”. (risos) Era desse jeito, ela era brava mesmo, oh meu Deus do céu! Aí eu estava em Brasília, depois eu vim aqui em casa, da minha mãe né, aí tinha um rapaz que eu vi né, ele vinha da lagoa e eu encontrei com ele, aí ele começou a conversar comigo e começou o namoro, ele era vaqueiro lá nos Poções, não, não, lá no Passo do Meio, ainda tem fazenda lá, ele era… ele trabalhava de vaqueiro lá, aí até nos casarmos. Aí eu trabalhando lá, só vim para casar né.
P/1 - Qual o nome dele?
R - José, José Antônio, José Antônio Pereira Gomes. Aí nós vivemos 23 anos e meio, não chegou a fazer bodas de prata não, faltou um ano e meio.
P/1 - Então a gente vai chegar lá, antes da gente falar um pouquinho sobre o casamento, deixa eu voltar um pouquinho na história dos seus pais. A senhora começou a contar que ele faleceu, o que é que aconteceu nessa época? Foi um pouquinho antes de ir para Brasília né, que a senhora está contando essa história?
R - Ah foi, que eu vim para aí…
P/1 - Isso, isso. E o que aconteceu? Como o seu pai era? Como ele era como pessoa?
R - Ah, ele era muito trabalhador, sabe? Não deixava faltar nada, até que… inclusive o povo aí, eles dizem assim, que eu não era filha dele, eu e a minha outra irmã que morreu em Brasília, mas ele nos trouxe todas, como filhas né, como filhas. Do jeito que ele tratava os que eram de pai e mãe, ele tratou eu e minha irmã.
P/1 - Mas por que falavam que vocês não eram filhas dele?
R - Porque o meu pai era outro, mas ele registrou todas nós como filhas dele, sabe? Que meu pai, eu e minha irmã era outro, outro pai. Minha mãe não falava conosco não, mas o povo falava né, o povo falava. E aí hoje… às vezes o povo falava na vista dela e parecia que ela não gostava que falasse né, e hoje, depois que ela morreu, eles se aproximaram de mim, os irmãos né, aproximaram os outros, sabe? E aí… mas ele tratava de nós, graças a Deus nós não passamos fome né, ele era muito trabalhador né, direito né, trabalhador e direito. Ele morreu e minha mãe ficou lavando roupa para tratar dos que ficaram com ela.
P/1 - E quantas crianças eram nessa época?
R - Nós éramos sete, nós éramos sete.
P/1 - E todos eram crianças nessa época?
R - É, só eu que era mais velha. Agora a outra minha irmã, ela ficou com a madrinha dela lá em Paracatu, lá, bem ali, quase perto ali de onde é a lotérica, ali de frente a praça.
P/1 - Aí tinha essas crianças todas e sua mãe foi trabalhar depois que ele faleceu, para terminar de sustentar…
R - Lavava roupa para os outros e lavava roupa para os outros, ficou… Luiza saiu, Baldia, eu e o Zé, aí ela ficou com Tonha, Rosival, o meu irmão Rosival hoje está cego, lá em Brasília, ele mora lá, ficou cego por causa da diabetes, e ele ficou com a minha mãe, aí ele buscava as roupas para minha mãe lavar, e levava para ela lavar, era ele que fazia isso, sabe? E Isabel era a caçula, ela era a caçula, aí depois que ela cresceu ficou ajudando mamãe né, ajudando mamãe. Aí depois mamãe teve um problema na vista, aí é que lá em Brasília, ela foi tratar lá, que eles rasparam as vistas dela lá e então ela aposentou… não, encostou ela né, ela não era aposentada, ela recebia o benefício, mas não era aposentada, sabe? Ela recebia o dinheiro, o benefício né, porque ela não podia trabalhar né, porque tinha problema na vista, mas ela não ficou cega não. Aí ela recebia do governo né, era meio salário, depois passou para um salário né, aí assim ela foi vivendo. Aí depois todo mundo saiu, ficou só ela mais o Zé, aí eu morava no Passo do Meio, meu marido morou no Passo do Meio 24 anos, desde ele jovem, ficou lá até, ele morreu lá, foi capiderar e deu infarto nele, na hora, morreu na hora, eu estava com o meu filho acima dessa caçula que mora aqui, ele é acima dela, ele estava com nove anos e meio, e a minha filha ficou com seis anos e meio quando ele morreu. Ele trabalhando, com aquela carpideira e o menino puxando o cavalo, aí ele só agachou e falou: “Cristiano, para aí”. Quando Cristiano parou que viu que ele não estava se sentindo bem, gritou o outro filho meu, que estava trabalhando com o filho de uma vizinha aqui, aí quando chegou ele já estava morto né, já estava morto e eu já morava aqui.
P/1 - Nessa casa que a senhora está agora?
R - É, já morava aqui. Ele foi lá carpiderar o milho para Leonardo, que era o dono da fazenda.
P/1 - Então pra gente voltar nessa parte, porque a gente vai falar também um pouquinho de quando já estava aqui. Então vamos voltar lá para o casamento, agora, que foi, conheceu, aí acabou vindo para cá, depois na hora que foi casar, como é que foi essa história aí do casamento com ele?
R - O casamento, quando foi para casar eu vim de Brasília né, vim de Brasília e casei ali aonde é, eu não sei se tu conheces, mas quem mora aqui em Paracatu conhece né, onde é a Ouro Minas, o supermercado Ouro Minas, o senhor sabe também?
P/1 - Sei.
R - Ali era a casa do meu tio, eu casei na igreja presbiteriana, onde era o cartório… onde era o fórum, mas não tinha aquele prédio de fora não, sabe? Era uma casa baixa, aí depois que fez. Aí eu casei e fui para casa do meu tio né, lá onde é a Ouro Minas, aí eu casei e depois fui para a fazenda ela nasceu o… não, lá nasceu… a primeira filha minha nasceu em Paracatu, lá nesse lugar, não foi no hospital não, foi em casa, e os outros nasceram lá no Passo do Meio.
P/1 - E quando ela nasceu foi uma parteira que foi na casa da senhora?
R - Foi.
P/1 - E como é que era essa história, a senhora lembra dessa parteira? Como é que ela era?
R - A parteira? A primeira parteira que me olhou foi comadre Francisca, mãe do menino que eu criei, eu o criei, ela o deu para mim com três anos e eu criei, ele se chama André, ele é, não sei se essas meninas aqui conhecem, que ele mora aqui em Paracatu, ele é encarregado de negócio de fazer coisa de energia, ele é encarregado, sabe?
P/1 - E ela era mãe dele?
R - Ela era mãe dele. Olhou eu para… lá em Paracatu, foi uma velha lá que se chamava Isidora, ela me olhou quando eu tive a Eliete, depois quando fomos para o Passo do Meio ela olhou Edna, Manuel e a Lisbeth, e depois ela mudou. Aí quando foram os outros, eu tinha uma comadre lá, não era comadre ainda não, sabe? Aí ela me olhou de Eliane, José Cristiano e Elaine, Elaine ela olhou aqui, ela veio aqui, ela mora na cidade, ela veio aqui e olhou aqui. Aí os outros foram no Passo do Meio, não tive nenhum no hospital.
P/1 - Então, como é que a senhora mudou para lá, no Passo do Meio, por que antes de chegar nessa casa o que aconteceu? Como é que foi?
R - Não, eu casei e fui para lá.
P/1 - Então, logo depois do casamento, já foi para lá?
R - Fui para lá.
P/1 - A casa estava sendo construída, é isso?
R - Aqui?
P/1 - Não, não, lá! Lá.
R - Ele era vaqueiro lá, lá nós tínhamos casa.
P/1 Ah, já tinha casa?
R - Já tinha casa.
P/1 - Entendi.
R - Aí eu morava lá, cheguei lá acostumada lá em Brasília, cheguei lá, fui lavar a roupa no rio, e borrachudos me ferrou tanto que eu cheguei a inchar as pernas, de tanto borrachudo, parece que me estranhou e colocou tudo em mim, e eu falei: “Deus me livre!" Ainda errei o lugar de enxaguar roupa, inventei… fui em um barro lá, e depois não era lá, era em outro lugar, aí que eles me ensinaram, que eu fui, sabe? Cheguei lá e ele mexia com farinha, moer de cana, esses “trem” tudo, ele já morava aqui e mexia com esses “trem”. Aí eu fiquei lá, nós ficamos lá, depois essa tia minha mesmo, ela… o meu tio morreu, quando foi ano dele morrer, ele passou a parte dele para Benzinha, essa que o senhor vai entrevistar, para Benzinha, ele era irmão dela, e para Antônio de Santinha e para Ciro, Ciro mora de frente para a igreja, ali, e passou a parte dele para eles três né, depois morreu né, ela ficou com a parte dela né, aí a parte dela, ela deu para Efigênia, filha da Benzinha, sabe? Efigênia, deu para ela, para Antônio e para mim, deu esse pedaço aqui para mim, onde eu moro, sabe? Depois que eu casei, ele fez amizade comigo e tudo, sabe? Aí mudou, já ficou mais velho, já ficou mais precisado dos outros ajudarem né, aí mudou, aí deu por escrito, passou no cartório, deu aqui para mim, aqui era um mato, igual tá esse matão aí para baixo. Aí meu marido veio, mandou roçar tudo, arrancar toco, não tinha trator, esses “trem” aí não, homem arrancando toco na inchada.
P/1 - Sei, foi tudo na mão.
R - Tudo na mão, isso tudo aqui para baixo na mão. Ih, meu Deus! Depois fez uma casa pequena, de quatro cômodos, o pai dele e a mãe dele não tinham onde morar, ele os trouxe aqui, e aí eles ficaram aqui, a mãe dele não era certa da cabeça não, sabe? Tinha problema na cabeça.
P/1 - A senhora estava com os filhos nessa época, já? A senhora já tinha filhos, né?
R - Já, tinha, mas não tinha todos não.
P/1 - Ah, tá.
R - Aí ela ficou aqui muito tempo, e meus meninos estudavam lá na Nova Lagoa Rica, atravessava o rio, não tinha ponte, era na pinguela, outra hora na canoa, meu marido os passava para lá, buscava, outra hora era na pinguela, passava em cima dos pinguelos para atravessar, aí depois eles fecharam a escola lá da Água Rica, sabe? Lá da Nova Lagoa Rica, fechou. Aí na hora que fechou, pronto, meus meninos estudavam era lá né, não tinha outra, aí foi, Eliete foi para a cidade, ela estudou um ano em Brasília com a minha irmã e depois voltou, foi para a cidade estudar lá, e os outros estudavam todos aqui na Lagoa, aí estudavam na lagoa e saía daqui e ia para Lagoa estudar. Aí o meu marido foi aumentando a casa né, porque só tinha quatro cômodos, aí ele foi aumentando a casa.
P/1 - Aí a senhora contou que seu sogro e sua sogro chegaram a morar com a senhora uma época?
R - Não, moraram aqui.
P/1 - Então, aqui na casa.
R - Eles aqui e eu lá. Não moraram junto comigo não, eu lá e eles aqui. Depois o meu marido arrumou uma casa para eles lá em Japacá, aí eles passaram para lá né, ele aumentou aqui e eu vim para cá com os meninos para pôr na escola. Primeiro, minha mãe ficou aqui com os que estudavam lá, e eu ainda fiquei lá com Cristiano, Elisbete e… não, Elisbete, Eliane e eu estava esperando Cristiano, né. Aí depois eu vim de lá para cá, eu disse: “Não!” Eu trabalhava demais lá, sabe? Muito mesmo, lá tinha um quintal tão grande e tinha 14 ruas de laranjas, sabe? Mas rua grande, aí em cada pé de manga, se o senhor for lá e ainda tiver pé de manga, cada pé de manga assim, era muito trabalhador o dono, sabe? E eu casei, com dois anos depois de mim casada, ele morreu, morreu de câncer. Aí cada pé de manga, tinha as ruas de laranja, e muita laranja! Laranja de tudo quanto fosse variedade.
P/1 - E você tinha que ajudar a olhar também?
R - Não, eu não ajudava a olhar o quintal não, meu marido que ajudava né, ajudava assim, tomava conta né, tomava conta ele e um outro que morava lá, eles dois é que tomavam conta né, porque o marido dela morreu e aí o irmão dela tomava conta, sabe?
Mas eles é quem cuidavam de lá, eles dois é que cuidavam.
P/1 - E o que a senhora fazia nessa época era cuidar da casa, cuidar dos filhos…
R - E dos meninos…
P/1 - Cuidar do terreiro de casa e tudo?
R - E dos meninos, lavar roupa, muita roupa e fazer comida para mandar pra roça né, porque ele mexia com roça e trabalhava demais, demais mesmo.
P/1 - E aqui? E quando chegou aqui, como é que foi?
R - Aí depois eu mudei para cá né. Depois que eu mudei para cá, que essa caçula, que mora ali, nasceu, sabe? Ela nasceu foi aqui, os outros foram todos lá, uns na cidade, o resto aqui e o resto no meio. E aí chegou aqui, também a mesma coisa né, trabalhar, tinha uma roça ali em baixo, de arroz, tinha uma roça de arroz, o meu irmão tomava conta, deixei de plantar lá porque o meu irmão trabalhava tanto, sabe? E aí, deu cãibra nele, e aí o meu irmão que mora em Brasília, que eu falei para o senhor, que ficou cego, ele estava aqui, ele trabalhava na Itapemirim, ele trabalhou e aposentou lá, trabalhou lá muitos anos mesmo, em Brasília. Aí essa época ele estava aqui e foi lá, ele tinha o carro que estava aqui né, e aí o meu irmão sentiu tanta cãibra, levamos ele para a cidade “assim oh”, assim com as pernas abertas e os braços abertos “assim oh”, porque não tinha ninguém para “coisar”, a cãibra era tanta, que não dobrava. Depois disso eu falei, “Não vou mexer com roça mais não!". Nem, né? Em uma situação dessa, meu marido já tinha morrido né, aí eu deixei de mexer com roça, aí meu filho, o terceiro, tem a Eliete, Edna e Manuel, ele gosta de roça, danou mexer com roça e tomava prejuízo, e eu falava, ele era o dono dessa casa, aqui está feio só por fora, assim, mas lá é na cerâmica, tudo arrumadinho por dentro, sabe? Aqui por fora ele não arrumou não, mas lá dentro está tudo arrumadinho. Lá tem três quartos, tem sala, cozinha grande, tudo arrumadinho, tudo na cerâmica. Aí ele mexia com esses "trem", aí punha eu… eu tinha… meu marido era cooperado, aí mandava ele tirar o leite, ele que tinha que fazer a ração, tinha uma vizinha aqui, dona dessa fazenda aqui, Seu Mozar lá do Catuí, do jeito que Seu Mozar fazia, ele queria fazer também, só que Seu Moza era rico e eu era pobre, aí ele comprava os "trens" na cooperativa, "A vaca que tem que dar leite, tem que tratar desse jeito, ah que é solteira e desse jeito, vai estar perto pra ir, é desse jeito". Era assim que fazia. Aí foi indo assim até… foi indo ele se cansou de mexer com gado e não quis mexer com gado mais não, aí deixou para o meu menor, Cristiano. Aí foi indo, foi só prejuízo, nossa, mas eu já levei prejuízo demais! Foi indo e eu vendi um gado porque não tinha luz, e eu peguei vendi um gado para poder trazer essa energia para cá, e ali… e aqui não era essa estrada, nós passávamos “por ali oh”, e saíamos lá na frente, aqui era um pasto e aí o Paneche morava lá em baixo, e Seu Mozar, ele punha um garrote aqui com as vacas, e Seu Mozar tinha outro do lado, aí eu tinha que ir para a igreja, e os garrotes brigando nesse pasto “aí oh”, mas eu vou falar para o senhor que foi tão difícil. Aí ele foi e me deu, falou: “Oh, comadre. Pode fazer um corredor para a senhora, porque tá difícil”. Aí ele falou comigo e eu fui e fiz o corredor, foi eu que fiz esse corredor aí. Aí o homem que mandava fazer a cerca para trazer energia, não queria deixar eu trazer, porque era rural, aqui é rural, e aí eu tinha um amigo, ele, eu gostava… ele tem uma fazenda lá perto do… essas meninas devem conhecer, o senhor não sei se conhece, por baixo da roça, ele foi o único que não quis vender, aí ele morreu, ele morreu, sabe? Mas ele que me ajudou a trazer energia para cá. Aí ele falou com o homem, pediu, o homem conversou com ele, aí meu irmão arrancou, pegou e tirou esses paus, esses paus aí, fez os postes aqui dentro da estrada né, fez dentro da estrada, aí fez, aí trouxe energia, aí depois que fez essa estrada aí, depois é que esse menino, que eu estou falando com o senhor que eu criei, ele é… eu trabalhava na Eletropedo, aí pediu para eles para… meu patrão ficava lá naquele pé de pequi, lá aonde tem aquele poste, lá na estrada. Aí vinha pelos postes de madeira para cá, aí ele pegou e pediu, o homem trouxe o poste para cá, aí eles passaram a energia para cá, porque o poste da associação é esse aqui, o senhor viu uma casinha lá, né? Na entrada, lá tem uma casinha. Aí tinha um homem que era muito amigo de nós aqui, da associação, aí fizeram um poço externo lá em cima, lá perto do ranchão, mas a água lá chegava suja, puro barro, as mulheres todas punham aquelas trouxas de pano, assim, nas torneiras, para ver se coava a água né, mas mesmo assim não ficava boa não. Aí levaram essa água para Belo Horizonte, fizeram a análise, mas não servia para o ser humano usar não, sabe? Aí esse Félix, que é o Félix Melo, vocês devem ter ouvido falar em Félix Melo, não sei se vocês já ouviram falar, ele morreu, aí ele foi e falou assim: “Ah não, essa água deve ficar boa é lá em Dona Benedita, tá bom de vocês pedirem para ela fazer um poço lá, porque Seu Mozar, que era Seu Mozar que morava aqui, não era Pedro não, porque agora é Pedro, mas era Seu Mozar, aí lá no Seu Mozar a água é limpa, “E lá deve dá água limpa!. Aí eles furaram aqui, foi na época de Arquimedes que furou esse poço aqui, aí fez bem na entrada, aí eu dei o pedacinho, bem na entrada tem a casinha, era até desleixada, foi até que eles arrumaram, limpou e aí fez a casinha, fez o poço, depois fez a casinha, pôs a bomba né, essa água vai lá para frente da casa de Hilda, tem duas caixas lá, o senhor já viu? Duas lá, grandona, lá em cima, lá de frente Hilda que o senhor vai entrevistar…
P/1 - Eu não fui lá ainda, eu vou só semana que vem.
R - Pois é, lá em cima, de frente a casa dá… se o senhor subir aí, o senhor vê duas caixas lá assim, essa água vai daqui para lá, de lá ela esparrama para todo mundo da associação toda né, essa água sai daqui e vai para lá, aí eles fizeram. Agora eu não, eu tinha uma cisterna aqui, tem bomba no poço, água muito boa, mas eu tenho água da rua também, daqui, sabe?
P/1 - E deixa eu te perguntar, agora a gente vai entrar nas perguntas da comunidade…
R - Tá.
P/1 - Chegaram a contar para a senhora como é que a comunidade se formou, aqui do Cunha? Como é que começou as coisas?
R - Aqui no Cunha não tinha igreja, não, aqui no Cunha antigamente era pouca gente que morava né, só morava… aqui em baixo tinha Seu Mozar né, a fazenda de Seu Mozar, tinha Panechi, tinha um homem que se chamava (...), e tinha a mulher dele, a irmã dele que morava… a irmã dela morava mais para cima, é a sogra dessa que está aqui junto comigo, morava aqui, sabe? E com Panechi ali, aquela casa de Benzinha né, compadre Geraldo ali, o senhor vai entrevista ele, ele morava ali também e tinha aquela casa de frente a igreja, tinha uma lá para onde é Tonhão, lá tinha duas mulheres que moravam lá, uma fazia peneira e a outra fazia boneca né, que eu falei para o senhor, e tinha a casa de Maria Ribeiro, se chamava Maria Ribeiro né, Laudelina, Maria Fonseca né, é que moravam por ali, não tinha essas casaiadas ainda não, sabe? Aí foi… o povo foi vendendo, vendendo, foi juntando mais casas, aí juntou o povo daqui, os donos daqui, uns mudaram, venderam aí, aí vendeu para Geraldo Celeiro, Geraldo Celeiro vendeu para… acho que foi para João Evangelista, sem ser esse aqui, o de lá, João Evangelista, mais para lá, a entrada dele é de frente a igreja, de João Evangelista, aí foi assim que foi começando. E a igreja ela… não tinha igreja não, aí começou, veio para Paracatu o padre Afonso Pastor né, ele era um padre que ajudava muito as comunidades, ajudava mesmo e fazia a força que o povo conhecesse a Deus, conhecesse a Jesus, aí foi formando. Às vezes chegava aqui e não tinha igreja, ele fazia uma missa debaixo do pau né, se tivesse jeito ele fazia uma comunidade, o povo não desse lugar ele mandava fazer uma comunidade, e lá ele fez um ranchinho né. Aí a cunhada de Hilda, que o senhor vai entrevistar, pediu para o pai dela, o pai de Hilda, Seu Prisco, que se ele podia dar, para fazer uma igreja aí, no terreno dele, ele falou assim que podia, mas não queria que fizesse cemitério junto, porque lá na igreja da Lagoa tem cemitério né, não queria que fizesse cemitério. Aí ele fez um ranchinho, nessa época ainda tinha o meu marido, quando começou, ele ajudou a fazer o rancho, motosserra, cortou os paus, cortou as tábuas, cortou tudo, ajudou a fazer os bancos, era quase, não sei se vocês se lembram não, enfincava os tocos e punha a tábua, fazia esses bancos para sentar, banco da igreja. Aí fez assim no rancho de palha e aí foi o tempo, aí começou a igreja, ah mas essa igreja demorou para fazê-la, eles a começaram em 1990, aí começou devagarzinho, devagarzinho, mas custou por ela em pé, e aí nós no rancho, depois quando ela estava mais ou menos nós passamos para dentro né, mas não estava pronta não. Aí estava aquele… passamos para dentro, nessa Capela do Santíssimo e fez mais um cômodo, e ficou naquilo né. Aí foi arrumando devagarzinho, devagarzinho, até que terminou, custou terminar. Aí da hora que, 1990 fundou ela né, quando foi em 1991, em janeiro, dia 07,07 de janeiro meu marido morreu né, foi pouco tempo na comunidade, fundou a comunidade em julho, 05 de julho de 1990, em janeiro ele morreu, aí fiquei indo, arrumava a igreja, hoje não arrumo mais não, porque fiquei velha, não aguento mais.
P/1 - Qual é a igreja aí? Qual o São?
R - São Bernardo.
P/1 - É a igreja de São Bernardo aqui?
R - É, São Bernardo.
P/1 - Que costumes vocês tinham aqui na comunidade?
R - Quando começou?
P/1 - Isso.
R - O padre Afonso Pastor, ele mandava fazer, segunda-feira era o curso da palavra, quarta-feira grupo de oração, quinta-feira era adoração, mas aí quando começou não tinha o santíssimo ainda não, mas nós fazíamos, nós íamos para lá né, e tinha reunião das mulheres né, aí nós íamos, fazíamos. Quando era domingo tinha a missa e tinha a catequese e pastoral da criança, isso tudo. Depois acabou, os mais velhos foram morrendo.
P/1 - E no Cunha antes da comunidade? Antes de formar essa comunidade da igreja de São Bernardo? Como é que era o Cunha antes? Quais eram os costumes que tinham aqui? Tinha festa, tinha reza? Como é que era? Como é que fazia?
R - Ah, festa aqui é… tinha missa na Lagoa, mas primeiro na Lagoa era de ano em ano, só na época do santo, mas agora não, agora é diferente, depois do padre Afonso Pastor, todo sábado tem missa né, mas antigamente era só na época do santo é que fazia a missa né.
P/1 - Mas aí vocês tinham que ir lá para Lagoa nessa época?
R - É, eu quase não ia não, muito longe né, era quase… só quando era assim, antes de mim casar, menina, quando eu era menina, assim, que eu ia na missa lá, nas épocas né, mas depois eu não ia não. Aí aqui era… quase não tinha muita festa não, não tinha muita festa, era pouca gente né, depois que fez esse ranchão aí, que o povo fazia festa né, mas era difícil fazer festa, era pouca gente que morava aqui, fazia só a missa mesmo, na Lagoa. Agora depois que fez o rancho né, aí eles falavam do forró, forró do Cunha. Aí o povo vinha da cidade, enchia o ônibus de gente e vinham e dançavam, tinha um tocador que entrava, que se chamava Dominguinhos, ele morreu, chamava Dominguinhos, mas a hora que esse homem começava, só via, até às mulheres velhas saiam para dançar (risos), precisa de ver, mas ele tocava e cantava bonito mesmo, precisa de ver, sabe?
P/1 - É, aí eu fiquei sabendo que vinha até gente de outros lugares…
R - Vinha, vinha pra esse forró do Cunha. Aí o povo lá em Paracatu conhecia por forró do Cunha, vinha os ônibus cheios para esse forró, do Cunha, depois parou, agora eles estão arrumando de novo, agora aumentou, está aumentando, o senhor viu lá? Que está aumentando?
P/1 - A associação?
R - É.
P/1 - Vi, vi.
R - Aí está aumentando. Meu irmão foi presidente lá, Badia cunhada de Hilda foi presidente, Ciro aqui de frente foi presidente da associação, teve uma porção de presidentes aí, da associação.
P/1 - Mas nessas épocas antigas já tinha a associação ou não? Quando é que ela surgiu?
R - Surgiu depois que o padre Afonso Pastor fez a igrejinha, fez a igrejinha de palha, que veio um vizinho meu, que se chama Modesto e a mulher Suzete, que já mexia com associação na cidade, eles é… Hilda até falou que foi Badia que arrumou, mas não foi não, que foi Badia, cunhada dela que arrumou a associação aqui, não foi, foi esses vizinhos meus que veio, Modesto e Suzete, porque eles mexiam na associação do JK, eles mexiam na associação do JK, aí eles vieram e explicaram, "Olha, para vocês romperem, tem que fazer a associação primeiro". E explicaram tudo, arrumaram, até o primeiro presidente foi Jesse, Jesse ele era vaqueiro aqui, se Seu Mozá, ele trabalhava aqui no Seu Mozá, era a época que Seu Mozá, aquele do Catuí. Aí ele foi o primeiro presidente, que eles colocaram, assim, provisório, para falar que tinha um presidente né, aí foi começando, aí foi mudando de presidente, mudando até chegar no Passarinho. Aí compadre Modesto e Suzete, vieram e explicaram tudo como é que fazia, como é que não fazia, porque eles mexiam com associação no JK. Aí foi arrumando, aí teve muito forró lá em cima, sabe?
P/1 - E quais eram as reivindicações na época? O que eles estavam pedindo para fazer a associação? Porque antes não tinha, aí começou a ter, por que precisava ter?
R - Para poder desenvolver né. Aí tinha um negócio lá na Kinross, que eles, os presidentes iam… tinha um dia lá que… eu esqueci como é que chama o negócio, sabe? Então disse que era votando, para ganhar o dinheiro, aí tinha votação, aí meu irmão ia com o que era presidente lá da associação, ele ia arranjava pessoas para poder ir com ele, aí tinha que o povo votar, pra pessoa ganhar o dinheiro. Aí votavam, toda vez que votavam eles ganhavam, ganharam e arrumaram a associação e esse poço. Esse poço é o que Rosinha ajudou muito e quando foi fazer o poço, foi na época de Arquimedes, que era o prefeito. Aí ele furou o poço, a associação ajudou e pôs a bomba, e tudo e fez as valas para pôr os canos até lá e chegando com essas duas caixas, foi difícil, mas foi difícil mesmo, mas até fez né.
P/1 - E hoje, quais são as reivindicações? O que é que a associação está procurando hoje?
R - Hoje ela está procurando acabar de arrumar ali né, acabar de arrumar ali, e precisa também arrumar aqui né, tem até umas coisas aqui para fechar, arrumar fazer a casinha direito, arrumar né, está precisando arrumar. E lá na associação eles ajudaram, estão ajudando-os a arrumarem lá, aí Valmir está arrumando lá, já fez as paredes, já cimentou né, e está ficando grande né, está aumentando, porque era pequeno né. E o povo dançava, o povo gostava desse forró do Cunha, eu mesmo não, eu nunca fui lá não, eu via o povo indo, esse povo todo aqui ia, só as mulheres mais velhas, mas gostavam com esses homens mais velhos, não podiam ver Dominguinhos cantando e tocando, mas aí tudo quanto era mulher (risos), saíam de todo canto para dançar e dançavam até, até ficarem casadas.
P/1 - E deixa eu te perguntar, quais são as comidas típicas aqui da região, da Benedita que você fala, isso aqui tem só no Cunha?
R - Aqui no Cunha, antigamente né, que tinha as coisas que buscavam por aqui, mas hoje tudo é buscado é na cidade mesmo, né. Tem assim, horta, tem mandioca, o João ali mexe com mandioca, leva para a cidade para vender né, meu filho plantava milho, levava verde para vender, fazia… ele plantava horta aqui também né, e ele tem horta lá em cima.
P/1 - E essa matéria prima a senhora usava para fazer as coisas das comidas, por exemplo, bolo, doce?
R - Não, para sair para vender não.
P/1 - Aí eu estou falando pra senhora, para sua casa.
R - É, fazia.
P/1 - Aí a senhora cozinhava?
R - Cozinhava.
P/1 - O que a senhora cozinhava?
R - Meu marido gostava muito de carne, não comia sem carne não, e eu fazia verdura, carne feijão, arroz né, tudo eu fazia, ovo, eu criava galinha, hoje é que eu não crio mais porque aqui era fechado, eu tinha umas galinhas aí, eu fui para Paracatu, fiquei lá uns dois dias, entrou um bicho aí e matou as galinhas todas de uma vez. Aí quando o meu neto chegou da escola, que estava tomando banho, aí ele escutou, o meu genro mais a minha filha já estavam dormindo, escutou o barulho aqui, ele veio aqui correndo, achou as galinhas todas morrendo, não viu nem o que era, acho que era gato do mato, matou tudo, falei assim: “Eu é que não vou mexer com mais nada”. Aí larguei, essas galinhas que tem aí são da minha filha que mora ali.
P/1 - Então deixa eu te perguntar, qual é a diferença da comunidade de antigamente, antes do padre, antes da comunidade de São Bernardo, como é que ela era antigamente? E como ela é hoje? Qual a diferença se a gente for comparar? O que aconteceu de diferente? A comunidade está igual? Está diferente? Se ela está diferente, o que ela está diferente?
R - Não, até que, parece que hoje está melhor né, as coisas estão mais fáceis, né. Tem muita gente aí que vai na comunidade, mas tem muitos que não vão não né, mas tem muita gente que vai. A comunidade é até boa, sabe? Graças a Deus!
P/1 - E como era o Cunha antes e como é o Cunha hoje? Qual a diferença?
R - Ah, o Cunha melhorou muito né, melhorou muito, porque a dificuldade que era de primeiro, tinha as coisas, mas era difícil demais né, hoje não, hoje está tudo fácil né, vem um ônibus até aqui, de frente à casa de Benzinha. Ele vem… ele sai da cidade, de Paracatu vinte para às seis da manhã, vem aqui de frente, vira aqui bem aonde vira para cá, na porta de Benzinha, ele vira e volta, depois vai lá para o Engenho do Padre, volta, não, da hora que ele sai daqui ele vai no São Sebastião, depois do São Sebastião ele, 8h30 ele vai lá para o Engenho do Padre, do Engenho do Padre ele vem aqui 12:00, sai de lá 12h25, 12h30 a gente pega ele aqui e vai para a cidade, antes a gente não tinha isso não né, era tudo difícil, hoje melhorou bastante, né. Hoje assim, é muito difícil, porque tem muita gente assim, que… tem muita gente que rouba, assim, nas fazendas, judia das pessoas da fazenda né, então a dificuldade que tá é essa.
P/1 - Antigamente não acontecia?
R - Não tinha isso, não, não, tinha não. Aí fica difícil né, igual eu aqui mesmo, eu aqui, essa menina não mora aqui não, mora lá na Lagoa, nós a pagamos para ficar aqui comigo, porque eu fico sozinha, né. Ela… minha filha trabalha no posto, ela sai de manhã, vem em casa, almoça e volta, só sai de lá 17h00, aí às 17h00 ela chega e a moça vai embora, quando é cedo ela chega, no outro dia, é assim.
P/1 - A senhora estava me contando que os seus outros filhos moram todos em Paracatu…
R - Moram, moram, agora eu não sei se esses meninos conhecem. A minha filha é professora lá no Polivalente, ela estudava aula de matemática e depois… agora ela é vice-diretora à noite e dá aula lá no Delano, Delano é em Paracatuzinho, não é? No Delano, no Delano não, Delano era ano passado, agora é no Afonso Roquete, ela dá aula de manhã o Afonso Roquete e a noite ela está no Polivalente, é a vice-diretora do Polivalente. E a outra, a outra trabalha naquele Hotel Plaza, antes ela trabalhava no Morro Agudo, trabalhou 11 anos no Morro Agudo, aí o marido dela deu nó na tripa, a tripa deu nó, sabe? E aí o senhor precisa de ver, ela morava na minha casa né, eu tenho uma casa lá em Paracatu, ela morava na minha casa, morava lá, deu nó na tripa e esse homem ficou ruim, quase morrendo, quase morrendo, aí levou para o hospital, ninguém sabia o que era, fazia exame e ninguém achava o que era e tudo, aí ela… e eles tinham começado a casa deles né, e aí a doutora falou assim: “Não, vamos abrir ele, nós não sabemos o que é!” Ele já estava perto de morrer, ele disse que se durasse mais 15 minutos ele tinha morrido, ele disse que não estava aguentando mais não, aí abriu, a tripa amarrada, nossa mais foi dificuldade! E nós fazendo orações, ele foi para cirurgia e nós fazendo orações. Eu cheguei lá a minha filha lá chorando e eu com a mulher de Cristiano, Gustavo e meu irmão Rosival, fui ajudar, orar, orar, e ele pedindo, porque não sabia o que era né. Aí quando o tempo passou, que fez a cirurgia, esse homem quase morreu, quase morreu, ele, eu não sei se os meninos sabem, ele é guarda lá na União, aí quase morreu, aí ele trabalhava no Morro Agudo, lá na firma do Morro Agudo tinha onze anos, aí ela pediu para eles mandarem ela embora, para ela pegar o dinheiro e ajudar na casa, para fazer a casa deles né, aí eles não queriam, não queriam ajudar não, não queriam mandar ela embora não, foi muito difícil para eles mandarem ela embora. Aí a encarregada contou o caso, como estava o marido dela, como estava a situação e que precisava terminar a casa, aí ela foi e mandou, pediu eles para mandarem, aí mandou. Aí estava começando aquele hotel Plaza, aí já estavam pondo a cerâmica naquele hotel, aí ela saiu de lá e já foi para esse hotel, já estava com a cerâmica, ela começou ajudando com Bombril, a limpar aquelas coisas que põem a cerâmica né, e precisa limpar com Bombril né, ela começou ali desse jeito, limpando ali com Bombril, era uma vida difícil e o marido dela doente, né. Aí dei Graças a Deus que Deus ajudou e ele melhorou, que ele até terminou a casa, ela começou ali desse jeito e está lá até hoje, ela passou para camareira, para o frigobar, agora ela já trabalha, assim, dando revisão nos quartos, vendo tudo que gastou, não sei como é que fala, sabe? Vendo tudo que gastou e que não gastou, olhando a hora que sai, a hora que chega, assim que ela está.
P/1 - Muito bem.
R - E a outra trabalha no supermercado Paracatu né, eu acho que tem mais de 10 anos que ela trabalha lá.
P/1 - E aí hoje a senhora fica como aqui? A senhora falou que paga uma pessoa para ficar com a senhora, né?
R - É, aquela menina lá.
P/1 - Isso, aí a senhora fica fazendo o que aqui na sua propriedade?
R - Eu faço comida, eu faço as coisas aqui, ela fala as coisas pra mim e eu pego e… ela me ajuda e eu a ajudo. Aquele dia eu estava lavando roupa, não foi? Que o senhor chegou aqui? Eu e ela estávamos lavando roupa né, é assim.
P/1 - A gente vai se encaminhar para as últimas perguntas já, dona Benedita. Aí uma primeira, que a gente sempre faz é assim, o que você gostaria de deixar como legado? O que você gostaria de deixar para as pessoas? Que mensagem, que atitude, que ação você gostaria de deixar para as pessoas?
R - Eu queria deixar para as pessoas, que eu, aqui… eu nasci aqui né, vivi aqui, estou vivendo aqui, então graças a Deus aqui todo mundo gosta de mim, eu me dou bem com todo mundo, graças a Deus não tenho inimizade com ninguém, graças a Deus, né. Então eu quero que a hora que eu partir daqui, que eu deixe boas lembranças né, para a comunidade, que eu fui ministra 25 anos né, e frequento a comunidade, agora eu já estou com 79 anos né, agora já não posso trabalhar mais lá, né. É isso, o que eu pude fazer eu fiz, agora tenho que ficar fazendo menos né, menos coisas e também eu agradeço muito a Deus né, porque graças a Deus os meus todos são obedientes e todos são trabalhadores, muito trabalhadores, né. Tem a Eliete que é a mais velha né, é professora, vice-diretora no Polivalente, tem a Edna que também é professora, mas ela não está dando aula agora não, porque a sogra dela chegou aqui, e tem o Manoelzinho, que gosta de mexer com roça, tem uma horta lá perto de Hilda, a mulher dele foi criada lá na casa de Hilda, e tem essa aqui que trabalha lá no hotel, outra trabalha no mercado, tem depois Cristiano, Cristiano trabalha lá em Brasília, tem mais de 11 anos que ele trabalha na Votorantim Cimento, lá em Brasília e tem essa que trabalha lá na Lagoa, tem 10 anos que ela trabalha lá no posto e eu aqui, graças a Deus, né? E aqui graças a Deus tem muitos domingos que fica cheio de gente né, eu tenho muita amizade e eles também tem, trazem para cá, né.
P/1 - E o que vocês fazem no domingo quando enche de gente?
R - Favo comida, a minha filha faz biscoito, faço comida, faço tudo, faço feijão tropeiro. Quando tem galinha caipira eu faço, quando não tem é de granja mesmo e quando é na hora… faz biscoito.
P/1 - E aí reúne todo mundo aqui na casa da senhora?
R - É, faço pão de queijo, bolo…
P/1 - Então vou para uma última pergunta que a gente faz para todo mundo. Como foi contar a sua história de vida?
R - Como foi contar a história de vida?
P/1 - É, como foi contar pra gente aqui sua história de vida? Como você se sentiu?
R - Eu me senti valorizada, de eu explicar para vocês né, e vocês levarem né, isso para Paracatu, para São Paulo, para mim é um privilégio, depois de velha né (risos), vocês me entrevistarem, não é? Eu achei muito bom né, e agradeço vocês, por vocês terem vindo aqui me entrevistar né, vir aqui na minha casa.
P/1 - Imagina, a gente é que agradece, a senhora por ter contado a sua história, gostei muito de ouvir a sua história, dona Benedita.
R - Gostou?
P/1 - Muito obrigada!
R - Às ordens.
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