Votorantim Fercal
Depoimento de Delson da Costa Matos
Entrevistado por Marcia Trezza e Alexandre Gomes
Fercal, 07/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV006_Delson da Costa Matos
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Delson, nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo, por fa...Continuar leitura
Votorantim Fercal
Depoimento de Delson da Costa Matos
Entrevistado por Marcia Trezza e Alexandre Gomes
Fercal, 07/05/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV006_Delson da Costa Matos
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Delson, nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo, por favor.
R – Meu nome é Delson da Costa Matos.
P/1 – E você nasceu onde e que data?
R – Nasci aqui neste bairro, aqui em frente a minha casa. Na época era parteira ainda, se não me engano a parteira foi a minha própria vó que fez, minha vó era parteira. Então nasci aqui antes mesmo de Brasília, né?
P/1 – Antes de fundar Brasília?
R – É.
P/1 – Aqui é em Fercal?
R – Aqui é um bairro da Fercal.
P/1 – Como chama?
R – A Rua do Mato, e posso até dizer que esse nome foi um apelido, porque na época, que era Goiás, não existia a cidade que é hoje, e aqui a Rua do Mato se chamava Vão do Buraco e era uma das maiores comunidades rurais do município do Planaltina, que fazia parte de Formosa. Do distrito de Planaltina que fazia parte de Formosa, Goiás, não é? Então, a princípio, aqui primeiro era de Formosa, depois Planaltina teve o seu próprio município, Planaltina criou o GDF e nós estamos aqui. A Rua do Mato, como eu falei, ela começou com o nome de Vão do Buraco, era uma fazenda grande chamada Fazenda Buraco. Aí minha vó e meu avô por parte de mãe, eles fazem parte de uma das grandes famílias aqui da região, que é a família Gomes Rabelo e quando Leocádio Gomes Rabelo faleceu, então dividiu a fazenda por todos os herdeiros e meu avô Tibúrcio que pegou essa parte aqui da Fazenda Buraco. Como eu tava dizendo, o nome Rua do Mato surgiu por quê? Primeiro lá mais embaixo, se você andar aqui na comunidade tem uma igrejinha lá que
tinha uma novena que começou por volta de 1800 e alguma coisa, na época da escravidão, quando meu avô por parte de pai... Meu avô por parte de pai era escravo, ele era escravo, casou com minha bisavó, chamava Coleta, né? A gente chamava aqui de Coleta. Aí tinha uma família muito grande, ele morreu, ficou essa Coleta aí que é a minha bisavó e a família muito grande e homens, a maioria homem, parece que eram, se eu não me engano, 18 homens. Era homem pra caramba. Mesmo porque ele tinha parece que do segundo casamento dele. Bom, aí a fazenda, como eu disse, era dos Gomes Rabelo, e tinha os Coleta que eram agregados e trabalhavam para o fazendeiro, não é? Eles moravam naquele recanto onde hoje tem essa igreja, os Coleta. Ah bom, aí o que aconteceu? A família Gomes foi casando e foi ocupando dentro. Aqui era uma mata muito grande e tinha uma estrada carreira no meio da mata onde passava carro de boi para ir para Planaltina, que aqui era caminho pra ir pra Planaltina. Foram fazendo casa na beira da mata, foi fazendo casa, fazendo casa, foi virando um vilarejo. Aí o pessoal de lá de baixo, do Vão do Buraco, falava assim: “Ah, ele mora na Rua do Mato”. Era pouca distância, mas por causa da rua de dentro da mata, aí Rua do Mato, pegou esse nome por causa disso.
P/1 – E a Fazenda do Buraco então já era da sua família?
R – Era dos meus antepassados, a família por parte de minha mãe, que é a Gomes Rabelo.
P/1 – E tinha esse nome por quê?
R – Gomes Rabelo?
P/1 – Não. A Fazenda do Buraco.
R – A Fazenda Buraco, eu não tenho muita certeza, mas segundo o que as pessoas me falaram, é por causa de um buraco muito grande que tem ali em cima daquele morro logo ali na frente, um morro chamado Morro Canastra. Então daqui a gente vê lá um morro redondo e lá tem um buraco realmente, as pessoas que gostam de subir serra, morro, grota, essas coisas, alpinista, que sobre na corda. Eles descem lá nesse buraco lá, mas não tem nada de interessante no buraco, não, mas tem um buraco muito profundo lá no morro. Vai ali na comunidade da Boa Vista a gente avista lá em cima esse buraco. Então a fazenda daqui até no Catingueiro se chama Vão do Buraco. Ela foi subdividida, aqui já pegou o nome de Rua do Mato porque a comunidade maior foi crescendo, e a maior geralmente uma civilização maior engole as menores. E aí aconteceu, o nome Vão do Buraco desapareceu e ficou Rua do Mato. Lá em cima já chama Boa Vista, ali no meio já chama Vão do Buraco de novo, aqui entre a Boa Vista e a Rua do Mato tem a outra comunidadezinha rural que o pessoal chama lá de Vão do Buraco ainda, né?
P/1 – Delson, você disse que nasceu antes de existir Brasília. Quais são as suas lembranças desse lugar aqui quando você era criança?
R – Ah, muito vaga, né? Quando eu era criança, porque a gente morava na roça, fazenda, por exemplo, o meu pai era vaqueiro responsável pela criação de gado da Fazenda Currais que fica também no Morro Canastra ali. Tinha a Fazenda Currais e depois tinha a Fazenda Lajinha. Antes ele era da Lajinha, que é do mesmo dono, e na Lajinha há uma lembrança. A lembrança que eu tenho da minha infância é mais na Lajinha. Então eu devia ter aí uns quatro, cinco, seis anos de idade. O que eu lembro lá é que tinha um quintal muito grande, pomar, né? Aí quando chegava assim chegando próximo as chuvas, aí a gente ouvia cantar aquela Três-potes que a gente chama, Três-potes, aí cantava lá no quintal, de manhãzinha cantava lá no fundo do quintal. Aí falava: “Vai chover. Vai chover”. Realmente daí a pouco começava o tempo chuvoso. Na mudança de estação a gente tinha uns sinais da natureza. Então eu me lembro desse quintal muito grande que tinha lá, muita jabuticaba. Então no tempo da jabuticaba as pessoas, a vizinhança, vinham tudo visitar e chupar jabuticaba naquele quintal que era imenso. Ainda hoje existe essa fazenda lá, inclusive sob os herdeiros do Altair, eles ainda vivem lá ainda, mas parece que o quintal já... Muito bonito, um pomar que tinha muito bonito que eu tenho lembrança da minha infância é lá. A minha tia Ita, minha tia Ita, eu tenho lembrança que ela morava com a gente, dona Bastianinha, que é viva ainda, mora ali. Ela me criou, ela foi a babá. Eu me lembro dessas pessoas assim em nosso meio. Meu pai levantava cedo, tirar leite do gado, quando não tava tirado leite, a outra atividade que eu lembro também… Ah tá, um negócio que me marcou que eu me lembro, que me marcou fisicamente, fisicamente. Não sei o que eu fiz que lá só tinha... O meu pai tira o leite, tem os horários de tirar o leite, aí o resto do dia tinha outras atividades e uma das atividades era fazer cachaça e açúcar. Aí eu não sei o que aconteceu comigo que eu fiz uma travessia lá, sei que meu pai me deu, eu só me lembro da taca. Da história da taca, eu correndo. Ele me deu uma taca tão grande que até hoje eu tenho uma cicatriz aqui, sabe? Por causa que eu mexi no alambique. Não sei se eu tava bebendo pinga, não sei o que eu tava fazendo, eu era criança e ele me deu uma pisa tão grande, que lá tinha um alambique e pra chegar no alambique tinha um monjolo, aquele que soca o arroz. Aí tinha um monjolo e eu não sei o que eu tava fazendo, eu sei que bem em frente a esse monjolo ele me pegou de umas tacas boas, de correia, sabe, que eu marquei minha vida todinha. Sempre eu o lembrava: “Não é, pai, o senhor lembra?”. Aí ele desconversava e não falava nada. Outra coisa que eu lembro também na Lajinha sabe o que é? Quando nós morávamos lá nessa Lajinha quando eu era criança, foi que lá, a gente morava na casinha pequena, numa casinha de pau a pique e barro, né? Quem tinha casa de telha era só o dono da fazenda, mas quem era agregado, os trabalhadores, era casa de palha. Eu lembro, rapaz, que tinha noite que eu não conseguia dormir por causa de uns bichinhos chamados fim-fim, tipo percevejo. Aí quando a gente tava assim acendia a luz tava cheio de fim-fim, assim, chupando a gente, sabe? Tanto é, aqui ainda tinha muito percevejo naquela época. O meu pai morreu de doença de Chagas, minha família todinha tem doença de Chagas, a maioria. Inclusive eu, eu tenho doença de Chagas. Quer dizer, aí eu me lembro desse fato que a gente levantava de manhã, tava tudo cheio de sangue e os bichinhos chupando a noite toda. Tá. Outro fato também foi que lá perto da nossa casa tinha uma bica que derramava, bem a gente saía assim mais ou menos uns cinco metros aí tinha uma bica. Meu irmão menor depois de mim, era o Dilson, aí um dia lá ele defecou na cama, meu pai o acordou de madrugada, deu uma lapada nele, colocou ele pra tomar banho na água gelada de manhãzinha, de madrugada, sabe?
P/1 – Água do rio?
R – Não. Água da bica.
P/1 – Da bica.
R – A bica caindo. Pois é, isso aí são uns fatos que eu me lembro da minha infância naquela época antes dos dez anos, porque com dez anos de idade eu fui pra cidade estudar em Planaltina. Fui pra Planaltina porque aqui não tinha escola na época.
P/1 – Delson, nós falamos, mas você não disse a data de nascimento sua.
R – Foi?
P/1 – Qual foi?
R – Eu nasci em dois de setembro de 1951.
P/1 – Delson...
R – O local eu já disse, né?
P/1 – Já. Delson, o seu pai, qual era a atividade dele?
R – Lavrador. Lavrador e ele era responsável pela criação do gado na fazenda.
P/1 – Mas ele não era o proprietário da fazenda?
R – Não. Ele não era proprietário. E naquele tempo era interessante porque depois eu vim saber, os proprietários não pagavam muito em dinheiro, não. Meu pai, por exemplo, era tipo assim, eu não sei como é que eles faziam que cada três reses que dava, uma era dele. Assim ele trabalhou muito tempo desse jeito. Aí quando chegou certa época, aí ele já tinha um gadinho bom lá. Ele pegou o gado, vendeu e comprou um sítio lá numa localidade chamada Brocotó aqui pra baixo aqui, ele comprou um sítio. Aí ele mudou pra lá, mas isso aí já foi cá bem na frente, que já foi depois de Brasília já.
P/1 – Sim. E você saiu com aquela idade que você falou pra estudar, como é que foi? Ele continuou lá?
R – Com dez anos... Dez anos não. Foram 12 anos, que foi em 63.
P/1 – Você não tinha estudado ainda em escola?
R – Não. Em 1963. O dono da fazenda era meu padrinho, aí ele me levou pra casa dele lá em Planaltina pra poder estudar. Aí eu fiquei em Planaltina, morei em Planaltina lá até os 17 anos. Dos 11 aos 17 anos morei em Planaltina na Rua 15 de Setembro, perto daquela pracinha lá que é tradicional mesmo.
P/1 – E como foi pra você essa mudança?
R – A princípio é um choque pra gente, ainda mais cidade, eu não tinha costume com a cidade. Totalmente.. que pra gente é a coisa maior do mundo e é uma cidade, uma cidadezinha de interior, Planaltina, não é? Era uma cidade bastante bonita e mais tradicionalista, o povo discriminava muito a gente, os “fazendeirões", filhos de empregado, quer dizer, tinha uma distância, a gente brincava, os brinquedos tinha a turma da gente. Os filhos dos barões eram outras. Até as escolas eram diferentes, tinha a escola, por exemplo, Planaltina a escola até hoje, mudou de nome, mas tinha a escola, a gente chamava de Escola Modelo que era a escola de técnico agrícola. Não sei como é o nome dela lá agora. Até hoje ela existe, mas naquele tempo lá quem ia eram só os filhos dos fazendeiros, sabe como é que é? Então a gente era um pouco discriminado por causa da...
P/1 – E foi só você ou teve mais irmãos que foram?
R – Aí como eu disse, meu pai mudou, comprou o sítio, mudou pra lá. Ele ficou com aquele problema porque só tinha eu estudando. Mais ou menos uns três anos depois, aqui na Rua do Mato já se fez uma escolinha, a Escola Classe Rua do Mato. Ele trouxe os filhos de lá do sítio, começaram a estudar aqui. Primeiro meu irmão, o homem, mas as mulheres ficavam, né? Ficaram lá. Passaram mais ou menos uns dois anos depois, eu sei que foi pouco tempo, aí ele trouxe todo mundo pra cá, acho que doeu a consciência. Aí ele fez a casinha dele aqui do outro lado, ainda existe até hoje a casa, ele fez a casa aí, vendeu o sítio lá, construiu a casa aqui. Porque lá era muito difícil, lá só ia a cavalo, só cargueiro, não tinha nem carro de boi, nenhuma espécie de carro ia, só mesmo a cavalo ou a pé. Os morros lá eram muitos. Tinha muitos morros, tinha localidade lá que a gente puxava, passava puxando cargueiro e outra pessoa atrás pro cavalo não cair de costa. Era difícil. E ele ficou naquela lá, muitas vezes ele ficou sozinho lá, tinha até onça, lá era mata virgem quando nós derrubamos lá.
P/1 – Você chegou a viver um tempo lá?
R – Fiquei. Nas férias também eu ia pra lá. Eu fiquei uns tempos lá e, rapaz, o negócio era bonito demais, de manhãzinha assim então, aquela neblina na serra, sabe? E peixe à vontade nos rios, a gente chamava Parapixinga os peixes. Até hoje nunca mais vi esses peixes, tinha muito peixe. Hoje acabou tudo. Hoje em dia até os rios lá secaram naquela região.
P/1 – E vocês abriram a mata pra poder ficar...
R – Pra poder fazer as roças e tal, ele desbravou lá, derrubou a mata, tacou fogo, que o negócio era no fogo mesmo. Aí ele formou o pasto, ele fez uma fazendinha muito boa lá.
P/1 – E sua mãe acompanhava?
R – Acompanhava. A mulher tinha que estar junto.
P/1 – Que lembrança você tem da sua mãe, Delson?
R – Ah, uma pessoa muito tranquila. Ela não interferia muito na família, quem falava era o homem, era o velho. Ela não dava muito pitaco, só fazia corrigir. Ela era meio brava, quando a gente pintava com ela, ela puxava a orelha, sabe? Arrancava a orelha mesmo e era braba! Tinha a linguinha felina. A língua era felina, mas não batia assim, não era violenta, não.
P/1 – Como assim língua felina?
R – Falava, xingava e brigava.
P/2 – Mexia com o psicológico mesmo.
R – Então nesse ponto aí ela era.
P/1 – Você se lembra de alguma bronca que marcou você?
R – Dela comigo?
P/1 – É.
R – Não. Quando eu tava já grande, rapaz, comecei a dar trabalho, eu comecei a entrar no mundo da bebida, eu nunca fui muito a droga, não, mas bebida alcoólica eu cheguei quase uma época que... Tanto é que quando eu já tava grande, rapaz, eu tive que dar um basta de uma vez. Tem 38 anos que eu não bebo, que eu parei de vez porque senão eu caía no buraco. Então naquela época que eu comecei a beber, porque até os 19 anos, quando eu fui pro exército, eu não bebia, não fumava, não namorava, porque eu era vida de roça. Então a gente não tinha nem pra essas bandas de cá nem mulher a não ser as parentes, as primas e irmãs, né? Então a gente realmente não... Aí só fui conhecer a vida de coisa quando eu fui pro exército. Queria cair na gandaia, aí dei trabalho pra minha mãe, ela chorava, sabe? Ficava muito sentido quando a via. Ela ao invés de reclamar, de brigar, aí ela passou a chorar. Porque quando a gente é pequeno ainda dá umas broncas, mas quando a gente tá grande elas só falam: “Meu filho, o que é isso?”. Começava a chorar, a gente ficava sentido. Aí depois a gente foi caindo na real, aí 1977 me casei, aí aquietei.
P/1 – Delson, você disse que ficava mais entre parentes porque na verdade toda essa região aqui eram parentes.
R – Sim. Pra você ter uma ideia, aqui na região toda, toda, eram parentes que casavam entre... Tanto parente mais distante, mais próximo, mas sempre parentes. Aqui, por exemplo, tem as famílias Gomes Rabelo, que era a dos fazendeiros. Tinha Gomes Rabelo, tinha os Coleta que são o Souza e Silva, Rodrigues da Silva, os Coletas que eu falei pra você que é essa bisavó nossa, Coleta. Então eram as principais daqui. Aí chegaram mais uns tempos, nos anos 46, chegou uma família de baiano aqui na Rua do Mato, por exemplo, chegou a ter dos baianos aqui. Vieram lá da Bahia e goiano todo mundo chega, pan, pan, pan nos ouvidos de goiano, goiano abre as pernas aí todo mundo... Aí chegaram uns baianos aqui, sabe? Com uns cargueiros aí, com uns homens trabalhadores, que os baianos são trabalhadores. Seu Simpliciano o nome dele, 1946, aí Simpliciano, tinha Agenor, que ele também casou com uma tia minha, Agenor. Aí vem Manoel Baiano que casou com outra prima nossa. E tudo parente, prima, né? E entrou na família, entraram nas famílias aí, tudo foi juntando com as famílias. O que tinha de novidade aqui, quando chegava, assim, homem batia em cima. Via mulher, não tinha outra, mulher casava mesmo. Ah bom, aí o que aconteceu? Esses baianos trabalhadores, eles conheciam um pessoal da Planaltina que tinha um terreno, tinha uma fazenda lá em Mogi, Mogi é ali depois da Ciplan. Aí esses baianos começaram a trabalhar pra esse proprietário de uma fazenda do Mogi. Aí o dono: “Rapaz, vocês estão aqui, vocês não querem comprar um terrenozinho meu, não?” “Onde?” “Tenho um terreno lá no Vão do Buraco. Tenho um terrenozinho lá que eu comprei de um herdeiro lá do Leocádio” que era irmão do meu avô. O dono do terreno ali era do meu avô Tibúrcio, né? Aí ele: “Rapaz, tenho interesse.” “Fica lá então com o terreno, vai pagando aqui no serviço”. Até antes de morrer o Manoel Baiano brincava comigo: “Rapaz, nós pagamos aquele terreno lá trabalhando, nós nem sentimos”. Entendeu? Porque disse que pagou o terreno no braço, só prestando serviço.
P/1 – Mas era dele...
R – Aí eles compraram o terreno aqui, vieram os baianos, Simpliciano comprou o terreno aqui, Manoel Baiano comprou mais uma parte dali que até hoje o Manoel Baiano, a família dele mora aqui do lado ali no Engenho Velho.
P/1 – Mas o terreno era mesmo de quem cedeu pro Manoel Baiano?
R – O terreno daqui era da Emília Gomes Rabelo. É da irmã do meu avô Tibúrcio, que ela recebeu de herdeira. Como falei a fazenda dos Gomes Rabelo dividiu, cada um pegou um pedacinho. E essa Emília vendeu pra esse dono do cartório lá de Planaltina, eu esqueci o nome dele. Aí eu sei que ele vendeu pros baianos, aí os baianos entraram aqui na Rua do Mato aí cresceu a Rua do Mato. Porque, como eu disse no começo, tinha alguns moradores na beira da mata, da estrada da beira da mata, e eles compraram daqui pra cima, que é ali da escola pra lá, tudinho são os baianos. Eles povoaram ali, cada um. Eram mais ou menos parece que uns dez irmãos, por aí, sabe? Cada um fez uma casinha que aí já cresceu aqui a Rua do Mato. Aí então a cidade Vão do Buraco acabou por causa disso, que a Rua do Mato prevaleceu.
P/1 – E chegaram outras pessoas de outros estados por aqui?
R – Não. Chegou agora recentemente. Agora que tem alguns caras que pintam aí, conhecido, arruma um lotinho aqui. Porque aqui é tudo ainda chácara, não tem divisão em lotes. Então nossa chácara aqui é chácara sete, mas nós dividimos entre nós o pedaço que pertencia a minha família, ao meu avô, aí nós dividimos entre irmãos. São oito glebas aqui, aí cada gleba... Aqui é a chácara sete, casa oito. Chácara oito ali. Nós temos até em cima lá, nós tivemos uma perda muito grande com o negócio do governo decretou aqui como...
P/1 – Área de preservação?
R – Como é que chama? Reserva biológica. Então aqui a maior parte do nosso terreno transformou em reserva biológica, que é essa parte aqui da encosta, da Chapada da Contagem, que descama pra cá. Então essa encosta todinha que nós temos daqui pra frente, eu ando 200 metros, 200 metros eu chego na divisa da onde é a Rebio pra cima. Aí o governo até tá nos devendo, que desde 2002 transformou numa reserva biológica, mas o governo não indenizou ninguém até agora. Todo o povo aqui tá com essa questão na justiça porque...
P/1 – Que deverá ser indenizado?
R – Indenizado. É, porque virou uma reserva biológica e a gente perdeu, que o terreno que nós tínhamos é esse. A gente tinha roça lá em cima, não pode fazer mais roça, aí ficou.
P/1 – Ah, entendi.
R – Ficamos nessa pendenga aí.
P/1 – Delson, você disse que aqui todo mundo se conhecia, então casava primo com primo.
R – Isso.
P/1 – E você? Quem foi sua primeira namorada?
R – Minha primeira namorada foi uma prima, claro. Mas aí eu fui servir o exército, saí do convívio, senão eu casava por aqui. Aí eu saí daqui, fui perdendo o vínculo com a minha namorada e vinha só final de semana. Fui esquecendo, conheci outras coisas por lá, sabe como é que é? Aí eu conheci a minha esposa, eu passei a... Quando eu saí da polícia, eu entrei no exército em janeiro de 1970, e saí em fevereiro de 71. Eu tinha feito um concurso na PM, no final do ano eu fiz um concurso na PM, então eu saí do exército, embarquei direto na PM.
P/1 – Lá em Planaltina? Aí já era Brasília?
R – Não. Isso em 1970, eu já tava no Distrito Federal. Aí o que aconteceu? O recrutamento, a escola de formação da Polícia Militar era lá em Taguatinga, eu fiquei morando em Taguatinga. Fui gostando da cidade grande, coisa e tal, aluguei uma casinha lá, um quartinho lá e fiquei por lá. Fui e minha vida transformou, que eu fiquei lá muito tempo. Aí eu me casei, arrumei uma namorada lá, esqueci a de cá, casei-me com uma moradora nascida lá em Taguatinga. Só 1998, 98 não, 1990, aí que eu mudei pra cá.
P/1 – E é a sua esposa até hoje?
R – Até hoje. Não mudei, não, viu?
P/1 – Fala o nome dela.
R – Nelita de Souza Matos.
P/1 – Delson, você disse que aqui cada parte do terreno, cada chácara é de um irmão. Em quantos vocês são?
R – Isso. Irmãos éramos oito, agora somos seis. Dois já faleceram.
P/1 – Quantos homens?
R – São quatro a quatro. Eram quatro a quatro, quatro homens, quatro mulheres. Então eles ainda continuam aí nessa questão da... É muita pouca gente que é de fora. Aqui na Rua do Mato, no último censo nosso aqui que foi 2010 eram 1050 pessoas, e tudo parente, 1050 pessoas. Esse menino aqui é da nossa família, dos Coletas, é dos Coletas.
P/1 – Quem é esse menino aqui?
R – Esse aí é neto da minha prima primeira, que é Analice. Não sei se o nome dela é Rodrigues da Silva, Rodrigues da Silva.
P/1 – Delson, você falou das suas lembranças de infância. E na juventude antes de ir pro exército? Como é que vocês se divertiam aqui?
R – Bom, minha juventude era dividida porque eu, como disse, estudava em Planaltina, só vinha aqui nas férias. Nas férias eu vinha pra cá pro nosso leito. A diversão aqui, a gente... Uma coisa que eu tinha na minha, não sei se é... O nome é criancice, porque na minha adolescência eu tava lá, mas na minha criancice ainda eu lembro das folias do Divino que tinha muito na região aqui. Era Folia do Divino, era uma que tem uma novena muito tradicional que foi criada por essa bisavó nossa, a Coleta, que é a novena da Nossa Senhora da Conceição, no dia oito de dezembro. Então nesse oito de dezembro, a região, como eu disse o núcleo rural mais, como é que fala, que tinha mais gente era aqui na Rua do Mato. Então aí vinham as pessoas de mais longe, vinha até de carro de boi, a cavalo, e acampava lá onde hoje é a igreja, eles acampavam lá, ficavam os nove dias da novena lá acampados. Vinha gente de Planaltina, que nós temos uma família muito grande dos “coleteros” lá em Planaltina. Nós temos um tio nosso da família Coleta que ele tem 21, 21 filhos. O velho Abel, chama ele de Velho Abel, sabe? E ele viveu 90 e tantos anos. Há pouco tempo agora, ainda há uns dez anos atrás ele ainda era vivo. Então nós temos uma família muito grande lá em Planaltina dos Coleta.
P/1 – Essa novena...
R – Essa novena, então esse pessoal tudinho vinha nas novenas pra cá, acampavam aqui, ficavam até terminar a novena. E no último dia, porque a novena é composta de ladainha de Nossa Senhora, a parte religiosa, né? Aí era só isso, quando dava pra dez horas da noite, por aí, todo mundo ia pras suas barracas, ia dormir, coisa e tal, coisa e tal. No último dia, aí o pau quebrava, sabe? Aí era forró, era leilão, então era desse jeito. Hoje em dia não tem mais isso. Hoje só tem as novenas da reza mesmo, só a parte religiosa mesmo. Hoje não tem mais aquela parte de festa não. Então tem a parte religiosa e no último dia que é o dia de Nossa Senhora da Conceição mesmo, dia oito de dezembro, aí tem os leilões, né? Onde traz um boi, traz um porquinho, uma galinha, uma galinha assada. Então tem vários tipos de mercadoria pra leiloar.
P/1 – E duravam os nove dias mesmo?
R – Eram nove dias.
P/1 – E as pessoas passavam aqui os nove dias acampados?
R – Acampado. Agora, hoje em dia essa novena é bem religiosa mesmo, segue rigidamente o calendário da igreja. Então o que acontece? Ela começa dia 29 de novembro, aí cada dia é um noveneiro. No dia que for aqui em casa aí eu tenho que levantar cinco horas da manhã, soltar foguetório, aí as pessoas pegam a fazer biscoito caseiro naqueles fornos de barro, as mulheres se juntam, mutirão pra fazer o biscoito, porque tem que ter biscoito de graça no final da reza. Quando é a noite tem a reza, tem a missa, tem a reza que é a ladainha, a tradição da novena é essa ladainha. Então tem a ladainha, tem a missa, aí depois dessas atividades é distribuído biscoito, bolo pra todo mundo presente de graça.
P/1 – Agora, Delson, e durante o dia? O pessoal fica durante esses nove dias fazendo que atividade?
R – Normal. Atividade normal, só na parte da manhã que tem essa devoção. De manhã tem o foguetório e tem um terço, que é de seis da manhã parece que até sete, um terço na casa da pessoa que é o noveneiro. Daí cada um vai pra suas atividades, aí volta sete horas da noite com a ladainha e a missa. Então hoje é assim.
P/1 – Mas não tem mais ninguém acampando, são só os moradores mesmo?
R – Não. Não tem mais, não. Agora, só junta gente de fora mesmo no último dia, que é o dia de Nossa Senhora mesmo. Aí vêm novamente os cavaleiros, tem até uma turma que vem lá do fundão pra cá montado a cavalo, eles são intitulados ‘Cavaleiros da Imaculada’. Então eles vêm a cavalo, a caráter mesmo, chapéu, entendeu? Então vem essa turma a cavalo, o pessoal lá da área rural, Córrego do Ouro, Catingueiro.
P/1 – Isso aqui nessa comunidade que acontece isso?
R – Aqui na comunidade da Rua do Mato.
P/1 – E em outras comunidades aqui de Fercal acontece essa novena também, dessa forma também?
R – Não. Nas outras lá, nos outros bairros aqui da Fercal, eles são um pessoal mais chegante, de fora, só veio pra cá mesmo depois de Brasília. Então eles fazem de acordo com a tradição lá do estado deles, muitos vieram do Ceará, de Sergipe, aquelas bandas do Nordeste, Rio de Janeiro. Então aqui vem mais gente do Nordeste, porque como vocês sabem aqui na Fercal, a Fercal começou em 1956, foi exatamente quatro anos da inauguração de Brasília, porque Brasília foi feita em cinco anos, não é? Aí eles vieram pra cá, montaram várias empresas de britagem, fazia a brita pra construir os prédios do Plano Piloto, então a pedra mais perto que tinha era aqui. Tinha outras lá pro lado de Planaltina, Cocalzinho, mas eles usaram, quando eles descobriram que aqui é mais perto, então a maioria era daqui, porque lá era muito longe pra buscar. Aí os britadores, aqui tinha mais de dez britadores, aqui na Rua do Mato tinha um, ali logo perto da ponte tinha um britador, no Engenho Velho tinha outro. Tinha mais dois logo antes da Ciplan... Da Tocantins, pro lado esquerdo. Do lado direito tinha mais três. Tinha britador demais, tudo quanto é lugar aqui! Aqui era igual aqueles filmes do Colorado, do Velho Oeste que a gente vê, aquele mundo de mineração, aquele pessoal minerando, parecia isso. A Fercal a gente olhava de longe, olhando de longe é aquela poeirada, barulho, nego batendo martelo, parecia um pandemônio. Quando você ouvia de longe, que nós aqui na pacata vida, quando chegou aquele movimento, à noite era barulhão pra tudo quanto é lado, caminhão, máquinas, sabe? Pra senhora ter uma ideia antes da Fercal aqui eram matas que muita gente vivia da caça, e a caça desapareceu, né? Os rios tinham peixe, tatu, tamanduá Bandeira, veado, sabe? Tudo quanto é tipo de animal silvestre, aqui era cheio, aqui um lugar com muita água, água doce superficial. Então aqui era muito rica a natureza. Aí quando descobriu a mineração, aí só tiveram olhos pra mineração, o resto tudinho acabou. E a vida da gente modificou. Muita gente, nós das famílias, nossas famílias daqui éramos todos pessoas ligadas à agricultura, todo mundo abandonou as suas atividades pra trabalhar nas fábricas que era mais fácil. Aqui tinha, meu avô mesmo tinha engenho de cana, tinha carro de boi, essas coisas tudo acabaram com Brasília aí pra cá. Meu pai trabalhou muito tempo com carroça, transportando carroça pra vender banana lá em Sobradinho, depois que mudou pra cá, porque como eu disse, antes ele tinha um sítio lá embaixo. Quando ele veio pra cá o que ele sabia fazer? Só mexer com lavoura, né? As indústrias lá pra ele não tinha interesse, aí ele comprou uma carrocinha e vendia banana lá na feira de Sobradinho.
P/1 – Mas isso já quando começaram as britadeiras?
R – Ah, claro, já depois. É que eu to falando isso aqui é já de 69 pra cá, quando ele mudou pra aqui pra Rua do Mato.
P/1 – Agora, quando você fala que eles vinham pra explorar as pedreiras, eram pessoas assim ou empresas?
R – Não. Empresas.
P/1 – Empresas?
R – Empresas.
P/1 – Você se lembra dos nomes das empresas, Delson?
R – Só da principal que era Fercal. Que era Fertilizante Calcário. Eu morava, naquele tempo assim que chegou nós ainda morávamos na Fazenda dos Currais ali próximo. Meu pai, como já disse, era vaqueiro, tirava o leite do gado e eu distribuía o leite e vendia num acampamento da Fercal que existia lá onde hoje é a Tocantins, aquela fábrica grande lá, a Tocantins, ali era um acampamento das pessoas, porque não tinha cimento, tinha só pedra. Era só pedra. Marroava pedra e fazia as britagens. E ali existiam umas ruas, casa de papelão, casa de palha, sabe? Casa de tábua. Tinha uma escolinha de tábua azul beirando o rio. Ainda lembro, só tinha uma rua.
P/1 – Mas a empresa construía essas casas?
R – Não. Eles autorizavam os trabalhadores fazerem o acampamento ali, fazer um tipo de rua porque ficava próximo do serviço. Aí chegou certo tempo a Fercal foi vendida para o Grupo Votorantim, aí a Votorantim foi e pegou aquele pessoal que tava lá e deu outra área pra eles... Ou deu, pediu o terreno, pediu pra desocupar.
P/1 – Você não sabe se deu uma área, não?
R – Não sei qual foi a negociação que deu. Sei que a maioria dos moradores que moravam ali na Fercal antiga, naquele acampamento, ficaram na Fercal I e os outros na Fercal II. A Fercal II chamava Mato Barro na época. Mato Barro por causa de um rio que tem lá, um córrego, uma grotinha lá chamada Mato Barro.
P/1 – Então por isso que começou Fercal I e Fercal II.
R – Isso. É.
P/1 – Eram aqueles moradores...
R – Porque era a mesma Fercal, só que alguns foram pra um lugar, falaram que é dois, outro foi pra outro lugar, falou que é um. Aí subdividiu, né?
P/1 . – Eles trabalhavam pra empresa Fercal?
R – Pra empresa Fercal.
P/1 – E quando chegou a Votorantim, comprou, eles não...
R – Aí eles tiveram que sair, que lá era um acampamento.
P/1 – E nem trabalharam mais ou ainda trabalhavam?
R – Não, continuaram trabalhando, só tiveram que mudar de... Porque os trabalhadores vieram do Nordeste, toda parte do Brasil pra trabalhar, aí as famílias ficavam lá, foram chamando as famílias. As famílias chegavam, tinha que arrumar local pra alocar a família.
P/1 – Delson, Planaltina é onde tem o Plano Piloto ou não?
R – Não. Planaltina é uma cidade que está na divisa do DF com Formosa.
P/1 – Sei.
R – De Goiás. Ela tá na divisa de Goiás. A Planaltina do DF. Bem ao lado, colada nela, tem a outra Planaltina. A Planaltina divide com a outra Planaltina que é Planaltina de Goiás. Por quê? Aquela Planaltina de Goiás que eu fui registrado, meu documento é da Planaltina de Goiás, porque naquela época aqui, a nossa Planaltina que lá hoje é DF era Goiás. Mas aí eles pegaram os documentos da Planaltina Goiás e jogaram em outro município que eles criaram com o mesmo nome. Aí implantou lá os cartórios, prefeitura, tudinho. Os documentos de Planaltina de Goiás jogou nesse município, aí deu outro, continuou com o nome de Planaltina, só que colocou o DF. Mas os documentos daquela época tudinho estão na Planaltina de Goiás. Tanto é que o documento daqui dessas terras ou está lá em Planaltina de Goiás ou tá em Formosa, porque aqui já foi município de Formosa antes.
P/1 – Mas você nasceu num espaço que de repente não existe com aquele registro. Eles mudaram o registro de lugar pelo que você está falando.
R – Eu nasci aqui onde estou, mas aqui é DF hoje, mas foi Goiás antes.
P/1 – Isso que eu to dizendo.
R – Isso.
P/1 – Isso não interfere na vida ou interfere?
R – Não. Não interfere em nada, não. Tudo normal. É meio estranho, mas é normal. Afinal, você é de Planaltina de Goiás ou Planaltina de DF? Muitas vezes já deu problema pra mim.
P/1 – Pois é.
R – Quando eu ia fazer uma ficha, alguma coisa, Planaltina: “Você mora onde?” “Planaltina de DF. Não, Planaltina...” “Você nasceu onde?” “Planaltina.” “DF ou Goiás?”. Falei: “Nasci naquela ali, a do DF.” “Não, mas lá você não... Você tem 50 anos, como é que você nasceu em Planaltina de DF?”. Aí falei: “Não, porque mudou o documento pra lá agora, mas eu nasci lá. Aqui era parte de Planaltina DF”. Então é isso, Sobradinho não existia naquela época, Sobradinho era uma fazenda. Aliás, ainda hoje tem uma Fazenda Sobradinho que começa aqui no Rio Contagem, depois daquela ponte ali é Fazenda Sobradinho, aí segue em frente até chegar na cidade.
P/1 – Era uma fazenda?
R – Era uma fazenda e nessa fazenda se montou a cidade Sobradinho. Aqui nós estamos fazendo o buraco.
P/1 – Essa cidade Sobradinho é planejada?
R – Planejada.
P/1 – E por que criaram essa cidade, você lembra?
R – Uai, exatamente pra colocar aqueles trabalhadores que estavam construindo Brasília. Foi criando cidades e foi montando Planaltina. Por exemplo, Taguatinga; Taguatinga primeiro começou com invasão, aí depois o governo foi, abriu espaço, montou a cidade. Mas Sobradinho não, primeiro eles desenharam a cidade e aí foram mandando o pessoal da Novacap. Tanto é que aquelas casas da VIII, ali da IX pro lado de baixo, VII, pro lado de baixo, tudinho é casa Novacap, né? Na época o governo dava casa pros trabalhadores, aí foi expandindo a cidade, surgindo as outras ruas. Só o que não tava planejado ali foi aquela Quadra II, que foi depois de uma confusão. Quadra II... Hoje já tem conjunto A1, A2, A3 porque foi uma confusão depois, parece que foi tipo de invasão sei lá porque, ficou desorganizada a Quadra II de Sobradinho. O resto tudinho organizado, tem área verde. Sobradinho todinho os lotes são bons, com área verde, era uma cidade planejada pra vida de gente que tinha grana mesmo.
P/1 – Foi na época que construía Brasília ou já tinha construído?
R – Já tinha... Ali Sobradinho começou a ter vida de cidade mesmo porque é o que eu tou falando, quando eu saí daqui, mais ou menos quando nós estávamos já morando aqui na Rua do Mato, em torno de 66, por aí, 66, a gente subia... Foi quando eu subia aqui a cavalo pra ir comprar em Sobradinho, aí do alto ali, a gente avistava lá aquele redemoinho. Poeira pra tudo quanto é lado, construindo, uma máquina passando abrindo ruas. Isso em 1966.
P/1 – Então foi depois de Brasília, né?
R – É. Foi.
P/1 – Depois da fundação de Brasília.
R – Exatamente. Porque depois que Brasília tava prontinha, os prédios tudo construídos: “Eu vou mandar esse pessoal embora? Não vou mandar. Pra onde que eu vou mandar esse povão que tá aqui, que tava empregado aqui? Vamos fazer cidade pra eles”. Aí arrumou as cidades enquanto esse povo tava trabalhando aqui pra não mandar embora, não queria que ficasse na capital. Na capital não podia ficar! Lá no centro, entendeu? Então vamos jogá-los bem longe. Vamos a cidade serrana, né? Porque Sobradinho é uma cidade serrana, em cima do morro aqui, na altitude aqui. Aí fizeram a cidade aqui de Sobradinho, Planaltina já existia, mas ali já tava tudo no esquema. Assim, as ruas já estavam tudo preenchidas, a cidade já estava pronta, não tinha como expandi-la. Se bem que em 69 houve uma expansão, eles criaram a Vila Buriti. Eu dava estudando lá na época, foi quando criaram a Vila Buriti.
P/1 – Delson, só mais uma pergunta em relação às mudanças aqui do local, além desse transtorno, o barulho, a poeira, Brasília ter chegado aqui mudou alguma coisa pra vocês que já moravam há anos nesse lugar? Aí já Brasília mesmo, com todas as mudanças aqui sendo agora capital. Teve alguma interferência?
R – Olha, não posso avaliar muito, não. Porque como eu era criança, a gente não tem um parâmetro pra você comparar a diferença do antes e depois de Brasília. Porque quando eu dei por gente mesmo eu já tava em Brasília, 1960. Em 60 eu já tava com nove anos de idade, aí quando eu fui estudar lá em Planaltina foi em 63.
P/1 – Já tinha fundado.
R – Já tinha inaugurado. Agora, que a gente notou aqui nessa área aqui, os moradores primitivos... Primitivos não!
P/1 – Os primeiros, né?
R – Os primeiros daqui dessa região, era uma vida no sertão, notaram muita diferença, principalmente as pessoas que moravam na roça mais no fundo aqui. Porque aqui também era área rural, mas já tinha muito mais proximidade de Planaltina do que pessoas que moravam mais abaixo. Quando nós estávamos morando na Lajinha, foi quando inaugurou Brasília, foi quando nasceu aquela irmã minha que tava aqui há pouco, a Zélia, eu tinha nove anos. Eu lembro que eu estava indo pra Fazenda do Lázaro, o meu pai num cavalo e eu no outro atrás. Como nós não voltamos, aí aconteceu um fato que todo mundo, toda a região se assustou. É porque passou nos céus aqui no dia da inauguração a Esquadrilha da Fumaça. Parece que a Esquadrilha da Fumaça, que são uns aviões quadrados. Não sei o que deu aqueles aviões, se eles acabaram, se foram recolhidos, mas tinha uns aviões quadrados da esquadrilha. Aí passaram uns aviões quadrados assim zoando assim, rapaz! Meu pai chegou dar a “pea" no cavalo e eu correndo atrás: “A guerra, a guerra” pensando que era a guerra. Quando nós chegamos na... Nós estávamos dentro da Fazenda do Lázaro, que era uma fazenda próxima a Lajinha. Aí quando chegamos na Lajinha, tinha uma senhora chamada Domingas e um outro chamava João, que era um pretinho que a gente chamava ele João Capetinha. A dona Dominga se escondeu numa lapa pensando que era o fim do mundo. Quando viu aquelas coisas, pensou que era guerra e que ia acabar o mundo. Então isso aí a região todinha sentiu porque houve uma movimentação muito grande. Quando foi à noite o céu ficou todo iluminado, iluminava toda essa região aqui de fogos e uns holofotes cruzando o céu, sabe? Eu me lembro desses fatos, aí eu lembro essas coisas. E o pessoal assombrado, uns falavam que era guerra, que era a coisa, até que alguém foi falando que era inauguração de Brasília, que era Brasília. Porque lá da onde a gente morava na Lajinha a gente ouvia os movimentos de barulho pra cá, pra esse lado de cá de Brasília.
P/1 – Quando foi a inauguração provavelmente?
R – É. Aí quando foi a inauguração, aquele barulhão todinho, a gente ouvia o barulho de mato, a Fercal tava chegando aí, né? Então de lá a gente via todo esse movimento, mas não as coisas estrondosas. A gente olhava pro lado do Morro do Colorado ali, o céu todo claro parecendo uma alvorada da manhã, um sol nascendo, porque era iluminação demais, e aqueles holofotes cruzando o céu, aquela coisa esquisita. Então isso aí que eu me lembro da inauguração de Brasília que veio transformar. Daí pra cá as pessoas ficaram acesas: “É Brasília, é isso, é aquilo”. Aí começou a tomar consciência das mudanças que viriam pra frente. Pois é! Mas como eu disse, isso aí são coisas que a gente observa assim, mas na vida da gente o diferencial que houve, até então eu tava construindo a minha vida ainda, tava pegando consciência das coisas. Que nem, eu tinha nove anos de idade quando inaugurou Brasília, então é isso aí.
P/1 – Agora vamos falar um pouquinho de quando você entrou na Polícia Militar. Você trabalhou como Policial Militar até se aposentar?
R – É. Foi. Eu fui na Polícia Militar… Eu entrei na Polícia Militar não foi porque eu gostava, queria ser policial, não! Porque minha vida era rurícola, né? Eu era da roça. Aí quando eu vim pra cá pra cidade pra estudar, polícia, a imagem era muito ruim da polícia, né? Era tal de GEB, a gente via cada arbitrariedade da polícia, então eu tinha a maior cisma de polícia. Eu tava em Planaltina estudando, peguei um estudozinho bom, bom comparado com outros, né? Eu saí de Planaltina um ano antes de ir pro exército, porque meus padrinhos com quem eu morava compraram uma casa aqui na Quadra XII em Sobradinho e eu vim com eles. Aí eu vim com eles, eu estudei até a terceira série ginasial. Não, primeira série ginasial. Eu terminei o primário, aí vem primeira série ginasial. Tudo que é ginásio naquela época era o melhor, tá formado: “Meu filho é formado, tá estudado, é estudado”. Não é. Era até a primeira série. Aí eu tive que interromper o estudo, tava no primeiro ano ginasial, mas tive que interromper pra ir para o Exército. Aí eu fui pro Exército, cheguei lá no Exército, servi um ano, parei meus estudos. Quando chegou no final do ano lá no Exército, teve um concurso “praquelas" pessoas que tavam dando baixa e queriam entrar na Polícia Militar. Ia lá, fazia uma prova, foi todo mundo pro rancho lá e fizeram a prova. Eles fizeram a prova. Aquelas pessoas eram pra se apresentar no... Aqueles que tinham passado no concurso, quando saísse do exército em fevereiro, 16 de fevereiro, apresentassem-se na Polícia Militar. Só que...
P/1 – Você fez a prova?
R – Fiz a prova no final do ano. Bom. Aí eu fiquei no Núcleo Base. Núcleo Base é aquela turma que fica lá pra poder ensinar aqueles que estão entrando. Então a turma entrava em janeiro, aí eu só ia sair 16 de fevereiro porque eu tinha que dar as instruções para os recrutas que estavam chegando. Aí, moça, eu cheguei lá no Exército... Eu tava dizendo, eu tava numa boa, gostando do Exército, tava com ideia de entrar na PM, continuar a vida militar e tal, mas aí eu peguei uma cadeia de dez dias de cadeia lá.
P/1 – Mas por quê? O que você aprontou?
R – Ah, porque eu peguei uma doença venérea, moço, e militar não pode. Lá é indisciplina, dez dias de cadeia. Rapaz, aí eu fiquei injuriado! Fiquei injuriado com o militarismo. Eu não quero mais nunca esse negócio, rapaz! Eu doente, o cara ao invés de me dar tratamento e eu fico é preso? Se não fosse uns amigos que eu criei lá eu tava ferrado porque nem pra vir em casa pegar dinheiro pra remédio, eles não dão remédio, e nem pra vir em casa eles não deixaram, não.
P/1 – Por que você não podia ter saído do exército?
R – Porque eu não podia ter pegado doença venérea. Naquela época era coisa muito grave. Aí tá. Eu conheci um colega meu lá, deu uns remédios lá, sarei e eu fiquei injuriado com o exército e com o militarismo. Não quis mais nada com eles, não, com militarismo não. Aí vim embora. Dei baixa no dia 16 de fevereiro, vim pra casa, fiquei aqui. Fiquei em num pé, em outro. Pegava o jornal: “Experiência não sei o que. Tem que ter...”. E tinha mudado o sistema de ensino, não era mais ginásio, era outra coisa lá, primeiro grau, segundo grau. E eu não tinha o tal de primeiro grau. Tudo que eu tinha não dava o primeiro grau. Aí tá. Como é que pode, rapaz, não tenho estudo, aqui pede tal, não tem isso. Pede experiência de um ano e eu não tenho. Pronto! Eu vou voltar pro cabo da enxada? Vou trabalhar na roça? Não, pai. Isso não é pra mim, não. Fiquei naquela, vou num pé, vou em outro. Aí ia andando aí no Sobradinho, no Plano perguntando como é que... Querendo trabalhar de... Como é que fala? Motorista não, de cobrador, porque nem motorista não era. E nada. Não tinha experiência. “To ferrado. O que eu vou fazer?”. Aí já tava aqui com mais ou menos uns 20 dias em casa e falei: “Eu vou viver à custa do meu pai? Vou estudar aí viver à custa do meu pai? Eu maior de idade, não tem condição”. Moça, o que eu faço? Aí eu falei: “Vem cá, rapaz. E aquele concurso que eu fiz lá na PM? Será que eu passei?”. Porque daí então não quis nem saber, não fui nem ver o resultado na época que eu fiz o exame. Falei: “Rapaz, o que é isso, moça? Vou ter que ir lá na PM mesmo?”. Assuntei, falei: “Rapaz, eu vou lá ver, de repente... Não. Eu vou, se eu tiver passado eu fico lá uns dois anos até ajeitar as coisas, aí eu sumo”. Tá, moça. Quando eu cheguei lá, como eu cheguei no primeiro batalhão da PM, aí o local lá onde dava o resultado era assim em cima, um andar de cima. Eu subi, olhei no pátio assim cheio de colega meu do exército lá tudo sentado: “Ô, rapaz”. Eu falei: “Rapaz, tou numa boa ali. Olha os meus colegas ali”. Aí eu fui lá, falei com o subtenente: “Tenente, é o seguinte, eu viajei...”. Inventei uma mentira, né? “Não vim ver o resultado, queria ver...”. Ele passou: “Qual é o seu nome?”. Dei meu nome lá. “Você passou. Pode ir sentar lá junto com aquela turma lá”. Ah, mas eu dei graças a Deus! Graças a Deus! Então eu entrei na PM por necessidade, porque não tinha outro caminho pra mim. Aí fiquei lá, falei assim: “Eu vou ficar aqui três anos no máximo, dá pra eu estudar, quando eu me formar eu caio fora”. Rapaz, eu me enrolei, enrolei porque minha vida mudou totalmente, negócio de virar PM. Com três anos de carreira eu pensando em sair, eu falei assim: “Eu vou sair”. Quando eu pensei em sair, eu passei num concurso pra cabo, aí eu fiquei sendo cabo. Aí vou ficar mais três anos.
P/1 – Você conseguiu estudar também?
R – Ah, sim. Tirei o primeiro grau completo na escola da Ceilândia. Centro de Ensino do Primeiro Grau lá na Ceilândia. Tirei o primeiro grau: “To bom. Primeiro grau agora eu tenho”. Quando passaram os tempos aí...
P/1 – Fez pra cabo.
R – Então, aí já era cabo. Em 74 passei a cabo. Quando foi… Entrei em 71, com três anos, 74 passei a cabo. Aí eu falei assim, uns colegas meus estavam saindo oficial, outros sargentos e eu continuando cabo em 78. Eu falei: “Uai, rapaz, eu tenho que estudar, o negócio tá ficando feio, eu tou ficando pra trás”. Aí quando eu fui estudar: “Não. Pela sua idade você não pode estudar normal mais, não. Tem que ser no supletivo”. Rapaz, isso é estudo de gente? Supletivo. Isso não aprende nada, não, rapaz! Eu não vou nesse negócio, não. Aí fiquei mais ou menos uns dois anos, três anos depois. Eu falei: “Rapaz, mas besteira essa minha. Todo mundo tá falando, é pra pegar diploma? Então eu vou lá e pego o diploma”. Aí eu fui no Cesas, antigamente tinha o Centro de Estudos Supletivo da Asa Sul, ia lá, fazia só a prova. Aí eu fiz a prova em oito matérias, passei em seis de uma cacetada só sem estudar. Falei: “Ah, o negócio é bom demais, sô!”. Com o primeiro grau que eu tenho, né? Conclusão da história, quando foi no final do ano fui lá, matei as duas outras matérias. Tirei o supletivo. Rapaz, o estudo hoje tá bom demais. Aí eu fui, fiz o... Como é que fala?O Vestibular na Católica. Eu queria fazer pra Letras, mas só tinha Pedagogia. Passei em Pedagogia na Católica, estudei dois anos, aí desisti porque eu tinha um filho, tinha que pagar a escola pra ele, aí eu já, né? Aí passaram os anos, eu sei que com o estudo que eu tenho hoje, o que ainda tenho realmente é o primeiro grau. Depois que eu aposentei em 2000...
P/1 – Mas ainda você continuou cabo?
R – Ah, não. Aí passei a sargento. Aí veio, já no final da carreira fui oficial, segundo sargento, aí fui primeiro... Não. Segundo tenente, primeiro tenente, aposentei-me como primeiro tenente, aí quando você aposentava naquela época você ganhava mais uma graduação, aí eu saí como capitão da polícia militar.
P/2 – Quanto tempo você ficou na PM?
R – Na PM eu fiquei 29 anos de serviço. Porque lá para a aposentadoria você conta o ano que você ficou no exército, aí eu fiquei 29 anos. Pois é, aí depois que eu aposentei...
P/1 – Podia aposentar com 30 anos?
R – Lá se aposenta com 30 anos. Aí depois que aposentei voltei pra faculdade, tirei o meu curso de Serviço Social. Porque mesmo pra formação pra conhecimento mesmo, porque não tenho mais interesse de formar pra trabalho, né? E com essa idade agora a gente só tem mais é que ficar mais tranquilo em casa.
P/1 – Delson, você fez o Serviço Social onde?
R – Na Faculdade Anhanguera aqui no Sobradinho.
P/1 – Em Sobradinho tem a Anhanguera?
R – Tem.
P/1 – Delson, você nesse meio tempo casou. Como foi conhecer a Nelita?
R – Casei. Ah, mas eu era bandido naquela época, lá em Taguatinga, né? Que eu trabalhei meus maiores tempos da Polícia Militar foi em Taguatinga. Aí, moço! Eu era muito bandido quando eu tava na polícia. Bandido, assim, nesses termos assim de mulher, de namoro. Porque eu não conhecia mulher, eu fui conhecer mulher com 19 anos, eu já disse, porque até então a gente não tinha muito assim essas intimidades, não. Nem bebia e nem fumava, aí aprendi a fumar no exército, beber, tudo isso. Conheci mulheres e não queria casar, queria só mulheres. Quando foi um belo dia eu era cabo da Polícia Militar em 76, por aí, 76, aí eu peguei uma aposta com um colega eu (riso). Minha mulher não pode nem saber disso, que eu to declarando isso, né? Aí eu peguei uma aposta...
P/1 – Sério, ela nunca soube?
R – Soube, mas pra publicar, né? Aí, moço, eu fui trabalhar na Vila Dimas lá em Taguatinga, eu era comandante de um posto policial que tinha lá, sabe? Eram quatro policiais que trabalhavam comigo, eu era o cabo, era o comandante do grupo lá. Aí conheci uma loirona bonita, boazuda, que nem falava naquele tempo, né? Bom. Tinha um amigo meu chamado Mozart: “Mozart, aquela mina lá.” “Rapaz, aquilo ali, rapaz, tal. Mas ali é difícil, viu?” “Então vamos pegar uma aposta”. Aí pegamos uma aposta pra ver quem ganhava essa loura, sabe? Rapaz, o pai dela era dono, era um ex-gebiano, certo?
P/1 – O que é gebiano?
R – Gebiano são aqueles policiais da GEB que matavam os “negos". No começo de Brasília aqui tinha uma força policial muito agressiva, matava as pessoas e fazia arbitrariedade, todo mundo tinha cisma com gebiano. Aí ela era filha de um gebiano, sabe? Esse gebiano, o pai dela, seu Adão. Nós dois apostamos pra ver quem ganhava a menina. Aí, moça, tal, eu fui devagarinho, comendo pelas beiradas (riso), né? Eu sei que eu pagava dinheiro por fora pro irmãozinho dela pequeno pra mandar recado pra mim, entendeu? Esse menino faturou um dinheiro de mim, rapaz, até hoje esse cara é sacana comigo. Foi e eu consegui um encontro com ela, aí nós começamos a namorar. Começa a namorar, com seis meses nós casamos e o pai...
P/1 – Ué, mas ela era loira?
R – Era a Nelita, minha esposa.
P/1 – Mas agora ela não é mais loira.
R – Não. O cabelo dela é assim, natural é mais ou menos dessa cor do da senhora, assim, é castanho claro. A gente chamava de loiro, né? Aí o que acontece? O pai dela era doente, tinha doença do coração. O cara morreu de tanta raiva.
P/1 – Por quê?
R – Não queria que casasse comigo, não.
P/1 – Ah, é?
R – É. Eu tinha um filho fora do casamento, solteiro consegui fazer um filho aí por fora. O que aconteceu? Um dia chegou, tava noivo dela, chegou a mulher lá: “É, que você vai casar com ele, então você cuida dele”. Jogou no colo dela o menino. Aí ela falou: “Pode deixar. Quando nós casarmos eu vou lá buscar pra nós criarmos. Pode levar ele no dia.” “Então tá bom. Vou esperar”. Tudo bem. Aí tal, quando foi meu casamento o pai da minha esposa nem foi leva-la na igreja.
P/1 – É mesmo?
R – Quem levou foi o cunhado dela. Ele não quis, não.
P/1 – E o que ele dizia?
R – Ele preferia a filha dele casar com um cachorro do que casar com um policial. Não sei por que, porque ele era policial, só que... Mas ele foi policial, mas segundo eu fiquei sabendo, disse que ele foi, tipo assim, expulso da corporação, deve ter feito alguma coisa lá, ruim. Pois é. E ele tinha bronca de policial não sei porquê, porque se ele fosse um policial honesto como eu, suponho assim, porque eu dou o maior valor a um policial, um colega meu, entendeu? Porque eu sei como é que é a vida. Ah bom. Ele não quis, não. Não levou mesmo. Passou, nós casamos em outubro, quando foi em janeiro ele pifou, morreu. Quando foi em junho a velha dele morreu.
P/1 – Nossa.
R – Aí já viu. A mulher ficou muito... Foi um baque muito grande pra ela, né? Foi terrível, ficou com depressão.
P/1 – E o seu filho que a moça disse que ia levar?
R – Aí no dia que nós casamos nós fomos lá e ela entregou, nós criamos o filho até hoje.
P/1 – É mesmo?
R – É. E ele nem a conhecia, ele só foi conhecer a mãe dele, porque ele tinha um ano de idade, ele foi conhecer a mãe biológica dele depois que ele tava grande já. Mas a mãe dele inclusive morreu, tem uns dez anos que ela morreu. Nova, nova. Morreu.
P/1 – E como ele chama, esse seu filho?
R – É Delson da Costa Matos Junior.
P/1 – Olha.
R – É.
P/1 – E com a Nelita você teve outros filhos?
R – Eu tive mais três filhos que é a Daniele, o Daniel que se Deus quiser no próximo mês ele chega aqui como médico, ele tá estudando no Paraguai, medicina, né?
P/1 – É mesmo?
R – E tem a Daniele, que trabalha no Ministério da Saúde em firma terceirizada lá. E a Deise, que é essa mais nova aí. São sete netos, parece que vai vir mais um agora, oito netos.
P/1 – Dessa sua nora?
R – Tou ficando velho. Agora tou virando contador de história. Quem fica velho é contador de história mesmo, como eu estou aqui hoje contando essas peripécias aí.
P/1 – Delson, você trabalhou como polícia militar, policial militar, na época da ditadura, não?
R – Também. Pegamos até 78, né?
P/1 – É.
R – Ficou militar.
P/1 – E aqui em Brasília, ou pelo menos na região, né?
R – Foi.
P/1 – E você tem alguma lembrança importante dessa época? Você, como policial militar ,trabalhando nesse período?
R – Eu tenho porque eu já participei em controle, o pessoal fazia movimentação ali naquele, funcionário do Banco do Brasil, nós fomos do pelotão de choque. Na Polícia Militar nós fomos várias vezes controlar tumulto com as pessoas, grevistas, né? E aí quando... Aí as pessoas: “Ah, porque o cara veio com violência”. Quando sai um pelotão de choque não é pra ficar perguntando o seu nome, o seu endereço, documento, não. É pra bater mesmo, porque ele vai controlar uma coisa que já tá fora de controle, uma situação que já tá fora de controle. Então não vai lá pegar documento de ninguém. “Rapaz, mas não pode com violência”. Rapaz, é só evitar, não ficar lá. Mas quando sai um pelotão, a função é essa mesmo, entendeu? Então já participei várias, fui comandante de grupo, era sargento. Eu fui sargento comandante de grupo de pelotão de choque, tudo isso. Escudo, capacete, controle de tumulto de gente. Participamos ativamente, vários movimentos aí que a gente teve que controlar, sair pra rua mesmo e, infelizmente, a gente fazia às vezes coisa reprováveis, né? No ponto de vista assim, entendeu?
P/1 – Delson, e como que você se sentia em uma ação dessas? Teve alguma situação que você lembra?
R – Sentia assim, sabe, porque a formação da gente foi no tempo militar, que aquelas pessoas eram baderneiras mesmo. A gente pisar na rua parecia que a gente tava enfrentando um inimigo mesmo. O povo pra gente era o inimigo, entendeu? Porque a gente era condicionado, as aulas, tudinho, a formação da gente era naquele sentido de tá combatendo um inimigo do Estado, inimigo do povo e tal. A gente defendia, a polícia defendia naquela época não era a população, defendia o Estado, entendeu? Agora a polícia mudou a imagem. Agora a polícia é cidadã, entendeu? Defende o cidadão. Mas naquele tempo da ditadura era o Estado que era importante. Nós éramos instrumento do estado. Éramos, né? Hoje em dia é instrumento do cidadão.
P/1 – E vocês acreditavam nisso assim?
R – Acreditava. Eu tinha a maior... Rapaz, eu tinha o maior pavor, maior bronca, eu se pudesse matava. Aqueles caras do ABC Paulista, Lula, aquela turma, eu era o maior revoltado com aquela turma. De repente eu mudei a ideia, de repente... Eu já fui até do Partido dos Trabalhadores. Votei no Lula, elegi o Lula, mas na época que ele era ativista mesmo ativo, eu era do contrário, eu era... E outra coisa, muitas vezes briguei com minha mulher, minha mulher era sindicalista, briguei com ela, fiquei até de mal com ela. Fiz até aposta com ela na época do Collor, que eu votei no Collor e ela votava no Lula. Foi a briga em casa, que em casa tinha um clima ruim. Até de mal com a minha mulher eu fiquei por causa de que ela era do lado do Lula e eu do lado do Collor. Então como é que as coisas mudam, né?
P/1 – E como mudou? Como você mudou?
R – Mas o ser humano tem que mudar. Hã?
P/1 – Como aconteceu essa mudança?
R – A gente vai... Exatamente quando a gente vai estudando, vai clareando a sua cabeça, estudando outras ideologias, fazendo uma análise de conjuntura não só local, mas do mundo, né? Então a gente vai mudando a cabeça, vai lendo, ainda mais que eu comecei a frequentar faculdade, fiquei dois anos lá na Faculdade Católica, depois passei... Nunca parei de estudar, sempre estudando, então a gente vai ficando mais esclarecido das coisas e vai valorizando a vida do cidadão, entendeu? Então não é, a gente não tá numa guerra aqui dentro, nós estamos aqui entre irmãos. Então a gente tem que defender o que é nosso, nossos valores enquanto cidadão. Então a gente vai mudando, fui mudando de opinião e aí eu via que o certo realmente era o que eles diziam que era errado na época. Agora, eu admiro muito a ideologia socialista, mas eu pensava, “rapaz, tem que haver um meio termo, que tem muita coisa ruim de lá, mas tem muita coisa boa”. A questão da igualdade, da liberdade, essas coisas. Agora, eu defendo o seguinte, uma coisa é democracia, agora outra coisa tem que distinguir, não é porque é democracia que a gente tem que transformar a democracia em anarquia, né? Anarquia é uma coisa, democracia é outra. As pessoas confundem, estão confundindo a tua mente, eu acho, a democracia com anarquia. Anarquista não tem limites.
P/1 – Delson, você estudou e começou a ver as coisas de outra forma, mas aconteceram alguns fatos ou um fato que tenha sido marcante pra você até ser do Partido dos Trabalhadores? Ou como você então entrou no Partido dos Trabalhadores?
R – É como eu disse, estudando, abrindo os olhos. A gente via no Brasil o seguinte, o rico cada vez mais rico, e o pobre cada vez mais pobre. Então a gente via que a distância tava muito grande. O Partido dos Trabalhadores pode ter feito muitos erros, mas ele abriu os olhos, muita gente que tá criticando hoje é porque estão com os olhos abertos, agora estão enxergando, entendeu? E estão enxergando as coisas, então tá vendo onde é que estão os erros. Agora nós estamos muito mais esclarecidos pra gente analisar de um lado e de outro da coisa. Então a partir do momento que eu percebi que realmente o que tava lá discutindo tinha fundamento, eu achei fundamental isso aí, na questão, por exemplo, da terra. Tinha latifundiários aí que ele tinha mais terra do que o tamanho de um Estado de Goiás, por exemplo. Ainda hoje persistem muitos ainda, mas está menor, diminuiu. Mas a gente via aí pessoas que tinham, a família Sarney, por exemplo, tem fazenda maior que o Estado do Sergipe, muitos estados aí. Então isso ainda perdura, mas isso é uma das coisas que eu comecei a analisar que os grandes estão sempre no poder. Por que eu abri os olhos e comecei a trabalhar no sentido de apoiar o Partido dos Trabalhadores? Quando eu via naquele partido lá eu só via funcionário público, pessoal que trabalhava ali na fábrica, era o povo. Era o partido do povo. Agora você vê os partidos que estavam no poder, Sarney, dono do Maranhão, em Brasília o PMDB era do Roriz, fazendeirão aqui rico. Então aqui perto de mim eu tava vendo as coisas assim, os grandes sempre com o poder na mão, os pequenos não tinham oportunidade. Aí eu comecei: “Rapaz, realmente, não tem condição”. Nós não vamos pra frente nunca, não. O povo não vai pra frente porque quem tá lá é o grande, o grande vai defender o pobre? Não. Vai defender cada vez mais ele, entendeu? Vai defender mais o dele. Então falei não, tem que mudar esse país. Aí a gente trabalhou pra mudar, mudou muitas coisas, mas as coisas estão perdendo o controle, eu acho que é o momento de mudar também, não é? Mais agora o que eu vejo hoje na discussão política é que a direita não quer derrubar, não são as pessoas que estão fazendo errado, não. Quer derrubar o partido. Porque o que é forte é o Partido dos Trabalhadores, não é a Dilma que é forte, não é o Lula que é forte. Forte é a ideologia, é o partido. Eles querem acabar porque acabando a ideologia acaba o poder, acaba a força. A força não são as pessoas que estão lá, não. É o partido. Você vê a pessoa falar: “Fulano de tal fez isso?”. Não. “O petista Fulano fez isso”. O PT, quer derrubar o PT, entendeu? Então eu fico só observando, penso que a gente tá analisando, eu tou analisando e sabendo o que tá acontecendo. Não entro na discussão porque eu não defendo ninguém, eu fico na minha, sabendo o que tá acontecendo e o caminho é esse, era um momento de mudar. Eu acho que o momento de mudar antes de desgastar. É igual aquele jogador de futebol, ele tem que sair enquanto ele tá na mídia. Mas não, pegaram mais um mandato e tá desgastando e eu acho que vai dar zebra no final.
P/1 – Delson, e aqui na região você participa de algum movimento?
R – Só dos movimentos populares. Eu faço parte dos movimentos culturais da Folia do Divino, Folia de Reis. Nós tivemos uma entidade cultural aí pra mexer com as folias. Eu faço parte do Conselho de Segurança Comunitária. Tem um conselho também aí da comunidade e das empresas que eu também faço parte.
P/1 – Que é o conselho comunitário?
R – Conselho Comunitário que a Tocantins apoia esse conselho comunitário aí. E tem outros aí que a gente... Na rádio comunitária da Fercal. Nós fundamos essa rádio, agora nós estamos aí pra lançar agora dia 12, se Deus quiser vamos lançar um jornal.
P/1 – Impresso?
R – Impresso, né? Um jornal impresso porque há muito tempo que a gente tem essa coisa aí. Então tá fazendo devagarinho porque se falar e depois não fizer, então a gente tá devagarinho, mas já está tudo encaminhado pra gente lançar esse jornal dia 12, se Deus ajudar. É assim, então vai levando o trabalho comunitário, da comunidade. Francamente eu não viso ganhar dinheiro, eu viso é ajudar a comunidade.
P/1 – Fala um pouco da rádio.
R – A rádio, o nome da rádio é Rádio Fercal FM. Uma rádio comunitária, né?
P/1 – Fala dela, de você nessa rádio.
R – Bem, a rádio comunitária nós a fundamos em 99. Em janeiro de 99 nós fundamos a associação, que para ter uma rádio comunitária a primeira coisa é uma associação de rádio comunitária, específica, né? Porque tinha várias associações aqui, mas tudo associação de morador. Então fundamos uma associação específica, associação cultural de rádio comunitária. Aí nós começamos, aquela alegria, todo mundo empolgado, a comunidade queria rádio, nunca tinha aqui, aí colocamos a rádio no ar. Opa! Rádio, todo mundo fazendo programa, passando música, aquela animação. Quando foi em 2002 a Anatel veio e crau! Trancou, levou os equipamentos, meteu multa em nós, eu fui um dos que paguei punição, fiquei quatro meses fazendo trabalho comunitário. Disse que nossa rádio era pirata. Porque nós éramos leigos, quando saiu a lei em 98 das rádios comunitárias, aí a gente tinha que dar entrada. Quando nós entramos com requerimento, a gente tem um requerimento nós estamos legalizados, já podemos passar programa. Mas não! Tem que esperar a outorga sair, aquela coisa todinha, e foi demorado. Aí a luta foi, só em 2006 é que saiu a outorga pelo Senado Federal. Aí deu a outorga da rádio. Então a rádio tá legalizada desde 2006, mas nós passamos por muita dificuldade. A Anatel tomou nossos equipamentos...
P/1 – Nossa, e não teve retorno? Esse equipamento...
R – Não. Só depois que legalizou, aí eles devolveram. Mas até pra gente colocar, como é que faz colocar rádio no ar se pegaram o equipamento nosso? Aí nós temos que fazer vaquinha na comunidade, cada um deu um real, dois reais, dez reais até comprar novo equipamento, novo transmissor, nova antena, todo o equipamento da rádio. Aí novamente colocou-a prontinha lá: “Vamos lá...”. Aí vinha a equipe da Anatel pra ver se tava dentro dos conformes, tinha que ser 25 watts da potência, não podia passar disso. Então eles vêm verificar isso, até que em 2006 nós conseguimos a outorga. E tá aí a rádio. Eu tenho um programa na rádio toda quarta-feira, que é o programa Fercal em Foco. Esse nome de programa também vai ser o nome do jornal que nós fazemos.
P/1 – Quem que participa além de você?
R – Do programa?
P/1 – Da rádio.
R – Da rádio tem a presidente que é a Maronita e a diretoria. Eu não faço parte da direção mais, porque eu disputei a presidência e perdi a presidência, mas o programa meu não perdi, porque isso aí é direito de qualquer um da comunidade, de fazer programa, né? Então eu só vou lá fazer programa mesmo e não quero interferir na administração porque eu não tenho nada a ver com isso. Mas o que eu vejo na rádio, a situação não é muito boa porque só a presidente que trabalha, o restante da diretoria sumiu. Mas aí já é outra conversa, não é comigo. A minha obrigação, a minha parte eu faço, entendeu?
P/1 – E como que você vê a rádio comunitária aqui, Delson? Ela tem influência? Não tem? O que precisa ter?
R – A rádio comunitária é muito exigida pela comunidade. A comunidade cobra muito porque não tem locutores, a maior parte dos programas são automáticos. Passa mais musical porque é automático, você joga a música ali e a música vai pro ar. Mas na questão da informação tá faltando muito, tem muito a dever. Da informação, de noticiário e coisas assim da vida da comunidade. Tá faltando muito.
P/1 – Teria que ser trabalho voluntário lá?
R – Lá é tudo trabalho voluntário, não pode pagar locutor porque a lei proíbe. Não pode ter profissional de comunicação formado, tem que ser tudo amador, entendeu? Se você for uma apresentadora de programa, locutora, e se você for registrada na profissão, você não pode, entendeu?
P/1 – Entendi. E tem alcance na comunidade hoje?
R – São quatro quilômetros o raio dela de atuação. A lei diz um quilômetro, mas acontece que as ondas ninguém segura, então nós vamos além dos quatro quilômetros. Então já deixa uma margem aí de três quilômetros a mais, entendeu? Então aqui pega o miolo, o principal da comunidade pega.
P/1 – Delson, a rádio é uma referência pra os moradores ainda?
R – Sim, ainda é. Eu tenho um programa, como eu disse, toda quarta-feira, quando eu saio na rua: “Delson, manda um abraço pra mim lá. To ouvindo o seu programa lá, isso e assim...”. Então a gente sai assim, a gente fica até... A gente pensa que as pessoas não estão ouvindo. Às vezes a gente fala assim, a gente mede a audiência da gente quando a pessoa liga pra lá, tal, a gente fala: “A pessoa tá ligando, é porque tá ouvindo”. Aí a gente: “O pessoal não tá ligando, não”. A gente sai num canto, todo mundo: “Rapaz, ouvi seu programa, aquele assunto assim, assim, assim, assado”. Que legal, né?
P/1 – O que você leva pro seu horário?
R – O que eu levo?
P/1 – Qual é a programação?
R – O nome do programa é Fercal em Foco. O nosso foco é a Fercal. Ah, a notícia lá que aconteceu um terremoto, não sei, no Nepal, não sei onde. Não. Pra nós não vai interferir aqui na nossa convivência local. A rádio é comunitária, são quatro quilômetros, aí até um bolinho nosso aqui mesmo, é o que tá acontecendo aqui, não é? Então tá. Aí a pessoa me liga: “Delson...”. Outra coisa muito importante ultimamente, eu aproveitando a tecnologia inventei um grupo do Whatsapp chamado com o mesmo nome do programa, certo? Aí as pessoas comentam o que tá acontecendo lá na sua comunidade. O que acontece? Aí quando eles comentam: “Tem um buraco aqui assim, tal, tal, tal”. Aí eu vou lá. Quando eu vou fazer o meu programa ao invés de eu fazer uma pauta pra eu seguir, a pauta quem faz é o grupo de Whatsapp. São cem pessoas que estão ali, o grupo são cem pessoas. E outra coisa, o grupo é muito bom porque é sempre cheio e sempre gente vai divulgando um pro outro, pessoa ligando: “Delson, me coloca naquele grupo.” “Tá bom. Você espera mais um pouquinho aí até esvaziar aqui”. Aí quando esvazia um, às vezes eu tiro um que há muito tempo que não tá contribuindo, aí eu tiro e coloco uma pessoa, aí vai movimentando a comunidade. Discute os problemas com o administrador que também tá no grupo, o administrador da cidade. Ele tá no grupo, ele discute, né? Aí ele fala, dá resposta, o próprio administrador dá resposta. Aquela discussão que houve ali, aí eu faço no programa, falo: “Essa semana aconteceu isso...”. Faço um tipo de revista durante a semana, o que aconteceu, os fatos. Então é outro tipo de participação muito importante, o que movimenta o programa é isso aí, entendeu? O programa e tem além do programa aqueles assuntos mais importantes eu jogo no Facebook também, com o mesmo nome. Então tem que explorar a tecnologia, né?
P/1 – E você leva pessoas pra contar história?
R – Entrevista, né? Por exemplo, ontem... Ontem foi quarta?
P/1 – Ontem foi quarta.
R – Ontem foi quarta, né? Ontem quem foi lá no programa foi o coordenador do recursos hídricos do DF, da Adasa, um órgão da Adasa, falar sobre a questão da qualidade da água aqui na região, a água salobra, né? O pessoal reclama da água salobra na Fercal; é a falta d’água; como é que é que cobra a água; a questão da hidrometração da água, essas coisas todinhas. Então discutimos os assuntos e também levei um da comunidade, que foi discutir o esporte, sobre o esporte da Fercal. Falou sobre o campeonato que tá acontecendo esse ano, as dificuldades que está tendo, então sem campo, estão lutando pra conseguir campo pra poder fazer o campeonato. Então eles foram lá, falaram e assim a gente sempre faz as entrevistas com uma autoridade, com pessoas da comunidade, com líder comunitário, de uma pessoa de um segmento da comunidade e aí vamos. É desse jeito.
P/1 – Muito bom.
R – Só que é uma vez por semana porque a gente faz um trabalho voluntário, a gente tem outras questões pra gente tratar também, então a gente não pode dedicar totalmente.
P/1 – E você falou que tem a Folia do Divino?
R – Tem a Folia do Divino.
P/1 – A Folia do Divino?
R – Do Divino. É o nome da folia. A Folia do Divino é uma manifestação, eles falam profano religiosa. O pessoal chama esse nome assim, eu acho esse nome muito pesado, profano. Por quê? Porque ela é uma folia... A folia é o seguinte, quando o Brasil foi ser colonizado, aqui o Brasil era cheio de índio. Então o Brasil foi ser colonizado, eles utilizavam os jesuítas, isso aí é uma história das folias, o que é a folia, pra chamar a atenção dos índios pra eles ouvirem a pregação deles. Eles usavam uma caixa pra bater a caixa e usavam a bandeira, certo? Aí ia rezando e tal e os índios iam acompanhando, aí fazia um aglomerado de gente e ali fazia uma festa. Essa tradição vem desde a colonização do Brasil. A folia no Brasil, a folia continuou principalmente no Estado de Goiás, São Paulo, aqui pelo Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, que é o lugar que mais destaca a folia, por quê? Porque primeiro a ausência de padre, então as próprias pessoas começavam a fazer seu tipo de oração, de reza, de adoração a Cristo, aquelas tudo, e um dos meios era a folia. A Folia do Divino Espírito Santo, de acordo com a Igreja Católica são três pessoas a santíssima trindade, é o pai, o filho e o espírito santo. E o espírito santo eu não sei se é o mais forte, mas é o dono. Aí o que acontece? Então a pessoa faz uma promessa com o Divino Espírito Santo: “Divino, cura-me disso e tal, assim, assim”. Aí a pessoa faz a promessa e quando ele consegue a graça ele vai, puxa a folia. A folia é pra arrecadar esmola, que eles chamam de esmola, pra igreja, pra fazer alguma atividade na igreja, coisa e tal. Então esse era o primeiro objetivo da festa. Aí sai aquela turma de pessoas, o principal na folia não pode faltar, a caixa, é o tamborim. Vai batendo, né? Aí depois tem regiões que usam muito a viola e outra usa a viola e a sanfona pra acompanhar, pra chamar mais a atenção.
P/1 – Aqui vocês usam o quê?
R – Aqui é viola. É viola caipira. Tá bom. Acontece que vindo de longe essa tradição, aqui na nossa região isso era constante, não vinha padre. Eu só fui ver padre quando eu fui estudar, nunca tinha entrado numa igreja. Então nós fazíamos nossas próprias rezas aqui na região, tinha a novena, como eu já disse pra você, tinha a novena e tinha as folias. Então a folia primeiro se chama devoção e depois da devoção, depois a... Como é que eles falam? Tem um ditado. A devoção e depois a diversão. Primeiro a devoção, que é a parte religiosa, depois a diversão que era a parte da festa. Aí tá. Aí saíam aqueles cavaleiros com uma bandeira do Divino, com uma foto desenhada, uma pomba, uma pomba branca num pano vermelho que era o símbolo do Divino Espírito Santo. Aí o cavaleiro da frente, que era o alferes, o alferes vai na frente com a bandeira e os demais foliões vão atrás. Não pode ultrapassar, se ultrapassar ele é multado, entendeu?
P/1 – Delson, desde menino você já via aqui a Folia do Divino?
R – Sim. Inclusive eu paguei uma promessa, eu era criança e eu paguei uma promessa e falar francamente, eu tenho crença no Divino Espírito Santo mesmo, sou devoto. Porque tem várias fases na minha vida que eu tenho como testemunho da fé, nesse Divino Espírito Santo. Então como eu tava dizendo a você, quando eu era criança eu tinha uma doença, era asma, e naquele tempo não tinha... Você morria de asma, morria de tuberculose, não tinha negócio pra todo mundo. Então, bem dizendo meu pai, o que me salvou foi o leite de égua preta, pra asma, e também essa promessa que ele fez.
P/1 – Ele fez?
R – É. Aí com mais ou menos, não sei, eu era pequeno, uns oito anos, por aí. Eu lembro só que a folia que eu puxei eu fui a pé, não fui a cavalo, não, e fui só eu... Na folia um instrumento que não pode faltar é a caixa, que é a tradição. O resto é complemento, mas a caixa é tradicional. Aí o que aconteceu? Eu carregando a bandeira do divino, que eu era o alferes, o responsável pela promessa era eu e quem pagava a promessa era eu, então eu era o alferes, que eu era responsável pela bandeira do divino, pelo santo. Aí meu tio, Nequinha, a gente o chama de Nequinha, é o Manoel, ele vai depois dar entrevista pra vocês, aí ele foi atrás batendo a caixa e foi mais outro, não lembro mais qual foi o outro, eu sei que éramos três. Eu saí daqui da Rua do Mato até na Boa Vista, lá em cima na Boa Vista, na bandeira e pedindo esmola nas casas pra depois levar. Aí pega o dinheiro arrecadado e leva pra igreja. Então eu já fiz isso.
P/1 – Só uma pergunta, quando é assim a pessoa faz a promessa tem a data certa de cumprir?
R – Não. Tem que cumprir.
P/1 – Pode ser o ano todo?
R – É.
P/1 – Aí nesse caso seu, as pessoas não vão atrás como aparece aí em algumas fotos? Foram só vocês três?
R – Só nós três, mas se eu tivesse convidado, iam pessoas, mas não convidei, por que é só... Não ia ter festa, não ia ter nada, só ia cumprir aquela promessa mesmo.
P/1 – Da devoção.
R – A devoção. Agora, depois eu encontrei com o Divino Espírito Santo em 74, como eu disse pra você, quando eu entrei na PM eu era muito desaforado, que eu não conhecia a vida, comecei a começar e sofrer e ter decepções. Foi naquela fase de juventude minha que eu tinha poder na mão, que eu não tinha poder, eu era um jovem da roça, aí quando eu entrei na polícia comecei a ter dinheiro, eu não tinha dinheiro, de repente eu tava recebendo um salário razoável, comecei a fazer uns negócios errados aí. Errado assim, de ficar frequentando certos lugares. Aí eu entrei numa briga, fui esfaqueado e a faca atingiu o pulmão. Deu assim daqui, tenho até aqui a cicatriz. Tá. Aí eu fiquei internado no hospital uns 40 dias mais ou menos porque tinha raspado o pulmão. Quando eu saí, tava considerado bom, aí o médico falou assim: “Meu amigo, você acredita em milagre?” “Doutor, hoje em dia a gente acredita em tudo”. Mas eu, na verdade, eu era fora de igreja, não frequentava igreja, sabe? Meu negócio mesmo era farra, festa, essas coisas. Aí o médico falou aquilo pra mim, mas me acendeu uma... Eu falei: “Por que, doutor?” “Porque se você acreditar em milagre, pode ter isso como milagre, porque eu fiz a minha obrigação de cirurgião, mas não dava nada pra você e você conseguiu.” “Obrigado, doutor Renan”. Renan é o nome dele na época, eu me lembro dele até hoje, foi em 74. Aí quando eu encontrei uma mulher que eu tinha um caso com ela, ela falou assim: “Delson, como é que tá, você sarou?” “Sarei.” “É o seguinte, eu fiz uma promessa pra você aí, você tem que ir lá cumprir essa promessa.” “Promessa? Que promessa?” “Eu prometi quando você sarasse você fosse lá na trindade e colocava a sua foto lá na imagem do Divino Espírito Santo.” “É mesmo?”. Meu Deus, o médico falou aquele negócio pra mim e ela tá falando isso aqui pra mim agora! Aí não falei nada. Falei pra ela: “Tudo bem”. Aí fiquei imaginando. Foi a primeira vez, primeiro sinal, né? Eu fui lá, cumpri minha promessa quando tava bom, fui lá. Aí vim vivendo aí. Quando foi em 78... 98.
P/1 – 98?
R – Moça, não gosto nem de lembrar, não sei nem se eu consigo contar a situação. Meu filho, esse mais velho meu, ele era um cara jovem, disposto, um cara demais. Um cara trabalhador, não tinha coisa ruim pra ele, não. Um cara disposto mesmo! Ele foi trabalhar ali no posto de gasolina ali, tava fundando o posto aí tava na fundação. Ele trabalhou lá e ele tinha até um... Ele tinha o primeiro grau completo, aí ele foi servir o exército, parou de estudar, começou a estudar o segundo grau. Aí ele foi servir o exército, tal, quando saiu ele começou a trabalhar no posto de gasolina, na fundação. Trabalhando lá fala de... Como é?
P/1 – Peão?
R – Peão, mas dá um nome lá, um apelido lá. Aí foi ele mais alguns jovens aqui da comunidade: “Não, vamos trabalhar lá”. Era abrindo buraco e tudo, mas tava tudo jovem, tudo desempregado, eles queriam ganhar um dinheirinho. “Vamos lá”. Todo mundo caiu fora e ele ficou lá, sem estudo, falou: “Pai, eu não desisto, não”. Falei pra ele: “Tá certo, meu filho, você tá ganhando dinheiro”. Conclusão, aí terminou de construir o posto e ele era inteligente, matemática ele fazia assim rapidinho assim, qualquer continha ele fazia rapidinho. Aí já o contrataram, o dono do posto, pra frentista. Com pouco tempo ele tava lá com oito meses ele já foi pra ser o gerente de pista, que é o responsável pelas bombas. Aí ele fez um concurso na PM, passou pra entrar na PM: “Pai, eu quero ser é PM igual ao senhor.” “Tudo bem, Junior”. O nome dele é Junior, né? Ele passou, ele pediu baixa aí nessa época... Ele saiu do emprego dele, na semana seguinte ele ia incorporar na PM. Aí o primo dele no final de semana chegou aqui: “Junior, comprei um carro zerinho. Vamos embora lá no…”. Saíram ele e os primos dele, com mais três namoradas, cada um com uma, o carro cheio. De lá pra cá o carro capotou. Rapaz, os outros não tiveram nada, ele foi atirado, ele tava sem cinto, atirado muito longe, caiu dentro de uma grota lá, ninguém... Aí chegou um pessoal lá, socorreu todo mundo, os outros, levaram pro hospital. Os primos dele pensaram que ele tava no hospital por ali, cada um num lugar sendo socorrido, pensando que ele tava lá. De repente tá vindo lá um ônibus de excursão. Aí o ônibus viu lá aquela bagaceira, aquele carro imprestável, falou: “Rapaz, aqui não salvou foi ninguém”. Aí todo mundo desceu. De repente uma senhora lá, uma moça, afastou do grupo, afastou mais, parece que ela ia fazer necessidade fisiológica mais distante, quando chegou na grota: “Tem um morto aqui”. Quando foram lá ver era ele. Aí ligaram pro bombeiro, o bombeiro veio, pegou ele, levou pro Hospital de Base. O meu sobrinho ligou: “Tio, nós tivemos um acidente aqui, o Junior tá no Hospital de Base lá, mas tá socorrido no Hospital de Base”. Eu sou sangue frio. Eu falei com o meu irmão: “Rapaz, cadê ele?” “Tá no hospital.” “Então tá bom, já foi assistido, não posso fazer mais nada. O que tinha que fazer tá feito, né?” “Tá feito.” “Então vamos embora lá”. Fomos tranquilos, chegou lá: “Eu vim visitar o meu filho aí que ele tá internado aí, tal.” “Como é que é o seu filho? Qual é o nome dele?” “Delson da Costa Matos Junior”. Aí olhou: “Não, não tem nenhum Delson.” “Tem sim. Ligaram pra mim”. Aí meu irmão tava comigo: “Vem cá, quem é aquele cara que tá lá naquela maca lá no cantão lá?”. Tudo quieto, nós pensamos que era algum defunto que tava lá no canto. Nós corremos pra lá, quando o médico nos viu correndo pra lá correu todo mundo em cima dele. Ele tava já tendo parada, ele tava morrendo. Aí o médico bombando, bombando, levaram ele correndo pro Raios-X. Conclusão da história, ele ficou 25 dias em coma, perdeu parte da memória. Aí tá, ficou lá em coma, todo dia nós íamos lá visitá-lo. Quando foi um dia ele, ele só tava respirando 70% da... Só 30%, o resto era aparelho que fazia respirar. Ele tava praticamente morto, assim branco, lá na UTI. Nós fomos um dia visitá-lo lá, o médico falou assim: “Olha, gente, vocês podem preparar, pode ir preparando de hoje pra amanhã porque não passa de hoje, não”. Ao invés de ele estar bom, nesse dia ele tava com um dreno aqui saindo um negócio sujo num vidrão assim, sabe? “Ele teve uma pneumonia, tava grave a situação dele, deu uma pneumonia, não tem jeito mais não”, o médico falou. Eu falei: “É mesmo? Fazer o que. Então tá bom”. Minha mulher entrou e eu saí, no Hospital de Base lá no segundo andar assim. Eu olhei assim, saí, conversei com o Divino Espírito Santo, sabe (choro)? Então tá bom, então eu vou embora. Fui embora. Quando foi no outro dia de manhã, nós esperando o médico ligar que ele ficou de ligar até essa noite. Liga, não liga, não ligava. Quando foi de manhã nada, nove horas nada, meio dia nada, quando deu duas horas, na hora da visita de novo, nós ficamos cismados, tudo quieto. Aí quando chegou lá entramos na UTI, cadê ele? Não tá na UTI. Pronto, já foi encaixotado, né? “Cadê?” “Não sei. Deixa eu procurar aqui” Procuraram, nada, não achava o nome dele, falei: “Tá lá, né?”. Veio lá um cara procurando uma pessoa e vem uma pessoa lá do fundo. “Quem é que você tá procurando?”. Falei o nome dele. “Tá ali na enfermaria.” “Enfermaria? Então tá bom”. Quando cheguei lá quem tava entubado, todo magro, respirando normalmente e numa cadeira de rodas, né? Só que ele não conhecia ninguém, não tava reconhecendo ninguém, mas tava sentado normalmente no negócio. Aí viu, como é que eu faço? É difícil (choro). Foi isso aí. Eu cumpri minha parte. No dia que eu conversei com ele eu falei: “Em troca eu faço isso”. Aí eu fiz. Então eu sou devoto do Divino Espírito Santo por causa disso. As pessoas, cada um tem sua crença, agora a minha crença é forte porque eu não mudo de opinião. Não mudo de opinião. A gente, às vezes na atual civilização do mundo que a gente tá, Deus faz muito milagre e a gente não vê. Você não vê, mas estão acontecendo milagres. Ah, fez isso, foi o médico. Mas médico tem a mão de Deus, tem a mão de Deus aí interferindo.
P/1 – E aí você pagou a promessa?
R – Paguei promessa. E estamos aí (fala embargada).
P/1 – E a Festa do Divino hoje?
R – Hoje eu ajudo aqui na região resgatando essas coisas.
P/1 – E é grande hoje aqui, Delson, a festa?
R – As festas geralmente são assim, cada pouso desse aí são duas mil pessoas. São 300 a 400 cavaleiros, né, que acompanham.
P/1 – Mas foi crescendo ou sempre foi assim?
R – Não. Em 2005 um amigo meu, padre Bernardo que puxava, que é guia de folia, porque a folia não é qualquer uma pessoa, não. Tem aquelas rezas que só alguns que sabem, então eles têm que passar pros outros. Aquelas rezas, quando chega na casa da pessoa eles colocam um cruzeiro, aí chega lá no pé do cruzeiro eles fazem umas rezas lá, com relação, tudo cantoria, tudo cantado na viola. É tudo inspirado, dizendo eles que o Divino Espirito Santo que inspira. Então eles fazem as modas de improviso. Aí fazem agradecimentos, não sei o que, pedem licença pro dono da casa pra entrar, pede o pouso, tem que pedir o pouco, é tradição. Então eles entram com a cruz, colocam a cruz ali, aí guardam os equipamentos, vai jantar. Depois da janta aí vem a fé. Aí fez a obrigação, rezou aqui no altar, que tem que ter um altar aqui dentro. Eles fazem as rezas como de praxe, todinha a reza. Quando terminou essa parte religiosa, aí à noite vem a festa. Mas aí que nós criamos em 2005 o Grupo de Folia Cavaleiro Divino. Nós criamos pra resgatar a folia tradicional, porque a folia tradicional não tem dança de mulher com mulher, não! Antigamente a mulher era considerada coisa de... Se encontrasse a mulher ali já era pecado, não era? Então o que é? Só dança do catira. É uma dança tradicional das folias. É a catira.
P/1 – Só os homens dançam?
R – Homens e mulheres. É separado, não pode é se agarrar, mas pode dançar solto, bater palma, bater pé, palma e pé. É aquele negócio, então é a noite toda até amanhecer o dia dançando catira, não pode ter outra dança. É como a gente diz, ou nós resgatamos a folia tradicional, ou então fica como está aí. Porque até 2005 às vezes tinha uma folia, passava dois, três anos tinha outra, passava quatro anos tinha outra. Mas não tinha, agora tá em todo ano, todo ano porque nós temos esse grupo de folião, foliões aí, pra exatamente resgatar a folia tradicional.
P/1 – E que época é, Delson?
R – Hã?
P/1 – Que dia é?
R – Mês de setembro.
P/1 – Mês de setembro.
R – É. Porque a Folia do Divino acontece geralmente no mês de julho, que é o mês do Divino Espírito Santo, que é dia seis de julho, né? Inclusive a festa de trindade lá de Goiás é seis de julho. Mas você pode fazer ela atrasada, pode atrasar, não tem problema. A gente fez então, como aqui nessa região todinha nós participamos aqui de folia, é o tempo todinho. Nós participamos aqui em Curralinho, aí o pessoal de lá vem pra cá, nós vamos para Cristal que é uma região aqui de Goiás também, vizinho, nós vamos nas folias deles, eles vêm na nossa. Em Formosa a gente vai nas folias deles, eles vêm nas nossas. Então nós temos esse entrosamento entre todas as comunidades rurais do movimento de Folia do Divino, a gente tem esse entrosamento aqui com eles aqui da região aqui. Padre Bernardo, Brasilândia, todos eles a gente se conhece, porque tá sempre um ajudando o outro. Também nós temos dificuldade aqui, como eu disse, aqui só tem uma pessoa que sabe puxar folia que é o Helvésio. Aí nós queremos formar pessoas pra poder continuar. Se Helvésio falhar um dia? Aí tem que buscar um cara lá na Caixa Prego. A Folia de Reis que tem aqui as pessoas vem de longo Brasil, de longe porque não tem pessoas que sabem fazer a solenidade da Folia de Reis. Precisamos nesse grupo de folias que nós criamos exatamente pra poder resgatar, formar pessoas pra que essa tradição continue.
P/1 – Muito bom, Delson.
R – Então tem a dança do catira, tem a dança do... São dois tipos de dança, a catira e... Congada não. Não lembro o nome da outra, não. Sei que é uma tipo batuque, sabe? Exatamente por causa dos índios lá atrás, que eu falei, né? Porque os índios era batucada, dança do pé, tudinho era coisa de índio, então começaram a fazer essa dança mais ou menos igual aos índios dançavam pra atrair os índios. Aí ela veio acompanhando a gente, essa dança.
P/1 – Muito bom, Delson. A gente já tá terminando, eu queria saber se você tem alguma coisa assim que a gente não perguntou, mas que você quer muito deixar registrado. E depois, saber o que você achou de contar sua história, um pedaço dela.
R – Bom, falando a minha história ou da história da comunidade?
P/1 – Elas se misturam, né?
R – Mistura, né?
P/1 – O que você achou de contar? O que você achou dessa história que você contou durante duas horas, que a gente ouviria muito mais, mas a gente vai ter que encerrar?
R – Sei. Bom, o que eu tenho a dizer mais pra acrescentar é que às vezes a gente fica preocupado com o futuro nesse local que a gente nasceu, tem nossas raízes fincadas aqui, certo? Aí eu sempre imaginei, se eu tivesse poder para transformar isso aqui numa cidade exemplo, sustentável, porque nós já perdemos tanto na questão da natureza, e se a gente não se cuidar daqui pra frente vai perder muito mais. Então a minha preocupação é com a questão de quem é que vai governar a nossa cidade, que vai se preocupar com as nossas questões próprias nossas. As pessoas de fora que vêm governar aqui só se preocupam de fazer a parte deles pra ganhar dinheiro. Às vezes se fosse uma pessoa da comunidade nem pensaria tanto no dinheiro, mas no prezar dos nossos, tem coisas nossas aqui que são muito mais valorosas do que o dinheiro que a gente poderia ganhar. Então a minha preocupação é o que? É preservar esse pouco da nossa tradição que nós temos, essa semente que nós perdemos no passado, como essas pequenas coisas da nossa tradição da região e a questão da natureza aqui, preservação do que nós ainda temos. Então a minha preocupação é o que, rapaz? Um projeto de melhoria da cidade, nós tínhamos lutado pra transformar em cidade, pra ter própria liberdade, nosso próprio poder, porque a gente com o poder faz alguma coisa. Então se der o poder pra comunidade, pra comunidade daqui ter mais amor pelo local. Então eu penso assim, se existe em todo esse mundo, existe sim uma cidade que pode conviver com a natureza que nós temos e sem perder as empresas que trabalham aqui na exploração e minério, e que são importantes pro desenvolvimento da cidade. Então essa importância não deve ser desprezada, mas tem que haver uma conciliação entre natureza e desenvolvimento. Porque nós estamos partindo aí pra uma situação no mundo aí muito próximo da... Você vê aí, Brasil nunca teve terremoto, essas coisas, já começou lá no sul. A cidade aí esses dias foi devastada pro sul.
P/1 – Delson, pra fechar então a gente quer agradecer, foi muito importante ouvir tua história. A gente também se emocionou, então obrigada e parabéns aí pela jornada. Vamos continuar firme e quem sabe a gente vem na Festa do Divino. Parabéns!
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