Meu nome é José Reis da Silva, nasci em cinco de fevereiro de 1946, em São Roque de Minas, Minas Gerais.
Eu conheci meu avô e avó materna. Vou falar mais da minha avó porque meu avô morreu bem rápido. Eu era bem criança quando ele faleceu. Tinha uns dez anos, só. Agora, com minha avó, eu convivi com ela por muito tempo. Eu fiquei sem mãe aos nove anos e foi ela quem me criou. Eu morei com ela até casar. É uma senhora que morreu bem antiga, com 103 anos, e ela criou mais ou menos uns oito netos, todos órfãos, porque as filhas dela faleciam. Eu fui um deles. Eu e mais dois irmãos. E mais os primos. Isso, em Passos.
Eu saí de São Roque muito novinho. Meu pai era garimpeiro - o garimpo era de diamantes – e quando deu uma rareada, ele veio. Nos mudamos para Capitólio e de Capitólio viemos para Passos. Veio a família inteira, quase todo mundo veio para Passos. E foi onde minha mãe faleceu. Pra falar a verdade, eu nem lembro de São Roque, eu saí de lá com uns três anos de idade. Já Passos, eu me lembro bem porque eu fiquei lá até casar. Eu fui criado em Passos.
Minha avó era uma senhora, assim, sabe, antiga? Naquela época... Mas ela era muito cuidadosa. Ela cuidava, além dos netos que moravam com ela, dos filhos de todo mundo. Tanto que ela perdeu quase todos os filhos, antes dela morrer. E morreu muita gente, muitos filhos dela, mas ela era tipo uma matriarca. Qualquer problema que você tivesse, ela tinha uma palavra pra resolver, sabe? Ela era tranquila, assim. Me ajudou muito, eu, meus irmãos e muita gente. Ninguém esquece dela.
Eu nem sei precisamente de onde ela era, mas ela contava que era de pra lá de Belo Horizonte e falava que ela era neta de escravos. Ela contava muito sobre a mãe dela, sobre a avó dela, que tinha sido escrava e essas coisas que não têm, principalmente sobre o negro, muito escrito. É, mais, palavra, mesmo. Um passa para o outro. Mas ela falava muito sobre isso e sempre dava conselho...
Continuar leituraMeu nome é José Reis da Silva, nasci em cinco de fevereiro de 1946, em São Roque de Minas, Minas Gerais.
Eu conheci meu avô e avó materna. Vou falar mais da minha avó porque meu avô morreu bem rápido. Eu era bem criança quando ele faleceu. Tinha uns dez anos, só. Agora, com minha avó, eu convivi com ela por muito tempo. Eu fiquei sem mãe aos nove anos e foi ela quem me criou. Eu morei com ela até casar. É uma senhora que morreu bem antiga, com 103 anos, e ela criou mais ou menos uns oito netos, todos órfãos, porque as filhas dela faleciam. Eu fui um deles. Eu e mais dois irmãos. E mais os primos. Isso, em Passos.
Eu saí de São Roque muito novinho. Meu pai era garimpeiro - o garimpo era de diamantes – e quando deu uma rareada, ele veio. Nos mudamos para Capitólio e de Capitólio viemos para Passos. Veio a família inteira, quase todo mundo veio para Passos. E foi onde minha mãe faleceu. Pra falar a verdade, eu nem lembro de São Roque, eu saí de lá com uns três anos de idade. Já Passos, eu me lembro bem porque eu fiquei lá até casar. Eu fui criado em Passos.
Minha avó era uma senhora, assim, sabe, antiga? Naquela época... Mas ela era muito cuidadosa. Ela cuidava, além dos netos que moravam com ela, dos filhos de todo mundo. Tanto que ela perdeu quase todos os filhos, antes dela morrer. E morreu muita gente, muitos filhos dela, mas ela era tipo uma matriarca. Qualquer problema que você tivesse, ela tinha uma palavra pra resolver, sabe? Ela era tranquila, assim. Me ajudou muito, eu, meus irmãos e muita gente. Ninguém esquece dela.
Eu nem sei precisamente de onde ela era, mas ela contava que era de pra lá de Belo Horizonte e falava que ela era neta de escravos. Ela contava muito sobre a mãe dela, sobre a avó dela, que tinha sido escrava e essas coisas que não têm, principalmente sobre o negro, muito escrito. É, mais, palavra, mesmo. Um passa para o outro. Mas ela falava muito sobre isso e sempre dava conselho pra gente. O melhor conselho que ela dava é que a gente tinha que ser honesto e que a vida, para cada um, ia dar o que a pessoa precisasse. Então, não adianta você querer correr muito atrás de uma coisa que talvez você não vá conseguir. Ela sempre falava isso pra gente.
Minha avó seguia essas tradições comuns, por exemplo, essas festas religiosas que tinham, essas coisas. Ela gostava de tudo isso, como Folia de Reis, as festas juninas, esse tipo de coisa. A família participava também, meu pai também era folião. Lá em Passos... Hoje parou muito, mas lá em Passos, antigamente, tinha festa do Congado, Moçambique. Hoje, ainda tem, mas naquela época era forte, muito forte. Eu nunca participei de dançar congo, mas eu lembro de acompanhar meu pai e meu pai fazia. Meus primos. Eu nunca cheguei a fazer. Tem parente, tem um tio que já faleceu lá de Passos, que era rei de congo, porque lá tem os reinados, o rei de um lugar, o rei de outro. Então, ele era rei de um. Aquelas coisas antigas, aqueles ternos, aquelas coisas. É tipo essas festas do nordeste, só que lá era Congo e Moçambique.
Eu não me interessava muito, mas ia porque, naquela época, juntava muita gente e então a gente ia para passear. A gente estava sempre junto, mas dizer, assim, folião, eu nunca fui. Eu tenho um irmão que gostava demais, então era assim, uns iam e outros não iam, mas na festa todo mundo estava. Até hoje, os meus parentes que moram lá, cujo pai era rei de congo, eles continuam com a tradição. Tem a festa no final do ano, tem essas coisas, de baile, tem tudo. Tem tudo que pode ser feito.
Minha mãe faleceu, eu fiquei órfão, eu tinha nove anos. Meu pai era lá do Piauí, sabe? Ele era garimpeiro e, depois que a minha mãe morreu, ele não ficou junto com a gente, fomos criados pela avó, pelos tios. Ele deu uma “sumidinha” e ficamos um tempo sem vê-lo. Mas aí, mais tarde, quando eu já estava moço, ele voltou pra junto da gente. Aí já estava meio doente, já estava assim, aí ficou com a gente até falecer, sabe? Era uma pessoa boa também, eu não posso falar mal dele, nem uma vírgula. Agradeço muito tudo o que ele fez por mim, o que ensinou, porque tem coisas que servem até hoje, o ensinamento de criança, quando é bom, você tem. Até hoje eu lembro dele como uma pessoa que sempre me deu bons conselhos. O que ele pôde fazer pra gente, ele fez. Mas eu fui criado mais com a avó e os tios, mesmo.
Quando minha mãe faleceu, nós éramos quatro. Um, meu irmão caçula, dois meses depois que ela faleceu, ele veio a falecer também, ele era recém-nascido, era bebezinho. Ficou eu e mais dois. Um está lá em Passos, mora lá, o Gabriel. E o outro faleceu, está com 12 anos, entre eu e o outro lá.
Na escola foi tudo bem. A gente tinha tudo. Os campinhos de futebol que a gente jogava bola, tinha as festas de igreja. Lá tem muita festa de igreja. Acho que eu morava no bairro São Francisco, lá em Passos, e tinha a festa de São Francisco. Até hoje todos os bairros ainda têm a festa. E minha infância era boa, de brincadeira. A gente brincava, ia para a escola e trabalhava também, tinha que trabalhar. Naquele tempo, criança não era igual hoje, que não trabalha. Tinha que trabalhar. Com dez anos, eu fui trabalhar em um jornal, para aprender a profissão de tipógrafo. E eu fiquei lá dos 10 aos 14 anos. Depois, meu tio me levou pra outro lado, que eu morava com ele, né? Trabalhei em um jornal lá que se chama O Sudoeste, ele era bissemanal, saía às quartas e sábados. E eu fiquei lá quatro, quase cinco anos no jornal.
Era um trabalho muito diferente, porque, hoje, a impressão do jornal é tudo moderna. Naquele tempo, você tinha que pegar as letras, uma por uma na caixa e fazia as palavras, montava as frases, só para depois levar para máquina de imprimir. E, quando terminava o jornal, você tinha que pegar letra por letra e jogar cada uma nas caixas de novo, para fazer outra impressão. Então, era um trabalho difícil porque era manual, praticamente manual, mas era bom. Foi lá que eu aprendi muita coisa. Além de estar estudando, a gente estava mexendo com letra, né? Estava dentro da coisa ali e então ajudava muito na escola.
Eu continuei estudando e trabalhando no jornal, e o dono do jornal, lembro dele até hoje, me ajudou muito, porque ele não queria... Aí meu tio me levou para uma fazenda. Me tirou do jornal para levar para uma fazenda. O dono do jornal não queria que eu fosse, ele falava que eu era um moleque estudioso, e falou para o meu tio: “Deixa ele ficar aqui, eu tenho um sobrinho da idade dele, eu vou pagar o estudo pra ele e mais o que for preciso”. Ele não tinha filhos, sabe? A mulher dele não podia ter filhos. Ele falou: “Esses dois, eu vou fazer como se fossem meus filhos”, mas meu tio não quis deixar, falou: “Não, ele tem que aprender a trabalhar, aprender a capinar”. Falava assim: “Tem que ir pra roça”. Naquele tempo, profissão era difícil. O pessoal achava que não valia a pena. Aí eu fui. Deixei o jornal e fui pra roça. Fiquei lá até os 18 anos.
Saí da cidade, e lá na roça aprendi a fazer tudo: plantio de algodão, café, essas coisas todas de roça, sabe? Fiquei lá até os 18 para 19 anos. Aí eu fugi da roça, fui para o Exército (risos). Para escapar da roça, eu vou para o Exército.
Servi o Exército, fiquei lá um ano, aí pedi baixa porque eu não me adaptei muito. Assim, não era o que eu queria, sabe? Eu servi o Exército em 1966, lá na ESE, Escola de Sargento do Exército de Minas Gerais, Três Corações. Era o ano de 66, uma época difícil. Depois da Ditadura eu fui fazer curso de cabo em Juiz de Fora. Nem sabia que eles mandavam a gente pra onde queria, naquela época. E a gente via, eu vi muita coisa, porque o povo fala ditadura, mas tem gente que fala porque ouve falar, mas eu vivi isso aí, tive oportunidade de vigiar preso político, pra dar banho de sol, lá no QG R4, em Juiz de Fora. A gente estava no curso e o nosso trabalho era de final de semana. O pessoal fazia o curso, quando chegava do serviço, o sábado e domingo era nosso. Então, tinha que dar sol para os presos, eu até batia papo com os presos que tinha no lugar lá, mas era uma época dura. Quem acha que não existiu, é porque... mas existiu, sim. Existiu e muita gente falava pra gente que estava preso e nem sabia por quê (risos). Às vezes sabia, né?
Foi um ano. Foi eu e um primo meu pra lá, e era pra gente ficar, porque estava difícil, não tinha emprego. Uma época difícil, mesmo. Você não achava emprego. Nem na roça, você não achava. Nem para capinar, não achava. Então, meu primo ainda me falou: “Vamos ficar aqui, você vai voltar pra lá? Não tem emprego”. E meu primo ficou e aposentou como tenente lá em Brasília. Ele mora lá até hoje. É meu cunhado, meu primo. Nós fomos juntos, e ele fala: “Se você não fosse, não tinha ido”. Porque fui eu que o chamei pra ir pra lá. E ele ficou e eu saí, mas hoje eu vou em Brasília sempre. Duas vezes por ano, eu combino muito com ele e meu sobrinho. Ele ainda comenta, sempre fala pro pessoal: “Eu nem sabia o que era Exército, esse aqui que me levou e não quis ficar”, mas então a vida foi meio corrida, sabe? Eu não parei muito em um lugar só. Daí pra frente, eu vim vindo pra cá.
Eu voltei para Passos. Eu pedi baixa. Sabe por quê? Eu vou dizer por que eu pedi baixa. Eu falo: eu morei com um tio meu e naquele tempo a gente não tinha voz ativa. A gente respeitava os mais velhos. Não é igual hoje, que um menino de 15 anos fala para o pai dele: “Eu não vou fazer isso, não quero,” e não faz. Não. Naquele tempo a gente... então, como meu tio me criou, me aceitou na casa dele quando eu fiquei sem mãe, eu devia obediência a ele. E ele me levou, do jornal, pra roça. Eu não gostava, eu não queria, mas eu tive que ir. Aí, quando eu fui para o Exército, chegou lá, aquela pressão militar que você sabe como é: “Faz isso, faz aquilo”. A cabeça não estava querendo aquela pressão, por isso que eu saí do Exército. Não porque eu não gostei. Eu acho que foi um ano que me deu bagagem pro resto da vida. Mas só que, naquela hora, naquela época, minha cabeça não dava para ficar ali. Eu achei que, se eu ficasse, talvez não daria certo. Porque você ficar em um lugar que você não... aí eu saí, fui tentar a vida por outro lado. Voltei para Passos, continuei trabalhando por ali uns tempos.
Voltei para Passos e nunca mais fui pra roça. Comecei a trabalhar em um posto do estado. Era um posto de mudas e sementes, mas já era na cidade, mesmo. Fui morar na casa da minha avó. Ficou eu, meu irmão, e meus primos morando com minha avó porque meu tio morava na roça e ficou por lá. Aí fiquei até casar, ali. Casei, lá em Passos, mas estava difícil a coisa, falei: “Vamos procurar outros ares”. Aí eu vim pra aqui. Eu vim pra Ribeirão.
Quando eu vim pra aqui, de morada, eu vim em 78, mas em 76 eu vim trabalhar aqui em Ribeirão. A primeira vez que eu vim foi em 1976. Depois que eu saí do Exército, passei nove anos lá em Passos, e só depois que eu vim pra cá. Vim casado.
Eu não queria parar em Ribeirão. Eu saí para procurar, eu andei por várias cidades por aqui, mas não consegui nada. A primeira vez que eu vim pra Ribeirão, praticamente, eu não sabia fazer nada da construção civil. Eu queria trabalhar de ajudante em qualquer coisa. Aí eu entrei de ajudante lá no HC, em 76. Eu já estava casado. Ajudante de eletricista, que estava montando o Hospital das Clínicas, o HC. Eu trabalhei na Siemens, que é empresa de elétrica lá. Aí eu fiquei um ano, mais ou menos aqui, e voltei pra Minas de novo. Falei: “Vou voltar pra lá”. Só que eu já tinha... eu fiquei lá um tempinho e tornei a voltar pra aqui. Eu voltei e entrei em uma empreiteira daqui, trabalhei um tempo, voltei pra Siemens de novo, no HC. Isso em 78, já. Aí, no princípio de 78, falei: “Vou mudar”. Lá não tinha serviço e aqui eu vi que o campo era bem melhor. Enfim, usina, estava todo mundo precisando de mão de obra, sabe? E nesse momento, eu já era meio oficial de eletricista. Eu vim em 78, de mudança e estou até hoje aqui (risos). Eu vim e tinha três filhos, já. A minha caçula nasceu aqui, em 1980. E depois da Siemens trabalhei para um monte de empresa. E estou até hoje (risos).
Antes de encontrar Ribeirão, eu passava de cidade em cidade em busca de trabalho. Deixei a família em Passos e saí procurando. Eu estive em Campinas, rodei perto de São Paulo, um monte de coisa. Na capital, não. Em São Paulo, eu já trabalhei muito, mas só depois que eu moro aqui. Fui pro lado de Rio Preto. Naquele tempo, estavam as grandes montagens no Brasil, indústria. Então, a gente queria ir no lugar que estivesse precisando de gente pra trabalhar, e em São Paulo, pra quem vinha da roça, era muito difícil porque cidade grande ficava mais difícil. Então, a gente achava que uma cidade menor ficaria mais fácil, sabe? Aí, eu rodei pelas cidades e acabei caindo aqui em Ribeirão Preto.
Nessas experiências de mudar, conheci muita gente, e também tive minhas dificuldades. Tem hora que tem. Tem coisas que não dão certo. Você sai, às vezes, com um dinheirinho pra falar: “Vou lá procurar serviço”. Quantas vezes acabou o dinheiro?
Aqui mesmo, antes de eu mudar pra Ribeirão, vou contar uma história daqui: a gente ficou aqui 15 dias, eu e mais dois amigos lá de Passos. Nós fomos em quase tudo quanto é usina que tinha por aqui e o dinheiro foi acabando. A gente estava em uma pensão, ali perto da Antártica. Em um domingo, o dinheiro acabou de tudo. A gente pediu à dona da pensão: “Deixa as malas da gente no corredor, pra gente dar uma volta na cidade”. A gente vai ter que tirar as malas porque não tinha nem como pagar a outra diária. Compramos um jornal e estavam pedindo dois ajudantes de depósito e um motorista. Um desses rapazes que estava com a gente era motorista, e estava dizendo lá no jornal que atendia no domingo. É lá perto do comercial. Aí nós fomos a pé pra lá. Chegou lá, fechado. A gente falou: “Puxa, viemos aqui fazer o quê?” Sentamos lá, ficamos tristes. Sem dinheiro e ainda perdemos a pernada. Parou um carro perto de nós: “O que vocês estão fazendo aqui?” “Nós viemos sobre um anúncio no jornal”. Ele falou: “Eu sou o dono daí, mas eu já arrumei, eu contratei ontem”. Aí piorou, ainda.
Nós saímos a pé ali pelos Campos Elíseos. Eu lembro que o nosso almoço naquele dia foi uma Coca família, que hoje não tem mais, e uma coxinha, pra três pessoas. Aí ficamos o dia inteiro ali andando, nem voltar na pensão. Voltar pra quê? Não podia comer lá, não podia fazer nada. Fomos pra rodoviária, sabe onde é o bombeiro, hoje? A rodoviária era ali. Sentamos lá, “vamos ficar aqui na rodoviária”. Ficamos o dia inteiro na rodoviária. Quando deu oito horas da noite, chegou um ônibus não sei de onde lá, nós olhamos e falamos: “Chegou um conhecido, é o meu cunhado. Agora nós estamos feitos. Vamos pegar um dinheiro com ele, pelo menos pra nós comermos”. Chegamos, ele todo sujo, com uma malona, e falamos: “Ô, Tonico, que bom que você chegou aqui! Nós estamos aqui sem comida desde ontem e sem dinheiro”. Ele falou assim: “Que bom que chegou mais um sem dinheiro”. Também não tinha nada. Sentamos todos lá. Isso já era umas oito e meia da noite, já. Quando foi onze horas chegou um ônibus de São Paulo, aí desceu um primo meu. Esse mora lá em Passos, hoje. Aí eu fui lá, falei com ele e ele falou assim: “Vocês deram sorte, que eu fui receber uma indenização em Jundiaí e eu estou com um dinheirinho”. Aí arrumou um dinheiro, a gente ainda foi comer de noite. Chegamos lá na pensão da mulher, ela falou: “Só tem arroz e tomate, serve?” e eu disse: “Claro que serve!” Pra quem estava sem comida desde o outro dia!
Então, essas coisas sempre aconteciam com a gente, quando estava procurando serviço. Isso é normal, ter que pedir dinheiro pra se locomover, a passagem: “Me arruma um dinheirinho aí”. Agora eu vejo, na rodoviária, muitas vezes, a pessoa está com a mochila: “Está me faltando dois reais pra eu comprar uma passagem pra ir pra tal lugar”. Quando eu tenho, piffffffff, porque eu já passei por isso, sei como é que é. E, às vezes, você não podia nem voltar pra casa, porque você saía pra procurar uma melhora, um emprego, e voltar de mão vazia? Não vai dar. Mas então foi assim, graças a Deus, eu passei por muitas coisinhas, mas depois que eu mudei pra cá, graças a Deus, a coisa melhorou.
Aqui em Ribeirão, eu comecei como ajudante de eletricista, eu já tinha um curso. Deixa eu contar: eu tive facilidade como ajudante de eletricista porque eu já tinha feito eletrônica. Só que eu queria trabalhar com uma oficina lá em Passos. Eu fiz eletrônica e montei uma oficina. Mas era assim: como eu era conhecido do bairro, naquele tempo consertava rádio, consertava tudo. Hoje, não conserta mais. O cara levava um rádio pra consertar, eu ia lá, comprava a peça, trocava, consertava: “Eu vou levar, depois eu venho te pagar”. Aí o cara levava o rádio, não me pagava, nem a peça, nem meu trabalho. Aí eu fui vendo que eu não estava ganhando dinheiro com aquilo. Foi por isso que eu quis sair e falei: “Vou procurar outra coisa”.
Meu começo, como ajudante de eletricista, foi bom por isso, porque eu cheguei lá na Siemens, ali no HC, e a Siemens é uma empresa alemã, o pessoal que trabalhava era tudo gente antiga. Eu entrei como ajudante e lembro que um dia, lá na oficina mecânica do HC, eu fazia hora extra porque eu não morava aqui ainda, trabalhava sábado, trabalhava domingo, estava lá fazendo um serviço e eram três ajudantes e três eletricistas. Aí eles foram tomar café e eu não tinha dinheiro nem pra ir na cantina tomar café. Foi todo mundo e eu fiquei lá. Aí o projeto estava em cima da mesa, estou lá eu olhando o projeto, aí chegou um dos eletricistas e falou: “Você está olhando o que aí nesse projeto?” “Estou dando uma olhadinha”. Ele falou: “Pra você isso aí, você é cego, porque você chegou aqui está com um mês e pouquinho e, pra você entender do projeto, você tem que passar...” Eu falei: “Tudo bem, eu estou dando uma olhadinha aqui”. “Você está olhando, você entende alguma coisa?” Eu falei: “Alguma coisa eu entendo”. Aí me fez uma pergunta lá, eu falei. Fez a segunda, eu falei. Porque de projeto, eu entendia, eu tinha feito eletrônica e conhecia os símbolos, a simbologia. Aí ele chamou os eletricistas lá e falou: “Esse rapaz aqui está falando que entende de projetos”. Eles vieram, conversaram comigo lá. Era um tal de Arnaldo, que era uma das pessoas: “Eu vou falar pro encarregado amanhã que você conhece bem, pra te ajudar, dar uma mão aí”. E falou, mesmo. No outro dia o encarregado veio, conversou comigo e falou: “Olha, eu vou pôr você pra trabalhar com um cara ali que você vai desenvolver e vai ser bom pra você”.
Esse Arnaldo me ajudou muito nesse sentido, e depois que eu saí de lá, esse Arnaldo, com um outro japonês, abriram uma firma, que eu tenho na minha carteira profissional. Hoje não existe mais. Chamava-se Freitas e Kawasaki. Eu trabalhei com eles quatro anos. Eu já fui como eletricista trabalhar com eles. Então, esse cara foi um que me deu uma mão, aqui. Que me deu um apoio grande. E como outros, teve várias pessoas que me deram uma mão aqui. Empreiteiras em que eu trabalhei antes de trabalhar em empresa maior. Teve o Paulo José de Castro. A empresa dele é esse nome. Está aí até hoje. Trabalhei com ele também muito tempo, fazendo obras: Pernambucanas, Banco Itaú, também me ensinou muita coisa e então eu fui aprendendo assim, com um e com outro.
Depois eu fiz Senai e vi que precisava porque, quando eu comecei a passar para o lado da indústria, mesmo que você fosse um eletricista, você tinha que ter diploma, senão eles não aceitavam. Então, eu fiz o Senai à noite. Trabalhava em Sertãozinho e à noite fazia Senai. E fui fazendo assim, sabe? Aprimorando e mudando.
Eu procurei fazer todos os cursos. Fiz Senai. E, naquele tempo, naquela época, o Brasil estava montando muita indústria e tinha até empresas que ministravam curso para gente e eu não perdia um. Seja de uma semana, seja de 15 dias, eu tenho diploma de vários aperfeiçoamentos porque senão você não trabalha.
Quando eu cheguei em Ribeirão, naquela época, estava um começo bom da construção civil. Tinha muita obra, muita coisa. Depois você sabe, ali em 1982, teve uma época que deu uma caída. Mas depois foi esse boom que deu há uns tempos agora atrás e tornou a cair. Mas aqui, sempre a construção civil foi boa e eu posso dizer, graças a Deus, que depois desse começo, eu nunca mais fiquei sem trabalhar aqui. Agradeço muito Ribeirão Preto, criei meus quatro filhos aqui e, graças a Deus, até hoje, eu estou aposentado, mas estou sempre com trabalho.
Eu acho que todo mundo tem que fazer o caminho. Não adianta. Você não pode fechar porta. Você tem que deixar sempre as portas abertas, procurar fazer o melhor que pode, porque não é só o dinheiro que a gente ganha. Eu acho que aquilo que a gente faz, se está bem feito, a gente tem que gostar daquilo. Tem gente que fala: “Eu trabalho porque eu trabalho”, mas não é só isso.
Tem muita diferença o trabalho de um eletricista dentro da indústria ou na construção civil, eu já trabalhei nos dois lados. Comecei mais na parte industrial, depois eu fui pra construção civil. Que é diferente. Porque se você pegar um prédio do começo, é uma coisa...
O eletricista é o seguinte: para começar, ele é o primeiro que tem que chegar e o último a sair. E é difícil porque tem que acompanhar todo mundo. Por exemplo, hoje não tem paredes, mas tem uma tubulação que vai passar aqui, que vai alimentar certas coisas. O eletricista tem que chegar primeiro, fazer aquela tubulação no chão ainda. Depois, quando tem parede, ele tem que liberar as paredes pra reboco de pedreiro. Então, é uma profissão que depende dos outros e os outros dependem de você. E você não pode atrasar ninguém. Você tem que estar sempre ali, verificando tudo que está acontecendo. Às vezes, são coisas que até os engenheiros não veem, na parte elétrica, coisas que você vai fazer, você tem que orientar, falar: “Olha, está acontecendo isso. Vocês, da engenharia, podem mudar?” Aí, se eles acharem que aquilo é viável e está certo, muda; se não achar, não muda, mas a gente tem que estar sempre atento, porque tem coisa que passa.
Por exemplo, em uma casa é o seguinte: é mais simples. Normalmente, quando chamam um eletricista em uma casa, as paredes já estão levantadas. Normalmente, chamam a gente no ponto de laje, fazer essa laje, porque aí você vai ter que colocar todas as caixas, todos esses pontos de luz aqui, você tem que passar as mangueiras todas pelas caixinhas e trazer até no ponto de referência, que é o interruptor e esse quadro de alimentação. Esse é o trabalho do eletricista. O primeiro trabalho dele. E depois, automaticamente, as tomadas e tudo que vai ser preciso naquele quadro. Pra gente que já tem o macete é tranquilo, mas pra quem não conhece, quem chega à primeira vista, fala: “Puxa, isso aí é um bicho de sete cabeças”. Mas não é. Só tem que ter muita atenção.
Até hoje eu falo para o pessoal que trabalha comigo: às vezes, um fio que você troca, você pode complicar tudo. Estragar ou não funcionar direito. Ou futuramente dar um problema. Então, a parte da fiação, eu acho que é a mais importante da elétrica. A tubulação tem que ser boa, senão você não passa o fio. Mas a tubulação você ainda quebra o galho, mas se a fiação é malfeita, você compromete tudo. Tanto que a gente ouve falar hoje: “Pegou fogo em um prédio por causa da elétrica”, mas são as pessoas que não fazem as coisas direito. Também não pega fogo fácil, não. Eu vejo instalação que tem 40 anos e nunca pegou fogo porque foi bem-feita.
Eu já vi acidente, já. Incêndio, que eu já passei, mas não foi na construção civil, foi na indústria. Já vi incêndio. Já vi amigos... Eu trabalhava na Cianelli, era uma empresa grande que tinha aqui, que era de tecelagem. Ela tinha quatro mil e duzentos funcionários e eu trabalhei lá sete anos. Um dia, eu estava com um amigo em um painel, trocando fusíveis. E eu, com papelão, entre os barramentos, eu punha papelão para ele não encostar no outro. Aí faltava um, ele falou assim pra mim: “Pode tirar esse papelão daí que esse aqui não tem perigo. E eu junto com ele, assim. A hora que ele foi levar, eu escutei só o barulho e pensei comigo: “Eu vou sair de perto porque eu não tenho nada que fazer aqui, mais”. A hora que eu virei as costas ele errou o negócio lá e encostou no barramento. Foi um incêndio que eu vi! Uma seção de várias máquinas, de tecido ainda, pegou fogo em tudo e pegou fogo nele também. Ele se queimou daqui pra cima, todinho. Eu consegui tirar a camisa dele, que estava em chamas. Eu puxei pra cima e a joguei longe, pegou em uma máquina, da máquina pegou em tudo, parou tudo, a fábrica inteira. Estourou todo o painel, que era barramento de cobre, com aquelas... Só não dissolveu lá o que era lata, mas o que estava dentro ali virou uma pasta no chão. E ele se queimou. Ele... não morreu, não, mas o estragou todo, queimou um pouco do rosto aqui e aqui toda uma parte do corpo, queimou tudo. Deu um incêndio terrível ali, sim. E já vi umas coisinhas, mas graças a Deus, fogo, fogo, fogo, não. Já vi amigos meus ficarem grudados na rede, essas coisas eu vi muito, já passei muito por isso aí.
Hoje em dia, acontece menos acidentes porque a segurança está maior. Antigamente, o pessoal trabalhava de qualquer jeito. Coisa que eu já fiz, hoje eu não tenho coragem de fazer mais. Não tenho por que eu sei que hoje... mas a gente fazia, era novo: “Vai lá, faz”.
Em Olímpia, uma cidade aqui perto, a gente estava instalando uma Pernambucanas lá e precisava ir embora, era sábado, estava chovendo muito e só faltava um luminoso pra ligar. “É urgente, nós temos que ligar esse luminoso, senão nós não podemos ir embora”. Aí eu falei: “Vou lá ligar esse luminoso”. Não tinha escada e eu fui emendando pedaço de madeira, aqueles pedaços de madeira, que hoje eu fico pensando, se quebrasse uma madeirinha daquela, eu estava o chão, e o pior é que era mais alto do que a rede de alta tensão, encostadinho na marquise. Debaixo de chuva, eu fui lá, liguei o luminoso. Desci e não aconteceu nada. Na outra semana, lá em cima, no mesmo lugar que eu estive, o cara foi passar com uma carriola, porque lá tinha um beiralzinho pra passar em cima, escorregou a carriola, não ele. Aquela carriola caiu em cima da rede alta, parou a cidade inteira. Agora, se no caso é uma pessoa... Eu já tinha feito aquilo debaixo de chuva, sem cinto, sem nada, se eu caio ali em cima, não estaria conversando hoje. Então, tem umas coisas bobas que a gente faz, que não é brincadeira. Mas a gente vai vivendo, vai trabalhando... hoje, graças a Deus, eu posso dar conselho para os mais jovens, falar: “Não faz isso”. Mas eu já passei por muita coisa, sim, que graças a Deus, não aconteceu nada grave, mas poderia ter acontecido.
A gente não tinha EPI, não tinha nada. O pessoal não estava nem aí. Nem capacete a gente usava para trabalhar. Não tinha, não. Hoje, não. Hoje as empresas exigem, você tem que usar. Mas acidente ainda acontece. Acontece muito acidente. O que mais acontece é queda. Queda é uma das principais coisas, na construção civil, de acidente. O cara monta um andaime, não prende direito, põe uma escada mal colocada, sobe em um lugar que ele devia dar a volta por lá pra chegar, ele quer passar por aqui. Isso aí eu não culpo só as empresas, não. Culpo o pessoal que trabalha, que, às vezes, está de um jeito de fazer, pra evitar. Tem uns 50 passos pra ele chegar no lugar certo, mas ele dá cinco onde o acidente pode acontecer. Isso acontece muito.
O pessoal tem que tomar muito cuidado. Tem hora que não tem jeito. Ontem mesmo, eu estava trabalhando e nós estávamos em um andaime lá. E o andaime é quadrado. E tinha umas tábuas no andaime. Eu estava chegando, eu vi o cara que estava trabalhando lá com um pé de caibro pisando do lado de fora na tábua. Se ele pisar, aquela tábua faz isso, está no chão. Falei: “Companheiro, cuidado, olha o que você está fazendo aí. Tem que pisar no quadrado. Não pode sair fora do quadrado”. E um cara pesado, com 90 quilos, pisou e buft, acidente. Então, na realidade, na construção civil, o que mais acontece é queda, a maioria das coisas são quedas. E na elétrica é choque, queda, tem tudo (risos).
Às vezes acontece muito choque, assim: você pode até pegar em um fio lá e não te dar choque, se você estiver em uma escada boa. Mas o que acontece? Você pega o fio, encosta o braço em um arame, qualquer coisa que dê aterramento e você vai ser eletrocutado. O que já aconteceu uma vez comigo, eu tomei um choque na cabeça, eu estava dentro de um bandejamento lá no HC, trabalhando dentro do bandejão. Aí eles tinham deixado um fio e tinha energizado em cima. Não estava ligado ali. Eu levantei a cabeça no escuro, não vi, eu estava todo aterrado, encostei a testa assim, parece que eu até acendi, dei um berro lá e os caras desligaram a chave rapidinho embaixo. Isso acontece sem a gente ver. Já aconteceu muito.
Mas hoje melhorou muito. Hoje tem muita diferença no maquinário. Antigamente, tudo era no ponteiro, na talhadeira, na marreta. Inclusive, eu estou com essa munhequeira proveniente disso, problema que dá no movimento repetitivo. É o alicate. Eu estou com dois meses fazendo tratamento nisso aqui. E aquela bateção de marreta a vida inteira... Então, hoje não, hoje tem martelete pra quebrar, tem lugares que cortam paredes com máquina. Facilitou muito. O maquinário ajuda, além de render o serviço, não tem tanto esforço a mão de obra. Como também, passando para o lado dos outros, antigamente se batia massa na enxada, hoje têm as betoneiras. Qualquer empreiteirozinho tem uma betoneira pra bater a massa, tanto concreto, como a massa pra reboco, pra tudo. Então, facilitou. O maquinário ajudou muito na construção civil, além do tempo que ganha e o pessoal também trabalha mais sossegado. Ninguém mais põe lata de concreto nas costas e sobe na escada pra levar. Tem equipamento quase pra tudo, hoje. Mesmo se você não tem, você aluga. Tem as empresas aqui que alugam tudo. Tudo, tudo o que você precisar.
Na parte elétrica também modernizou muito. O que eu vejo, antes era assim: eu vou falar pelo tipo do pessoal que vive hoje e que vive antigamente. Começar explicando por isso. Antigamente, em uma casa, você tinha cinco tomadas. Casa que morava um monte de gente, cinco tomadas de força, no máximo, na casa. Era uma lá na cozinha; uma na televisão, quando tinha; uma pra passar roupa... e era assim, só os interruptores, que às vezes nem tinha, ia na lâmpada e destorcia. Agora, todo mundo, ninguém quer fazer mais nada. O cara senta aqui na televisão e tem o controle. Ele entra no corredor, acende aqui e apaga lá. E tudo vai força. E os equipamentos aumentaram. Hoje tem liquidificador, tem micro-ondas... em uma cozinha que tinha duas tomadas, hoje você coloca 12 e às vezes falta tomada. Então, mudou muito por isso. Aí chega no ponto dos quadros. Antigamente, não tinha quadro porque eles faziam dois fios e ia puxando ali, liga tomada, liga luz, pronto, acabou. Não tinha carga também, era mínima. Agora, hoje, com ar condicionado, esses chuveiros bravos, micro-ondas, todos os equipamentos que uma casa tem, tem que ter o quadro, porque não dá pra ligar tudo num disjuntor só, porque aí não tem proteção, entendeu? O quadro é para isso. Você vem com uma alimentação X no disjuntor geral e dali você distribui carga por carga. Se você tem um ar condicionado, que puxa uma corrente de seis ampères, você vai pôr um disjuntor lá de seis, pra proteger o ar. É por isso o quadro de distribuição. Aí, conforme a sua carga individual, você coloca o disjuntor. Antigamente, não tinha quadro. Agora tem um quadro desse tamanho cheio de fio. Mas é justamente pra isso: pra ter proteção dos equipamentos.
Normalmente, a elétrica é o pivô dos incêndios, porque se encosta uma coisa lá, sai faísca... igual, eu estou trabalhando em um prédio ali, eu vi um negócio lá que eu vou ter que falar para o engenheiro. Tem um shaft, que eles chamam, que vem de cima embaixo no prédio. E ele não está sendo usado, é um prédio antigo. O que está dentro dele? Eu fui abrir um lugar lá pra ver se eu conseguia passar um fio, ele está cheio de papel que o povo está jogando, desde lá o 15º andar, cheio de papelão ali dentro. Uma faísca que der ali, aquele prédio vai inteiro. Entende? Eu ainda não falei com o engenheiro, eu deixei aberto, porque eu quero mostrar pra ele. Não é obrigação minha, mas é uma prevenção. Deixar o pessoal ciente que eles têm que limpar porque aquilo ali é um curto circuito só. Se não tiver nada, não vai acontecer nada. Acontece por causa disso, porque tem onde propagar. Senão, não aconteceria fácil.
Estou trabalhando como eletricista em Ribeirão Preto há 40 anos, conheci muita gente da construção civil, e tenho muito orgulho do meu trabalho, se eu for falar, eu já instalei prédio debaixo à acima. Eu fiz vários prédios, na Rua Rio de Janeiro, na Zé da Silva... Era responsável por tudo, tratava com tudo, desde a subestação de alta tensão. Tudo no prédio.
Eu tenho uma equipe, mas eu tinha que me responsabilizar por tudo. Se o cara fizesse uma coisa errada lá, eles iam vir era comigo. Então, eu já fiz vários prédios, já teve clubes que eu trabalhei aqui. Eu trabalhei em quase tudo aqui, desde igreja, bancos. Tem uma lojinha logo aqui perto, que hoje é banco e foi um dos serviços que eu achei, que eu senti que eu já era eletricista. Esse Ribeirão Shopping estava com seis meses, não tinha nada, dali pra frente não tinha casa, era tudo pasto isso aí pra frente. Aí montou uma loja de revenda de automóveis aqui que se chamava Nicodemos. Hoje nem existe, mas pra mim foi, eu falei: “Puxa vida, eu sou rei agora. Eu consegui sozinho fazer, instalar essa loja”. Ficou bonita aquela loja, tudo. Era pequena, mas para mim, até hoje eu recordo, foi o primeiro serviço que eu estava realmente sozinho, sabe? Que não tinha uma pessoa pra me orientar. Eu peguei o projeto e fiz todo. Então, essa Nicodemos foi uma das primeiras. Eu sempre lembro daquilo ali, toda vez que eu passo.
Eu não sei o que aconteceu com a loja, era de revenda de automóveis, ficou um tempo, mas acho que não deu certo, e depois o banco comprou o terreno. Não sei se o dono ainda é vivo, mas se falado em gente, já que eu posso falar disso, tem uns empreiteiros aqui que eu trabalhei com eles assim que eu cheguei, porque tem época que você fica sem emprego. Você sabe disso, que se você sai de um emprego, você não consegue arrumar outro... aí sempre eu tinha essa carta na manga. Esse Paulo José de Castro, que eu falei, que foi o primeiro empreiteiro que eu trabalhei aqui, e tem um outro que se chama Emílio Guedes Instalações Elétricas. Ele sempre falava pra mim: “Zé Reis, você pode ir pra outras firmas, pode trabalhar, mas a hora que você ficar sem emprego, você não fica sem serviço, não. Você me procura”. Então, esse cara eu fiquei até com vergonha dele, ultimamente eu não o procurei mais para fazer isso, eu tenho amizade com ele, porque eu ia lá, trabalhava com ele uns tempos, aparecia uma empresa grande, eu o largava na mão. Então, eu falei: “Não é justo”, mas ele sempre me apoiou. Emílio, um cara gente fina. Ele instalou mais de 50 prédios aqui na cidade. A empresa dele era boa, grande, e era uma pessoa boa também, que sempre me deu a mão. Nunca me deixou na mão. Eu também, o que eu fiz para ele, sempre que eu me comprometia a fazer, quando eu saía, não saía assim: “Estou saindo, estou correndo”. Não. Falava: “Aconteceu isso” e ele falava: “Vai lá. A hora que você voltar, eu estou aqui de novo”. Então, são figuras que eu tenho na minha cabeça, assim. Figuras que, a troco de nada, não eram parentes meus, vim conhecer aqui, mas que me ajudaram, sabe? Gente que eu tenho...
Ribeirão Preto é muito ligada ao agronegócio. É muito. Mas eu nunca trabalhei, assim. Eu trabalhei em usinas aqui, trabalhei em uma empresa lá em Sertãozinho e ela montava painel pra usina. Então, de vez em quando você saía lá, ia em uma usina, em outra, mas diretamente, no agronegócio, não. Trabalhei em usina, mesmo, lá em Minas, mas antes de eu vir pra cá, e foi coisa passageira também, mas no agronegócio eu não fui. Já fiz stand. Quando tem essa feira que tem aqui, às vezes as pessoas me contratam para ir lá montar um stand. Só assim também.
Eu sou autônomo, então eu trabalho pra qualquer um. Passo nota. Então, eu trabalho, por exemplo: instalo casa, eu terminei uma casa aqui faz uns dois meses, 650 metros a casa. Talvez eu vá lá para Alphaville, que tem uns projetos de umas casas. Então, eu não tenho parada. Trabalho para qualquer um. Às vezes, eu estou em uma empresa e a empresa me contrata pra fazer um serviço, bancos, shopping, na construção civil, corro atrás de tudo.
E tem trabalho que é difícil, aquela obra que deu tudo errado. Teve um clube que eu fiz aqui, o Clube da Beneficência Portuguesa, que nem terminou, até hoje, está parado. Era um clube para ser um dos melhores da região. Lá tinha tudo. Quadras... Eu não sei, só de quadras de tênis, eu acho que tinha umas 12. E era muita coisa: piscina de todo tipo, campos de futebol. Era uma empreitada muito grande, mas lá, não dava nada muito certo porque a gerência acabou não dando certo, não só pra mim, como pra eles lá, que não terminaram. Era uma obra que eu botava fé no começo, mas não deu certo. Era falta de pagamento, tudo, e eu contava muito com aquilo lá porque ia ser um cartão de visita pra mim, ia ser uma obra de grande porte, sabe? Mas essa não deu.
Sabe que, até hoje, eu gosto de ser eletricista. Eu faço porque gosto. E gosto de dificuldade. Eu não gosto muito de fazer o que eu tenho feito, que todo dia eu faço, não. Às vezes, tem um amigo meu que trabalha comigo há uns 15 anos, que fala assim: “Você é louco! Um troço aí que ninguém quer, todo mundo está achando difícil e você vai pegar pra fazer?” Eu gosto de coisa assim, sabe?
Agora mesmo, onde o Roberto me levou, nesse prédio, ele era almoxarife lá nessa época. Eles estavam com um problema, a construtora não era daqui, era de Goiânia, quase não conhecia ninguém por aqui. Levaram um pessoal lá pra fazer orçamento e pegar o prédio deles, eles já tinham feito o esqueleto do prédio até em cima, estava na última laje e não tinham feito parede, não tinha feito nada e tava tudo errado. É que, normalmente, é assim: a laje, os alicerces já ficam embaixo, você tem que soltar as mangueiras que vão descer no lugar certinho, pra cair na parede. Aquele lugar que eles soltaram as mangueiras tinha 60 centímetros longe da parede, no concreto. Aí todo mundo chegava, olhava aquilo lá e falava: “Tchau. Não quero isso aí”. Ninguém queria porque... aí o Roberto me levou lá, eu olhei aquilo e falei assim: “Eu vou encarar isso aqui”. Fui lá, conversei com o engenheiro, acertamos o valor, aquelas coisas tudo, aí eu chamei esse rapaz que eu estou te falando que trabalha comigo faz tempo, pra mostrar pra ele e ele falou: “Eu nem vou vir aqui com você. Você não vai dar conta desse prédio de jeito nenhum. Olha como é que está isso aí. Isso aí está tudo errado”. Deus ajudou que, graças a Deus, entregamos o prédio, acertamos tudo e nunca me deu trabalho. Eu voltei lá durante o tempo da garantia do prédio, duas vezes porque queimou um contator da bomba de recalque. Nunca deu nada. 64 apartamentos, 15 lajes. Esse era pra ter dado errado, porque começou tudo errado. A gente acerta, né? A gente vai dar um jeitinho e acerta. Então, eu gosto de coisinha assim, meio bagunçada, sabe? E realmente nunca pensei em mudar de profissão, nunca pensei. Eu demorei a achar essa profissão de eletricista, porque eu fiz um monte de coisa antes, mas a hora que eu peguei o gostinho... se Deus quiser, só quando eu não puder trabalhar mais. Aí não tem jeito.
Ribeirão Preto, desde que eu cheguei aqui, mudou muito, muito, muito. Eu moro na Vila Tibério, lugar onde eu cheguei e que moro até hoje. Estou há 41 anos no mesmo bairro. Moro em um pedacinho ali. Não saí do quarteirão (risos). Meus filhos cresceram todos ali.
Vila Tibério. É um bairro que está mais ou menos igual desde quando eu cheguei, é um bairro antigo, um dos primeiros. Os bairros que tinham eram: Campos Elíseos, Vila Tibério, Vila Seixas, tudo em volta do Centro. É um povo muito tradicional. A maioria descendente de italianos, onde fica a sede do Botafogo, encostadinho onde era o antigo campo do Botafogo.
Eu agradeço muito. Por falar de Vila Tibério, vou falar uma coisa boa: eu agradeço ter vindo pra ali, sabe por quê? O povo é muito bom lá. Me ajudou muito porque eu fiquei viúvo com as crianças ainda pequenas. E me ajudaram a criar meus filhos. Naquele quarteirão que eu morava, eu moro encostadinho, os vizinhos, vou contar uma história: eu fiquei viúvo e eu tinha que viajar pra trabalhar. As minhas vizinhas iam em reunião de escola pra mim. Então, foi um pessoal que me deu a mão, mesmo, e até hoje eu tenho uma amizade de trocar figurinha ali. Qualquer coisa que eles precisam, eu corro atrás pra eles. Então, eu agradeço a Ribeirão e a Vila Tibério, sabe? Porque aquele povo ali me ajudou muito. Por isso que até hoje a gente não conseguiu sair de lá (risos).
Quando eu cheguei ali, me falaram: “Você toma cuidado que lá você vai morar em um bairro que nem gente da minha cor não tinha muito ali”. Até hoje não tem. São poucas famílias de negros na Vila, mas eu não sei, foi ao contrário. Até hoje nós somos muito bem tratados, eu e meus filhos, que a gente mora tudo ali, está tudo lá. E nunca tivemos problema de racismo com ninguém. Ajudaram muito a gente ali. Muito, mesmo.
Minha esposa ficou doente. Na realidade, ela faleceu em 1987. Meu filho mais velho tinha 13 anos e a caçula seis. E ela não estava doente. Quem estava doente era eu. Eu tive uma úlcera e fiquei dez anos cuidando daquela úlcera. Tinha dia que eu estava no serviço, rolava no chão de dor. Aí, em 87, agravou mais. Eu estava internando de dois em dois meses. Vomitava sangue, fazia aquele monte de coisa. Aí, eu fiz uma cirurgia no meio do ano e Deus ajudou que dali pra cá nunca mais senti nada. E ela sempre tranquila. Quando foi no final do ano, em dezembro, deu uma parada cardíaca nela fulminante. Ela acabou de jantar junto comigo, nós estávamos lá, e ela tombou de lado, meu cunhado estava junto também, a gente a pôs no carro e, de lá, da Vila na Beneficência, é pertinho, mas segundo o médico, ela morreu na hora. Ela tinha Chagas e então diz que nessa idade a parada cardíaca que dá não tem conserto. Então, fiquei com as crianças tudo pequenininhas lá. Só depois de um tempo minha sogra veio. Só estava eu em Ribeirão, agora veio quase todo mundo de Passos, vieram os filhos dela, mora todo mundo aí. Mora todo mundo na Vila, Sumarezinho, tudo ali encostadinho. Para se ter uma ideia, só aqui morando, minha sogra tem 39 netos morando aqui em Ribeirão. Olha só! Veio quase tudo, está tudo aí.
Ribeirão era pequena, e aí cresceu, começou a crescer na correria porque foi bairro pra todo lado. A hora que acabava a Vila Tibério, era pasto. Era fazenda, não tinha mais nada. Agora, hoje, onde era pasto é tudo bairro. Monte Alegre foi para esse mundo afora todo ali. Eu trabalhei muito quando começaram as primeiras COHAB, trabalhei nas COHAB, fazendo casa de COHAB também, instalando casa de Cohab. Trabalhei em um monte de conjunto por aí, eu conheço tudo. Trabalhei aqui. Trabalhei na Transerp, quando instalou os ônibus elétricos também, fui eletricista da prefeitura três anos também.
O trabalho na prefeitura foi diferente. Era outra coisa. Nada a ver com a construção civil, nem com a indústria. Era instalação de rede de rua para os ônibus elétricos. Foi uma época, a gente conseguiu fazer a malha principal de linha, a gente fez. Fez lá da garagem, fez do Centro, HC, Iguatemi, Jardim Independência... Mas não foi um trabalho legal porque, na realidade, ninguém conhecia esse trabalho aqui. Não tinha eletricista que conhecia esse trabalho. Vieram de Brasília três pessoas que eram eletricistas acostumados a fazer esse tipo de serviço. Vieram como encarregados, que tinham feito em Pernambuco, em Brasília, em São Paulo e vieram pra orientar a gente. Ensinar a gente a trabalhar. E ficaram aqui e a gente começou a fazer, mas um trabalho completamente diferente, porque é outra coisa. Era trabalho de posteação de rua, pra passar cabo de rede, trabalhar no centro da cidade, a noite, tinha que trabalhar a noite inteira, mais sábado e domingo, e sempre a noite porque, com o trânsito, você não conseguia trabalhar no centro da cidade. Mas foi bom, foi uma experiência boa. Depois peguei mais um outro tipo de serviço, mas durou pouco, saí rápido. Eu fiquei três anos e caí fora.
E na época não foi concurso, não. Lá não foi concurso porque eles estavam precisando de gente e eles fizeram um tipo de teste; eles estavam precisando com urgência, eu passei, fiz uma ficha, que eu vi no jornal. Eu estava trabalhando em um conjunto da COHAB lá em cima, no Avelino Palma, foram lá me chamar: “O pessoal da Transerp te chamou”. Eu fui lá, fiz uma entrevista, fiz meus conhecimentos lá com poste, esse tipo de serviço que a gente tinha e foi contratando. Porque na realidade, o serviço eles iam ensinar, mesmo. Tinha que ter uma noção de elétrica, tudo, mas como ia ser feito dali pra frente, daqui de Ribeirão ninguém sabia. Aí a gente, rapidinho, todo mundo aprendeu, porque é muito simples, é um serviço também que não tem muito segredo, não.
Agora, eu tenho ensinado bastante gente, graças a Deus, passando meu conhecimento. Tem muito moleque por aí que trabalhou comigo há alguns anos e hoje está trabalhando por conta, estão em outras empresas. Graças a Deus, tem muita gente. Tem um moleque que trabalhou comigo dez anos. Nós rodamos, fomos pra São Paulo. Ele chama Fabiano Valcris. Hoje, ele está em uma empresa, ele falou: “Agradeço o que você me ensinou, hoje está servindo pra mim”. Ele também trabalhou em São Paulo, Campinas, Cotia. Nós rodamos aquela grande São Paulo ali, ficamos lá na Academia da Força Aérea dois anos fazendo serviço lá. Então, ele é muito aplicado, ele gosta, aí ele aprendeu bem. Tem outros aí, tem um monte de moleque. Outro dia mesmo, eu encontrei um moleque que fazia anos que eu não via, ele trabalhou comigo em 1996. E eu nem lembrava dele mais porque ele era magrinho... Um dia eu passei e estavam fazendo uma obra lá e ele gritou: “Oooooi”. Parei. “Você não lembra de mim? Trabalhei com você, ajudante seu, lá em tal lugar, sou o Janderson”. Falei: “Não lembrava. Naquela época você tinha 18 anos, magrinho, agora você está dessa grossura, barbudo, careca. Não tem como lembrar de você”. Aí ele me levou lá dentro e falou para os caras: “Esse aqui que me ensinou, não sei o quê”. É bom, está trabalhando. Agora eu o tenho no Face, de vez em quando a gente troca figurinha, ele fala: “Estou em tal trampo”. E, graças a Deus, tem bastante gente que eu passei. Eu acho assim: você vai trabalhar com uma pessoa, você tem que explicar pra aquela pessoa o que você está fazendo. Não adianta você falar: “Faz isso, faz aquilo”. Eu acho que assim não funciona. “Nós vamos fazer isso aqui, por causa disso e por causa daquilo”. Pôr a pessoa a par do que está se passando. Uma pessoa que tem vontade, aprende, sabe?
Tem muita gente que não gosta de passar o conhecimento. Hoje, já não é bem assim, mas quando eu comecei tinha. Quando eu comecei tinha gente que não gostava, não. Você estava em um lugar, quantas vezes você chegava, você ajudante, e o projeto estava em cima da mesa e eles estavam discutindo o projeto. Você chegava perto de lá, eles fechavam o projeto pra você não ver. Eles tinham medo de você aprender e tomar o lugar deles. Hoje, não. Hoje, quanto mais gente souber, melhor. Hoje não tem mais isso, não. Estavam preocupados com o emprego, mas não é bem assim. Eu acho que o que está aqui, ninguém tira. Então, você vai passar para o outro, não tem problema.
Eu fiz vários cursos, e a base nunca sai, a base é a mesma. Mas tem coisas novas porque, hoje em dia, se o eletricista não atualizar, pesquisar um equipamento novo que vai vir... eu já tenho passado por isso. Eu trabalhei com uma empresa aqui que chama Craftbol. Vamos falar dela porque eu trabalhei pra eles 21 anos. Craftbol é aqui de Bonfim Paulista. Inclusive, sou muito amigo do dono lá. Ela já está meio parada agora porque ele, ultimamente, trabalhava pra Igreja Universal. E a gente acompanhou essa empresa aqui no interior de São Paulo, por quase tudo quanto é cidade. E naquelas beiradas de São Paulo: São Caetano, Diadema, Cotia, Jundiaí. Aqueles miolinhos a gente fazia tudo. Mas o povo tem essa mania, hoje está com uma mania assim: eles não gostam de pagar engenheiro. A maioria das empresas não querem pagar um engenheiro eletricista. São poucas as que têm. Então, eles trabalham mais com técnico. Eles mandam o engenheiro assinar e assumir, mas só faz aquilo no papel. Depois... e essa empresa Craftbol me usou esse tempo todo porque nem técnico eles não tinham contratado deles. Eu que fazia esse trabalho pra eles de levantar material, até para ajudá-los a fazer orçamento. Eu ia com eles em São Paulo, enquanto eles estavam lá conversando, eu relacionava tudo, mas trabalhei para eles 21 anos, trabalhando pra esses caras lá. Mas esse cara também me ajudou muito. A gente tem um relacionamento bom. Fui empregado deles. Trabalhei registrado com eles só quatro anos, depois eu era empreiteiro deles, prestava serviço pra eles, mas ficou esse tempo todo. A gente também pegou uma experiência muito boa. Porque ele trabalhava para prefeitura: quadra, tudo que a prefeitura tinha ele fazia, e eu fazia pra ele. Depois pegou esse problema com a igreja e a gente começou a apanhar as igrejas. E a gente teve problemas.
Se você não sabe a base de elétrica você não vai conseguir fazer, mas se você tem a base, você vai... A base é o seguinte: é como o alfabeto, pra quem está aprendendo a escrever. Se você não conhece todas as letras, você não consegue formar palavras. É a mesma coisa na elétrica. Se você não conhece a relação de, por exemplo: fase, neutro, terra, essas coisas todas, bifásico, trifásico... essa é a base da elétrica. Tem que saber, se juntar um fio com o outro, o que dá, o que pode acontecer. Então, se você tem essa base, é fácil você fazer qualquer coisa. Aí, qualquer equipamento novo que você pegar, tem o esquema, como a gente fala. O projeto dele. Você tendo a base, você acompanha aquele projeto. Se você não tem a base, você não sabe como vai fazer. Não tem a base. Agora, eu já peguei coisas sem base. Por exemplo: eu fui uma vez em Cotia e os caras iam montar um gerador que compraram usado e os caras cortaram os fios todos, foi só a carcaça. Falaram assim: “Você consegue fazer isso?” Eu falei: “Se você me dar o projeto, eu consigo” “Nós não temos projeto. Como que eu sei o projeto?” Falei: “O que vocês querem de mim? Tem que chamar um engenheiro eletricista pra fazer o projeto, pra eu executar” “Não sei o que, não sei o que” - Arrumaram um rolo lá. Aí o cara veio e falou comigo: “Você não consegue fazer isso” Eu falei: “Não. Espera aí. Vocês não têm, mesmo?” “Não tem” “Eu vou ver se eu consigo, mas eu não posso falar nada”. Aí eu fui lá, o que eu fiz? Tirei a placa de todo o equipamento, que estava a placa do fabricante. Tirei, anotei a série, anotei tudo e pus em um caderno. Aí eu tinha ido com os donos da empresa daqui, lá, pra fazer esse orçamento, lá em Cotia. Aí eles vieram: “Será que nós vamos pegar aquele lá?” Eu falei: “Gente, vocês estão confiando em mim, vocês tinham que vir por outras vias, vocês tinham que estar com o projeto”. Cheguei aqui e falei para o cara no escritório: “Está vendo essas placas aqui do fabricante? Liga lá e pede, desse equipamento, que vocês querem o projeto, que eles passem, nem que seja cobrado, mas se eles fizerem o projeto, vocês conseguem pegar o serviço”. Aí o cara ligou lá, a fábrica tinha fechado. A Stemac a comprou. Aí ligamos na Stemac, a Stemac falou: “Nós não fabricamos mais esse gerador porque ele é muito antigo. Mas a gente tem um projeto aqui”. Mandaram o projeto, sem nada, cheguei lá, aí os caras de lá: “Mas como é que você conseguiu?” Simplesmente a gente foi atrás da coisa certa. Tem isso tudo, tem hora que você tem que pensar, porque senão, você não consegue fazer. Daí pra frente a gente...
Você tem que saber, porque não adianta. Eu falo para os meninos novos, o pessoal que trabalha comigo, esse pessoal que sai da escola, sai do Senai, do curso de eletrotécnica, eu trabalho muito com rapaz assim. Eles têm uma teoria muito boa, mas não tem prática. Eu falo: “Calma, gente, não chega querendo fazer, não. Analisa primeiro, porque às vezes, aquilo que está escrito em um lugar, não dá para ser feito na prática. Você tem que mudar alguma coisa. Aí que vem a prática. Vamos começar primeiro, vamos analisar”. Eu já fiz, já aconteceu comigo um fato desses. Eu fiz um orçamento pelo projeto aqui em Ribeirão, pra fazer uma obra lá em São José do Rio Preto. E estavam pedindo uma tubulação em um salão, que era um banco, Banco Sudameris, nessa época, muito grande e tinha uma tubulação que corria em volta, tudo. Pelo projeto, o projetista não pôs viga, não pôs nada, estava tudo reto. Falei: “Isso aí é canja de galinha”. Aí eles falaram: “Por quanto você vai fazer?” Já dei o orçamento do outro, dei o orçamento dessa tubulação nova que aparecia. Eu falei: “Eu faço por tanto”. Cheguei lá, tinha pilar dentro do prédio que dava 30 centímetros pra fora da parede, de quatro em quatro metros. Então, você tinha que fazer assim, tudo.
Essas coisas acontecem, principalmente em reforma. Reforma a gente não consegue... se o cara que fizer o levantamento não foi lá para ver direitinho, você acaba levando tinta porque não é bem aquilo, não é o que é de verdade. Você tem que fazer aquilo que o prédio deixa, não aquilo que você quer. Porque não pode mexer na estrutura do prédio. Igual, eu estou fazendo um serviço ali, uma reforma, está no subsolo e no térreo do prédio. E nada do que eles falaram pra mim está dando certo. Eu estou tendo que mudar tudo, só que aí eles já me deram carta branca: “Vê o que você pode fazer”. Só que tem que ser feito. Daí a gente dá um jeito.
Hoje tem muito dessas fiações aparentes da elétrica, sabe por quê? Porque é o seguinte, um exemplo: Lá no campus da USP eu faço muito serviço. Agora não tem mais nada embutido. Tudo, lá, tem que ser aparente. Um exemplo: eu instalo um laboratório, com mesas, com uma coisa aqui tudo em volta. Aí fica um canto vazio lá da sala. Nisso, eles resolvem pôr mais duas bancadas. É só continuar aquela tubulação aparente e levar para as duas bancadas. Agora, se é embutido, tem que quebrar a parede, tem que fazer não sei o que, tem que vir pedreiro, tem que vir pintor...
Essa é uma tendência, e é em todo lugar. Eu trabalhei quatro anos, esses últimos tempos agora, com a Faculdade Anhanguera e a gente fez aqui em Ribeirão; eu fiz lá em Minas, Itabira; fizemos lá em São Paulo, em São Caetano; fiz em Caxias do Sul, lá no Rio Grande do Sul, fizemos a última lá em Pelotas, é tudo aparente, não tem mais nada. Só não é aparente em residência, porque fica feio, mas falou que é comercial, industrial, hoje em dia, a tendência é tubulação aparente.
Na minha vida profissional, eu quase não tive problema com o empreiteiro, dono da obra. Primeiro, eu tenho respeito. Se você está lá como responsável, eu vou chegar lá e te tratar como responsável. Eu vou chegar e falar: “Aqui, eu estou chegando, você vê o que tem que ser feito. Eu estou com um projeto, mas eu quero a necessidade que você tem, o que você quer que eu faça primeiro”. Então, você tem que pôr na cuca, pra já não chegar criando atrito. Normalmente, vai tudo bem, graças a Deus, vai tudo bem, mas a gente vê muito atrito, principalmente quando tem um lugar que uma pessoa quer mandar mais que a outra. Aí não corre, aí não anda. Aí acaba nenhum dos dois andando, fica tudo no mesmo lugar.
Eu nunca trabalhei com uma eletricista mulher, mas já vi. Eu vejo aí falando. Tem eletricista mulher. Embora que eu acho que a mulher... não sou machista, acho que a mulher pode fazer tudo, mas acho que tem serviço de elétrica que ainda não é pra mulher: serviço de acabamento, por exemplo. Tudo bem, a mulher pode fazer, mas quando chegar, igual, a gente precisa fazer, pegar uma valeta pra furar, uma valeta dessa altura, que a gente tem que fazer, de vez em quando tem que pegar. Uma valeta pra passar uma tubulação embutida no chão, aí eu acho que ainda não é serviço pra mulher, né? E tubulação muito pesada também, tem hora que a gente faz tubulação de quatro polegadas, que é isso. Um cano daquele ali pesa pra caramba. Furar lugares altos é desconfortável. Tem isso tudo. Mas essa base aí acho que as mulheres ainda não vão. Isso aí é mais a parte da infraestrutura da elétrica.
Eu trabalho muito ainda porque às vezes tem empresa que faz rede de dados, pra dar um exemplo, faz tudo da rede de dados, mas eles não têm gente pra fazer a tubulação aparente, aquela coisa toda. Então, eu pego esse serviço deles pra fazer. Às vezes, eu pego só a tubulação aparente, eu faço e os caras já começam na preguiça: “Você não quer passar o cabo pra nós?” Eu já passo o cabo. Então, aí, no fim, você acaba... vai indo (risos). Mas ajuda porque a gente não fica sem trabalho. Tem cara que fala: “Não, eu não vou lá fazer só a tubulação. Eu quero fazer é tudo”, mas às vezes o cara já pegou tudo, ele está passando a tubulação que ele não pode fazer. Então, eu levo por aí. Não tem nada a ver com o cara. Quero saber de ganhar o meu. Se ele me pagou pra fazer, eu faço.
Dos meus filhos, ninguém se interessou pela elétrica. Pra ter uma ideia, todos os meus quatro filhos trabalham na área de saúde. Eu tenho o mais velho, que é homem e as três meninas. Todos os quatro trabalham na área da saúde. Ele é farmacêutico e tem uma do meio que é farmacêutica também. Tem uma outra que é fisioterapeuta e a outra trabalha em uma farmácia. Então, ninguém está nessa área. Ninguém quis aprender, não. E quando dá um problema em casa sou eu mesmo que dou um jeito.
As três meninas moram comigo. Menina moça, já está tudo velha, já. São solteiras, então moram todas comigo. Casado só o mais velho, que saiu faz tempo. Está aqui em Ribeirão. Já está velho, casado de velho, já tenho neto com 19 anos, já. O filho dele já está com 19. Tenho três netos.
Minha empresa, hoje, é uma Simples nacional. Eu tinha uma outra empresa, tinha uma sociedade, a gente fechou porque o imposto dela era muito caro e o serviço começou a ficar pequeno. Quando o serviço era maior... Depois que eu aposentei, falei: “Vou abrir uma Simples pra mim”.
Não estou bem aposentado, não, mas... (risos) Continuo trabalhando. Mas eu acho que, mesmo que se eu estivesse bem aposentado, eu estaria trabalhando. Eu gosto de trabalhar, eu não tenho muito... eu não consigo ficar muito paradão.
Eu sou um cara meio simples, sabe? Não tenho, assim, ambição grande. Eu gosto de viver bem. Bem do meu jeito, né? Eu tenho minhas coisas simples, mas tenho o que quero, dou meu jeito pra pagar minhas continhas que eu tenho e paz de espírito. Pra mim, o meu maior bem é a paz de espírito. Eu fico satisfeito, graças a Deus, lá em casa, quando está tudo em paz. “Vamos decidir isso?” “Vamos”. E até na família, porque a gente é muito família. Meu sobrinho não sai lá de casa. Então, tem hora que eu falo: “Não sou pai de vocês, não”, mas eles falam: “Mas nós temos confiança”. Então, eu tenho aquela amizade com todos. Tanto os meninos, como as meninas. E é muita gente, sabe? Tem uns que estão lá em Brasília, estão lá em Campinas, pra todo lado, lá em Passos. Mas graças a Deus, quando eu olho, a família está toda em paz. Graças a Deus! O tanto de sobrinho que eu tenho! O tanto de coisa. Está uma crise de desemprego. Você sabe que está. Eu vou te dizer, sinceramente: o meu sobrinho mais novo, que é o Lucas, está trabalhando. Não tem uma pessoa desempregada.
Então, isso, para mim, é paz porque eu sei como é difícil, porque eu já fui desempregado, quantas vezes! Eu sei como é isso, sabe? Então, meu sonho é levar uma vidinha tranquila. O pessoal de Minas fica bravo comigo: “Vem, volta pra cá”. Minhas tias, meus irmãos que estão lá. Tem dia... dá 170 quilômetros daqui lá em Passos, onde eles estão. Tem dia que eu passo dois anos sem ir lá (risos). Eles estão bravos comigo. Minha tia falou: “Depois que eu morrer, não vem me visitar, não” (risos). Mas é assim, mesmo. Eu me comunico com eles todo dia, mas o sonho meu é muito simples, como eu estou falando: levar uma vidinha tranquila porque hoje está muito... a gente, graças a Deus, não tem nenhum cara preso, não tem problema com drogas. Então, eu acho que isso aí, pra mim, é uma riqueza. É o que a minha sogra fala: "A riqueza vem de muitas maneiras. Às vezes, Deus dá uma riqueza que a pessoa não sabe o que é”. É uma velha com 97 anos, ainda vai para os bailes. Ela falou: “O que eu quero mais? Eu não quero mais nada”. Então, cada cabeça é uma cabeça. Ambição grande eu não tenho, não. A gente trabalha, a gente quer... você sabe que o ser humano é assim: sempre você quer alguma coisa, né? Senão..., mas não é grande coisa, não (risos).
Às vezes, tem coisa que a gente faz que não deu certo, e a gente fala: “Se eu tivesse feito diferente...”, mas eu acho muito difícil porque mudar não tem jeito. Já passou, mesmo. As minhas coisas, para eu falar a verdade, arrependimento é dinheiro que eu perdi de bobeira. Isso aí eu já perdi: dinheiro de bobeira. Eu não sou bom de negócios. Tem gente que tem visão pras coisas, né? Eu nunca fui disso, nunca tive boa visão. Eu gosto de trabalhar, mas pra negócios eu nunca fui... Eu tive uma oportunidade aqui de ter... perdi dinheiro. Vou dar um exemplo, só um pequeninho: eu fiz um prédio ali na Rua Rio de Janeiro e, antes, fazendo o orçamento, o dono da construtora falou pra mim: “Vamos fechar a elétrica aqui por um apartamento, nós fechamos agora”. Aí eu tinha um sócio: “Nós queremos dinheiro. Vamos pegar apartamento coisa nenhuma”. Falei: “João, mas nós temos mais trabalho, nós não precisamos desse orçamento aqui pra... nós estamos em outros prédios, outras coisas que estamos fazendo...”. Então, isso que eu falo pra você de arrependimento. E naquela época era 29 mil um apartamento com três dormitórios, apartamento bom, mesmo. Grande. Era 29 mil. E a gente fechou o orçamento do prédio por 25 mil. E ele dava um apartamento pra gente, pra gente fazer tudo. A gente não quis. Quando foi na entrega do prédio, estava valendo 110 mil. Aí que eu falo que eu não sou bom de negócio, sabe? Essas coisas, só isso. Mas o resto não tem arrependimento, muito, não.
Mas veja como é que é. Foi por curto prazo, né? Porque aí cresceu, o prédio ficou bonito, o preço subiu rapidinho. A gente poderia ter ganhado muito mais. Ganhamos 25 mil. Pelo menos nunca mais precisei ficar indo para o interior, só com uma mochila nas costas, não, graças a Deus, não. Eu andei muito depois que eu mudei pra aqui, mas a trabalho. Viajei muito. Pra ter uma ideia, eu trabalhei no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, voltei pra Minas, pra trabalhar em Minas, trabalhei em Goiás, em Brasília. Morando aqui, depois. Aqui no estado de São Paulo nem se fala. Essas cidades em volta todas: Rio Preto, Bauru, Jaú, Botucatu...
A gente sempre ia na segunda, de madrugada, voltava no sábado. Mas uma vez eu trabalhei em Florianópolis, e a primeira vez que eu fui pra lá fiquei três meses sem vir em casa. As crianças eram pequenas. Depois eu vim, a obra terminou mais um mês e meio, aí, depois disso, já voltei pra Florianópolis de novo; já fui pra Caxias do Sul, lá no Rio Grande Sul, fui pra Pelotas... aqui em São Paulo nem se fala, essa região ali da beiradinha de São Paulo ficava um mês, fui lá pra Itabira, pra frente de Belo Horizonte... As viagens fazem parte da construção civil, faz parte porque é longe, não dá pra vir. Não tem como. Principalmente, na faculdade. Quando é férias, época de férias, tanto a do meio do ano, como a do final do ano, a construção civil pega porque é fazer laboratório novo, sala de aula, aquela coisa toda. Então, a gente entrava, ultimamente, sete horas da manhã e só parava às dez da noite. E sábado e domingo também. É aquele batido, sabe? Eu fiquei 75 dias lá no Rio Grande do Sul sem vir em casa, trabalhando direto, sábado, domingo...
Esse ritmo da construção civil não era só pra nós. Todo mundo fazia. Quem está demolindo, estava ali; quem está fazendo parede, estava ali; quem está fazendo encanamento de hidráulica, está ali... Tudo tem prazo e tem que entregar. Nós, da elétrica, tem que fazer tudo: a bancada, tomadas, ar comprimido, tudo que o laboratório precisa. Cabo de rede, internet, tudo que vai ali, tudo faz parte.
Eu viajei muito, mas só trabalhando. De lazer, mesmo... (risos)... poucas vezes. Tem uma história que eu vou contar, de Brasília. É relacionada ao serviço, mas eu trabalhei com um pessoal aqui que a mulher era funcionária da Receita Federal de Brasília, mas ela estava trabalhando aqui, na Receita Federal e eles são muito ricos, tinham vários apartamentos aqui. Aí me contrataram para fazer uma reforma no apartamento. Acabou aqui, o cara falou: “Você não quer reformar um apartamento pra nós em Brasília?” e eu falei: “Mas eu não sei como eu faço orçamento daqui em Brasília. Eu não vi o apartamento” “Eu te dou os dados aqui”. Ele era um cara esperto. Eu falei: “Eu vou pegar esse cara agora: vou cobrar bem caro dele e vou lá em Brasília ganhar um dinheiro”. E era caro, mesmo. Ele me deu um desenho, mais ou menos, do apartamento, o que ia ser feito lá, eu fiz as contas certinho da minha estadia lá, comida, tudo, chutei, joguei em cima, tudo, ali e falei: “Eu vou pegar esse cara agora e falei: ‘Eu faço por 13 mil e quinhentos, esse orçamento desse apartamento’”. Isso faz tempo, muito tempo. Era um dinheirão naquela época. Ele falou: “Está feito”. Pensei: “O troço não é difícil. Os caras pechincham, fazem uma coisa, fazem outra”. Na hora que ele falou: “Você vai com a minha esposa pra lá, papapa, assim e você não vai gastar nada”. Ainda me fez treze e quinhentos! “Você vai pousar no apartamento, eu vou te pagar a comida lá, tal, tal”. Falei: “Esse cara está muito bonzinho, mas eu vou, já tratei” (risos).
Fui com a esposa dele. Chegamos lá, quando eu estava chegando, eu liguei para o meu cunhado, esse que foi para o Exército comigo e falei: “Estou chegando em Brasília”, “Veio passear?”, “Não. Vou vir trabalhar” Ele falou: “Você está onde? Vai ficar onde?” Eu dei o endereço pra ele e ele falou: “Está bom”. Eu cheguei lá no apartamento, saímos de madrugada, chegamos lá três horas, com a mulher dele lá, fui lá, um pedreiro daqui já estava lá, vou arrumar um lugarzinho pra dormir quietinho, aí meu cunhado ligou pra mim: “Estou embaixo no prédio te esperando. Você não vai dormir aí. Você vai dormir na minha casa. Todo dia você vem, eu trago minha filha para o serviço”, ela trabalhava na Caixa Econômica e ele tinha um táxi, já tinha reformado do Exército e ele trabalhava só disso. “Você vem comigo de manhã e à tarde nós voltamos embora. Você não vai comer nem dormir aí”. Eu falei: “Fazer o quê?” Eu falei com ele: “Eu vou pra casa do meu cunhado”. Aí eu falei: “Eu peguei o cara, cobrei caro dele, não sei o que, não sei o que”. Aí, quando eu estava no meio do serviço, o porteiro me chamou, lá, do prédio e falou: “Oi. Não tenho nada a ver com a sua vida, não, mas eu tenho aqui um relacionamento. Eu não quero nem saber quanto você cobrou dele pra fazer a reforma do apartamento, mas eu vou te passar três orçamentos que eu que entreguei pra ele, daqui de Brasília”. Me passou os três orçamentos. Sabe qual era o mais barato? 28 mil. Você vê: eu achando que o estava pegando e fiz quase pela metade do que era o serviço lá em Brasília.
Aí você vê a coisa onde você não tem noção, de onde você está, em um lugar e do outro. Quando eu terminei o apartamento, ele queria que eu ficasse lá, falou: “Fica aqui que eu vou pegar serviço e vou passar pra você”. Eu falei: “Não, eu não posso ficar”, mas ele me falou a verdade: “Você fez barato pra mim”. Tanto que ele pagou ônibus bom pra mim, me deu uma gratificação, mas aí você vê que você não tem muita noção da coisa. Eu baseei pelo preço daqui, pelas coisas que a gente fazia aqui, mas a realidade lá é outra história, Brasília. É caro, as coisas lá, mas a mão de obra lá é outra coisa, né?
Quando eu não estou trabalhando, eu vou à igreja, gosto muito de um pagodinho, sabe? Eu vou. Minhas filhas. Eu tenho uma filha caçula que ela vai e eu vou nesses shows com ela, vou nesses pagodes, essas coisas. Estou sempre andando. Deu folga... Futebol eu dei uma parada. Eu quebrei o pé há uns tempos e dei uma parada, mas até faz pouco tempo ainda jogava na quadra com a velharada. Eu estou querendo voltar de novo, mas minhas filhas: “Não, pai, para com isso”. Mas os meus amigos estão todos da minha idade. Tem um monte de gente da minha idade na Vila ali...
Para terminar, eu gostaria de... tem uma foto da minha sogra lá que está um pouquinho da nossa família, mas deve ter umas 60 pessoas. Foi uma feijoadinha que a gente fez e essa foto está ela na frente, ali vai dar pra ver netos, filhos, todos assim. É grande, é muita gente que está na foto. Eu tenho um cunhado que tem uma chácara e a gente sempre faz esses encontros. Quando não tem nada, é uma feijoada, eu sou o cozinheiro lá. Eu faço a feijoada.
Minha família gosta de se reunir. Até pra comer cachorro quente a gente gosta de se reunir, e quando chega essa época, o povo começa a me cobrar a feijoada: “Por que sua feijoada não sai? Você não vai fazer mais?” E a gente já fez uma conta lá e vai dar muita gente. No mínimo 150 pessoas porque tem a família, os namorados de não sei quem, os amigos das minhas filhas, da faculdade, e não sei o que, e vai atrelando gente, vai juntando. Então, agora, a gente já vai ter que alugar um lugar. Mas eu estou acostumado a fazer, já fiz feijoada pra 180 pessoas. Então, isso aí não me assusta, não. A gente vai fazer uma agora, mas essa da foto é a do ano passado.
Na casa da minha sogra a gente se une à toa, tem dia que a gente fala: “Vamos fazer uma coisinha aí”. Nunca se vai na casa dela, ou na minha casa, nunca pense em menos de 50 pessoas. É só chegar. Não tem jeito.
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