P/1 – Geraldo, a gente começa perguntando o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Geraldo Garducci Júnior, eu nasci no dia 24 de setembro de 1961, na Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Vivi praticamente a vida toda nessa cidade de São Paulo, tive algumas mudanças...Continuar leitura
P/1 – Geraldo, a gente começa perguntando o nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Geraldo Garducci Júnior, eu nasci no dia 24 de setembro de 1961, na Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Vivi praticamente a vida toda nessa cidade de São Paulo, tive algumas mudanças de residência para o interior de São Paulo e periferia, mas o principal foi aqui mesmo.
P/1 – Vamos voltar um pouco antes, no nome de seus pais e a atividade deles.
R – O nome da minha mãe é Odilia Ruiz dos Santos, ascendência espanhola. O meu pai, Geraldo Garducci, ascendência italiana. Meus pais nasceram no interior. Por parte de mãe, os meus avós eram Carmem Ruiz dos Santos e José Rodrigues dos Santos. A minha avó, descendente de espanhóis, também. O meu avô é baiano, conhecido na região, inclusive, como “baiano testa chata”, fala grosso. Por parte de pai, ascendência italiana, é o meu avô João Garducci e a minha avó, falecida, eu não a conheci, ela faleceu bem antes de eu ter nascido, chamava Dolores Colombari. Por conta disso, inclusive, eu estive há poucos dias no Museu da Imigração, porque eu me interessei em procurar a data de chegada deles. Estou para ir lá a qualquer momento pra fazer isso, que é uma pesquisa. Já fui uma vez para conhecer, tentar buscar esses fatos, mas havia um horário diferenciado e vou ter de voltar novamente no horário certo pra pedir a pesquisa pra eles. Eu sei que os meus avós, por parte de mãe, que eu tenho a ligação maior, vieram pra capital e nessa época eu sei que o meu avô, o José Rodrigues, conseguiu um trabalho na cozinha do Banco Brasileiro de Descontos, Bradesco, na Rua XV de Novembro. Posteriormente, acho que por conhecimento, ele conseguiu que minha mãe trabalhasse lá também como escriturária, ela trabalhava na tesouraria. Numa época em que acho que não existia tanto temor pela segurança. Ela me levou pra conhecer o cofre interno do banco, aquelas coisas que só aparecem em filme ou em novela. Antes de eu nascer, o meu avô trabalhava no banco e uma vez comprou um bilhete da loteria federal e ganhou um prêmio, bilhete cheio, completo, da loteria federal. E era com o bicho que hoje conhecemos pela numeração 88, que é tigre, isso até o final da vida dele, ele dizia que era a “mãe tigre”, a mãe da sorte dele. Tanto que ele escreveu uma vez em um lenço, acho que esse lenço já se extraviou, e acho que foi inclusive com o sangue de um leitão que matou para a festa de comemoração, o número que ele tinha ganhado na época, o número do bilhete da federal naquela época. Não tenho certeza se era 14388... Nessa oportunidade, ele construiu uma casa boa, em um bairro conhecido como Cidade A. E. Carvalho. Ele construiu uma casa de três dormitórios, um salão grande com duas portas na metade do terreno. Na outra metade do terreno ele construiu mais um salão de uma porta com dois cômodos, banheiros. E no quintal do fundo, ele ainda construiu um quarto, cozinha e banheiro, que deveria ser a renda deles para o resto da vida, a aposentadoria. Minha mãe tem um irmão chamado Gérson Ruiz dos Santos, eram os dois únicos filhos. Esse meu tio gostava muito de Jornalismo, ele queria porque queria fazer o curso de Jornalismo e trabalhava até fazendo algumas reportagens regionais ou com algumas pessoas conhecidas. Ele insistiu tanto... Meu avô, apesar de ser analfabeto, e minha avó também, mal sabiam escrever a assinatura deles. Essa assinatura da minha avó é uma coisa à parte, fui eu que ensinei, ela não sabia escrever, mas pelo menos eu coloquei no papel o nome dela para que ela aprendesse a escrever o nome. Eu falei: “Pôxa vó, um dia a senhora pode precisar escrever o seu nome e assinar”. E aí, ela aprendeu. Nessa época, eles sendo analfabetos e um pouco ingênuos, se deixaram levar pela euforia dos recursos que chegaram dessa loteria e meu tio convenceu os dois a montarem uma rádio amadora no local. O local antigamente era chamado de Avenida Rui Barbosa. Era uma avenida larga, só de terra batida na época, e depois foi rebatizada como Avenida Águia de Haia, referência ao próprio Rui Barbosa. Nessa época, com os recursos do meu avô, o meu tio montou a chamada Rádio Divulgadora da Cidade A. E. Carvalho. Cidade A. E. Carvalho é porque antigamente era uma fazenda que pertencia a um senhor, não tenho certeza da origem dele, era a fazenda do senhor Antonio Estevão de Carvalho, que por algum motivo financeiro, alguma inadimplência que houve na época, pelo que eu me lembro, aquela região toda foi loteada pra gerar recursos pra pagar dívidas. Inclusive foi criado, na época, o Banco A. E. Carvalho, que tinha sede ali no Anhangabaú. É uma pena que não tenha fotos ou algum depoimento, a não ser que haja moradores antigos na região que possam ter essas informações. Ou no Arquivo do Estado, no Banco Central, alguma coisa assim. Então, essa região toda foi loteada e passou a se chamar Bairro A. E. Carvalho, pra não ficar muito comprido. E essa Rádio Divulgadora foi então nomeada assim, Rádio Divulgadora da Cidade A. E. Carvalho. Era um estúdio com aparelhos de comunicação, amplificadores antigos, todas as válvulas enormes com os aparelhos todos. E para que houvesse uma maneira de divulgar melhor o som, meu avô ainda comprou ou mandou fabricar e contratou uma empresa, nem lembro o nome agora, que construiu como se fosse uma antena, não uma antena, uma escada no poste, parecendo uma escada comprida, de uns 15, 20 metros de altura e lá em cima instalou 4 alto falantes potentes na época. Então, quando ligava, o meu tio: “Está no ar a Rádio Divulgadora da Cidade A. E. Carvalho, levando a informação a todos os moradores da nossa região...” Fazia questão de abrir essa programação perto do horário das seis horas, que era um hábito chegar às seis horas, a hora da Ave Maria. Então, tocava música da Ave Maria. Mas a região toda, inclusive nos outros bairros próximos, passou a conhecer. Com o tempo, o meu vô comprou um equipamento antigo, foi um dos primeiros, acho que era movido a corda, da época dos Flintstones aquilo lá, sabe? Um equipamento que gravava o LP, o disco vinil. Coisa difícil, isso era um equipamento caro na época. Ele comprou. Por quê? A ideia do meu tio era fazer shows ao vivo naquele salão, com artistas novos, duplas sertanejas, cantores, e gravar discos dos melhores. E foi feito isso. O final é triste, eu posso chegar mais adiante, que o final é triste. Com o tempo os recursos vão se escasseando, é lógico que toda empresa, tanto de divulgação escrita ou falada, precisa de recursos pra se manter. E lógico que meus avós, pessoas simples, e o meu tio passaram a ter dificuldade pra manter tudo aquilo, mesmo com shows, atividades com artistas, dançarinas, o tempo se incubiu de colocar fim na coisa. Os equipamentos ficaram muitos anos lá, acabaram enferrujando, poderiam até ser revertidos ao museu. Eu não sei o que foi que aconteceu com os equipamentos, poderia até perguntar isso ao meu tio, ele ainda está vivo e mora no interior. Ele acabou se desfazendo desses equipamentos, a torre também foi cortada por questão de segurança. Com o tempo foi até uma fiscalização dos bombeiros lá olhar: “Olha, tá muito bem construída, mas, pela idade, e por não haver nenhum suporte, melhor cortar”. Aí, foi simples, passar a serra nos canos de metal, é mais simples que levantar. Nessa época, com esses recursos, minha mãe conheceu o meu pai, Geraldo Garducci. Aquela paixão que a gente nunca sabe se é aquela paixão vinda da filha do sogro abastado, ou se é aquela paixão realmente por uma pessoa que você ama e quer constituir família. Eu sei que se conheceram e como o meu avô tem aquela educação rígida, tradicional, muito severa, ele tinha muito ciúme da minha mãe como filha, aquela coisa de “minha princesinha, minha joinha”. E minha mãe é uma pessoa de gênio forte, dizem que as pessoas de gênio forte são aquelas que são as mais calmas e ponderadas, porque são as que dominam os seus sentimentos. Então, diz que o gênio forte deveria ser das pessoas equilibradas e não daquelas que se desequilibram. E o meu avô, com aquele jeito dele matuto, “minha filha não, não vai ser qualquer coisa”. “Então, o meu presente de casamento pra vocês vai ser a maior festa que essa região já viu, vai ter tudo do bom e do melhor e mais um pouco”. E olha, gente, se perguntarem aos moradores antigos da região que ainda estão lá, eles se lembram dessa festa. Foi festa de arromba, o que eles diriam que seria uma festa de alta sociedade. O que se gastou de doces, comida, bebida, música, dizem que foi uma coisa impressionante. Os meus pais foram viver a vida deles na zona leste e começaram a vida deles caindo na real, uma vida mais simples, mais comedida, foram parar em um cortiço da Barão de Jaguara, na Mooca, ao lado do viaduto Alcântara Machado, entre a rua da Mooca e a Radial Leste, em um cortiço onde havia muitos imigrantes também. Depois de um bom tempo lá... Eu tenho uma memória interessante que eu tenho muitos flashes, desde pequenininho, dois, três anos de idade.
P/1 – Você nasceu lá?
R – Eu nasci na Beneficência Portuguesa e eu estava lá com dois, três anos. E eu lembro de fatos com dois, três, quatro anos, acontecidos lá. Havia pessoas, imigrantes, eu lembro do seu Pepe, que era um alfaiate muito bonzinho, ele tinha duas filhas gêmeas, havia outros moradores espanhóis. Havia uma irmã da minha avó, tia-avó, a tia Soledad, ela faleceu vítima de um atropelamento ali, ao lado do viaduto. Eu me lembro inclusive de flashes do velório, a choradeira toda. Não precisaria nem contratar carpideiras, como a gente conhece. Porque era natural, o sentimento espontâneo das pessoas é muito forte, acho que devido ao clima da imigração, do sofrimento, das coisas, acho que a perda de uma pessoa, numa situação tão brusca ou repentina, causa um corte, às vezes, doloroso. Eu percebi, “nossa, mas que manifestação muito forte de choro, de ausência de pessoa”.
P/1 – Você consegue lembrar da cidade como era naquele momento?
R – A cidade era bem menor, havia a Radial Leste, esse viaduto era de construção recente, o Alcântara Machado, a Celso Garcia. A Zona Leste, onde meus avós adquiriram esse terreno na avenida conhecida ainda hoje como Águia de Haia, eles construíram uma casa um pouco mais moderna. Eu sei que ainda tinha bonde andando, nessa época na Barão de Jaguara, o cortiço, eu sei que hoje não tem mais, foi demolido, acho que tem um galpão lá. Havia uma irmã da minha avó que morava ali na rua Campos Sales, se não me engano, ali ao lado, onde tem os conjuntos de prédios do CDHU, onde passa o metrô agora. Havia muitos cortiços de imigrantes espanhóis naquela região, atrás da Visconde de Parnaíba. Inclusive essa tia-avó foi uma das que me criou, o que a gente chama de ama de leite. Enquanto minha mãe trabalhava no banco, depois que eu nasci, me deixava lá durante o dia, eu chegava lá de manhã cedinho, era bem cedinho mesmo, que era a hora de saída de todo mundo. Ali era um quarto grande, dividido por cortinas grandes até o teto. E eu lembro que tinha o local do quarto grande dividido, que era a cama dessa minha tia-avó, Aparecida Ruiz Cano, e tinha um tio, também falecido naquela época, que era conhecido como Cano, era um barbeiro muito famoso ali. Só que fumava muito, acho que três ou quatro maços de cigarro Continental sem filtro na época. Coisa de louco, o homem era um dragão ambulante, impressionante. Francisco Cano, o nome dele. E eu ficava lá de manhã cedinho, enquanto minha mãe ia trabalhar lá no Bradesco. O meu apelido lá era tira-sono. “Ih, chegou o ‘tira-sono’”, com aquele sotaque espanhol do pessoal. Eram os meus tios, a minha prima Carmem Lúcia Ruiz e uma prima chamada Deise Ruiz. E o meu primo de segundo grau, Francisco Ruiz, que a gente conhecia como Chiquinho. Até hoje ele tem uma oficina de manutenção de máquinas de escrever e calculadoras em um prédio antigo ali ao lado da Praça da Sé, um prédio de esquina, ao lado da igreja. Parece que máquina de escrever tá mais difícil, né? Então, ele se especializou em calculadoras, impressoras, computador, algumas coisas assim. Naquela época, eu lembro que eu era bem pequenininho e tenho os flashes: ele lavando máquinas de escrever, já naquela época. Ele começou isso a 40, 45 anos atrás, lavando máquinas de escrever, fazendo manutenção em uma bacia enorme de aço, esmaltada, com gasolina... Porque era um quarto grande dividido por cortinas e onde tinha uma varanda, mais ou menos de dois por quatro, era o barraco que foi fechado em madeira, que era a cozinha da minha tia. Era assim tudo apertado e ele fazia manutenção já naquela época, começou assim. Minha avó e meu avô constituíram a família nesse bairro A. E. Carvalho, e naquela época não tinha quase nada na região, era muito mato, pouca coisa tinha na Estação Artur Alvim, de trem, e pouca coisa na estação de Itaquera. E o A. E. Carvalho era pra ser um bairro muito bom, porém, com o tempo, ficou um pouco afastado entre as duas estações, o progresso dele ficou mais aquém que os outros. Então, Artur Alvim cresceu melhor e Itaquera cresceu bastante. A família do meu pai, do João Garducci, morava ali ao lado da Cidade Líder, da Avenida Líder, em Itaquera, onde havia uma pedreira antigamente, tinha um lago onde morreram algumas pessoas, que iam lá para nadar em dia de muito calor. Só que é aquela história, quando as pessoas vão nadar em algum lugar, não importa a “fundura”, se é que vão nadar. Mas, se você não sabe nadar, passou do umbigo é sinal de perigo, como diz o ditado. Algumas pessoas faleceram lá, infelizmente. Então, havia essa pedreira, onde hoje tem a estação Corinthians-Itaquera do metrô, tem um terreno amplo lá onde os corintianos estão há 20 anos tentando construir um estádio e não constroem – e é problema deles, porque eu sou são paulino, então, eu sou feliz com o meu São Paulo, o que ele tem e o que ele é... Quando as pessoas começam a fazer algum tipo de brincadeira eu falo: “Olha, cuidado que inveja mata”. Digamos assim, entre aspas, no bom sentido, me perdoem os corintianos, palmeirenses e santistas: “Eu não tenho porque me rebaixar. Já chegamos a um nível que temos que ser simpático a todos”. Diz o ditado: quando a gente se eleva, tem que respeitar a todos que estão embaixo. Então, me perdoem todos os outros, mas é uma questão de opinião própria... Eu sei é que ali, voltando a esse ponto da A. E. Carvalho e da Rádio Divulgadora, havia muito terreno vazio, era um local ainda ermo em muitos aspectos, havia uma outra lagoa em que a gente brincava e não havia perigo de poluição, de nada. Mas, na época, ali na Avenida Águia de Haia, próximo a onde moravam os meus avós, havia um campo de terra, em que se disputavam muitos torneios de várzea, e o clube de futebol que foi formado, encarregado de administrar aquele terreno chamava Esporte Clube Urca, de uniforme vermelho e branco. Havia muitos torneios ali de futebol de várzea, o pessoal batia um bolão lá, saiu muita gente boa de lá. Eles acabaram alugando uma casa grande, espaçosa, ao lado de onde moravam meus avós e constituíram ali a sede do clube. Tinha bailes porque tinha um salão grande na frente, tinha bailes, eventos, festas... Entre idas e vindas, já que estava lá do lado mesmo, minha mãe participava. Um dia desses, por minha mãe ser conhecida, de família de fundadores do bairro, e por frequentar o clube, ela se candidatou a Miss Simpatia, a Rainha do Clube, como tantas outras que tinha lá, e ela acabou ganhando. Ela tem essas fotos guardadas ainda, eu sei que ela tem, oportunamente eu posso até resgatar. Minha mãe mora no interior agora, na cidade chamada Penápolis, onde está esse meu tio também, para onde meus avós também mudaram antes de falecerem, saíram de São Paulo e foram fixar residência lá. Eles faleceram, minha mãe mora lá nessa casa que era dos meus avós e agora é só dela, meu tio tem a casa dele, a vida dele. E um outro detalhe, ele foi pra lá há 40 anos e conseguiu uma licença da Caixa pra loterias, fez a vida assim, hoje está aposentado. E daquela época que a minha mãe conseguiu essa Miss Simpatia, ela acabou se enturmando mais na sociedade e acabou ganhando, em uma outra oportunidade, como Miss Simpatia de novo, pouco tempo depois. Inclusive, ficou conhecida por ser a única pessoa que conseguiu duas vezes: “Pôxa, essa mulher não envelhece, continua sempre bonita”. Pode ser até, não é demagogia, mas foi realmente uma coisa bacana que aconteceu. Depois esse clube acabou se dissolvendo. Ali próximo, entre a A. E. Carvalho e outro bairro próximo, chamado Jardim Coimbra, também havia um campo de futebol, que pertencia a um clube chamado Esporte Clube de Santos, ali da região. Com o tempo foi desapropriado. A prefeitura construiu uma escola municipal. Isso tudo em torno da Avenida Rui Barbosa, que hoje é Águia de Haia. Havia uma chácara enorme de plantação de verduras com colonos japoneses que arrendaram o local. E nós crescemos por ali. Então, você imagina, com tanto espaço, naquela época eu era pequenininho, o que não faltava era criança. Ali você podia brincar de rodar peão, tinha espaço pra isso, você batia figurinha, jogava bolinha de gude de tudo quanto era jeito, paulisteca, boxe, que era o buraco, que você fazia aquela competição com buracos pra ver quem fazia a sequência direito. Futebol pra todo lado. Quando eu brigava que não dava pra jogar ali, juntava meia dúzia e tinha espaço pra jogar no campinho do lado. Pipa, então, era uma guerra. Era de morro pra morro, a turma da chácara contra a turma da Águia de Haia, a turma do Coimbra. E era um festival de pipas que você olhava pro céu e você não acreditava, você perdia a conta. E quando chegava época de festa junina, era praticamente uma fogueira a cada quarteirão. E você perdia a conta, você não via quantos balões tinha no céu naquele período. Era dia e noite, balões você via de tudo quanto era jeito ou formato, porque cada um desafiava, as equipes da região, Itaquera, Coimbra, Jardim Nordeste, Jardim São Nicolau, Três Marias, Ponte Rasa, São Miguel, Vila Ré, Artur Alvim, A. E. Carvalho, Jardim São Paulo, que é, no caso, ali dentro de Itaquera, Cidade Líder, toda aquela região ali, até Curuçá. Não a Curuçá que fica na Dutra, na Zona Norte, Curuçá de São Miguel. Era uma disputa de balões... Você via balão em formato de pião, de homem, de navio, de pirulito, formato de carro, de tudo quanto era jeito, era um desafio. Naquela época ainda não havia a consciência da preservação das matas, o perigo dos balões nas casas, nos comércios, na fiação, era uma coisa cultural muito forte. Então, pode-se dizer que não havia praticamente espaço pra violência, ou espaço pra criminalidade infantil porque as crianças, naquela época, pelo menos, tinham tanta coisa gostosa em grupo pra fazer na rua, com os amigos e vizinhos, desde pequenininho... Não tinha essa da pessoa ficar sentada, às vezes pensando na criminalidade, ou ficar à mercê, ou muito próximo, dar espaço pra aqueles que não tinham a melhor das intenções. A infância daquela época foi muito ativa. E havia na escola, naquela época, me fez lembrar agora, o antigo colégio “Oito de Maio”, na A. E. Carvalho, que era construído de madeira. Eram galpões de madeira, construídos em pilares de tijolos, livres do chão. Com o tempo foi feita uma construção de alvenaria definitiva, que até hoje está lá, não sei agora qual o nome correto, se é Grupo Escolar, Colégio ou Escola Municipal ou Estadual, que foi onde eu fiz o meu primeiro grau.
P/1 – Então, você saiu da Mooca com cinco, seis, sete anos?
R – É, a moradia definitiva. A minha mãe comprou o terreno lá por sugestão do meu avô, que já morava no Jardim Coimbra. Então, ficamos vizinhos de três quarteirões, apesar de ser na divisa do bairro, avenida Águia de Haia. E na nossa frente tinha essa chácara de verdura dos colonos japoneses.
P/1 – O primeiro colégio foi lá, então?
R – Foi lá que eu fui fazer o primeiro colégio.
P/1 – Uns cinco anos, mais ou menos?
R – Lá eu já fui com uns sete anos incompletos. Perdão, sete anos completos, porque a legislação não permitia o ingresso na escola pública com menos de sete anos. Eu cheguei a fazer a alfabetização com uma professora particular, de origem japonesa, que ficava ali na Águia de Haia, entre a chácara e a Avenida Águia de Haia, foi uma quadra e foi ali que eu me alfabetizei. Lembro até hoje que a disciplina naquela época era um pouco mais rígida. E eu, claro, com seis anos, não parava quieto, eu lembro até hoje que eu fiquei de joelhos, de castigo, porque estava perturbando a aula, porque ela dava aula em uma sala com várias crianças de níveis diferentes. E eu, por ser um garoto muito ativo, naquela época já mereci castigo, por “falação”. Talvez pela entrevista vocês percebam que eu “a-do-ro” falar. No final dessa minha história recente, em que eu trabalhei como Marronzinho, na CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] em São Paulo, todo mundo gostava que eu ajudasse nas palestras ou comentários, fosse multiplicador de algumas coisas, porque gostava de falar e tinha facilidade. Por causa disso, desde aquela época, merecia um castigo, já fiquei de joelhos. Uma época, minha mãe brigou comigo, mas aprendi, me alfabetizei, já que não podia entrar com menos de sete anos, e quando entrei nesse Grupo Oito de Maio, se não me engano a rua ao lado ainda é a Avenida Agapantos, o endereço da escola. Uma outra rua importante, porque sai da A. E. Carvalho, no início da Rui Barbosa, e termina na Avenida São Miguel. O começo dela, uma praça, chama-se Ana das Dores de Carvalho, provavelmente uma homenagem a alguém da família do fundador do bairro, Antonio Estevão de Carvalho. Não tenho certeza se é uma filha ou esposa. Nessa praça começa a Avenida Campanela, que liga A. E. Carvalho a Artur Alvim, que desce até a Itaquera. E essa Avenida Campanela é uma avenida muito importante de ligação até hoje. Do grupo eu passei para o colégio, a Escola Estadual Geni Gomes, no Jardim Coimbra. Ali fiz o primeiro grau e, no último ano, eu fui para o interior, onde eu citei que está minha mãe hoje, fui morar lá na cidade.
P/1 – Você consegue lembrar os primeiros momentos do colégio, você lembra de ir pro colégio, como é que foram os primeiros dias, as primeiras professoras, colegas?
R – Lembro muito bem. Eu lembro do meu primeiro professor na escola pública, era o professor José Carlos. É uma pessoa de um temperamento muito bondoso, uma pessoa muito paciente. E havia dois alunos que se destacavam nas notas, não tinha jeito, não tinha pra ninguém, era um colega meu chamado Ademir, se porventura alguém um dia ver esse depoimento vai se lembrar disso, o Ademir, sabe quem ele me lembrava? O biotipo dele, o jeito dele, me lembrava aquele ator famoso, o Sérgio Cardoso. Aquele jeitinho mais troncudo, rosto mais quadrado, cabelinho mais encaracoladinho, sabe? Mais jeitosinho, mais centrado. E o outro aluno era um moleque estrepoliento, não parava de falar, chamado Geraldo Garducci Junior. E quando chegava na fila pra entregar as lições do dia, que o professor dava na sala, nunca conseguia tirar dez, mas conseguia acertar tudo. O professor José Carlos falava: “Geraldo, você não vai tirar dez, vai tirar nove porque está conversando na fila”. Ele falava isso sabendo que eu ia acertar tudo. É uma pena que eu não consegui reverter esse potencial todo na minha vida, em uma faculdade, uma formação superior. Eu terminei meus estudos no segundo grau técnico. E o Ademir, ele merecia, devia ser aquelas pessoas que teriam uma formação boa e seria um excelente profissional, tanto pela personalidade dele, como pela capacidade de aprendizado, interessante. No segundo ano não havia muita coisa, mas naquela época eu já era convidado pra participar de jogral, fazer recitação de poemas, poesias ou de textos em homenagem à Bandeira, à Independência. Alguns educadores podem até achar desnecessário, mas eu tenho certeza de que muitos que possam ter acesso a esse depoimento vão concordar comigo, eu tenho saudades, e muitos têm saudades, da maneira como se disciplinava e como se estudava naquela época. Porque nós aprendíamos o respeito dia a dia, ao civismo, às autoridades, principalmente aos professores. Todos nós, desde aquela época, fazíamos fila pra entrar na sala. Claro, crianças conversam, mas todos aprendiam a cantar o Hino Nacional, o Hino à Bandeira, o Hino à Independência. “Professor, com licença? Posso sair para ir ao banheiro?” Se fosse próximo ao intervalo, a professora: “Segura mais um pouco que vocês já vão sair no intervalo”. Mas havia condições em que, realmente, havia um certo desespero, o professor percebia um certo incômodo nas carteiras, então, ele tinha a psicologia e sabia quando ceder. Eu me lembro que, em uma época, era Arnaldo o nome dele, o coleguinha que disse que queria ir ao banheiro, o professor não acreditou e ele fez xixi sentado na carteira, no meio da aula. É lógico que foi um sarro, uma gritaria geral, depois o pai teve que buscar o menino porque criou um constrangimento. O professor não acreditava, a partir dali houve uma negociação mais flexível entre professores e alunos, a diretoria interveio. Aconteceu, né? Mas era muito bacana porque a gente se sentia seguro. Você tinha um norte, tanto na maneira dos professores nos tratarem, com disciplina, mas educava, e você aprendia. Então, o meu primeiro grau, e pode-se dizer também nesse segundo grau, nesse colégio Geni Gomes, quando eu me mudei pro Jardim Coimbra, eu já mudei de escola também porque já passou a ser o ginásio. Eu tinha uma professora, é uma pena, eu não a encontrei mais, mas aqui eu faço um voto emocionado de respeito a ela, pode ser que ela não esteja mais viva. O nome dela é Joana Santoro Bezerra, era a nossa professora de inglês. A noção que eu tenho de inglês, até hoje, eu devo a ela. Porque ela tinha um carisma e uma maneira tão particular e respeitosa com a gente, na época ela tinha um corcelzinho, sabe aquele Ford Corcel 72, 74, alguma coisa, 70, verde bandeira, verde escuro mesmo, que era o xodó dela. E é uma pena que eu nunca mais a encontrei. Gostaria muito de que isso pudesse ser feito para relembrar. Mas até isso eu tenho daquela época. Eu não me lembro aqui de professores, mas, lembro deles, da figura desses professores como pessoas pontuais na nossa formação, que fizeram diferença. Nesse colégio Geni Gomes, tinha um colega que também me lembro muito bem, chamava Ronaldo, Ronaldinho. Era um crânio, um gênio. Era aqueles que a gente pode dizer que seria uma pessoa de QI alto, provavelmente ia se formar bem, ser um bom profissional. Tínhamos Educação Física. Era delícia fazer Educação Física, esporte na escola, e tinha avaliação pra isso. Então, nessa escola, alguns podem dizer, com estrutura, ou metodologia ultrapassada, eu presenciei e sou testemunha viva disso. Formaram-se personalidades de pessoas responsáveis, me perdoem a sinceridade se eu disser que não vejo isso hoje na escola e no ensino atual. Eu tenho um enteado com dez anos, comecei a participar da vida dele com sete pra oito, com dez anos esse menino ainda não sabe ler e escrever. E até hoje ele não sabe de cor a tabuada básica das quatro operações. Que ensino é esse? A quem interessa esse tipo de ensino, com tantos recursos que são destinados. Alguns podem dizer: “Mas naquela época havia uma certa imposição, quase ditatorial, por causa da influência do regime”. São polêmicas e coisas que podem entrar em detalhes que não convém agora. Mas o que eu posso dizer é que na formação, na personalidade das pessoas, quanto ao fato de você não somente sair às ruas, ou manifestar a quem quer que seja os seus direitos, mas primeiro pensar de modo ético e moral. Eu cumpri com todas as minhas obrigações, não devo nada a essa sociedade em que vivo. Então, se eu tenho todas essas minhas obrigações cumpridas, eu tenho moral e direito para exigir alguma coisa.
P/1 – Eu gostaria de perguntar uma coisa muito particular. Tinha algum sonho de infância? Eu quero ser isso? Nem que fosse o mais maluco possível, “quero ser astronauta”, que seja.
R – Olha, eu posso ter dito alguma vez, mas não me lembro, naquela época de infância, pode-se dizer até a adolescência, não tive uma meta de vida, ou o sonho de ser alguém, ou algo, de destaque. Posso estar enganado agora, mas a minha infância, nessa época, foi tão bem preenchida, com amizades bonitas, tão saudáveis, a gente não tinha tempo pra ficar pensando nessa parte materialista, sabe? Nesse individualismo, nessa concorrência profissional, se for colocar parênteses agora, parece que é muito mais mecânico, mais imposto, muito mais forçado, na adolescência, hoje, essa falsa necessidade de você ser alguém bem estabelecido, ou ter alguma coisa de valor material pra você se sentir gente, se sentir bem na sociedade. Eu considero isso um erro gravíssimo na educação hoje, de uns bons anos pra cá. Naquela época, a gente vivia muito a infância, brincava muito, tinha o tempo todo ocupado, a escola. A nossa meta era fazer os exames todo bimestre, tirar as notas boas, pra chegar no final do ano e fazer uma festa porque passou de ano. Aí vinha o presente de Natal, e na minha família, nessa época que os meus avós tinham um bom recurso, que a Rádio Divulgadora da A. E. Carvalho já estava inoperante, nós tínhamos o hábito de reunir a família, os primos todos, na casa desses meus avós e fazer a festa de final de ano, de Natal e Ano Novo. E alguém se fantasiava de Papai Noel e surgia à meia-noite com o saco cheio de brinquedos. E os primos todos se juntavam ali, os filhos dos meus tios, tias por parte da esposa do meu tio, da minha mãe, eles se juntavam na casa dos meus avós, até vizinhos vinham às vezes. E tinha Papai Noel, brinquedos, ele dava bala pra gente, pirulito, era uma festa rara hoje em dia. E todos nós, depois da meia-noite, íamos dormir. Aí, era colchonete para um lado, colchão de outro, almofada de poltrona, tudo em um quarto lá esparramado, sempre cinco, oito primos dormindo. Interessante. Sorrateiramente, durante a noite, alguns fingiam dormir pra poder enfiar a mão embaixo do travesseiro pra poder pegar as balas e pirulitos dos outros, sabe? E de repente, era um tal de “Vó Mãe, Fulano, Cicrano tá roubando minhas balas”. Aí, é o tal de alguém chegar, acender a luz e falar: “O que está acontecendo aqui?” “Mas a prima tal, o primo tal...” Tinha a Georgina, a Leila, o Gersinho, o Jorge, eu. Então, a gente dormia esparramado no quarto, mas no escuro era um tal de um enfiar a mão assim, pra saber onde estavam as balas do outro, ou brinquedo que o outro pegou que era melhor, qualquer coisa assim. E assim foi essa família, nessas circunstâncias. O meu tio, logo depois dessa época, se mudou para o interior. E a minha mãe, nós tínhamos a casa lá no Coimbra. E ali, quando eu tinha mais ou menos quatro anos, quando a Avenida Rui Barbosa ainda não era asfaltada, depois eles dividiram a avenida, canteiro central, pistas, tal, transformou-se em Águia de Haia, mas nessa época ainda, eu era pequenininho e foi quando eu ganhei a minha primeira bicicleta, que o meu pai me deu. Há uma foto, inclusive, que eu cedi pra arquivo. Era pequenininho, bicicletinha, o meu pai tirou a foto, jeitão de boy da época: óculos escuros, braços cruzados, topete, olhando pro horizonte, como quem diz: “Impávido colosso”. A minha está aqui sob a minha asa. E essa bicicleta que foi a minha liberdade nessa época. Entre a bicicleta, futebol, pipas...
P/1 – Papelão, que você vai contar (risos).
R – O papelão... Quando tinha aquele matão todo ao lado do campo de futebol, a gente botava uma caixa de papelão, descia, praticamente formavam trilhas, porque acabava amassando o mato. E o interessante é que não era só uma trilha que se formava, eram várias. E algumas às vezes até se cruzavam. Como tinha dias em que o tempo estava bom, principalmente no final de semana, quando não tem aula, descia uma cambada de moleque com caixa de papelão. Todo mundo já sabia: “Pra onde vocês vão?” “Ah, nós vamos descer o barranco”. E já me falaram que esse tipo de brincadeira tinha em muitos lugares no interior também. Eu sei que, de vez em quando, quando descia muita gente assim, você via o cara descendo com a caixa de papelão. Em algum momento, ali embaixo, as trilhas se cruzavam. Meu, era cada porrada que dava! Acho que naquela época começou a noção dos cruzamentos, dos problemas de trânsito em São Paulo. Às vezes eu lembro e dou risada, dava cada cacetada... Você descia e encontrava o cara, capotava, você via caixa de papelão voando no meio do mato e outro gritando: “Êêêê”... O cara voando para um lado e a caixa de papelão para o outro, daqui a pouco vinha um mancando, com o papelão na mão, pra não perder o ponto. Eu sei que dali é que eu digo que essa infância não me deu aquela vontade, ou noção, de ser ou ter alguma coisa na vida. Foi muito bem ocupada nessa parte. Meus pais, logo depois dessa época, se separaram, eu fiquei um bom tempo sem contato com o meu pai, esse seu Geraldo Garducci, mas continuamos a viver ali. Minha mãe, então, comprou um terreno e construiu a casa no fundo desse terreno, no Jardim Coimbra. Tínhamos vizinhos antigos, todos que chegaram na época. Depois, com o tempo, ela adquiriu recursos trabalhando e quando se afastou do Bradesco, era uma funcionária de 14 anos lá, ela construiu mais uma casa na frente, uma casa grande e espaçosa.
P/1 – Uma coisa importante, como é que foi pra você essa separação, essa falta de contato com o pai, como é que foi esse momento pra você?
R – Olha, posso falar por mim e por outras crianças que tiveram o mesmo problema. Na época, a criança com quatro, cinco, seis anos, não sente muito o fato da separação em si, ela apenas presencia. Porque eu acredito, já presenciei, já tive oportunidade, que tanto os animais domésticos, ou as crianças, têm reações puras, pode-se dizer assim, reações verdadeiras. Então, para uma criança dessa idade, não é tanto o que ela ouve, isso pode ficar gravado, talvez o que ela ouve, o que ela presencia na infância pode gerar traumas, bloqueios, ou lembranças pontuais, mas o que fica são atitudes. É isso que eu acho importante, na minha formação hoje, é o exemplo dos mais velhos, os que estão mais acima têm que dar exemplos, porque as crianças veem atitudes, elas não compreendem palavras, elas não têm vocabulário, não têm ainda memória suficiente para analisar o que as pessoas falam. Você pode falar um texto de conhecimento para uma criança de cinco anos, ela vai ficar olhando pra você: “Você trouxe a minha bola pra brincar?” Ela vai reagir de uma maneira totalmente diferente, porque não cabe nela, ela não tem conhecimento suficiente para analisar o que você está falando. Então, o que se guarda na mente de uma criança? São atitudes. Se ela vê pais que discutem ou gritam, ela pode até achar aquilo normal na formação dela, gritar. Toda vez que a criança pode falar com o irmão, com um coleguinha, com a mãe, o pai, qualquer coisa assim, ela vai gritar porque ela acha normal aquilo na formação. Se ela escutar palavras de baixo calão, ofensas, qualquer coisa, se ninguém explicar pra ela, com o tempo, que aquilo não é adequado, não vai fazer bem na personalidade e no meio em que ela vive, ela vai falar isso com naturalidade em qualquer lugar que ela for. E é o que a gente vê muito hoje em dia. Se não ensinar pra criança a ter disciplina e dar o exemplo pra ela, na hora de você levantar cedo pra tomar o café da manhã, a hora do almoço estar com a família, a hora da ceia, à noite, o jantar, esperar a sua vez depois dos mais velhos, é uma coisa que faço à parte. Acho muito bonito na cultura oriental o respeito aos mais velhos, ou até às autoridades. Porque eu tenho uma filosofia religiosa e tenho uma filosofia política ou social. E em ambas há, basicamente, o respeito àquilo que está acima de você. “Ah, mas eu não concordo.” Ótimo, o fato de você não concordar não significa que você tenha que desrespeitar, você utiliza os meios e as estruturas que você dispõe pra tentar colocar o seu ponto de vista, ou tentar melhorar, já que a gente vive em sociedade. Então, tem que melhorar não somente pra nós, mas pra todos que estão à volta. Diz o ditado que o universo é regido por uma lei de ação e reação, se você faz coisa boas à sua volta, o que você vai ter à sua volta? Coisas boas. Se você faz coisas indevidas, ou que prejudiquem todos e tudo à sua volta, você vai viver com todos e tudo com coisas ruins, uma lei de que ninguém foge. E parece que os nossos políticos ainda não aprenderam isso. Tudo bem. Eu sei que daquela época a gente tinha essa formação, essa infância ocupada e mesmo com os parentes, com a escola, e quando eu comecei a ter a ideia de trabalhar, surgiu a ideia na família de trabalhar para ajudar no sustento, ou ajudar a minha mãe, porque ela trabalhava e como era somente eu e ela, foi chegando a pré-adolescência, tomei muito puxão de orelha, por aprontar. Claro, a arte de toda a adolescência, eu tenho um casal de filhos hoje e sei que muitas coisas que eles fizeram, que eu não os condenei também, e não cobrei deles porque sei que faz parte da formação da adolescência, da cabeça. O que eu tentei passar para eles é o que eu naquela época, mesmo tendo a separação dos meus pais, fui percebendo com o tempo. O importante é você dar o exemplo, né? Porque eu posso me lembrar de muitos fatos da época, de dificuldades do casamento dos meus pais, coisa de família, ainda mais vindo de ascendência italiana, espanhóis, é loucura, você não faz ideia. É coisa de um dia estar voando panela de arroz na parede e no outro dia estar todo mundo se lambendo, normal. É aquela explosão de momento. Mas uma união, uma coisa assim de apoio em situações difíceis que é difícil de se ver, é uma coisa que eu acho que todo ser humano tem, mas fica com vergonha de expor esse sentimento verdadeiro, esse laço afetivo com a família. A vergonha de ter o sentimento. É como eu digo, a personalidade forte, em que eu aprendi a acreditar, pra mim o maior exemplo que nós temos na história da humanidade, seria Jesus. Para mim é o exemplo da personalidade mais forte que você pode ter. A personalidade dele, em todos os momentos que ele foi provocado, sacrificado, ele sempre demonstrou equilíbrio, paciência, compaixão, sempre ajudou. Quando não era o momento de uma atitude, de palavra ele dava o exemplo. Quando não era o exemplo, a postura dele, ele fazia acontecer coisas que aqui seria a discussão já da parte religiosa. E como eu tenho diversas experiências nessa parte religiosa também, seria um ponto à parte que só se tivesse gravado, filmado, qualquer coisa assim, pra muitas pessoas poderem acreditar no que eu digo. Aquela coisa muito de São Tomé, de ver para crer. Mas eu tive experiências pessoais inequívocas dessa parte religiosa ou espiritual, e tem até hoje, o que pode se dizer assim, pra quem tiver o mínimo de compreensão de espiritualismo, vou dizer até assim, que há uma herança dessa cultura na nossa família, que vem desde a minha bisavó, mãe dessa minha avó Carmem, que o meu avô foi um dos fundadores do bairro A. E. Carvalho. Essa minha bisavó, como fonte de referência e lembrança, já participava, naquela época dela do Círculo Esotérico Comunhão do Pensamento, é uma das primeiras instituições estabelecidas em São Paulo que trata dessa cultura espiritualista, da oração, da força do pensamento. E há pouco tempo eu fui procurar o local pra ver se ainda existia e existe ainda. Do mesmo jeito, mesmo sistema, tudo. Fica ali próximo à Rua da Mooca. na esquina com Avenida do Estado. Tem o salão local deles até hoje. Então, há uma cultura e um conhecimento nessa área, e uma transferência, não diria de obrigações, mas de coisas boas que a família inteira conviveu e convive até hoje. E como eu digo, são coisas dessa parte, que vêm desde essa minha bisavó, passando pela minha avó, pela minha mãe, e algumas coisas, ao que parece, estão ficando mais claras pra mim hoje. Graças a esses conhecimentos de família e muito do que eu estudei, o pouquinho que eu estudei, é verdade sim, eu sou testemunha viva de coisas que aconteceram e eu fiz acontecer. E uma delas, talvez a última, mais importante, foi com esse meu filho que hoje tem 18 anos, o Gabriel, Gabriel Maia Garducci. A minha menina, que hoje está com 15, chama Maiara Maia Garducci. Esse Gabrielzinho tinha uns cinco anos, mais ou menos, teve uma pneumonia, ele passou pelo hospital Nove de Julho, já com o diagnóstico, e foi parar na Beneficência Portuguesa. Lá, colocaram o menino em observação e se agravou o problema dele, acabou tendo um derrame pleural. Foi se agravando de tal modo que começou a necrosar o pulmão do menino, mesmo com dreno. Como a gente tem um laço muito forte, desde a barriga da mãe eu conversava com ele, lembro até uma vez que eu dei um beijo na barriga da mãe, acho que eu peguei ele distraído, devia estar dormindo lá no útero ainda, ele deu um pulo, que até ela se assustou, pensou que ele ia nascer ali de parto prematuro. Então, acho que já tem uma coisa forte aí entre a gente desde o útero. Esse menino ficou muito ruim, eu olhava pra ele na caminha, nessa época eu estava trabalhando já na CET, na Companhia de Engenharia de Tráfego, então, graças a Deus, eu tinha um convênio médico que dava esse suporte. Levei o menino pra esse quarto e a gente podia ficar acompanhando. Eu trabalhava da tarde até de madrugada, ia pra lá à noite. A minha esposa na época – eu sou divorciado – saía de manhã pra trabalhar e eu ficava com ele, pra não deixá-lo sozinho. Esse menino foi definhando. Eu olhei pra ele uma hora assim: “Eu vou perder o meu filho”. Então falei: “Acho que é a hora de eu tentar”. Porque, sabe quando não revertia e todo dia ele tomava aquele remédio chamado Vancomicina, é um antibiótico potente usado só na forma intravenosa, só em hospitais. Não estava fazendo mais efeito e ele não tinha mais onde furar, já estava procurando veia até no crânio dele. Eu falei: “Não é possível, a coisa é grave. Mas se os médicos não estão conseguindo resolver nada, acho que é hora de colocar a minha parte de fé, espiritual, à frente”. Foi quando eu convidei uma pessoa no local que eu frequentava, expliquei pra ele o caso e combinamos tal hora, à noite, quando ele saísse do trabalho dele, ele se preparou e foi lá. Ele chegou lá para nos auxiliar, a enfermeira, inclusive, tava medicando o menino. Ela saiu, eu pedi a ela, por gentileza, se não havia nada demais que a gente ia apenas fazer um círculo de oração pra pedir um apoio a mais. Ela compreendeu, deixou a gente a sós, coloquei a minha esposa, eu e essa pessoa com o meu filho, botamos ele na cadeirinha, sentado, o soro pendurado. Ele já estava fazendo exames de sangue porque estavam controlando os glóbulos vermelhos, plaquetas, tudo. E naquele dia a médica que estava cuidando dele disse que o último exame dele tinha praticamente zerado os glóbulos, não estava reagindo mais. Aí, eu expliquei pra pessoa que foi lá me ajudar: “Está acontecendo isso, isso e isso e ele está em uma situação difícil”. Essa pessoa: “Bom, Geraldo, você tem um certo entendimento, a sua esposa também, então, vamos pedir, vamos fazer a nossa parte”. Nós nos unimos em oração e eu pedi realmente, eu falei: “Se eu tenho um Deus, e eu sei que tenho, eu sei que sou um ser humano imperfeito, porque se fosse perfeito eu não estaria aqui nesse planeta de expiação. Perfeição seria felicidade plena, já dizia Odair José, aquele poeta falecido, que a felicidade nessa terra não existe, o que existe são momentos felizes. Felicidade seria um estado de graça dos deuses, constante”. Aí, eu pedi pra ele: “Olha, eu tenho a minha vida, a minha saúde, o meu entendimento. Se eu tenho algum crédito nessa vida, por algum motivo, por favor, dê a ele, que é uma criança de cinco anos, em uma situação atípica, eu gostaria muito de ver esse meu filho crescer. Ele é pequenininho, uma criança, precisa de proteção da gente”. Acho que tudo o que a gente tem, quando estamos um pouco acima, tanto no exemplo, como na educação, o que a gente puder fazer, a gente só dá aquilo que tem também, você não pode tirar de alguém o que ela não tem pra dar. Então, eu conversando com ele, pedindo até a Jesus, que é esse exemplo maior que eu considero, que desse a chance pra ele, pra que ele pudesse ter a vida ainda pra frente e tal. E que se ali era o momento para eu testar a minha fé, ali eu tava colocando todo o meu coração, pedi pra minha esposa também: “Dê tudo o que você tem de amor pra ele agora, em sentimento, amor e vibração, que ele que precisa”. Nós estamos aqui, adultos, na luta, no dia a dia, matando um leão por dia, a gente vive nessa sociedade, é assim mesmo, a gente procura fazer o melhor possível sem prejudicar ninguém, sem se comprometer ilicitamente e tentando achar o equilíbrio desse compromisso moral e ético com essas necessidades que a sociedade impõe na gente. Ali coloquei tudo, tudo mesmo, se eu tiver que ir e ele tiver que ficar, eu preferiria que eu fosse, qualquer que fosse o motivo ou a razão. É a cultura que vem de família, foi nessa hora que eu coloquei ali, agora é o meu filho, a minha família, vou fazer a parte do patriarca, daquele que tem a maior força na hora. E coloquei. Ela disse que orou forte também, e essa pessoa também, que é uma pessoa com conhecimento, também orou muito forte, fizemos o que nós chamamos de vibração energética toda ali. Pra resumir essa parte, no outro dia a médica pediatra que cuidava dele chegou e pegou o resultado do exame dele, estava normal. Quem quiser acreditar nisso, quem achar que isso possa ser algum tipo de manifestação sentimental, qualquer coisa assim, eu convido a consultar o prontuário de Gabriel Maia Garducci no Hospital da Beneficência Portuguesa, do bloco infantil, há mais ou menos 13 anos e procurar se o que eu digo é verdade ou não. Está lá o prontuário dele. Essa médica simplesmente ficou de boca aberta. Uma das mais antigas médicas do Hospital da Beneficência Portuguesa. Ela falou assim: “Impressionante. O seu filho é tese de mestrado. E eu vou levar a história dele até pra estudo entre os outros médicos”. Aí, eu olhei pra ela e falei assim: “Doutora, eu respeito muito a medicina dos homens, porque eu sei que não podemos viver sem ela, temos que respeitar, acatar. Mas em alguns momentos, alguns mecanismos e algumas coisas estão além dessa medicina material, que só algumas pessoas têm coragem ou aceitam”. Sem querer entrar em conflito nenhum com qualquer ideologia religiosa, pra mim o que é o mais importante, inclusive brincando, isso pode ser novidade para alguns, eu estabeleci cinco mandamentos principais do ser humano. Primeiro: Deus; segundo: saúde; terceiro: trabalho; quarto: os recursos pra você se manter como pessoa, dinheiro, casa, saúde, alimento. E em quinto, se der tempo, a mulher. Que me perdoem as feministas, tá? Porque, por experiência de vida, aqueles que inverteram essa ordem das coisas estão tendo problemas até hoje. Eu não acredito que alguém possa viver bem, comendo, bebendo e dormindo, sem ter o recurso de onde tirar tudo isso primeiro. Ou se conseguir esses recursos se não for trabalhando. E trabalhar sem saúde? E ter saúde ou viver e acreditar em alguma coisa sem respeitar o mandamento maior de todos, que é acreditar em Deus, que é a origem de tudo, pelo menos até onde nós acreditamos, onde vemos. Então, até entre brincadeira e filosofia, foi uma experiência vivida por mim, além de muitas outras em família, e outros casos pessoais e pessoas próximas também. Pra voltar e não fugir muito do ponto, porque eu lembrei dessa parte de infância, de exemplo, de família, eu só fui sentir mesmo a falta do meu pai na pré-adolescência. É nessa época que a gente precisa de uma referência, do exemplo masculino. Nós temos o lado da sociedade, o lado da mãe e do pai, independente das obrigações que a vida impõe a cada um, da inversão de papéis, dependendo da necessidade. E eu, naturalmente, tinha a ausência do pai. Às vezes essa ausência marca a formação da criança, tanto da menina como do homem. O homem pelo fato de ser constituído por testosterona tem mais ímpeto, instintivo, mais forte na personalidade. Não estou falando aqui de exceções, ok? Pra tudo há exceções, claro que há pessoas que são menos agressivas e outras são mais impetuosas. Não fosse assim não teríamos Pelé, Ayrton Senna, ou, sei lá, uma Ana Néri, uma Anita Garibaldi, ou não teríamos Jesus ou um Hitler, mas a história e o tempo julgam as obras, o exemplo que cada um que deixou. E bom seria se a gente aprendesse com esses exemplos. Aí, eu faço questão de repetir, os nossos políticos ainda não aprenderam nada, tudo bem. Então, essa parte de exemplo, de personalidade, figura paternal, começou a me fazer falta na adolescência. Não sei se minha mãe percebeu isso ou não, com 14 anos eu comecei a trabalhar com carteira registrada e tudo o mais, nessa cidade chamada Penápolis, onde minha mãe está hoje, meus avós moraram e o meu tio também. O meu primeiro emprego, acho que foi até um privilégio: eu fui trabalhar como auxiliar de ourives, joias, brilhantes, pedras preciosas, uma indústria de joias. Era de um senhor chamado Edevil de Lourenço, era o maior fabricante de joias do noroeste de São Paulo. O meu tio era lotérico, então, conhecia todo mundo, fazia bolão de loteria, então, tinha o bolão dos pobres, que era o bolinho, e tinha o bolão dos mais bem situados economicamente. Esse senhor tinha essa fábrica de joias, o meu tio falou: “Olha, tenho um sobrinho que está morando aqui agora com a minha irmã, arruma um emprego pra ele...” “Ah, vou colocar ele como aprendiz. O negócio é bom, interessante, ele vai ter futuro.” E eu comecei a trabalhar com joias lá, conheci muita coisa dessa ramo, é muito interessante, é muito bonito. Ourivesaria, pedras e gemas preciosas, essas coisas todas, é muito interessante. E há um comércio fiel, muito rentável e cercado de especialistas, não tem ingênuos ou pessoas que não sejam profissionais na área. E não é à toa que algumas pessoas específicas da sociedade, já vem de cultura de formação de imigrantes, que algumas pessoas podem avaliar, que dominam até essa área, pedras preciosas, joias, algumas descendências, de judeus, europeus, que tenham conhecimento de família. São pessoas que passam de pai pra filho porque sabem que é um ramo muito restrito e sigiloso, até por questão de segurança dos valores que envolve. Pena que meu pai não gostou da história. Nessa época, que eu tinha 14 anos, lá por 1975, mais ou menos, ele estava em São Paulo e me buscou para vir morar com ele na adolescência. E o meu pai sempre foi uma pessoa esquentada, difícil de conviver. Então, uma adolescência, apesar do exemplo dele mais rígido e tudo o mais, eu bem ou mal passei a adolescência já morando na Zona Norte de São Paulo. Em A. E. Carvalho ficaram os imóveis dos meus avós e a casa onde a minha mãe morava. O Esporte Clube Urca, pra fechar essa parte, foi dissolvido, esse time também, Esporte Clube Santos, que era ali da Zona Leste, também, nunca mais ouvi falar. A Rádio Divulgadora também foi dissolvida. Na época havia imigrantes japoneses, eu não lembro o nome do marido, mas a dona Augusta, que era o nome do primeiro mercadinho da região, chamava Mercado Augusta. Depois ela comprou um terreno em frente, praticamente, e construíram um mercado maior, porque ela tinha os filhos dela que se formaram em Administração ou Direito, e construíram o mercado. Depois eles faleceram e acho que eles passaram pra frente. Não sei se ainda tem hoje o Mercado Augusta ou mudou de nome. Deve ser por volta do número mil da Avenida Águia de Haia, esse trecho todo. Em frente aos meus avós, na época, lembrei agora, tinha um senhor marceneiro, que todo mundo conhecia por senhor Pepe, não, senhor Nicola. Pepe era o alfaiate que tinha as filhas gêmeas que moravam no cortiço lá na Barão de Jaguará. Morava em frente à casa do meu avô, tinha uma oficina grande no fundo e trabalhava com marcenaria. Na época que o meu avô tinha o imóvel com as duas portas no salão, montou um bar, chamava o Bar São José. Nessa época, a primeira máquina de fazer sorvete da região. Puxa, Rádio Divulgadora, depois Bar São José, primeira sorveteria, aquele freezer com pedra de granito ainda, coisa de louco, com aquelas caixas ainda com isopor por dentro e as caixas em aço inoxidável, estampado. No começo era na mão que minha avó mexia, com aquela pá de madeira, pra fazer sorvete de massa, no copinho. Depois colocaram a máquina, motorzinho. Aí, como a minha avó não parava, ela passou a fazer salgadinhos. Era muito prendada nessa parte e eu lembro que ela fazia as coxinhas de carne moída bem temperada, com a massa de batata e pouca farinha. Ah, gente, aquilo que eu diria que era uma coxinha, viu? E quando ela fazia coxinha de galinha, era coxinha de galinha, que você limpava a coxa mesmo da ave, deixava limpinha com osso e tudo. Você tirava a pele, o excesso, e ela fazia aquela massa de batata que, nossa... Mas o que a peãozada na época, e o pessoal que morava na região, ia naquele bar do meu avô, Bar São José, pra comer os salgados, ou as crianças, durante o dia, ia pra tomar o sorvete de massa, de casquinha... Naquela época era muito famoso o leite com groselha. E aqui, sem querer fazer propaganda da Milani, que por estranho que pareça, não sei o que aconteceu, não estou vendo mais nas prateleiras dos supermercados, alguma coisa aconteceu que eu não sei o que é. A gente tomava leite com groselha e naquela época o leite vinha nas garrafas de vidro da Paulista, ou da Vigor, se não me engano. Aquelas garrafas de vidro nos cestos de ferro, vinha meia dúzia. Era aquela coisa de leite com groselha, sorvete de massinha, e o pessoal que tomava o aperitivo no bar naquela época. Só que, com o tempo, foi ficado muito pesado o serviço, meus avós ficaram com idade e minha avó, depois, sofreu um acidente na escada, lá dentro de casa e machucou o joelho, ficou muito ruim, então, o serviço ficou pesado e eles passaram pra frente. Engraçado que a minha avó, então, fez uma promessa lá em Aparecida. E na época eu não entendia muito bem, uma confusão: “Pera aí, vó, é da nossa mãe Maria, é Nossa Senhora Aparecida, é Aparecida do Norte, qual que é o nome?”. Ela explicou: “Não, é a mãe Maria, é a mãe de Jesus. Só que a cidade foi batizada com o nome de Aparecida. Mas as pessoas que vão e sobem em direção ao norte, com o tempo chama de Aparecida do Norte. Mas muita gente, por religiosidade, chama de Nossa Senhora Aparecida.” “Mas por que Aparecida, de onde surgiu esse nome?”. Aí, que ela foi explicando: “Aparecida porque apareceu no lugar.” “Mas por que tem tanta Nossa Senhora Aparecida, não é uma só?” “Diz que ela apareceu em Fátima para aqueles três pastores, dizem que apareceu nesse local onde está o santuário até hoje... Então, cada lugar que aparece, coloca Nossa Senhora de Guadalupe, lá no México, Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, Nossa Senhora Aparecida, aqui no Brasil. Mas é uma só”. Foi aí que eu comecei a entender um pouco isso, falei: “Caramba, quando o interesse fala alto muda até o nome de santo.” Aí, ela fez essa promessa dizendo que levaria pra lá um joelho de cera, que é muito comum na cultura, você sarando de um certo mal, de certa parte do corpo, era muito comum você fazer um modelo daquilo e levar pra lá, como testemunho. Aí, não é que ela me convidou pra ir? Fomos em Aparecida, na gruta dos milagres e lá eu conheci, então, milhares de testemunhos de milagres, de gesso, de cera, fotos, cabelo, prótese, muletas, tudo o que a gente já deve conhecer a respeito de milagres em se tratando de religião. Poxa, alguma coisa realmente deve ter de real, porque seria um, dois ou três, mas são milhares de testemunhos aqui. É certo que, com o tempo, com um pouco mais de conhecimento, eu vim a acreditar que essa força que rege tudo está disponível para todos, a qualquer momento, pra quem necessitar, basta que estejamos em sintonia, aptos, prontos, pra receber, de repente, essa energia que possa ser importante talvez para um problema de saúde, para uma orientação, ou qualquer que seja o motivo. Se a pessoa estiver preparada ou pronta pra isso, acho que essa energia está disponível a qualquer momento, pra qualquer um.
P/1 – A gente vai começar a entrar agora na parte da Zona Norte, da sua vida profissional...
R – Já adolescência. Quando o meu pai foi lá no interior me buscar, dizendo que o que ele podia ter feito na minha infância, ele gostaria de tentar fazer por mim agora, como adolescente, fui morar com ele na Zona Norte, em Santana. O bairro ali chama Mandaqui. Morei na Rua Alfredo Zunkeller, uma travessa da Avenida Zunkeller, é um bairro com esse nome. Acho que essa família era a dos proprietários antigamente. Morando ali na adolescência, fui estudar no colégio Padre Antônio Vieira, que fica ao lado do Metrô Santana, uma construção antiga. “Mas quem é esse Padre Vieira que tanto falam, virou até nome de escola?”. Depois, com o tempo, na própria escola, eu fui saber quem era o Padre Antônio Vieira, muito bom. Ali eu fiz o segundo grau, e eu posso dizer que o nível pra mim de estudo ali me faltou pra continuar posteriormente, talvez como motivação, para o nível superior. Eu parei no nível técnico de estudo, mas ali foi muito bom. Os professores e diretores ainda centrados, disciplinados. A escola tinha uma boa reputação, tem até hoje, uma história, uma boa reputação. Mas a turma que a gente formou ali naquela época era difícil: a famosa turma do Primeiro L, naquela época. O antigo diretor e professor a gente chamava de Professor Hugo, era o nome dele, se ele ainda estiver vivo deve lembrar. O Professor Solda, esse era o sobrenome dele, está vivo ainda. Eu o encontrei há pouco tempo, no final do ano, por Santana. E começamos até a lembrar de coisa assim: “Puxa, rapaz, você ainda está vivo também, hein? Que coisa, onde está aquela molecada toda?”. Interessante, ele tinha uma frase que falava no começo do ano, o pessoal tudo alvoroçado, já tinha aquela patotinha de uns oito ou dez, que era terrível de controlar. E uns até reclamavam. Ele falava: “Calma, isso é tudo bicho peludo ainda, meio troglodita. Eu vou polindo eles, vou aparando os pelos, vocês vão ver, no final do ano eles vão chegar lisinhos, tudo comportadinho, tudo certinho. Durante o ano a gente vai dando um trato neles, esses bichões peludos começam a aparecer, mas a gente dá um jeito neles até o final do ano”. E é um professor muito inteligente. Até hoje, ele está lúcido que é uma coisa impressionante e dá aula em mestrado, inclusive, por aí afora. E nessa fase da escola, segundo grau, eu tinha vindo do interior, aprendido a trabalhar com carteira assinada, e eu estava só estudando porque eu consegui vaga só à tarde. Isso misturou um pouquinho a cabecinha, e você começa a ficar mais relaxado, achando que a vida é mais fácil. Aí, o meu pai percebeu que a bagunça estava passando da conta, que precisava dar um jeito, então, ele me arrumou um emprego. Eu fui trabalhar em uma editora de livros que o meu pai montou naquela época com um amigo dele, porque o meu pai era vendedor e trabalhava na Editora Brasiliense, falecido seu Caio Prado, Caio Graco. E lá meu pai trabalhava com edições de outras editoras, distribuindo no atacado e posteriormente ele editou algumas coisas inéditas, inclusive no mercado literário. Ele publicou uma coleção que chamava Lendas e Folclores do Brasil. Foi a primeira publicação, na época, que tratava de folclore e lendas do Brasil, porque até então a gente só conhecia Branca de Neve e os sete anões, as lendas dos irmãos Grimm, a Bela e a Fera, tudo importado...
P/1 – Qual era o nome da editora?
R – Se eu não lembrar ele vai me excomungar, mas era, Jet Editora e Distribuidora. Ou era Beta? É que ele teve a Beta Editora, a Jet Editora, e, por último, a Lince Editora. Foram coisas da cabeça dele, e seria uma história longa pra contar agora e é uma questão de opinião também, eu não posso julgá-lo, ele que era o comerciante. E ele também criou uma outra obra chamada Medalha de Ouro, acho que foi a primeira coleção, na época, que tratava do treinamento específico para atletas. Ele contratou professores da USP para fazer um compêndio, reunir informações e tudo o mais. E a terceira obra muito famosa de que eu me lembro foi ABC da Educação Sexual Infantil, que ainda era um tabu, e ele montou essa obra e editou. As três foram muito boas, muito boas. O problema foi quando ele foi montar a sociedade, ele teve uma sociedade complicada, acabou tomando prejuízo grave e teve de recomeçar do zero. E nisso meu pai sempre foi muito bom, o exemplo que eu tenho dele é esse, força pra trabalhar, nunca parar. Tudo o que você tiver de pior à sua volta, você nunca deixe de trabalhar, não importa qual trabalho, seja catando latinha, seja assessor do presidente em alguma coisa. E aí, aprendi desde criança e nunca tive vergonha, eu já fiz carreto de freira com o próprio carrinho que eu montei com rolemã e tudo. Já tive carrinho de rolimã também, até porque quando eu morava no bairro, nas primeiras ruas de asfalto, tinha a galera do rolimã que era uma coisa de louco, né? Descia a ladeira de 20, 30. Fui empacotador de supermercado, fui engraxate, vendi salgadinho, vendi sorvete, trabalhei como balconista, e olha, resumindo, nesse aspecto, a pouco tempo atrás, mesmo trabalhando, e eu vou citar logo mais a frente aí, eu estava com o meu carro, esse mesmo carro que está ali fora estacionado, é o chevette branco, que eu apelidei ele de “Pipoca”, eu estou com ele já faz uns 10 pra 11 anos. Enquanto a fiscalização ainda permitia e a polícia não descia a borracha, até a pouco tempo atrás eu tava vendendo água, cerveja e refrigerante na porta dos estádios ou de eventos aqui em São Paulo. Eu estou com 48 anos, isso foi com uns 43, 44, 45 anos. Abria a porta do capô, eu tinha o isopor, tudo lá dentro e quando esvaziava ali, ia pegando o que tava lá dentro e ia vendendo na porta dos estádios, até que começou a ter muita pressão de fiscalização pra normalizar a coisa, inclusive com a lei de bebidas alcoólicas no estádio e no entorno e tal, até das escolas também, aí não era só fiscalização só, não, era polícia também. E é bem assim, se você não tira o carro dali, ou não fecha, ou não se recolhe, a borracha desce mesmo, não tem jeito (risos). Aí tudo bem, vamos respeitar sempre os que estão acima, façamos as coisas que queremos pelos caminhos corretos. E olha, defendi muita conta de água, luz, um arroz e feijãozinho que eu estava em uma situação difícil, mas já estava trabalhando, mas estava em uma situação difícil e precisava de um a mais. Então, quanto ao trabalho, nunca me envergonhei de qualquer que fosse, desde que fosse honesto. Tanto que esse meu filho, quando estava nessa época, ele me acompanhou em pelo menos uns dois ou três eventos, lugares, e o último que eu guardo como lembrança foi ali na Santos Dumont, em um evento que teve na Aeronáutica, no dia do aviador, ali no Campo de Marte, na Zona Norte, onde eu moro, e ele foi comigo. Eu falei pra ele: “Olha, tá sem fazer nada em casa? Quer ir com o pai ganhar uma graninha? O pai vai vender uma água, uns refris pro povo que tá um calor danado. Vamos lá ganhar uma graninha? Você me ajuda, a gente racha e você toma conta de uns carros que encostar lá”. Nessa época eu já estava divorciado. Aí, tem lá um lugar que sempre tem umas pistas livres em torno, eu parei o carro logo cedo, fiz meu lugarzinho pra ficar ali porque eu já sabia por onde o pessoal entra, sai e passa. “É aqui. Aqui eu tenho o meu, não fico naquela muvuca, se der bagunça, de repente corre-corre... Eu não tenho essa ganância. Eu quero, mas eu sei a minha humildade até onde eu preciso ir sem por em risco a mim, minhas coisas e meu filho”. E ali em volta tinha tanto lugar vago, e eu falei pra ele: “Olha, se quiser, chama o pessoal ali pra entrar e fala que você está comigo aqui e que tomamos conta dos carros que ficam aqui”. E ele: “Como é que é, pai?” “É assim, você chama a pessoa, seja firme: ‘Nós estamos olhando, estou aqui com o meu pai, nós tomamos conta do carro para o senhor, aqui não tem proibição, aqui é legal’”. Olha, a primeira e a segunda foram difíceis, mas da terceira em diante, o moleque ficou ligeiro, acho que ele nunca ganhou tanto dinheiro na vida dele (risos) Ele já corria lá, falava: “Moço, ali tem a vaga, estaciona o carro ali que pode”. Às vezes saía família, senhor de idade, pra saber: “É meu filho, estamos aqui do lado, o senhor pode ficar tranquilo, aqui não há restrição nem proibição nenhuma. Aqui é legal, a diferença é que eu vou ficar aqui até o final do evento”. A pessoa tinha confiança, já percebia alguma coisa diferente, não era bem aquele pessoal que chega alcoolizado, nervoso: “Aí, patrão, dá cinquinho, dezinho, senão, não dá pra estacionar, senão não garanto o carro na volta”. Aí, você já olha assim e fala: “Acho que vou estacionar a meio quilômetro e vir a pé porque vai sair muito caro isso daqui”. O moleque ganhou ali o dinheirinho dele de maneira honesta, um exemplo. Sabe, pra vocês verem que eu não quero entrar em conflito, que a coerência nesse depoimento é o que faz parte da personalidade. E isso eu ganhei muito do meu pai, exemplo de trabalho, sendo honesto e cuidado, porque sendo honesto você já toma bordoada, e te puxam o tapete, o que dirá se você der motivo. “Pô, pai, como a gente consegue tanto, como o cara ali?” Você conta numa mão e sobra dedo, quem, hoje em dia, isso eu não tenho vergonha nem receio de dizer, quem ganhou a vida e tem propriedades e tudo o mais honestamente. Você conta nos dedos da mão e sobram dedos. Duvido que todos, ou quase todos, tirando as poucas exceções, não tenham de alguma maneira, em algum momento da vida, usado de meios ilícitos, pra tirar proveito ou fazer os seus bens ou a fortuna que fez. Eu não estou julgando, estou apenas relatando, é uma opinião minha. E aí, tem aquela história de ação e reação no começo do meu depoimento que eu acredito, que ninguém foge. Porque o que você plantou você colhe, e eu, como sou uma pessoa espiritualizada, tenho certeza disso. Eu vivo isso e eu presencio isso. De um jeito ou de outro você vai ter que responder por aquilo que você faz. Então, se eu tiver que achar aqui de palavra um exemplo a todos que me ouvirem, pelo exemplo de família, por aquilo que eu vivo e que presencio, que tenho como testemunha, se está difícil consertar a vida, pelo menos procure não piorar a situação. Dê o exemplo. Nós vivemos em uma sociedade que foi contaminada. Isso é até uma coisa natural, o que não seria natural seria o ser humano persistir naquele erro que já provou que não é bom. E se eu tivesse que deixar pros meus filhos seria isso, o exemplo de tentar passar coisas boas e educar a geração que vem após a gente. Um pouco de civismo, de respeito à autoridade, que é aquela que nós escolhemos, pra administrar o país que a gente vive. Procurar o melhor da vida, crescer e ter as coisas que você pode ter, que você se sente bem tendo. E não aquilo que os outros acham que você deva ter. Na adolescência, eu posso dizer que eu fui um pouco imaturo quanto a esses anseios, porque minha infância esteve plenamente ocupada com aquilo que é normal da infância. Quando você vai hoje em uma escola-modelo, particular, Pueri Domus, Escola São Paulo, Colégio Britânico, Dante Alighieri, Joana D´Arc, o São Luiz, você vê crianças de cinco, seis, sete anos, algumas vezes sendo induzidas a aprenderem inglês, francês, lógica, a noção de formas e blocos de geometria, natação, método Kumon. Gente, onde está a personalidade do ser e não do conhecimento? Eu acredito nisso, você prepara a planta pra que, quando chegar a época, naturalmente ela dará os frutos que ela pode dar. Se é um pé de maçã, vai dar maçã. Ele não vai dar melancia. Se você insistir em dar melancia, é capaz de sair melancia, mas se nascer melancia vai fazer o quê? Vai quebrar o pé. Ou como dizem uns outros, você está criando uma galinhazinha que vai botar os ovinhos de ouro, não cobiça canja de galinha, cuida da galinha e trate de usufruir dos ovinhos de ouro que ela traz pra você, aí você pode transferir essa metáfora no seu trabalho, na sua capacidade própria, na sua filosofia religiosa. Deixe você ser o que você tem. Talvez por isso, na minha vida profissional, eu tive um pequeno desafio, em um desentendimento com alguma chefia, e saiu tão espontâneo naquela época... Eu quis dizer uma coisa e a pessoa que ouviu isso ficou tão incomodada que depois eu falei: “Puxa vida, eu acho que eu peguei pesado. Acho que não foi uma carapuça que entrou e serviu, não. Acho que foi uma máscara de ferro que encaixou ali”. Porque me acusavam injustamente de estar lesando a empresa num fato isolado, sobre uma questão de meia hora ou uma hora que eu tivesse requerendo a mais de hora extra e que eu não tinha trabalhado. E eu, por todos os meios expliquei: “Não, eu não estou fazendo isso”. O que eu estava alegando nos documentos na época é que, como eu tinha tido um atraso, eu estava pedindo assinatura pra justificar o atraso (risos). Então, surgiu uma celeuma dali que depois, calmos, com a poeira baixa, eu comecei a pensar, não adiantava, não iria mudar. Porque as pessoas envolvidas ali naquele momento não estavam ali para me ouvir ou para saber a verdade, elas estavam ali circunstancialmente para achar e condenar o que a gente chama de boi de piranha. Eu era, culpado ou não, a bola da vez. E ali, como isso envolve muita vaidade de cargo, essas coisas, ninguém dá o braço a torcer, ninguém volta atrás, porque isso, pra eles, é sinal de fraqueza. Talvez até em relação aos demais. Tanto que na hora que a pessoa: “Não, mas você está sendo acusado disso, disso e disso” “Não gente, não. A minha educação vem de berço, eu não iria colocar em risco o meu trabalho por causa de uma hora extra e tomar posse disso e colocar em risco o meu trabalho, a segurança da minha família por causa de uma hora extra. É ilógico. Gente, eu sou pobre até hoje porque eu sou honesto”. Pelo menos das três pessoas à minha volta, duas se torceram na cadeira. Eu falei: “Puxa vida, né? Quem não vive da mentira não tem medo da verdade.” Então, sem querer entrar em detalhes, não me cabe isso agora, eu fui injustamente condenado ali, e isso ficou marcado. E eu não queria deixar o meu filho despreparado nesse aspecto, tanto que eu falei pra ele e pra minha menina: “Olha, vocês vivendo, da maneira tradicional, da cultura de família, de ser honesto, trabalhar, procurarem, mesmo sendo honesto, estar espertos. Sempre vai haver alguém que vai se incomodar com você. Mas o problema não está em você, o problema está na pessoa. É o lado fraco que está na pessoa que induz ela, de repente, a tentar lhe incomodar pela sua tranquilidade, mesmo que você não seja grande coisa. Então, você fica esperto, você não precisa ser milionário, não precisa ser o melhor aluno da escola, não precisa ser o bam-bam-bam das meninas, você pode namorar, você pode ter as suas namoradinhas, mas respeite a todas. E àquela que você escolher, trate bem. Porque o seu namoro pode não durar muito, mas a outra, que pode ser a mulher da sua vida, está te vendo. E ela sabendo quem você é, pode acreditar, daqui, dois, três, quatro, cinco anos, de repente, que você realmente é um cara legal. E lembra que você sempre respeitou. Isso não se traduz no momento, mas se traduz lá na frente, no momento decisivo de você ter a pessoa, não digo ideal, mas a melhor possível pra você”. E ele para, fica assim olhando pra mim, fica até meio congelado, aí, eu tenho ainda que dar um tapa no ombro dele: “Entendeu? Tá ligado? E aí?”. E a menina também, nesse mesmo aspecto. Tanto que há pouco tempo, conversando com ela particularmente, eu olhei pra ela e falei assim: “E aí filha, como é que tá? Os gaviõezinhos estão voando muito aí? Eu falei pra você, você tava preocupada com as meninas que crescem mais do que você, que se formam de tal e tal maneira. O pai já falou pra você, vai chegar a sua época, você vai ter o seu corpinho, você é menorzinha, é mignon, você vai ter a sua formação física, tudo direitinho. O pai tem o prazer de passar essas coisas pra você, não se acanhe de perguntar pra mim as coisas”. “Ah pai, para” “Para por quê? Eu só não quero é que vocês, porque eu sei, pode ter mil justificativas por quem quer que seja, mas eu sei que não é bom se você vier a se envolver com drogas ou com coisas ilícitas, ou com turma do pega-pega, de briga, de querer dar golpe nas coisas dos outros. O que é dos outros é dos outros, não ponha a mão. Pelo menos isso eu quero deixar de exemplo pra vocês. O pai não se tornou rico, não é porque eu não quis, não. Se eu tivesse feito a faculdade, oportunidades não faltaram, eu digo isso pra quem quiser ouvir, mas olha, é certo como dois e dois são quatro: Você estando preparado, a vida é um campo ilimitado de oportunidades, a cada instante. É como se fosse um trem, e na hora que ele para, se você estiver preparado, você sobe e vai. Agora, se ele estiver lotado, tudo bem, você pode esperar um outro trem, um outro vagão, uma outra porta, mas é constante isso”. Eu falei isso pra eles, “o pai só não se sentiu motivado pra fazer uma faculdade ainda por ‘n’ motivos, mas se eu tivesse feito, eu estaria muito melhor, mas não era pra ser assim. Eu me senti bem com aquilo que eu sou até agora”. Se, a qualquer momento der na ideia, como a gente vê na mídia de maneira geral, pessoas com 50, 60, 70 anos fazendo faculdade por uma realização pessoal, eu acho isso muito mais valoroso, a pessoa não está atrás dos bens materiais, da competição, da individualidade, do orgulho, do egoísmo. É da sensação de poder se sentir útil.
P/1 – Aproveitando a oportunidade, falando de trabalho, eu queria perguntar a sua passagem da CET, que foi muito marcante. Como você entrou, como foi lá dentro, as histórias, o tempo que você ficou. Porque acho que esse momento foi de oportunidades importantes pra você.
R – Foi lindo, posso dizer que foi lindo. Dessa adolescência depois, trabalhando muito com esse ramo de livros, na época eu fiz um curso de digitação, computadores, que na época era o must. Aí, fui trabalhar na área de informática. Trabalhei muito tempo terceirizado em empresas de computação, trabalhei em uma empresa chamada Magdata Processamento de Dados, era um dos bureaus particulares de São Paulo na época, que acho que nem existe mais, que tinha um proprietário de ascendência italiana também. Inclusive, na época, ele foi um dos primeiros a colocar máquinas automáticas de café, nos bares e restaurantes, importadas da Itália. Trabalhei depois no Banespa, trabalhei em bureaus particulares, cheguei até a começar aquele curso de programação Cobol, na época da ADP Systems, que depois fechou e depois abriu de novo. Não, ADP Systems, minto, Data Byte. Daí o pessoal fala: “Nossa, mas esse cara é Matusalém? Ele ajudou na contagem da Arca de Noé?” (risos) Mas eu lembro, lembro sim. Aí, depois disso eu fui trabalhar em um bureau particular de uma empresa de assessoria chamada Aliance, era um bureau de assessoria de Administração e Contabilidade, perícias, tal, na área tributária. Nós fomos fazer um pacote fechado de serviços em uma multinacional mexicana chamada Tapon Corona. Cara, é uma coisa interessante. Essa empresa tinha 70, 80% do mercado de tampas de embalagens de garrafas e tudo o mais, por uma questão deles, de administração, não sei o que aconteceu, os caras caíram pra 15% do mercado. Começaram a aparecer os concorrentes, gente com ideias novas, tecnologia e tudo o mais, e o pessoal foi ficando, ficando. E o pessoal não acordava. Aí, quando instalamos uma sala enorme com dez computadores da Compaq, coloridos e o colega lá montando os programinhas no Firefox, alguns no Dbase, começamos a transferir a contabilidade do papel pra informática, os caras tinham um departamento de informática, ficaram tudo de boca aberta. E pra nós aquilo era corriqueiro, já se vivia o boom da informática, da informatização. Ali, eu fiz um bico. Naquela época, isso em 1984, 1985, essa informatização, quando eles perceberam que precisavam se mexer. Aí, o pessoal do departamento de informática deles começou a perceber a gravidade da coisa e começou a se mexer também. Quando estávamos terminando o serviço eles assumiram a coisa e nessa época eu já estava prestando concurso da CET, já tinha feito a inscrição na CET. Sabe aquela coisa, “ah, vou fazer, né? Emprego fixo”. Porque eu tinha saído do trabalho que eu tinha com o meu pai na empresa dele, que era com edições de livros, e tinha sobrado pouca coisa desse meio de vida dele. Ele começou a se especializar, e isso exigia uma documentação muito farta, pra você ter cadastro, pra trabalhar com concorrências e licitações públicas. Aprendi muita coisa também, contatos comerciais de todos os tipos, todo tipo de material que você possa imaginar, tanto escolar, de escritório, informática, tudo. E pela nossa origem, com publicações e livros que bibliotecas, escolas, adquiriram, nessas concorrências. Aí, quando o meu pai estava na situação difícil, eu falei: “Pai, não dá. Se não está tendo pra dois, o que eu vou ficar fazendo aqui?” Falei: “Estou fazendo os bicos de informática”. Eu estava digitando, trabalhando como terceirizado, em bureaus. “Tem esse negócio da CET no jornal”. Ele comprava jornal todo dia, tinha uma página que saía sobre concurso. “Por que você não faz isso daí? Não tem cargo pra você lá?”. Eu fui pesquisar, fui ver e tinha pra digitador. “Pelo menos alguma coisa no ramo de informática, que você já tem noção e aquela coisa, você é uma pessoa inteligente, esforçada, uma hora você melhora lá dentro, porque é concurso em uma empresa pública”. “Então, vou nessa”. Fiz a inscrição. Veio o primeiro exame, passei. Veio o segundo, as classificações, passei. Aí, engraçado, isso ficou marcante, até. Havia uma empresa que fazia o teste prático, ficava ali na Praça da Sé, era uma escola de datilografia, mas ainda tinha o nome lá, chamada de datilógrafo, mas eles ainda consideravam como mecanógrafo. Eu falei assim: “Eu vou trabalhar na CET como digitador, vou fazer o teste de digitação”. Eu tinha feito curso de datilografia avançada em uma escola particular, pequenininha, na época, em Santana, o professor era japonês. O método dele era interessante, com técnicas de datilografia avançada e, modéstia à parte, fui um dos melhores alunos. Aprendi com excelente datilografia, quando você usa todos os dedos da mão sem olhar no teclado. Dali fui fazer um curso de digitação na ADP Systems. Esse curso de digitação pra trabalhar com computadores mesmo. Dali, consegui uma vaga no Bradesco, fui trabalhar lá durante um tempo como digitador. Lá tem um curso de aperfeiçoamento, era uma coisa puxada, trabalhava à noite. E lá você trabalhava com boletos de numerários, coisa de louco. E a velocidade no dedo tinha que ser boa mesmo, se o cara não fosse bom, não ficava. Fui bem ali, depois eu saí por causa do horário, estava me esgotando, fiquei dois anos lá e fui trabalhar no Banespa, consegui uma vaga na área de informática do Banespa. Trabalhei na Agência na Boa Vista, na central do Banespa, trabalhei na Tutóia, na Avenida Ibirapuera, trabalhei um tempo na Avenida Brasil, onde naquela época tinha conta ali praticamente toda a Assembleia Legislativa, época das aplicações em overnight, sabe aplicação toda hora que tinha e precisava de gente que tinha prática, com conhecimento e de confiança. Então, fui trabalhar lá. Trabalhei também na agência do Banespa no Tucuruvi, ali na Avenida Tucuruvi onde hoje tem o hipermercado Carrefour. Aí, quando saí do Banespa, quando houve intervenção do governo do PSDB no Estado. E nessa época nós começamos a procurar esses serviços esporádicos, de bico. Fui acabar parando nessa empresa de assessoria e com toda essa prática acabei passando no teste pra digitador na CET, na Companhia de Engenharia de Tráfego. O interessante é que o teste foi feito, todo mundo foi lá bonitinho... “Comigo não vai ter problema, se for fazer o teste posso não ser um dos melhores, mas passar eu passo, vou classificar”. Cara, acho que foi graças ao anjo de guarda, ele falou: “Por que você não vai visitar o lugar lá? É uma escola de datilografia, de repente você vai lá ver como são as máquinas, até surge aquele teclado com o zero invertido, daí pronto, ferrou tudo, né?”. Cheguei lá, deu um frio na espinha. “Cadê os computadores?” “Que computadores?” “Vai ter um exame da CET aqui, eliminatório, classificatório?” “O exame é todo nessas máquinas de escrever, mecânicas”. Aí subiu o frio na espinha, nossa... Sábado, domingo ia ter o exame, era uma terça ou quarta-feira. Não precisa nem dizer a correria que foi eu achar, tentar alugar ou comprar uma máquina de escrever pra ficar pelo menos uns dois ou três dias tentando bater os dedos de novo no teclado pra acostumar. Porque a mecânica você tem que bater os dedos no teclado. Caramba, saí do curso de datilografia já na máquina elétrica, porque a mecânica já era aprendizado, você aprende na mecânica pra exercitar, condicionar o cérebro e tudo mais. Já sou digitador há tanto tempo, tenho produção e experiência de sobra, de repente na oportunidade talvez mais importante da minha vida profissional, eu tenho que pegar uma... Gelou. Aí uma tia da minha ex-esposa tinha uma máquina velha, enferrujada não sei onde, eu falei: “É essa mesmo E corri lá e peguei eu mesmo”. E até lembrei daquele meu primo de segundo grau, o Chiquinho, que trabalhava com máquina, pensei em procurar ele até, mas não sabia o endereço dele, ele tem oficina até hoje na Praça da Sé. Peguei a máquina, eu mesmo tirei a tampa dela, lambuzei daquele spray lubrificante e deixei ela mais ou menos no jeito. E a fita? Que fita, não vou escrever nada, eu quero é meter o dedo pra me acostumar com a coisa. Olha, foram dois ou três dias ali, eu ficava até de madrugada: plec-plec-plec-plec pra tentar acostumar os dedos de novo. E fui pro exame no final de semana. Eu pensei: “Quer saber? Não vou querer fazer mais do que eu posso, então, eu vou procurar pelo menos datilografar o texto que vão me dar bem compassado e errar o menos possível. Que acho que a ideia em tudo é isso, né? Ninguém é infalível, mas vou tentar errar o menos possível.” Fui lá e fiz o meu teste. Passei, fui classificado lá. Eram 120 candidatos pra essa função, digitador. Eles fizeram a primeira classificação, acho que foram 50 ou 60, de todos. Depois a seleção passou a 25, depois do 25 classificaram 12. E dos 12, na avaliação final, eu fiquei em segundo. Eu falei: “Poxa, até que eu não sou pouca porcaria, né? Até que alguma coisa serviu”. Porque não foi só um teste, foram todas as avaliações finais. Quem ficou em primeiro foi uma mulher morena, que morava na Zona Leste. Foi aí que nós ficamos sabendo que era pra trabalhar à noite. Eu falei: “Brincadeira, voltei a trabalhar de madrugada. Vai ser difícil assim, hein? Quer saber? Eu vou”. “Tudo bem, pra onde é a vaga?” “Ah, vai ser aleatório”. E nesse finalzinho de tempo eu estava numa fase difícil, estava me divorciando. “Puxa, nessa época que eu estou plantando de novo essas coisas, parece que não consigo conciliar minhas pretensões com a minha ex-companheira”. Aí, é um caso à parte, eu cheguei a um ponto que eu falei pra ela, nós sentamos e conversamos: “Olha, antes que possamos ter aquelas discussões exacerbadas de sentimentos que prejudiquem as crianças, vamos preparar o terreno. Vamos fazer o seguinte: você tem um projeto de vida diferente, eu tenho outro, vamos cada um cuidar das nossas vidas e nunca nenhum dos dois se desligar das crianças, ok?”. Aí, entramos em um consenso bom e fechamos o assunto. E nessa época eu entrei na CET e passei. Eu falei: “Nessa época podíamos estar bem, em uma outra perspectiva”. Mas não calhou, parece que foi assim. E aí, passando no teste, eu tinha os colegas naquela empresa, bureauzinho, que eu estava terminando o serviço pra entrar na CET e eu estava na dúvida: “Poxa, estou em uma fase difícil”. Aí, eu devo graças a ele, viu? Um chegou, me pegou assim pela goela e falou: “Você não é nem louco de perder uma oportunidade dessas.” “Mas é triste querer decidir as coisas em uma situação dessas, né? Sabe, financeira difícil, sentimental difícil, trabalhar de madrugada. Eu, de repente, posso ficar sozinho”. Aí, ele me deu a maior ficha que caiu, ele falou assim: “Cara, se você não pegar esse emprego, você vai ficar sem emprego, sem dignidade, sem dinheiro e sem mulher do mesmo jeito. Pega esse trabalho e faz a tua vida. Depois você me liga e a gente conversa”. Eu na dúvida, sabe aquela coisa de pensar que poderia prejudicar mais ainda a minha vida estando mais ausente do lar? Mas aquelas coisas que eu já disse em outra oportunidade: quando as coisas já estão ali praticamente decididas, naquela situação que você tem que ponderar realmente o que é menos pior. Ainda bem que os colegas, com a intimidade que a gente já tinha, me chacoalharam. Na hora eu consegui centrar um pouco a ideia e falei: “Eles têm razão. O homem precisa de trabalho, qualquer que seja”. E nisso tem uma frase de uma música que eu acho que é muito bonita, que muitas vezes até me emocionada, uma música do Fagner: “O homem se humilha, se castram os seus sonhos, se sonha a sua vida, e a vida é o trabalho, e sem o seu trabalho o homem não tem honra, se morre e se mata”. Eu falei: “Puxa vida, tem que estar trabalhando, tem que estar com a cabeça ocupada em alguma coisa”. Meus filhos estão lá, dependem de mim de alguma maneira, e se valer desde a época que eu lembro dos meus avós que eram lavradores, e na família todo mundo sempre trabalhou, sempre procurou comércio, tanto do lado de pai, como do lado de mãe, inclusive até eu mesmo, depois de adulto, tive comércios que vou contar depois, interessante. Então, vamos ao trabalho, é isso que vai me manter. Aí, encarei. Mas gostoso você saber que está encarando uma coisa consciente e não às cegas, pode ser que, em alguns momentos as pessoas estejam desesperadas ou então você toma atitudes assim, o que não é muito do meu feitio, por isso, às vezes falam que é mal do meu signo de libra, você ser muito ponderado pras coisas. Mas eu sou mais comedido, realmente. E não me arrependo disso, porque eu sei que é a minha decisão que vale no final e é o que eu sinto. Muitas vezes atitudes nossas podem ser, desde que não sejam reações que causem problemas aos outros, ou prejuízos, podem ser problemas que você causa a você mesmo. Não tem nada pior do que você chegar em uma certa época da sua vida e olhar pra si, na sua consciência e, de repente, se sentir extremamente em conflito com si mesmo. Eu acho que tem muito a ver com aquilo que eu falei a respeito de você tentar equilibrar as suas necessidades da vida, mas não se perder pelos caminhos e fugir da ética, da moral. Eu acho que é um exercício interessante do ser humano, você saber que tem obrigações, deveres, direitos, em uma sociedade, porque a sociedade é isso, a maioria que determina as diretrizes de uma sociedade. E mesmo você sendo a maioria, tem que acatar isso. Ainda bem, né? Imagina se a maioria votasse e não fosse decisivo isso, em um candidato ou pra qualquer coisa na vida. Aí, eu falei: “Vou manter a minha vida nesse padrão pra que não chegue uma fase da minha existência, eu começo a ficar em conflito com a minha consciência. Fiz isso porque eu tive que ceder, porque me falaram que era assim, que se não fosse assim, que eu tinha que ser esperto”. Mas não foi assim na minha vida, os exemplos que eu tive de família. Minha família passou por muitas dificuldades que eu sei, sempre trabalhou. Meus avós, simples, mas trabalhadores. Minha mãe, meu pai, pode-se dizer que aquele cara meio rebelde, revoltado com tudo, que eu tinha medo de ser também. E percebi que está um pouco no DNA. Um pouco, ainda bem (risos) que é só um pouco. Eu tento ter ele como exemplo e melhorar em alguns pontos. Deveria ser normal em todo adulto consciente. Tenho uma referência, meus pais, se é bom ou se não é, vou fazer, melhorar. Hoje eu posso dizer, tranquilamente, e vou reiterar isso mais adiante, eu não tenho conflitos com a minha consciência. Ninguém aponta o dedo pra mim na rua. Não. Aí, alguém pode perguntar: “O quê? Você é santo?” Não, eu tive as minhas peripécias de criança, de adolescente. Nessa época da minha adolescência, em Santana, onde eu morava, estudava nesse colégio Padre Antonio Vieira, isso é lendário, vocês vão saber isso aqui porque só meia dúzia que sabiam. Nós pulávamos o fundo do muro da escola para entrar pelos fundos, pra assistir o cinema do Cine Santana pelo sótão, filmes pornográficos, tudo menor de idade. Um dia, um infeliz tropeçou em um cano lá dentro do sótão e capotou no meio dos canos, fez um barulho, foi uma correria. Tinha uma meia dúzia, uns oitos, que estavam sem aula, e saíram correndo por aquele sótão, pular pelo fundo do muro e não sei o quê, lanterninha daqui. De repente polícia na porta da escola pra saber de onde é que tinham vindo. Aquele Primeiro L que eu citei há pouco deu trabalho, deu trabalho. Até aquele, não sei se é papel machê, que você amassa e faz aquela massa pra fazer boneco e tudo o mais. Aquilo virou material de guerra dentro da sala de aula, dentro da escola. Depois tivemos que arrumar escada e espátula, limpar tudo, se não quiséssemos ser suspensos. Mas foi a turma que fez a melhor festa junina que aquela escola já teve, lembrei agora, me perdoe se eu lembrei atrasado. Pode conferir com todos os professores que estiveram no Padre António Vieira na época de 1976, 1978. A melhor festa junina que fizeram naquela escola foi organizada por aquela turma do barulho que tinha antigamente. Tinha o Farina, que era inclusive jogador do júnior do São Paulo, depois fiquei sabendo, o Buzin, que também se formou em Educação Física e tem uma academia de ginástica lá na zona norte, lá no Mandaqui, Academia Buzin, tinha o colega Paulo Cesar Bonifácio Fernandes, que tinha o apelido de Caju, era daqueles negões marrom, com cabelo black power enorme. Ele não gostava: “Não, sou moreno bombom”, que fazia charminho pras meninas. Tinha o Helinho que tinha problemas de leucemia que vivia com problema de doença de sangue, tinha o Roberto que era um colega negro, bom pra caramba no vôlei, já naquela época. Tinha outro que não me lembro o nome, tinha um outro Hélio, que era precoce, já era meio careca, mas tinha o cabelo comprido na lateral. Mas jogava um futebol de salão que parecia um Tobias da vida na quadra, era liso que nem quiabo. Então, tinha aquela patotinha. Tinha o Carlos, esse era gordinho, naquela idade, 18 anos, mais ou menos, ele pesava 110 quilos, e jogava um futebol de salão, cara Era bom, o apelido dele era Tiutonela. A gente aprontava de tudo, mas fez a melhor festa junina daquela escola, e de arte, quase todas. É bombinha no vestiário com bituca de cigarro, aquela que você coloca no pavio pra estourar depois, pular muro, essas coisas todas, mas nunca desrespeitamos professores, sempre estudamos, cumprimos com a nossa parte. Era aquela arte que devia ser corrigida. Eu sei que, por questões até de problemas de falta de estrutura mesmo, eu terminei o Segundo Grau e não dei continuidade, e vi alguns colegas que foram. Tinha um outro interessante, eu lembro dele também, eu tinha ele como exemplo. Ele, já com ideia de trabalhar com empresa pública ou qualquer coisa assim, porque a gente fazia muito desenho técnico, tinha a matéria de desenho técnico. E tinha um colega nosso que era bom nisso, e nessa época ele já trabalhava na Sabesp. Eu lembro o nome dele até hoje, é Carlos Alberto Biondo. Ele era bem moreno, de cabelo liso, penteado do lado, mas tinha um vozeirão, parecia o Elvis Presley. Quando ele falava na rodinha, tinha gente que achava que era um professor adulto conversando. E um pessoal muito bom. Tinha o Jairo, que era o filho de um oficial militar, que era crânio em matemática. Aquele professor Solda, que eu já citei, às vezes fazia desafio com ele: “Ah, então, faz essa equação”. Colocava aquelas equações de trigonometria que você pega uma folha de caderno universitário inteira, chega lá embaixo e termina, A é igual a um (risos). Desse tamanho aquela equação e, lá embaixo, A é igual a um. E ele fazia assim, pá-pum, pá-pum. Acho que tinha um curso que ele frequentava também, da subsidiária da Aeronáutica, que era muito bom. Personagens pontuais que a gente lembrava. E eu falei, “Poxa, apesar de tudo isso não tinha motivação”. E foi uma fase difícil da escola no Estado, por falta de professor. Naquela época teve muitas greves, eu cheguei a ter três professores da mesma matéria no ano, quando não faltavam. Aí, cara, começamos a descobrir os bailinhos, e, com 18 anos, começamos a descobrir os chopinhos. E lá em Santana tinha o famoso Bar do Justo. Pra quê? Quando eu vi que a coisa estava feia, eu fui lá no embalo dos colegas: “Vamos fazer o cursinho da Poli.” “Que cursinho da Poli?” “Aquele pré-vestibular pra entrar na Fatec.” “O negócio é bom.” “Ah, é? Então tá”. Nessa época eu ainda estava trabalhando... Desculpa estar fazendo esses parênteses do trabalho, que foi aquela fase mesmo, eu estava trabalhando já na Editora Brasiliense. E lá muita coisa era novidade, até pelo estilo de publicações que eles faziam. Eu fui trabalhar no Departamento de Vendas de Brochuras, eu era auxiliar de vendas de brochuras, tinha o de encadernados. E pelas minhas mãos passaram milhares de pedidos de vendas, praticamente todas as livrarias de São Paulo, naquela coleção famosa chamada “Primeiros Passos”, aqueles livrinhos de bolso, pequenininhos. Cada livrinho daquele era um tema. Explodiu, pegou que foi uma coisa de louco. Vendi muito. A Editora vendeu, né? Eu fazia o pedido, a minha gerente que ganhava, claro, eu era apenas um assalariado. E também as publicações do Monteiro Lobato, do Sítio do Pica-pau Amarelo. Fantástico. Como vendia aquilo, vendia que nem água. Às vezes era edição inteira, de três mil livros, que os caras lançavam de pouco em pouco porque não dava conta, não tinha mais material. E às vezes a edição já saía vendida. Estava no prelo, já saía vendida a edição. Primeiros Passos também. Depois eles começaram a lançar a linha de literatura marginal, que era conhecida, Porcos com Asas, Morangos Mofados. E era novidade aquele tipo de literatura, a gente lia e ficava: “Olha só o texto, o tipo de literatura, de gramática, o assunto, era bem escrachado, mesmo”. Começou. Depois eu fui dispensado porque a empresa teve uns cortes, foi quando eu fui trabalhar na editora com o meu pai e com os outros. Dali eu passei pra área de informática, quando achei que era um caminho, um ramo bom. E, quando achava que poderia fazer o curso de programação Cobol, não deu muito certo, aí eu acabei trabalhando somente como terceirizado no Banespa e voltei a trabalhar com o meu pai para ajudá-lo no escritório, no serviço que ele tinha de concorrência. Porque ele tinha começado devagarzinho, estava zerando, melhorou o movimento, daí ele me chamou de volta. Aí, eu comecei a fazer dois serviços. Foi nessa época que eu casei, melhorou um pouco a renda, ganho de um lado aqui e outro serviço ali, até eu acertar alguma coisa. Aí vem aquela história de pai pra filho que você já deve conhecer: “Um dia isso tudo vai ser seu, então, trabalha e carrega o piano aí”. Carreguei, bicho. Carreguei e tenho dor nas costas até hoje por causa disso, carreguei muito peso. Era de moto, de Kombi, toda Grande São Paulo, procurando as delegacias de ensino, escola, onde tinha concorrência, tudo. Eu carregava e descarregava Kombi, pegava moto debaixo de chuva, debaixo de sol, no maior pau. Era Jandira, Itapevi, Cotia, Barueri, Mairiporã, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Ribeirão Pires, Miracatu, até descia. Fui a Presidente Prudente, São José do Rio Preto... Fui onde dava, e tinha coisa porque a gente tinha material bom e de fornecedor bom. Aprendi muito porque trabalhei com diversos materiais. Escritório de informática era coisa pra três mil itens praticamente. E móveis de escritório, móvel escolar também, foi uma experiência muito boa. Praticamente 12, 14 anos de experiência, idas e vindas com o meu pai nesse bico. Ainda bem que isso está registrado na minha carteira ou eu tenho meu carnê de INSS que eu paguei de aposentadoria. Mas eu já estava trabalhando como digitador na área de informática, fazendo a minha vida, casei, tal. Depois as crianças nasceram, depois do meu divórcio comecei a tocar a minha vida sozinho e nessa época entrei na CET e topei a parada. Fui pra CET. Rapaz Aí, começou das 11 às cinco da manhã, depois o pessoal falou do horário, mexeu pras nove às três da manhã, depois acharam melhor, aí até ajudei. “Gente, o horário bom pra trabalhar com serviço aqui é das sete às duas da manhã”. Eu sugeri o horário e eles viram que realmente era um horário bom porque o meu trabalho era compilar toda a produção da equipe que trabalha na rua, fazer um backup e transmitir isso via modem, intranet, pra central, na Bela Cintra. Aí, lá eles compilavam todas as regionais e faziam o relatório geral. Isso tudo à noite, e de manhã o pessoal, a diretoria, gerência, imprensa, tem o relatório geral das atividades do dia anterior. Negócio bem bolado. Aí, eu fiquei lá durante um, dois, três, quatro anos, e parece que é meio cíclico na minha vida, não sei se é verdade ou não, foi chegando quatro anos, cinco anos, bateu uma vontade de fazer outra coisa: “Puxa, mas eu queria fazer mais alguma coisa”. Sugeri alguns procedimentos no trabalho, eu tenho isso de bom, eu sou uma pessoa que tenho um feeling muito bom pra soluções. Geralmente tenho aversão a ficar discutindo, brigando, coisas que estão erradas, eu gosto de ver um problema e pra mim surge com uma facilidade incrível. Não sei se foram tantas as experiências desde pequeno, ou de família, e que todos os trabalhos que eu tive de experiência, tanto dos mais humildes até esse que eu tive agora, uma visão bem maior das coisas. “Isso aqui, poderia melhorar assim”. Então, muitas sugestões, muitas coisas que eu ajudei a bolar. Havia projetos internos que surgiam pra melhorar o trabalho em tal e tal coisa. Eles tinham um curso interno pra sugestões de atividades ou de ideias pra melhorar a comunicação da empresa com os clientes e nós chamamos de clientes-cidadão. E eu sempre estava participando. E quando tinha uma ideia que era pelo menos analisada ganhava o pin, eu tenho isso até hoje em casa, guardado. De todas as participações. Participei de curso do 5S, aqueles cursos de aproveitamento, reciclagem e de você ordenar trabalho e material. Puxa, gostaria de fazer mais alguma coisa. Aí, surgiu o tal do projeto Ergon, que tratava de toda ergonometria, na postura de cadeiras, mobiliário, serviço de parâmetro pra todo resto da empresa. Sugestões e atualizações de programas pra trabalhar na intranet, softwares também. Sempre gostei de sugerir ideias e tudo o mais. Aí um dia: “Vai ter um novo concurso da CET” Teve vários nomes técnicos pra função de marronzinho, que no princípio era conhecido como amarelinho. A CET surgiu de uma equipe oriunda dos engenheiros do metrô na época das obras do metrô, uma equipe que se formou pra administrar a parte logística e entorno das obras, sinalização viária, e acabou se especializando praticamente nesse ramo. Dali foi constituída a empresa municipal em convênio com o Estado. Porque a empresa é como se fosse uma empresa Agente da Autoridade de Trânsito que é o Estado, então, você tinha um convênio e transferia a autoridade pra empresa municipal constituída. A partir dali a coisa tomou um volume tal que começou na época a seleção de pessoas treinadas especificamente pra isso, porque já havia o corpo de engenheiros e técnicos pra cuidar da parte de projetos de sinalização viária, vertical e tudo o mais. Precisavam de um corpo operacional que trabalhasse efetivamente na rua. E aí, numa dessas seleções, quando eu já estava trabalhando como digitador, surgiu a função, vai ter o concurso pra operador de tráfego. Eu tive vários nomes: técnico de transporte e tráfego, técnico de tráfego, operador de tráfego, operador de trânsito, deve ter sido um tipo de adequação jurídica ou de perfil profissiográfico que o pessoal fala, que foi na CLT. Eu não lembro exatamente detalhes. Eu sei que eu encarei: “Eu vou fazer esse concurso agora, vou tentar ser operador de tráfego pra trabalhar na rua”. E eu lembro que foram 14.600 candidatos. Eu passei, fiquei em 86, eles precisavam de 150, daí eles fazem a seleção de três vezes a quantidade de vagas, depois vai selecionando. Mas eu passei já na primeira qualificação, em 86, já fui direto. Aí, foi abraço daqui, cumprimento dali, parabéns de lá e eu comecei a trabalhar na rua. Cara, vocês podem até dizer: “Você está fazendo média pra proteger os marronzinhos”. Olha, é mais um convite que eu faço pra quem não conhece. Entra no site, cetsp.com.br. Ou parem, se for possível, meia hora num cruzamento onde houver um marronzinho a trabalho. Ou, se entrar no Orkut, há várias comunidades relacionadas com a CET, funcionários, regionais, gerência. Tem vídeos, fotos etc. As pessoas deveriam conhecer um pouquinho melhor essa empresa. Eu não estou fazendo aqui apologia pra proteger não, eu mesmo não conhecia. Quando eu entrei, conheci, vivi e o que eu fiz lá dentro dessa empresa, eu posso dizer que foi, não posso dizer uma página, mas um livro a mais na biblioteca da minha vida. Tem as dificuldades, como em toda empresa pública, eles sabem até onde podem e devem ou não fazer, e cada um responde por isso. Mas na rua, posso dizer pra vocês, não tem pra ninguém. O marronzinho, talvez no primeiro ou segundo ano, ele não está adaptado, preparado, não tem talvez o domínio da situação. Mas, com o tempo, eu poderia dizer assim, nós – eu digo nós porque isso ainda está na minha veia –, quando estamos no local, quando já estamos com a profissão dominada e somos pessoas já envolvidas com o entorno do trabalho, porque pra ser um marronzinho, são dois, três anos, quatro anos, mais ou menos, nós temos aí cerca de uns 20 cursos, mais ou menos, de aperfeiçoamento, de reciclagem, de treinamento, pra cada situação que ocorre na rua. Se um dia você precisar de alguma coisa no trânsito, na rua, pode parar, perguntar, solicitar ajuda de um marronzinho. Ele pode estar à pé, de moto, de Kombi, de gol, de pick-up, pode ser até do guincho. Garanto que, se ele não resolver, ele vai dizer como fazer, ou indicar quem possa resolver. Se eu disser isso, 99% das vezes eu posso confirmar isso pra vocês. Eu convivi com as pessoas na rua, e a maioria das situações, muitas vezes nem a chefia, que está lá dentro, tem a noção, não sabe a dinâmica. Mas são casos espantosos, fantásticos, engraçados, coisa de você se agachar de rir, de doer o estômago, de parar no happy-hour com a galera numa sexta-feira pra fechar a conta da semana. Como a gente tinha uma turma que a gente chamava de turma da Coca: “Vamos tomar uma Coca-Cola”. Mas de vez em quando alguém pede um conhaque, uma vodca, uma caipirinha. Mas nós vamos lá pra tomar Coca-Cola. Aí, quem come, quem bebe é outra histórinha, mas é isso. E muitas vezes situações tristes, muito tristes. Mas quando nós tínhamos nossa posição consolidada como agente da autoridade de trânsito municipalizado, ali nós somos uma autoridade, a não ser que haja vítimas no local, o que envolve a autoridade maior que é a polícia, nem sempre o investigador de polícia, que muitas vezes é confundido como polícia, é investigador de polícia, ele tem autoridade policial dentro de sua função, que é diferente de um policial militar. Esse sim, um policial militar é uma autoridade constituída, ele pode ou não intervir a qualquer momento, é claro que tem os procedimentos e tudo o mais, e a hierarquia ser respeitada. Mas muitas vezes aconteciam situações de embate entre instituições, pessoas, que às vezes a própria pessoa não tinha noção do seu campo de trabalho e dos seus limites de autoridade e do nosso. Isso gera, até hoje eu sei que gera, muitos conflitos. Então, havia, por exemplo, situações em que eu chegava para uma pessoa de certa instituição, eu vou poupar aqui inclusive porque não é a instituição que a gente fala, nós falamos de pessoas. E eu tinha de colegas meus, um elogio que me deixa muito feliz, eles diziam pra mim assim: “Garducci, como é que você consegue, como é que você faz?” “Mas eu faço o quê?” “Você quase nem pisca e os caras não te dobram.” “Sabe o que é isso? É saber que eu estou fazendo o que é certo dentro da minha autoridade, e que eu estou dominando uma situação”. É uma questão de coerência, a partir do momento em que eu não tiver domínio, ou que eu não sei o que eu estou fazendo ali, dentro daquilo que me é atribuído como pessoa, então, eu vou procurar alguém superior pra me ajudar. Mas até o momento, enquanto eu sei o que eu faço e está dentro das minhas atribuições, ali eu mando. Eu sou uma autoridade ali, eu estou vestindo a camisa da empresa, eu tenho que respeitar isso, tenho que fazer valer a minha postura, com toda educação, com toda frieza, engolir o sapo. Eu tenho que estar ali pra atender as pessoas. E às vezes, aquele cidadão, cidadã, “’Ótoridade’, você sabe com quem você tá falando? Olha minha carteira aqui”. Ele é uma pessoa que, naquele momento está em desequilíbrio, alguém tem que estar são e firme pra ajudar a resolver o problema.
P/1 – Conta essa história, o que aconteceu?
R – Eu vou citar o local, mas eu não sei o nome da pessoa e também não vou citar a instituição porque, volto a dizer, não é a instituição, é a pessoa, assim como a CET também tem pessoas que, às vezes, causam problemas. E esses problemas, eu sou do tipo da formação que você pode causar um problema, o que causou o problema? Vamos tentar resolvê-lo em vez de ficar apenas criticando o problema? Então, essa pessoa chegou uma vez e falou assim: “Vocês só sabem multar! Vocês vivem com a caneta na mão, o negócio de vocês é só enfiar a caneta”. Aí eu cheguei e já entrei de sola, dentro da postura toda, e com educação, eu falei: “Amigo, enfiar a caneta eu não enfio, até porque isso dá assédio, dá processo e eu perco meu emprego por justa causa”. Aí, já quebrei o gelo, porque havia um outro que, eu já tinha amizade, e esse, que é da mesma instituição, estava ali de gaiato. Ele chegou já criticando veemente: “Vocês, da CET, só servem pra multar. O negócio de vocês é enfiar a caneta”. “Não, porque vocês não sabem fazer outra coisa”. “Amigo, pelo menos tenha o bom senso de lembrar. Pare ali numa esquina da Avenida do Estado com Mercúrio, uma Faria Lima com Rebouças, Oscar Freire com Rebouças, Brasil com Rebouças. Ou na Vila Mariana, na Domingos de Moraes com Sena Madureira, ou numa Luiz Inácio de Anhaia Melo, com Salim Farah Maluf. Para pra ver o trabalho do marronzinho. Tem alguns que talvez não tenham procedimento perfeito, adequado, ideal, mas você está falando e você esquece que vocês são, infelizmente, porque eu tenho amizade com pessoas e delegados, mas alguns de vocês, infelizmente, são os que mais nos dão trabalho e causam problemas. Nós temos que depois ficar justificando pra chefia porque fulano passou na minha frente com celular na mão, sem cinto de segurança, no semáforo vermelho, na faixa de pedestres na hora em que os pedestres estão atravessando, na faixa exclusiva de ônibus, estaciona em cima da calçada, estaciona sobre a faixa de pedestres, faz conversão proibida, passa em excesso de velocidade... E você vem achar que tem moral pra achar que marronzinho multa muito? Eu não sei se foi consciência dele que pesou na hora que eu comecei a fazer a relação de infrações que alguns colaboradores dessa instituição cometem diariamente, se achando “otoridades” e que geram conflitos, porque nós acabamos, com o uniforme, presentes, sendo indagados a todo o instante: “Por que aquele cara parou no vermelho e você não multou?” “Por que aquele carro está em cima da calçada, ou em cima da faixa de pedestres, ou bloqueando o acesso do cadeirante?” “Por que você não multou aquele carro que aquele fulano ali?”. Eu vou falar pra ele assim: “É, mas é que ele é de tal instituição.” “Imagina, é um carro comum, vocês têm que tomar postura”. “Sim, nós fazemos, é que aí nós temos um procedimento, pra não causar muito constrangimento, muito questionamento, entre instituições. Fazemos um relatório, dependendo da quantidade de ocorrências e a gente manda pra chefia, pra que então, para que haja uma negociação de chefia pra chefia, de pessoas que têm a autoridade pra isso pra que se oriente os condutores desses veículos, para que eles possam se portar de maneira um pouco mais civilizada, mais respeitosa, diante do público”. Foi quando, inclusive, começou-se a exigir que tais veículos tivessem dispositivos luminosos, mesmo que fossem descaracterizados como oficiais, pra que fossem identificados. A população poderia saber que é um veículo descaracterizado comum, mas que lá dentro tem uma autoridade, diante de uma ocorrência, uma diligência, está trabalhando. Porque os veículos comuns, sem nenhum tipo de identificação, você tem que fazer a sua parte, tem que autuar.
P/1 – Geraldo, você deve ter milhares, mas pra exemplificar só pra gente ilustrar um “causo”.
R – Um “causo” bom?
P/1 – Bom.
R – Um dos meus últimos, na região da 25 de Março. Era uma operação de final de ano ali, era uma bagunça que acho que todos conhecem. Aquilo ali, gente, informalmente é a porta do caos. Então, nós nos desdobramos ali. O marronzinho está preparado pra tudo, até pra socorro emergencial, quantos socorros eu não fiz na rua, de motociclistas caídos e acidentados de toda ordem, até motociclista que, na época da construção do Fura-Fila, na Juntas Provisórias, fez a curva e acreditou que era bom fazer isso junto com uma cegonheira de carros, escorregou e a cegonheira passou por cima dele. O fato em si, muitas vezes você acaba se acostumando, como temos nossos bravos heróis bombeiros, aquela frase que dizia: “Há que endurecer, mas perder a ternura jamais”. E depois de meia hora, você vê uma senhora de idade, uma moça e uma criança de colo chegar pra reconhecer o corpo do marido. Aí é forte. Ou então, na Marginal Pinheiros, perto da ponte Eusébio Mattoso, há pouco tempo, um motorista estava na ponte fazendo plantão na pick-up, acho que no final de semana, eu estava em cima. E eu ficava com a viatura em um zebrado, em um lugar bem visível, onde as câmeras de monitoramento percebem de longe, e a chefia também, claro. Tem que saber, mesmo de longe, que a gente está ali, e com o rádio na mão, de plantão, você pode estar fazendo um relatório de ocorrência, escrevendo o que você fez, as informações de horário, data, observações que ocorreram, tudo. Nós temos diversos relatórios de acidente, com vítima, sem vítima, linchamento, de atividade, de fiscalização de obras da via, de todas as empreiteiras que trabalham em São Paulo. O marronzinho tem o trabalho que vai de uma calçada a outra da via, praticamente. Ele fiscaliza. São muitas as atribuições, até sobrecarregam. É por isso que muitos são adeptos de que a CET deveria ser uma corporação, três, quatro, cinco vezes maior do que é, pra desempenhar bem e cumprir com domínio todas as atribuições que ela tem. O que acontece? Por falta de condições estruturais, ela é mais concentrada no Centro. Então, nós normalmente ficamos em pontos estratégicos, com o grupo que nós temos, com a viatura que temos, muitas vezes não é o suficiente também, um guincho colocado estrategicamente, monitoramento, alguém que circula de moto, fazendo ponte de ligação com os outros colegas e, vez ou outra, casos assim. Eu estou na Ponte Eusébio Mattoso, parado no zebrado, final da tarde, tudo ligadinho. E o motorista para do meu lado, branco dentro do carro, tremendo, gaguejando. Resumindo: “Ali atrás, na pista, agora, o caminhão passou por cima de um motociclista e separou a cabeça do corpo”. Tiveram que pegar o capacete com a cabeça do cara no guard rail que rolou. É grosseiro, pode ser dantesco, mas são coisas tristes. Como também na época das obras do córrego do Ipiranga, ali na Ricardo Jafet, socorrer, não é nem o correto, apenas amparar e proteger o local, quando o motociclista também perdeu o controle no meio dos desvios, das madeiras ali, caiu, o caminhão passou por cima. Mesmo com capacete, a cabeça ficou achatada, com afundamento craniano. Ou pessoas com o abdômen aberto, ou com fraturas expostas. Ou pessoas, como os bombeiros falam, ele está em estado de choque, pode estar até com uma hemorragia cerebral, uma hemorragia interna, e a pessoa em estado de choque, ela está hiperativa, ela não fica no lugar. E ela não sabe nem o que está acontecendo ao redor dela, ela quer levantar, quer sair e tudo o mais. E você tem que pegar ali na hora, um motociclista, jogar no chão, meter o joelho em cima do peito dele, pedir pra alguém ajudar, segurar o cara no chão até o bombeiro chegar pra dar uma injeção nele, pra estabilizar. O cara está com um galo enorme na cabeça, que você não sabe se o cara vai convulsionar com uma hemorragia interna e tudo o mais. Nessas horas o pessoal para: “Homem, vocês são da hora, meu. Pô, eu não sabia que era assim a coisa”. “Você não sabia que era assim, mas mesmo assim tem colegas nossos que tomam tiro nas costas, sofrem emboscada e morrem indo pra casa. Atropelado na moto e morre, como temos na história da empresa. Colegas que estão até hoje tetraplégicos ou ficaram anos em coma no hospital, colegas que têm sequelas psicológicas e físicas até hoje”. Sabendo que a gente está ali sempre que tem ocorrências de todos os tipos, esse lado triste, geralmente nós somos os primeiros a chegar, chegam os bombeiros e geralmente a polícia chega depois. Em poucos casos a polícia chega primeiro, geralmente chegam os bombeiros. E a imprensa sempre chega por último, exceto em poucos casos. Aí, quando eles começam a filmar aquele auê todo que vocês veem, raramente aparece o marronzinho na imagem, raramente. Geralmente nós já fomos embora, já está tudo resolvido. É quase como aquele herói oculto, que tem a imagem mais distorcida da sua função, das suas atividades. Mas tem muitas coisas boas que às vezes a gente abraça, vendo a situação na rua. Um caso clássico foi uma das enchentes que teve no Anhangabaú. O Brasil inteiro viu isso, foi até no exterior, saiu na internet, acho que tenho até hoje o filme gravado na internet, no Youtube. Quando encheu no Anhangabaú, não havia ainda uma previsão, dados suficientes pra poder ter uma pronta reação com relação a uma enchente. Ninguém tinha noção do que poderia acontecer de uma hora para outra. Quando foi percebido, as grelhas do Anhangabaú foram readequadas, as máquinas de sucção, as bombas que deveriam estar lá prontas para uma emergência, para escoar. Deveria ser feita uma limpeza mais ostensiva em torno do túnel do Anhangabaú pra evitar sacos e aglomeração de lixo que pudesse escorrer pra lá. Naquele dia, que teve aquela enchente repentina, alagou o túnel e encheu até quase o teto. Carros ficaram boiando com gente dentro, empilhados em cima do outro. E um colega nosso achou uma corda, amarrou na cintura e saiu nadando pra tirar uma senhora com uma menina que estava dentro de um carro e outros fizeram assim também. Tiraram fotos, aquela coisa de louco, mas isso é o que eles falam, os mais velhos quando a gente chega e fala: “Meu, isso pega na veia, porque você vai se sentir útil”. Você está treinado e preparado pra fazer as coisas na rua, você se sente com autoridade, preparado ali pra agir. E quando você vê que a situação é muito grave, você tem que pedir ordem pra chefia. E quando a situação é mais grave, a chefia, gestor, supervisores da empresa, na central, eles movimentam toda a estrutura necessária em volta, que for necessária para o apoio daquela ocorrência: enchentes, acidentes graves e tudo o mais. Aí, pra isso a gente passa por treinamento de moto, um curso avançado de moto com tudo pra poder ficar bom mesmo de motocicleta. Temos o treinamento pra direção defensiva e pilotar as viaturas, as pick-ups, Kombi e automóvel, para quem já tem habilitação entra na empresa e já tem a mão de obra por conta nessa área. Na rua a gente faz desde esses atendimentos mais tristes, quando se perdem vidas ou pessoas que se machucam muito, até alagamentos, queda de árvores, a fiscalização da Zona Azul. Às vezes as pessoas não acreditam, mas nós conhecemos e sabemos, só de olhar, o movimento a até cem metros de distância, o que está acontecendo no local. Quando há estacionamentos irregulares, valets, manobrista que põe carro tudo errado, não põe cartão de zona azul. A gente chega nessas pessoas e fala: “Olha, coloca o cartão”, orienta como fazer corretamente, isso fez muito bem pra mim. Porque eu colocava em prática, talvez um pouco da minha educação de família de dar o exemplo, e ser o orientador. A responsabilidade de um personagem que está com conhecimento e que passa pra outros que não sabem, que não conhecem, o caminho correto, o procedimento correto, isso é muito bom. Pra mim foi extremamente gratificante, nos 12 anos que eu estive na empresa, as amizades, o espírito de equipe, a reação das pessoas, às vezes emocionada: “Puxa, fizemos, conseguimos, salvamos, melhoramos, ajudamos”. Tempestades em São Paulo que apagam um cruzamento inteiro, como um que eu tive uma vez na Avenida Rudge com a Baronesa de Porto Carreiro, lá embaixo, do lado da Ponte da Casa Verde. Apagou tudo. Eu tava de botina e uniforme sem capa, sem nada. Até que um chefe meu falou: “Vamos canalizar as pistas ida e volta, quem vier da cidade passa por duas faixas só pra ir pro bairro de Santana, quem vem da Porto Carreiro, entra e pega as duas faixas que sobraram pra ir pra Santana”. E aí nós perguntamos: “E o pessoal que vem de Santana pra ir pra São Paulo? Vai cruzar como?” Nós desviamos, bloqueamos ali antes de cruzar e desviamos pela praça, a praça que cruza com a Baronesa de Porto Carreiro. Ali então, pode ficar somente um operador, um técnico, porque quem vem do centro passa direto, quem vem da cidade passa pela praça, quem vem da Barra Funda passa também pela praça, então, uma pessoa só ali, estrategicamente, controla os dois fluxos em um único lugar que se cruzam. Mas quem é que vai fazer isso? Tinha um colega já de manhã, aí o meu gestor mandou ficar no período da tarde, e já era umas duas, três horas. E eu não tinha nem almoçado ainda, o que muitas vezes acontece, nós nem comemos. Quando muito, em dez minutos corremos pra ir no banheiro em algum lugar, anota no relatório que saiu do lugar, o horário que saiu pra fazer o que, necessidades especiais, vai e volta, cinco, dez minutos, toma um café, alguma coisa quente pra poder proteger a garganta, porque você tem um esforço acentuado quando apita ou grita num lugar desses. Além da poluição, tem a secura da garganta, né? É por isso que muitos colegas nossos, inclusive eu, temos problemas com rinite crônica, problemas respiratórios, muito tempo em pé ou andando em situações extremas de calor, 45 graus às vezes no asfalto, você pisa no asfalto e fica ali debaixo do sol quente, somente com um boné, às vezes um óculos escuro e protetor solar. Ou então, quando está muito frio, e muitas vezes você está dentro de uma viatura quente e tem que sair na friagem, na garoa ou na chuva para atender a uma ocorrência. Às vezes no frio, de dez, nove graus, então, o pé fica gelado. Há muitas coisas que as pessoas não sabem, que faz parte da nossa rotina e que nós damos muito mais na nossa atividade do que às vezes está na nossa obrigação. E é que muitas vezes as pessoas que estão na administração não veem. Porque estamos ali na rua e fazemos coisas pra ajudar na hora e nos expomos às vezes. “Mas vocês não têm que se expor”. “Mas se a gente não fizesse isso, muita gente estaria em situação difícil”. E nesse dia eu falei pro meu chefe: “Eu fico”. “Só tem você na equipe que é mais antigo, tem mais experiência, que pode dominar aí”. E eu, por vaidade, posso dizer, em uma casa especializada, comprei um apito meu, particular, um apito que a gente chama de turbo, de metal, mais comprido, parece uma locomotiva (risos). Porque normalmente a empresa cede aquele apito de plástico, é o adequado pras funções. Eu, particularmente pra função, fui buscar uma coisa mais potente e esse apito é terrível, tenho ele guardado até hoje em casa. E quando eu apitava, ou o pessoal parava porque sabia que era guarda, ou parava porque sabia que estava acontecendo alguma coisa, porque escutava de longe (risos). E eu fiquei ali naquele cruzamento, naquele dia, e começou a chover. E chove, e chove, e não vinha rendição do turno da noite, eu tinha que ficar lá até pelo menos cinco, seis horas. E chovia. E naquele cruzamento, naquele dia, foi um palmo, mais ou menos, uns 20 centímetros de água, mais ou menos. E eu ali debaixo de chuva, e segurava o pessoal que vinha do fórum da Barra Funda, deixava o pessoal que vinha de Santana e passava pela praça pra poder ir pro centro, segurava às vezes o pessoal que vinha de Santana, deixava o pessoal da Barra Funda passar, e debaixo de chuva. E o pessoal com o limpador de parabrisa, às vezes nem me via e eu tinha que ficar no meio do cruzamento, debaixo da chuva. Não era aquele serviço que a gente tem um pouco mais de respiro, que você pode ficar lá na calçada às vezes e dá sorte de que no seu horário tem sombra. Porque dependendo do seu lugar e do seu serviço, você fica debaixo do sol de 35 graus. E ali eu fiquei, não tinha jeito, eu tinha que ficar no meio do cruzamento ali. E foi ali cara, até de noite. E a manutenção não poderia vir porque não poderia energizar o sistema do cruzamento porque poderia dar curto. Todas as caixas ali estavam debaixo d´água. Você vai energizar o negócio, pode entrar em curto, pode dar uma descarga, e eu, por exemplo, com bota, todo molhado, e pedestre atravessando embaixo da água toda, tem esse risco calculado que o pessoal procura evitar. E eu apitei ali debaixo de chuva. Eu só colocava o boné assim, em cima dos olhos, que era para os pingos não pegarem nos olhos, pra poder enxergar direito a situação. E ficar ali, apitando até que uma hora a chuva parou. Era umas cinco e pouco da tarde, veio a manutenção, começou a fazer check-up, check-point ali pra ver onde estava o problema. Aí, baixou a água, eu tava totalmente encharcado, só não tinha peixinho, ou um sapo ou rã ali dentro da bota porque o Tietê não tinha transbordado naquela época. Quando acabou, de repente ligaram o sistema e começou a funcionar. Aí, eu estava ali encerrando a coisa, sabe quando você está exaurido, no final, a garganta já ardendo, dor de cabeça, encharcado, só querendo voltar pro vestiário, tirar aquela roupa molhada, enfiar em um saco e levar pra casa, pegar um outro uniforme seco, chegar em casa, tomar um banho quente? Aí, quando eu vi tudo aquilo, eu estava em uma calçada do lado de uma loja que tem de alinhamento, acho que chama Alinhamento Anhembi, se não me engano, tem até hoje. Aí, um senhor de cabelo grisalho se aproximou de mim e eu falei: “Pronto, ainda vem mais alguém me tirar uma lasca?” “Dá licença, filho?” “Pois não, senhor” “Qual o seu nome?” “Sou o Garducci, posso ajudar?”, a postura nossa é sempre essa. “Eu posso lhe cumprimentar?” Eu já fiquei desconfiado, “Cumprimentar por quê?” “O senhor não viu não, mas eu estive aqui na porta da loja o tempo todo, desde que apagou o semáforo, que o senhor chegou. Eu nunca vi alguém fazer o que o senhor fez hoje.” “É, mas é o nosso serviço, nós temos que estar preparados pra isso, e alguns momentos a gente tem que doar um pouco mais, mesmo. Todos os nossos colegas, em determinado momento, fazem isso.” “Sim, eu até acredito que você deve ter muitos colegas que trabalham assim, também sei que tem muita gente nova que, às vezes, tem serviço um pouco diferenciado porque é questão de experiência. Mas, eu, pessoalmente, tinha ouvido falar e não tinha noção do trabalho de vocês. Eu nunca vi alguém fazer em um cruzamento, nem na época da polícia militar, alguém que fez o que o senhor fez aqui hoje”. Eu juro, eu fiquei emocionado ali na hora. Eu falei: “Olha, eu sei que até pode ser uma questão de vaidade, de orgulho, mas eu fiz com coração, eu fiz com gosto, porque eu sabia que um gesto meu errado, um apito meu errado, ou se eu largasse aqui, poderia acontecer alguma coisa muito grave. E muita gente aqui, durante esse período, a segurança, o seu patrimônio, a sua integridade física, todo o entorno desse cruzamento e de outros lugares mais pra frente tem outros colegas trabalhando também, que estão lá, ou estavam pelo menos até resolver o problema do semáforo e da luz. Todos fazem a sua parte. Eu sei que eu estava ajudando muita gente aqui nesse momento, mesmo que não percebam. Mesmo que a gente tenha a fama do lado mais retorcido.” “Não, mas olha, eu quero dar os parabéns e eu quero saber se tem alguma maneira da gente mandar um e-mail, uma correspondência, para elogiar o trabalho de vocês aqui, principalmente o seu, se você não se importa.” “Nós temos lá um setor que, se o senhor quiser, a gente agradece, mas se o senhor quiser fazer alguma citação particular em especial, eu agradeço também, mas fique ciente que é a nossa obrigação, até.” “Eu sei que é obrigação, mas eu duvido que tenha tanta gente que trabalhe como você, ou como esses outros amigos que você falou.” “Tem sim, tem sim, tem muita gente boa lá, muita gente que não tenha experiência, talvez, que possa, às vezes, não ter o mesmo desempenho.” Mas todos, na empresa, têm esse espírito de equipe, de ajudar, de resolver, tanto é que a empresa é muito bem vista no mundo inteiro, o nosso know-how, o que a gente faz, o conhecimento e a nossa atividade na rua. Um dos maiores reconhecimentos que tivemos, não tem muito tempo, e isso vocês podem confirmar, saiu na imprensa, a Federação Internacional de Automobilismo classificou a CET como a melhor gestora de trânsito de todo o circo da Fórmula 1 do mundo. Pode dizer que é uma pontinha de satisfação, de orgulho? É. Não teve pra Japão, pra Alemanha, pra Espanha, não teve pra Estados Unidos, França, Inglaterra, não teve. Nós somos os melhores gestores de trânsito, pelo menos em todo o circo da Fórmula 1. E tantos outros prêmios que a empresa recebe, grupos de estudo de estágio que vêm pra conhecer o nosso: “Como é que vocês dão conta de fazer tudo isso, esse volume de informações, de atividades?” São 800, 900 remoções de carros quebrados que a gente empurra, retira, arrasta de túnel. Por exemplo, cada turno nosso no túnel Rebouças, Jornalista Vieira de Mello lá embaixo, por dia, cada turno, cada um de nós, era meia dúzia de carros. Cada um de nós, são duas viaturas, uma que sobe e uma que desce. Fora os que estão nos pontos de cruzamento, só ali. Fora os acidente que ajudamos a remover. Ou então, conflitos, tipo, no final de ano na Rua 25 de Março, uma vez um policial militar até falou assim pra mim: “Puxa vida, essa caneta de vocês é mais nervosa do que nós com o 38, viu?” “Como assim?” “O pessoal tem mais medo da multa de vocês do que da gente armado.” Isso é verídico, é claro que eu nem me lembro da placa do veículo, mas o personagem, ou talvez as características do veículo podem até ser lembrados de alguma maneira e eu não vou utilizar aqui a minha condição pra ser um crítico, julgar ou qualquer coisa, apenas vou relatar o fato. Naquele final de ano da Rua 25 de março eu estava em um determinado ponto, bem no miolo, acho que é Benjamin Jafet com Porto Geral, alguma coisa ali assim, bem no miolinho ali. E há uma pintura no chão, que é aquela pintura de faixas brancas, que a gente chama de zebrado. Ali não pode estacionar nem carro oficial, a não ser uma viatura oficial com luminoso ligado, que justifique que o condutor ou policial ou autoridade esteja em uma operação, em uma ocorrência. Do contrário, não pode. Se ficar é por conta própria, porque até os carros oficiais a gente pode autuar, ou fazer um relatório, anotar todos os dados, prefixo, chapa, os dados da ocorrência que depois vai lá pra cima. Tem gente que costuma abusar. Eu estou ali, em pé, naquela postura de coruja praticamente, virando a cabeça pra 360 graus, controlando fila dupla, pedestre, estacionamento irregular, manobrista, carga e descarga, não sei o quê: “Pelo amor de Deus, é o fim do fim do mundo, não tenho lugar pra parar e eu só tenho que jogar esses pacotes pra dentro.” “Vou contar até dez.” “Só dez?” “Nove”. Aí, a pessoa começa a correr. Eu estou autorizando você nesse momento, não é que é permitido, a lei e a sinalização não permitem, mas diante da sua situação, das circunstâncias e da minha responsabilidade, eu tenho autoridade pra isso agora, estou avaliando. Essa ênfase que eu estou fazendo são vários pontos que a gente cita pras pessoas. “Mas o fulano fez, outro dia podia.” “Amigo, nós não podemos responder pelos outros, neste momento, aqui e agora, eu posso ou não posso autorizar isso. E ao que me cabe isso é muito grave e eu não tenho autoridade, eu não vou assumir essa responsabilidade, então, o senhor não pode fazer isso, eu não vou permitir.” Ou então, diante das circunstâncias ali, eu permito. “Então, pode colocar esse seu pacote pra dentro.” “Mas eu posso esperar a pessoa...” “Aí, não. Estou permitindo que o senhor faça a sua carga rápida por quê? Pra mim é interessante o senhor desocupar a calçada, o senhor tirar o seu veículo e achar um outro lugar pra estacionar, ou então, circule e marque um encontro com a pessoa, que aí o senhor para o carro e a pessoa entra. Estou tentando ajudar o máximo que eu posso, ok?”. Então, havia aquela coisa fria, calculada, que você desenvolve. E é isso que meus colegas, e um em especial, me dizia que eu tenho uma facilidade muito grande, né? E aí, eu estou ali em pé, depois de resolver tudo, até os manobristas já tinham amizade: “Ó, eu tô segurando aqui porque o outro está saindo e vai entrar na vaga”. “Então, tá, é só pra um sair e ocupar a vaga. Não deixa parado aí senão você me trava e não tem jeito”. Ok. Aí, de repente me para uma Zafira azul, em cima do zebrado, embaixo da placa de proibido. Um senhor dirigindo com o carro filmado, película filme, celular na mão, bate a porta ali, na minha frente. Com o zebrado e embaixo da placa em um telefone celular. Eu: “Senhor, senhor por favor”. Ele no telefone, olhou pra mim, e preocupado com uma coisa no telefone, não sei o quê. “Senhor, por favor, o senhor não pode deixar o carro parado aqui”. Era um carro de corpo consular, placa azul. Tinha uma viatura da PM do outro lado da rua, o PM já estava filmando a situação. “Senhor, não pode estacionar o carro aqui, por favor. Nós estamos em uma operação de fiscalização intensa na região. Se o senhor estivesse embarcando alguém a gente pode até facilitar, mas estacionar e deixar o carro não pode.” Eu acho que eu atingi os brios desse senhor de uma tal maneira, ele ficou vermelho: “Com quem você pensa que está falando? Eu sou uma autoridade diplomática do meu país! Você, quem é pra falar desse jeito comigo? Você vai perder o seu emprego, eu conheço o secretário e o prefeito. Eu conheço o presidente da sua empresa. Você acha que pode falar comigo desse jeito, me desrespeitando?” Eu, aqui dentro: “Minha nossa, já vi que vai dar uma meia hora pra tentar colocar a coisa em um nível adequado” “ O senhor me desculpa se eu não me fiz entender. Eu não estou questionando a sua autoridade, nem estou, de modo algum querendo lhe desrespeitar, por favor, não me entenda dessa maneira. Estou tentando explicar pro senhor que o seu veículo não tem autorização pra estar estacionado nesse local. E que a autoridade aqui, nesse caso, sou eu. Eu estou apenas tentando lhe orientar pra evitar problemas, porque senão eu sou obrigado a lhe autuar.” “Mas isso é um carro de diplomacia.” “Senhor, eu não sei se o senhor está mal informado ou assessorado. Todos os veículos são passíveis de autuação, independente do grau do que está cometendo. E nesse caso aqui, eu estou lhe dizendo, o seu veículo está totalmente irregular e o senhor não pode deixar o carro aqui.” E ele, veemente: “Não, eu vou chamar a polícia, nós vamos na delegacia e vou mandar prender o senhor.” “Só que o senhor está enganado, a autoridade aqui sou eu, e se o senhor me causar problemas, eu é que vou chamar a polícia e nós vamos pra delegacia, sim. Só que eu tenho certeza, lá não sou eu que vou ficar.” O homem não acreditava. Acho que ele nunca teve um embate desse tipo, eu pensei, ele no mínimo desconhece totalmente as instituições e o grau de hierarquia em São Paulo. Porque ele tinha um sotaque, não sei se era árabe, ou libanês, uma coisa assim. E ele não se conformava. Aí começou, sabe o povo todo em volta para começar a filmar a coisa, ficar olhando. E eu escutava assim: “Mas será que pode ou não pode placa assim?”. Aí, ele ligou. A viatura encostou, ela estava do lado, recebeu: “O que está acontecendo?” “O senhor aqui estacionou e eu expliquei que não podia.” “Mas placa azul não pode?” “Olha, se ele tivesse sido um pouco mais educado, e tivesse acatado o que eu disse, não teria dado nada disso. É que acho que ele está se sentindo agredido nos brios dele, na vaidade, na posição dele. Eu fui extremamente educado e profissional.” “Mas e aí, você vai multar mesmo?” “Eu vou multar, eu vou ter que fazer essa autuação, é lógico que eu vou ter que mandar com relatório junto, porque se trata de uma autoridade, você tem que ter o respeito adequado e justificar para que a nossa chefia também possa ter respaldo, saber exatamente o que aconteceu”. Aí, ele veio. Quando esse homem viu a via amarela no parabrisa, gente, ele cresceu. Aí, ele falava pro policial: “Prende ele”. Aí, o policial: “Não posso, senhor. Ele também é uma autoridade aqui no local e ele não está fazendo nada errado, ele está fazendo o correto. E se ele está dizendo que o seu carro está errado, é porque está errado”. Aí, o homem ficou roxo, verde, azul, amarelo. “Eu quero seu nome, o seu registro e o seu endereço.” “Olha senhor, se o senhor precisar fazer algum questionamento, alguma reclamação, sugestão, crítica ou qualquer coisa, o senhor, por favor, ligue no 194”, que era o telefone que nós usávamos na época, que era um prefixo pra ser utilizado pela Polícia Federal. Nós tínhamos concessão pra usar aqui em São Paulo, depois passou a utilizar aquela Central de Atendimento 156. “Ou então, por favor, o senhor se comunique com nossa central, marcando entrevista, ou então pela internet, cetsp.com.br” “Não, porque eu quero o seu nome, não sei o quê, não sei o quê.” “Olhe, o meu registro está na via amarela, o senhor pode fazer a sua reclamação e citar o meu número de registro, está aí. Por favor, retire o seu veículo porque o senhor está...” “Mas eu sou autoridade, eu posso” “Não pode, senhor. O senhor está mal informado. E se o senhor tem esse tipo de conduta, assim como muitos outros que nós temos ciência, e muitas vezes até procuramos amenizar a situação, se o senhor tem esse tipo de conduta, não só aqui como em outros lugares, eu recomendo ao senhor repensar sua postura e a maneira de dirigir, porque o senhor pode reincidir, ter um relatório de ocorrência específico do seu carro e esse relatório vai parar em Brasília, você pode perder até a concessão da sua placa. Nós temos autoridade pra isso.” O homem não acreditava, assim como muitos outros não acreditam: “Não acredito que esse marronzinho gordo e marrom tem essa petulância, essa autoridade”. Os caras não acreditam. “O que o senhor está pensando que é, o que está falando? Eu sou o Fulano de tal, assessor do deputado Fulano de tal.” “Prazer, Garducci, técnico de trânsito às suas ordens.” “O senhor está ironizando comigo? O senhor está brincando comigo?” “De modo algum, o senhor fez uma pergunta educada e estou lhe respondendo educadamente”.
P/1 – Geraldo, você ficou 12 anos lá?
R – Doze anos.
P/1 – Em que ano que foi que você saiu?
R – A empresa começou a se estruturar, com o pessoal novo que tem entrado nos concursos com uma mentalidade melhor, mais atualidade, melhor de trabalho, e conseguimos algumas conquistas que faziam falta, até com o apoio da gerência, da diretoria toda, eles viram que, apesar das dificuldades de implantação, era importante um plano de carreira, a gestão de desempenho, o auxílio aos colaboradores pra ampará-los melhor na parte social, familiar, na parte física. Então, houve palestras, seminários, incentivando as pessoas a terem atividades físicas, a procurar mais uma terapia, uma psicoterapia, um atendimento médico. O que estava acontecendo? Com a falta de pessoas e pessoal mais prático, especializado, o que provocou o concurso depois, mais dois concursos, esse pessoal que tinha mais domínio e que resolvia tudo, praticamente tudo, na rua, esse pessoal começou a se esgotar, ou porque saiu da empresa, ou problemas de saúde, ou problemas pessoais, ou simplesmente por mudança de atividade profissional. Então, os poucos que vão ficando, ficam sobrecarregados, os que dominam e resolvem. Então, às vezes tem um acidente, uma colisão, em cima do viaduto Grande São Paulo, que tem uma lentidão, do viaduto Grande São Paulo, Luiz Inácio de Anhaia Melo, Salim Farah Maluf, lá na Dutra. O motorista está lá na Dutra, dependendo da situação ele pode levar uma hora e meia, duas horas, pra chegar na Juntas Provisórias. Ele está lá e não sabe direito nem o que está acontecendo, então, nesse ponto, a gente tem que ser ligeiro: vai lá, remove, resolve tudo pra desobstruir o mais rápido possível. Essa é a intenção. Porque a gente sabe que o pessoal está sofrendo lá atrás. Quando a gente está nessa correria, a gente dá uma pouco mais, se expõe mais ao perigo. Quando você está em um canteiro central de uma avenida, com um ônibus passando a meio metro de você, a 60 quilômetros por hora, se você bobear, se, de repente, sofrer uma labirintite, uma pressão, ou uma tontura qualquer e você botar o pé pra faixa, é atropelado. Ou você vê o trânsito parado e vê uma criança ou pessoas de idade ou mulheres querendo atravessar no trânsito parado, mas o semáforo de pedestre não abriu ainda. E você olha e vê o ônibus que está descendo a 50, 60 por hora, ou o motoqueiro que vem no corredor, e você fala assim: “Não vai dar tempo, vai atropelar”. E você corre, atravessa do jeito que dá, e você grita pra pessoa: “Para, fique, não se mexe”. Passa o ônibus, a moto na frente da pessoa que desmancha até o cabelo, depois você fala: “Não se mexe, calma, fica aí”. Aí, você vai, vê a condição, vai até a pessoa, ajuda a atravessar, e a pessoa olha pra você e fala: “Eu não vi, você salvou a minha vida” “Talvez, mas por favor, sabe como é que é, presta um pouco mais de atenção. Aqui tem trânsito de ônibus na faixa exclusiva quando os carros estão parados e tem moto no meio dos carros, tá? Passa isso pra frente, não faça mais isso, não”. Ou então, quando de repente, eu lembro daquela minha professora de inglês do primeiro grau, que me ensinou meia dúzia de palavras em inglês e eu estou fazendo a fiscalização do colégio – a gente faz a Operação Escola, tenho amigos até hoje, seguranças e motoristas do Colégio Dante Alighieri. Eu passo de carro lá, os caras olham pra mim: “Ei, sumiu, o que houve? Um abraço, saudades” “Estou resolvendo uns problemas aí, quem sabe eu volto”. Pra não ficar entrando em detalhes, claro, mas tem amizade. E de repente, por exemplo, eu estou lá no Colégio Britânico, onde estudam filhos de magnatas, industriais, políticos. A coisa lá é realmente o pessoal qualificado. É realmente o Primeiro Mundo mesmo, onde vez ou outra aparece um filho de alguém, experimentando o presente de Natal dele antes das férias, tipo uma Ferrari nova que ele ganha e vai desfilando lá com a galerinha: “Já terminei o curso, já estou com meu presente de Natal”. E o filho de alguém que passa com uma Ferrari, zero. E você vê atrás uma Pajero blindada com quatro seguranças armados, vem andando junto. Então, são pessoas realmente com outro nível... E lá a gente tem uma postura, ao contrário de alguns colégios da periferia em que a gente faz também Operação Escola, você tem que se adequar às pessoas que existem ali, à cultura. Porque às vezes muda a cultura do local, de um quarteirão pra outro, e você tem que se adaptar. São Paulo é assim, dinâmica, o trabalho da CET é dinâmico, então, você se adapta. Tem escolas lá na periferia que você chega assim: “E aí, maninho, como é que é?” Às vezes, você tem até uma linguagem um pouquinho mais flexível com o pessoal. Lá no Colégio Britânico, de repente, vem a babá, com uma menininha linda, com a lancherinha dela. E você chega e fala pra ela: “Please, stop. Don´t walk. You see the green man, ok?”. Aí, a menininha olha pra você espantado, “Quem é esse cara?” E a babá fala assim: “É o guarda de trânsito”. Aí, você vê a criança, ali, na hora... Porque no colégio britânico as crianças aprendem a falar inglês fluentemente na aula e eu não entendo bulhufas de inglês, só algumas palavras que eu lembro, de uma música aqui, uma música ali, ou do meu ginásio, da minha professora de inglês. Aí, naquela hora, tentar passar uma imagem de confiança, de proteção, naquela circunstância, naquela hora. Aí, você dizer para uma criancinha, que só entende inglês, que às vezes é filho de um magnata ou um diplomata: “Por favor, não atravesse, espere o homenzinho verde lá. Pare aí, tá?”. Sabe uma coisa, uma tirada dessa, boba, que não está no nosso treinamento. Mas aí, de repente você fala com a menina, e a menina entender: “Ah, thank you”, ou então se desculpar, “Excuse me. Sorry”. Quem diria, né? Marronzinho bilíngue agora (risos). Lógico que tem gente qualificada, que estuda, faz curso superior, que sabe inglês. Isso são tiradas de trânsito que acontecem de repente.
P/1 – E agora você tá fazendo o quê, Geraldo?
R – Olha, (suspiro), na data de 28 de dezembro de 2007, com todo aquele programa de incentivo, reciclagem, cuidado com a saúde, algumas coisas na saúde se apresentaram no meu caso. E eu tive naquele ano alguns problemas de saúde, eu tive uma bronquite alérgica que eu peguei por ter tido contato com poluição e não estar devidamente agasalhado, que foram aquelas viradas de tempo que você acha que estava o sol ardendo e você não leva a capa de chuva ou a blusa de frio, teve uma época de muito frio em São Paulo e eu acabei pegando essa bronquite alérgica, fiquei de licença médica, depois tive que recuperar. Peguei rinite crônica, que tenho até hoje, de vez em quando. A velhice começa a chegar, começa a dar sinalzinho, ataca o nervo ciático, o calcanhar que dói, minhas costas doem muito se ficar muito tempo em pé ou andar muito, e se você não tiver uma palmilha de silicone ou alguma coisa que amortece pra amenizar, você sofre. Então, naquele ano, mesmo me preparando, indo pra academia, fazendo esteira, vendo umas moças lá de shortinho, pegando peso e tal, “Opa, vou ficar tiozão agora, né? Vou botar um som com booster no meu carro e vou começar a ficar mais social, São Paulo é isso, estou muito entubado”. Realmente, o seminário, o incentivo da empresa era pra isso, pra você viver um pouco melhor, em condições melhores. E eu estava fazendo isso, tive algumas licenças médicas para tratamento de algumas coisas que eu tenho até hoje, reflexo da função. E isso tem que ser provado através de perícia médica na Justiça e tudo o mais. Mas no dia 28 de dezembro de 2007, eu e mais algumas dezenas de colegas recebemos a triste notícia que estávamos sendo desligados da empresa, sem justa causa. Tudo bem. Aí, naquela confusão toda, aquele choque, pra nós era como se fosse uma punhalada pelas costas. Eu disse: “Olha, nunca ninguém vai dizer ao certo o porquê disso. Podem ser citados n fatores que podem determinar o afastamento de um funcionário, legalmente, pra eles era sem justa causa”. Porém, com todas as coisas, os artifícios que a empresa, os chefes de setores têm, pra poder evitar problemas futuros em atitudes desse grau, como o departamento social, nós temos departamento social, departamento médico, temos o controle do prontuário médico dos funcionários que fazem tratamento médico no Einstein, temos a nossa produção registrada. Graças a Deus eu gostava muito do que fazia, até hoje gosto, e até hoje eu adoro essa empresa, e até hoje eu tenho as amizades na rua, encontro com as pessoas, me abraçam e me desejam boa sorte e tudo o mais. Apesar da minha produção e do meu desempenho ser sempre acima da média, infelizmente, infelizmente para mim, eu estava nessa lista de afastados. Depois os questionamentos: “Poxa, um funcionário na nossa condição, administrado por uma instituição pública, não pode ser demitido sem justa causa, sem um processo administrativo antes, e mesmo assim, pode ser reciclado, reconduzido a uma outra função, etc. Como é que isso pode? Existem leis que amparam isso”. E as pessoas me perguntavam: “Poxa, mas você tem atestados e laudos médicos de alguns problemas de saúde que você tem por causa da função e que faz a manutenção disso. Você não é um encostado, você é uma pessoa que tem algumas sequelas e tem documento médico que prova isso. E mesmo assim, dessa maneira?” “Sim, dessa maneira.” Aí, nessa hora que a gente só pode rezar para que a justiça seja feita com a maior brevidade possível e tente, de alguma maneira, compensar. Foi quando eu procurei apoio jurídico e no escritório são vários advogados, quatro titulares e dez associados, um escritório muito bom nessa área, e disse: “Olha Geraldo, infelizmente acontece isso. Houve alguma falha interna de comunicação. Porque na sua condição não poderia acontecer. Mas fique tranquilo que nós vamos dar um jeito. Das duas uma, ou nós vamos conseguir provar na lei que você pode voltar e ser reintegrado ou então vamos conseguir, de alguma maneira, alguma compensação financeira pra te amparar pelo menos por um bom tempo”.
P/1 – Na verdade, seu Geraldo, eu tenho duas perguntas, uma muito de praxe, mas eu faço depois. A primeira é, como você está agora, o que está fazendo, qual o seu sonho agora?
R – (pausa) Eu vou responder isso, mas eu tenho que dar um detalhe antes, ok? Em 1999 eu fiz um curso técnico de transações imobiliárias, que é o que me habilitava a ter a minha inscrição como corretor credenciado do Creci [Conselho Regional de Corretores de Imóveis]. Mas eu estava tão bem na CET que eu deixei o diploma lá guardado, não fiz a minha inscrição. Não sei se é intuição. Naquele ano, antes do meu afastamento, eu cuidando da minha saúde, das coisas todas, eu: “Puxa, tá lá o diploma, por que eu não posso...? Ah, deixa passar o final de ano, essa correria, tudo, de plano de carreira, controle de produção pra saber como é uma avaliação de desempenho. Em 2008 eu vou dar uma olhada nessa situação e ver o que eu preciso fazer”. Aí, foi quando eu comecei a correr atrás da documentação pra efetivar e regularizar a minha situação como corretor de imóveis. Essa São Paulo é muito grande, o que não faltam são negócios aqui, então, eu acho que alguma coisinha eu posso tirar, vou colocar em prática, já que estou afastado da empresa. E que eu tenho que fazer pelas vias legais, na Justiça, o meu pedido de reintegração pela maneira como fui afastado, vamos considerar assim, um equívoco. Um pequeno erro administrativo, mas eu vou aproveitar os poucos recursos que eu recebi agora desse afastamento e vou investir nessa parte que é uma coisa que eu tenho formação e vou trabalhar, né? Como eu andei muito nessa cidade, conheço ela porque já nasci aqui também, então, conheço bem Zona Leste, um pouco de Zona Sul, Zona Norte conheço bem, acho que vou conseguir ter meu espaço. E comecei a colocar em prática isso. Eu sei que foi um período de adaptação, fiquei ocioso muito tempo. Pra você ter uma ideia, comecei isso no ano passado, mas olha, são detalhes burocráticos que até hoje ainda tem um pelinho pra regularizar minha situação no Creci, que é um carimbo, é um visto da Delegacia de Ensino. Porque a escola que eu fiz o curso na época foi cassada e fechou, me deu até um frio na espinha: “Perdi meu diploma, quer ver?”. Mas não, quando eu fiz o curso, na época, era regular e estava tudo certinho, o histórico tudo direitinho. Mas pra ser corretor no Creci você tem que ter muitos documentos que você tem que apresentar, certidões cível, criminal, formação escolar, o curso, delegacia de ensino, declaração disso, daquilo, patrimônio, declaração de imposto de renda. Quer dizer, são muito rigorosos. Até porque é um órgão vinculado ao Governo Federal. Eu comecei esse processo no meio do ano passado e até agora falta um carimbinho, eles estão pra me ligar a qualquer momento: “Tá carimbado, agora você está liberado”. Parece até aquela música do Plunct Plact Zum, do Raul Seixas: “Agora você tá carimbado e pode passar”. Ou daquele quadro do Zorra Total: “Mete o carimbaço, agora você pode ir, sem o carimbaço não passa”. Tudo bem. E eu fui fazendo biquinho como captação, sobrevivendo com os recursos que eu tinha, negociando, a duras penas, com esses juros bancários, a minha dívida é negativa, mas sempre com aquele espírito planejado, sabendo onde tinha que por o pé, sabendo o que tinha que fazer. Eu sei que daqui um ano, um ano não, que em 2008 eu estava passando a fase de afastamento difícil. Em 2008 é que eu vou começar a colocar no lugar as coisas, 2009 que vai começar a encaixar e em 2010 começa a surtir os efeitos que eu desejo, né? Aí, quando você me diz assim: “Qual é o meu maior sonho?”. Do lado pessoal, eu poderia dizer assim: “É, do lado pessoal, familiar, era ter constituído uma família. Aquela coisa que vem da origem da família, aquela coisa unida, de pais, avós, filhos, de alguma maneira tudo ali próximo”. Alguns podem achar que isso é um pouco pessimista. Podem até analisar assim, fiquem à vontade, mas na minha postura atual, é muito difícil você assumir compromisso em uma relação a dois, em uma relação familiar. Como foi dito quase no começo da entrevista, as pessoas estão muito apegadas, concentradas apenas no ter e esquecem muito do lado do ser. Se você não estiver bem, se não tiver um apoio, ou alguém ao lado, que te motive a novas conquistas, que lhe dê libido, como é que você vai conseguir ter uma boa relação? Eu acho que isso se reflete no homem pela formação da sociedade de maneira como somos criados e tudo o mais, uma sociedade consumista, você realmente tem que ter conquistas, tem que conquistar, mas eu vejo de um lado triste, que preço nós estamos pagando, a nossa sociedade, as novas gerações que estão vindo. Tecnologia fantástica, recursos fantásticos... A expansão do conhecimento, a quantidade de conhecimentos, sem limites, com internet e tudo o mais. Mas e o aspecto do ser, o aspecto moral? Às vezes dá impressão de que a humanidade está caminhando como caranguejo, ou de lado, ou pra trás. Como eu disse, alguns podem dizer, isso é pessimismo. Não, não é pessimismo, eu vejo a coisa com o pé no chão, bem claro, o que está acontecendo. Eu me livro dos aspectos, do entorno, consumismo, do materialismo, da mídia toda, e respeito e valorizo todos os recursos que o ser humano pode desenvolver e ter, eu não lembro quem me falou isso, que me veio à mente agora, que se o ser humano, nesse último século, tivesse utilizado seu potencial e os recursos, de maneira justa, a fome no mundo estaria erradicada, a maioria das doenças já teria controle ou como ser medicadas ou até previstas, e provavelmente nós já estaríamos fazendo viagens planetárias a Marte, à Lua, com uma certa normalidade. O ser humano insiste no lado do ter, eu quero ter independente do que o outro esteja sofrendo. E o que você tem? Ah, o que eu tenho, por pesquisas isso já se sabe e eu, muitas vezes, procuro me atualizar, é que a nossa sociedade, como maior exemplo que temos no mundo hoje, é a que consome de quatro a cinco vezes mais, por pessoa, do que necessita pra sobreviver bem. Dá pra ter ideia da gravidade disso? O brasileiro parece que está uma vez e meia, quase duas vezes, uma média per capita, de quanto nós consumimos, gastamos ou utilizamos de recursos a mais do que necessitamos para a nossa vida equilibrada, uma vida estável com o mínimo de dignidade, saúde, alimentação, educação. Imaginou uma população gastar 4, 5 vezes mais do que precisa pra viver, enquanto nós vemos aquelas imagens horríveis, deprimentes, emocionantes, de crianças na África morrendo de fome com moscas na cara? Será que as pessoas têm noção da gravidade que é isso? Isso é uma coisa horrível pra se dizer? Ou com povos ainda com distorções de todos os tipos e interesses, dizendo que estou matando em nome de Deus. Como é que pode ser isso tão incoerente, a pessoa encher a boca pra falar uma coisa dessas: “Oh, meu Deus, a minha religião é a verdadeira”. E a gente esquece do ser, da pessoa. Primeiro deveria ser assim, é isso que eu falo que aprimorou inclusive na minha função como servidor público, nesse trabalho. Não importa o que está acontecendo, ou quem causou o problema, o que você precisa, em que eu posso te ajudar agora? É isso que acho que todas as pessoas deveriam pensar a respeito. Se é difícil, dê um passo. Poxa, o Brasil teve uma terra farta, isso é um bilhete de loteria como alguns dizem até hoje, desde a época do descobrimento. Temos algumas manchas na história como a escravidão, com a espoliação de interesses estrangeiros, que isso é normal, em todos os lugares, é o lado ruim do ser humano. Mas tem que usar isso como exemplo. E muitas vezes a nossa história contada não é bem aquela que você conta nos livros da escola, são outras, e às vezes essas verdades incomodam. Pessoas que ainda hoje vivem situações assim, ou que usufruem de situações provocadas por essas páginas negras da história. E eu, ainda assim, quando me disseram que você é culpado porque fez isso, tentou prejudicar a empresa, é que eu achei injusto. Foi a única vez que sujaram o meu prontuário. Poxa gente, eu juro, sou pobre hoje porque eu sou honesto. Então, eu tenho um sonho, pode-se dizer que é um sonho remoto. Um deles seria voltar e continuar trabalhando e fazendo muita coisa boa, que eu fazia na minha atividade lá, se isso não for possível de alguma maneira, se isso for interpretado pelo juiz, ou pelos peritos de alguma maneira, questões já legais, guardo excelentes lembranças do que eu vi durante 12 anos e dei pra cidade dessa maneira, vi São Paulo de quase todos os ângulos. Eu fui a última barreira da CET quando o papa esteve aqui no Pacaembu, eu era o último, estavam do meu lado os policiais militares. E no lugar que eu estava ainda estava meio escuro, né? Minha companheira e minha mãe, que estavam assistindo, me reconheceram: “Eu vi você quando apareceu aquele amarelo com a faixa brilhando no escuro, os carros passando, eu vi você, reconheci pelo seu cavanhaque. Você e mais um colega”. Era eu, a última dupla da CET que tinha na subida lá do Pacaembu antes do papa entrar. Era eu. Então, sabe, eu estive em eventos assim, coisas importantes, enchentes, acidentes, socorro, eventos turísticos, eventos de esportes, muitas alegrias de colegas e pessoas que vinham dar os parabéns e cumprimentar pelo trabalho. Nesse colégio Dante Aleghieri, que eu trabalhei um bom tempo, um senhor que falou assim numa sexta-feira: “Estou aqui a semana inteira vendo você trabalhando, viu? Parabéns, gostei do seu jeito de trabalhar, vou fazer uma recomendação na empresa.” “Muito obrigado, não precisaria, mas eu agradeço. Isso só valoriza o nosso trabalho.” Ou, de repente, parar assim, em uma escola, em um certo lugar, e reconhecer a pessoa, o nosso querido Joelmir Beting, o repórter, falar duas, três palavras com ele: “Poxa Joelmir, bacana te conhecer.” O filho dele estuda em outro local. Ele chegar pra mim e pra companheira que estava comigo na época, fomos os primeiros a chegar naquela escola pra tentar organizar o trânsito no entorno. Falou: “Puxa, levamos uma hora e meia pra entrar e sair daqui, hein? Agora em 15 minutos estamos já de volta pra casa, rapaz. Vocês botaram ordem aqui, né?” “Pois é, acho que todo mundo quer colaborar, precisa de alguém que seja uma referência, alguém que seja um exemplo, que dê o norte pras pessoas.” É aí que eu me realizava. É por isso que ainda tem uma pontinha no sonho, de me realizar ainda, isso como homem, pessoa, profissional, durante o tempo que eu estava lá eu me realizei. E se me permitirem, eu volto e vou continuar cumprindo da melhor maneira possível, lá vou ser, como o pessoal fala, um pau pra toda obra. Mas se não for possível, guardo a lembrança, o respeito de todos do mesmo jeito e sei que vai ser um detalhe apenas legal ou jurídico, mas, a minha lembrança de todos lá é a mesma. O pessoal fala: “Pô, você está brigando, não sei o quê”. Eu falo: “De maneira nenhuma, eu só tenho amizades lá, o pessoal me encontra na rua, me abraça e me deseja boa sorte”. Então, é essa a lembrança que eu levo. Agora, como corretor de imóvel em São Paulo, eu espero que, com tantos negócios e o aquecimento da economia, com tanta coisa acontecendo, se for possível, também ter o meu espaço daqui pra frente. Ah, se a renda for boa, ou eu tenho um apartamento muito bom na praia, já pensando na minha aposentadoria, meus filhos se quiserem ir lá, eu levar minha companheira, eu levar minha mãe, se quiser vir do interior pra poder visitar. Porque toda vez que ela vem aqui pra São Paulo nós fazemos um tour. Nós vamos lá na A. E. Carvalho, Itaquera, Coimbra. Eu visito meus amigos de infância que estão lá até hoje, primos que eu visito na A. E. Carvalho, Itaquera, tudo, no Parque Nossa Senhora do Carmo, ali do lado de Itaquera, do lado da Jacu-Pêssego. Coimbra, nossa, muitos amigos no Coimbra, no Nordeste, Jardim Três Marias, Artur Alvim. Aqui na Zona Norte também, eu sempre ligo pra alguém, tenho fotos, às vezes, de colegas assim tenho telefone de contato. No próprio serviço, eu ligo toda hora, faço questão, vou de carro às vezes pra passear e visito esses colegas e alguns parentes. E aí, faço assim, faço questão de manter esses laços, são lembranças muito boas.
P/1 – A gente queria finalizar, agradecer a sua presença aqui e espero que quando você for lembrando de mais coisas você possa voltar pra contar.
R – Olha, eu fiquei contente também já que eu poderia colaborar de alguma maneira. Eu sei que durante todo esse depoimento muitas coisas podem ser naturalmente omitidas por uma questão de espaço, tempo, até por uma questão profissional, mas se eu posso dizer uma frase ou uma palavra de encerramento nisso daqui é: “É gratificante”. Apesar de algumas pessoas, de amizades, não darem o devido valor, é muito bom. É muito bom a gente guardar, muitas vezes não só fotos, mas uma oportunidade de depoimento. É gratificante, depoimentos, situações ou fatos que possam trazer motivação a pessoas ou novas gerações, agregando o meu e tantos outros que já vieram e virão com certeza. Agregar conhecimentos, exemplos, as dificuldades, desde os imigrantes até a industrialização, tantos sacrifícios de pessoas que largaram tudo pra vir tantar uma coisa nova, depois daquele sofrimento da Segunda Guerra Mundial. Sabe, deixar uma mensagem pra essa nova geração: “Gente, não tenham vergonha de dizer ‘eu te amo’ pro seu pai. Nem o pai, diga ‘eu te amo’ pro seu filho”. Abraçar, ser íntimo, amigo, confiar e falar as coisas pode parecer um pouco piegas mas não é. Faz um efeito devastador, tanto se você virar as costas pro seu filho, como se você virar pra ele e dar um abraço, ou pra sua filha, ou pra sua esposa, e tiver coragem de dizer “eu errei, não quero errar mais, eu quero melhorar, eu estou entendendo, eu estou sabendo, eu vou fazer alguma coisa de bom pra mim”. Posso não ser o melhor cara do mundo, nem o mais rico, nem o bam-bam-bam das minas, nem o que gasta e torra grana à toa, mas eu quero ter a minha vida equilibrada, de maneira lícita e me desapegar um pouco. Não há necessidade de tantas coisas ao mesmo tempo. Se esse registro tiver que ter alguma coisa benéfica, eu, com respeito a todos os envolvidos, eu me dirigiria agora à nova geração: aproveitem esse momento que o Brasil está dando, de recursos, de oportunidades, não tenham pressa para escolher, escolham bem, façam bem aquilo que gostam, me perdoem os pais que gostariam que os seus filhos fossem engenheiros, médicos, advogados ou presidentes da república. Mas primeiro pense em você, você estando bem, você vai fazer muito bem e vai retribuir à sociedade tudo o que você faz. Há muitos recursos que estão jogando na cabeça do pessoal ao mesmo tempo e a maioria acho que não está conseguindo suportar, está começando a ceder demais e se perdendo nesses caminhos. Valorizem o seu país, esse país é abençoado, se for pensar naquele povo que veio escravizado desde aquela época, o que eles não fizeram? Se for pensar nos imigrantes que largaram seus países de origem, nossos pais, avós, bisavós... Todos trabalharam e deram duro pra poderem construir isso tudo, essa São Paulo que é hoje. Apesar de muitos terem descido para o Sul, Paraná, Santa Catarina, alemães, tudo. Mirem-se no exemplo. Há coisas erradas, mas há uma frase muito forte que fala isso: “Não importa que venham os escândalos, mas ai daqueles por quem veio os escândalos”. Aquela lei de ação e reação que é universal, ela fatalmente vai cobrar de cada um o que você fez, o que você deu à vida será retribuído de acordo. Pensa bem o que você faz, o que você dá pra vida, o que você dá pra sua família. Não é um carro zero na garagem que pode te trazer felicidade, uma casa bonita, nem nada. Eu tive vivência pessoal disso. Se os bens todos que foram possíveis a minha família ter, ou eu ter conquistado, pra tentar dar o conforto que as pessoas supõem ser o essencial, nada disso teve valor, o que eu percebi foi que a cabeça das pessoas é que não estava preparada para aquele momento. Então, não há um brilhante, um diamante, não há um cargo que possa trazer a felicidade pra pessoa se ela não estiver preparada para aquilo. Lembram aquela frase que eu falei: “Quando você está preparado, o trem da vida passa. E se você estiver preparado, você sobe e chega até o destino que você planeja, e chega bem. Agora, se você não estiver preparado, você vai pegar o trem errado, no vagão errado, a porta errada, com as pessoas erradas. Você vai levar o que pro fim da sua vida?” Eu acredito demais nesse país. Acredito, sim, que muitas pessoas ainda fazem por si estando em uma condição que poderiam fazer muito por muitas pessoas, mas é o exercício. O tempo vai se encarregar, nossas atitudes e posturas, buscando a legalidade, buscando respeito, preservando aquilo que é democrático, as diferenças, assim como todos que estiveram aqui e construíram São Paulo. Assim como a minha família, os amigos que eu conheci... Eu tenho um carinho enorme, me tratavam como se eu fosse filho, orientais, espanhóis, italianos, árabes... Se eu fosse deixar essa minha vida com um sonho, seria que todos valorizassem o que têm, mas depois de entenderem e valorizarem o que são, junto com os seus. Casa, carro, cargo, a gente constrói, trabalhando, estudando, e vamos à luta. Agora, se a vida, de repente, nas minhas condições, não permitir que eu tenha aquela varanda linda na Serra da Cantareira, com o visual da represa lá em Mairiporã, não tem problema. Hoje eu moro na Zona Norte, no meu apartamento, é simples, mas é meu, está pago, me sinto bem, como se estivesse em um castelo e durmo como se fosse um bebê, porque, como eu disse desde o começo da entrevista, a minha consciência não está em conflito com aquilo que eu sou, com o que eu fiz. E eu desejaria muito que todos pudessem, de alguma maneira, sentir esse prazer também, dar valor ao que é primeiro, pra estar preparado depois para o ter.
P/1 – Obrigado, valeu Geraldo.Recolher