IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Maria Benedicta do Nascimento. Eu nasci em São Mateus, no Espírito Santo, no dia 27 de dezembro de 1945.
FAMÍLIA
Eu não tenho muita lembrança dos meus avós. Meu pai é Waldemar; ele já faleceu há muito tempo, antes de eu completar dois anos. A minha mãe é Lúci...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Maria Benedicta do Nascimento. Eu nasci em São Mateus, no Espírito Santo, no dia 27 de dezembro de 1945.
FAMÍLIA
Eu não tenho muita lembrança dos meus avós. Meu pai é Waldemar; ele já faleceu há muito tempo, antes de eu completar dois anos. A minha mãe é Lúcia Vieira do Nascimento, ela é conhecida como Nenzinha. Está viva, graças a deus É uma mulher forte Dos meus avós, eu não tenho nomes nem lembranças, a não ser da minha avó paterna, que era a Porcina. Se você vir a foto dela, vê que é uma índia. Mas não tenho [lembrança]. Eu era muito pequena e logo depois ela faleceu. A minha avó, mãe de minha mãe, era uma mãe de criação, Almerinda, que a gente chamava de Vó Tiô, não sei por quê. Mas o marido dela já tinha morrido, o meu avô. Eles eram pais de criação da minha mãe. Então ele já tinha morrido e eu convivi com ela, a Vó Tio – minha avó Almerinda, mãe da minha mãe. Com a mãe do meu pai, eu não cheguei a conviver muito. Ela não morava na mesma cidade e faleceu logo.
INFÂNCIA
Era uma cidade pequena, cidade do interior. Mas uma cidade que foi importante, uma cidade grande do Nordeste, município grande, e foi importante na época do comércio. Mas também importante numa situação desagradável porque havia um mercado de escravos na chamada cidade baixa, que se chama de Porto – hoje é um bairro. É o Porto. Ali havia um comércio de escravos, então a cidade também tinha isso. Mas também tinha o comércio de café, porque a região era muito famosa pelo comércio de café e açúcar também.
NASCIMENTO / NOME
Eu nasci no dia 27 de dezembro, num dia bonito, festivo, dia de São Benedito. Por isso que eu me chamo Benedicta. Na hora em que nasci... Eu vou me emocionar muito aqui, vai ser muito difícil Na hora em que eu nasci, meu pai tocava na banda chamada Lira Mateense. Eu nasci em casa, na Rua Doutor Moscoso, que era o nosso endereço. Minha mãe estava nos trabalhos de parto e meu pai, esperando que eu nascesse. Mas ele tocava na banda, era um dia de festa e ele teve que sair antes que eu nascesse porque a banda ia tocar na pracinha. Eu nasci numa hora de festa, porque tinha jongo e tinha as manifestações dos negros na porta da Igreja, que tinha naquela época... E tinha banda tocando na hora em que eu nasci, sete e meia da manhã. Meu pai tocava piston e saiu antes de eu chegar. Depois, lamentavelmente, também saiu, porque antes de eu fazer dois anos ele morreu.
IRMÃOS
Tenho dois irmãos. Eu tinha três irmãos, mas a menina, a mais velha, nasceu e faleceu logo. Mas tenho os meus dois irmãos e eu sou a mais nova – eu tenho essa idade toda, mas eu sou a mais nova da família. Os meus irmãos também nasceram na mesma casa. Nascemos em casa, com parteira, e vivemos nessa mesma casa em que nascemos, na Rua Doutor Moscoso, número 80.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA
A minha infância, no começo, foi uma infância triste, porque meu pai faleceu quando eu tinha menos de dois anos e cresci vendo a minha mãe triste. Ela fez luto durante muitos anos. Mas toda criança é triste temporariamente, criança não é triste. Então, eu brincava na rua, tinha muitos amigos, os vizinhos, as crianças e eu vivia ali, brincando na rua mesmo. Não sei do que a gente brincava Eu brincava de roda, brincava de pique. Eu brincava muito com o meu irmão também. A minha irmã, até por conta dessa situação, começou a se preocupar com as coisas de trabalho muito cedo. Eu brincava muito com o meu irmão, para não ir para rua também. Não que tivesse perigo, como hoje a gente tem. Mais por questão de disciplina mesmo.
INFÂNCIA
Eu tinha uma coisa que eu gosto muito de lembrar. Eu sempre gostei das pessoas mais velhas, então eu ia muito ouvir histórias. Por isso que eu falo muito, eu acho. Eu ia muito ouvir histórias na casa das pessoas mais velhas. Então, nós tínhamos uma vizinha - eles moravam muito próximos da gente – que eu chamava de madrinha, era a Berenice, eu chamava de Bê. Na verdade, no dia do meu batizado ela me levou no colo, por isso que eu a chamava de madrinha. Eu ia muito na casa dela porque os pais dela faziam doces, cozinhavam. Eu gostava muito de ir lá e ouvir as histórias. Porque, na verdade, a avó dela, que eu conheci, tinha sido escrava, contava histórias maravilhosas Não me lembro das histórias, mas eu me lembro dela contando do dia da Abolição. Ela contava que ela era muito criança, mas ela lembrava das pessoas correndo pela rua. E tinha uma outra mulher que morava na minha rua e que contava muitas histórias assim, coisas de Minas. Ela falava muito das grutas. Então, a memória que eu tenho disso é de coisas assim, fantásticas, maravilhosas, mas que provavelmente não são verdadeiras. Elas são coisas da minha imaginação. Então, acho que contar essas histórias vai parecer mentira. Porque era assim: ela dizia como eram as grutas, como eram as cavernas, e eu ficava criando enquanto ela contava. Então, se eu contar, alguém vai pensar que é mentira. Mas era uma coisa boa. Eu gostava muito de conversar com as pessoas, ouvir as histórias.
A minha mãe me colocou – acho que é coisa de mãe do interior, ela era costureira – para aprender a bordar. Eu não gosto muito de bordar hoje, não. Eu acho que eu comecei muito cedo. Eu devia ter oito, nove, dez anos, essa idade. Aí, eu aprendi a bordar, mas eu bordava direitinho. Fazia crochê, bordava, tudo isso. É difícil, mas eu bordava, fazia direitinho. Acho que é por isso que hoje eu não gosto muito, faço pouca coisa e só faço coisas pequenas.
FAMÍLIA
Meu pai morreu, eu era muito pequena e – claro – nós tínhamos que sobreviver. Ela [mãe] costurava, então ela passou a costurar para fora, era costureira. Costurava bem, costurava muito bem. Costurava para todas as pessoas da cidade, fazia até vestido de noiva. E ela achava importante nós irmos para a escola. Ela considerava que o que ela podia deixar para nós era o que podia nos ser ensinado. Porque ela não tinha recursos, não achava que teria, que poderia ter, sendo costureira. Então, o que ela poderia deixar seria a formação que ela daria para gente, a formação moral, o que ela pudesse passar de ensinamento.
RELIGIÃO
Na cidade do interior, sempre tem a pracinha, a Igreja, e eu morava pertinho da Igreja de São Benedito. Eu ia inclusive estudar de manhã cedo. Eu estudava de manhã e, antes de ir para prova, ia fazer as últimas leituras no banco da praça, de frente para a Igreja. Mas só porque tinha o banco da praça, não tinha a ver com a Igreja não. De repente até tinha, né, para buscar a última inspiração. E para ver se registrava o que caía na prova. Eu tenho uma irmã muito inteligente. A minha irmã é uma pessoa assim: fazia a leitura e aprendia. Então, eu queria seguir os passos dela e fazia as últimas leituras antes da prova lá. Nós somos católicos, sempre fomos católicos porque minha mãe freqüentava muito. Até porque, numa cidade pequena, viúva, ela tinha que se segurar na Igreja, se pendurar na aba dos santos para poder nos criar. Ela, realmente, tinha muita devoção. Tem ainda, até hoje. Ela é uma pessoa de muita fé, de muita força. Eu eu sou uma pessoa de muita fé, de muita força por causa da minha mãe.
FAMÍLIA
Eu não sei se queria ser igual à minha irmã, mas eu a achava uma pessoa muito importante. Eu não sei. Eu admirava muito a minha irmã. Ela não era estudiosa, era inteligente. Sempre admirei a minha irmã. Admiro ainda hoje. Meu irmão também, mas muito mais a minha irmã. Ela nasceu em 1940. Engraçado, eu sempre pensei que fosse mais. Olha que interessante Nunca pensei isso, nunca pensei na diferença de idade. O nome dela é Maria Azuréia, e do meu irmão, Adilson.
ENSINO FUNDAMENTAL
Acho que todo lugar do interior tem um grupo escolar. Então, nós estudamos lá, nesse grupo escolar. Naquela época, estudava-se até a quinta série, para depois passar para o ginásio – fazia o exame de admissão e passava para o ginásio. Chamava-se Grupo Escolar Amâncio Pereira. Eu gostava. Eu sempre fui quieta, sempre fui serena. Estudava direitinho, tirava boas notas até. Eu estou me lembrando agora, eu fui boa aluna Eu até ganhei umas medalhas lá. Eu me lembro que eu fiz o primário, passei para o ginásio e depois fiz a formação de professora e fiz o curso de contabilidade. Eu tirei até uma nota boa lá, passei nas classificadas, até ganhei uma medalha. Já estava até morando aqui e minha mãe, orgulhosamente, foi receber as medalhas – olha que coisa bonita – e depois mandou para cá, toda contente.
Ruim era a diretora... Se ela souber que estou falando dela agora, nossa Edith era o nome dela. Ela era difícil, bastante durona Mas todo mundo tem uma lembrança dela. No fundo, a gente achava ela ruim, mas todo mundo tem uma lembrança boa. Eu me lembro quando a gente cantava o Hino: formava todo mundo para cantar o Hino. E toda escola tem sempre aquele degrau na entrada da escola. E a Dona Edith ficava lá em cima. Uma figura muito séria E todo aluno temia essa figura. Ficava a Dona Edith olhando os uniformes para ver se estavam corretos, a costura, se estava passadinho, vendo se todo mundo estava cantando o Hino, porque a gente tinha que cantar. Eu nunca fui para a secretaria, não. E, com a Dona Edith, todo mundo fazia um esforço danado para não ir. Mas era uma boa pessoa. Não faz muito tempo, eu estive lá e ela estava lá também e me perguntou como eu estava. É uma boa pessoa. A escola, na verdade, acabava sendo única [com primário e ginásio]. Agora não é mais, é só o primário, o ginásio é em frente... Agora está diferente, tem faculdade, tem tudo lá. Faz muito tempo que eu não vou lá, nem sei onde é a faculdade. Há muito tempo que eu não vou. Mas me lembro sim.
AMIZADES
Você me perguntou sobre os colegas, não é? Lembro que eu tinha uma colega que se chamava Rita de Cássia. A gente fez o Jardim de Infância juntas, depois estudamos e depois ela foi estudar na capital e eu fiquei lá. Mas ela é uma lembrança boa. Tinha uma outra também chamada Maria Antônia. Também estudamos juntas na mesma escola. Não era da mesma sala porque ela tinha um ano a menos que eu. Na época a gente entrava na escola com sete anos, depois ia seguindo direitinho e a gente passava porque, naquela época, as professoras eram boas e a gente passava mesmo, e todo mundo aprendia realmente. É uma lembrança boa a Maria Antônia. Depois que eu já estava morando aqui no Rio, soube notícias dela, ela tinha tido trigêmeos – olha que coisa Aí, muito tempo depois, eu fui lá conhecer os trigêmeos.
Também tinha uma amiga chamada Divanilda. Ela foi para um lado, eu fui para outro. Ela casou, teve filhos e eu nunca mais a vi. Perdi o contato com ela, embora ela morasse em Vitória, mas eu não tinha o endereço e tal. Depois de muito tempo, eu morando aqui no Rio, acho que eu já estava aposentada – olha que interessante – eu fui a Vitória fazer um trabalho pela Petrobras e eu tinha localizado o endereço dela. Ela encontrou a minha mãe casualmente e pediu o telefone. Então, fui visitá-la. Nesse dia, só tinha uma filha dela em casa – o marido dela eu o conheci antes, da época que a gente era menina, era uma pessoa lá da mesma cidade – que tinha ficado em casa para me conhecer, porque eles nunca me viram. Aliás, eu nem vi essa amiga grávida, nem nada, e a mãe dela sempre disse para ela que a melhor amiga dela era eu. Ela conhecia tanta gente e a melhor amiga era eu. Então ela queria saber como uma pessoa, que ela nunca conheceu, nunca visitou a família, jamais telefonou, nunca falou com ela, mas que a mãe dizia que era a melhor amiga que ela teve. Isso é legal, né? Depois disso não vi muito essa amiga.
Eu acho que sou uma pessoa privilegiada pela vida. A vida é muito generosa comigo. Eu tenho amigos assim. Eu não vejo esses amigos, eu não telefono para eles. Mas quando falam com alguém, eles dizem que eu sou amiga deles. Agora mesmo, tivemos um aniversário de um amigo. Ele fez 60 anos. Eles fizeram questão de algumas presenças. Muitas pessoas estavam lá. Uma dessas presenças, eles queriam que fosse eu. E, por alguma razão, eu não fui. Dois ou três dias depois, eu precisei falar com ele. Liguei e falei com o primo dele, que também é uma pessoa muito querida. E esse primo falou isso: “mas como você não foi? Só faltou você” Eu acho que é bom ouvir isso dos amigos, embora eu não esteja correspondendo tanto.
JUVENTUDE
Eu não tenho uma história muito criativa, não. Eu nasci nessa cidade e cresci lá. Então, essas pessoas de quem eu falei – a Maria Antonia, a Divanilda – eram as pessoas mais próximas. Tinha uma outra amiga também chamada Cila, que também era próxima. Nós éramos amigas e andávamos sempre juntas. E não tinha muita diversão, em cidade do interior a gente não tem muita diversão. Tinha, às vezes, alguns bailes. Eu não ia muito porque a minha mãe segurava muito a gente. Eu nem sei do que ela tinha tanto medo. Porque em cidade do interior, todo mundo conhece todo mundo. Ela queria que a gente ficasse muito perto dela. Minha mãe também foi, de certa forma, uma pessoa muito castradora, porque ela queria a gente sempre muito perto dela com receio não sei de quê. Mas tem sempre o estigma também: lugar de interior e naquela época, a gente não tinha pai. Então, talvez ela tivesse receio de que as pessoas nos desrespeitassem por isso. Não tinha razão de ser porque ela era uma pessoa bastante respeitada, uma pessoa muito forte, como eu disse. Acho que era uma coisa de querer criar bem a gente. Então, a gente ficava muito presa. Quer dizer, não que a gente ficasse presa, porque a gente saía, eu, minha irmã e meu irmão também. A minha irmã saiu cedo, foi trabalhar em outra cidade. O meu irmão também, veio para o Rio aos 18 anos e eu também sai de lá aos 18 anos. Então, essa idéia de prender é relativa. Os namoros foram poucos.
PRIMEIRO TRABALHO
Quando eu saí [de casa], meus irmãos já tinham saído. Minha irmã morava numa outra cidade porque ela foi ser professora e diretora numa cidade do interior. Porque no interior é assim que acontece: as pessoas, até para fazer a sua atividade profissional, vão sempre a outra cidade, porque ganham pontos, acabam se promovendo como professora e minha irmã foi ser diretora em outra escola.
Meu irmão veio para o Rio de Janeiro por conta de oportunidade de trabalho. Eu fiquei lá e, com 18 anos, também fui para Vitória para procurar oportunidades de trabalho, mas não consegui. Fui fazer o vestibular e não passei, porque é difícil passar. Mas eu precisava de emprego e fui trabalhar como professora primária em Colatina, numa excelente escola por sinal. Era uma escola de aplicação e se chamava Centro Regional de Educação de Base. Era uma escola de aplicação, então os professores faziam o curso e eram aplicados. Eram métodos novos, método do Paulo Freire. Imagina: eu lá na escola, aplicava o método do Paulo Freire, que as professoras aprendiam Naquela época, era meio complicado. Já tinha passado o ano de 1964, naturalmente, e a escola fechou logo em seguida. Era 1965 e o método era o do Paulo Freire. Fui ser professora primária lá. Eu tinha 18 anos, não conhecia o método. Fui aprender lá. As professoras faziam o curso e eu era a professora da escolinha. Eu alfabetizava crianças de seis, sete anos. Era uma escola rural. Tinha outra professora que fazia a outra escola. Lá eu arranjei um namorado e quase casei, mas depois vim embora para o Rio.
Eu até estava pensando em ficar em Colatina, mas, no final, não gostei muito de uma diretora que estava lá. Era uma pessoa muito ríspida e não me agradou muito. Assim, entre ela e tentar outra coisa, eu preferi tentar outra coisa. Vim para o Rio porque meu irmão já estava aqui.
FAMÍLIA
Então, houve uma situação muito interessante, muito marcante na minha vida. Minha mãe morava em São Mateus, eu morava em Colatina, minha irmã morava em Vitória – fazia faculdade em Vitória, nessa época – e meu irmão morava no Rio de Janeiro. Essa família que minha mãe quis tanto segurar ao redor dela Nós nos encontramos um dia, em Vitória, para pensar na vida. Nós quatro. Viemos cada um de um lugar e nos encontramos em Vitória. Eu me lembro perfeitamente disso. Nos encontramos – claro, estávamos na casa de minha tia – mas paramos num ponto exato para falar disso: que morávamos em lugares separados e tínhamos que nos juntar de novo.
Eu vim para o Rio, porque meu irmão estava aqui. Por ser no Rio de Janeiro, provavelmente as oportunidades de vida seriam melhores. Hoje eu até nem sei se seriam, se eu penso assim, mas naquela época foi o que pensamos. Então, eu vim para cá, em 1966. Eu cheguei no Rio de Janeiro no dia seis de janeiro de 1966. Era dia de Reis, que na minha cidade é muito festejado também. Decidimos que viríamos para cá. Eu vim, a minha irmã ficou em Vitória, a minha mãe veio depois, não me lembro a data, acho que em abril, no dia de São Jorge. E a minha irmã veio depois. Ela estava fazendo a faculdade e veio para cá, não me lembro o dia, mas deve ser um dia importante também.
A minha irmã, quando era muito menina, muito jovem, vendo uma revista, lá em São Mateus ainda, ela viu uma propaganda ou sei lá o quê sobre a PUC – Pontifícia Universidade Católica. Falava sobre assistente social. Ela disse ainda sem ter terminado os estudos que queria fazer Serviço Social na PUC. E a minha mãe, imagina: “uma faculdade paga, nem pensar” Então, minha irmã foi para Vitória, foi para cidade do interior e depois ela veio para o Rio de Janeiro. Estava fazendo a faculdade em Vitória e veio para cá. Quando chegou aqui no Rio, ela foi fazer Serviço Social na PUC com uma bolsa de estudos que ela ganhou de uma pessoa amiga do meu tio, irmão da minha mãe, uma bolsa de estudos da Bélgica. Então, ela foi fazer Serviço Social na PUC. É... As coisas são boas, não é? Eu acho que a gente tem essas coisas boas. Com muita dificuldade que a minha mãe teve na vida, porque é difícil criar crianças numa cidade do interior, costurando e depois fazer essas crianças crescerem acreditando na vida.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Meu irmão trabalhava na Cooperativa do Banco do Brasil. Quando eu decidi vir, foi porque ele poderia me colocar para trabalhar lá, porque eu não podia ficar sem trabalhar. Então, eu trabalhei lá na cooperativa ligada ao Banco do Brasil, onde tinha tudo: tinha comércio, tinha loja de roupas, tecidos, tinha comércio de varejo, mercado, supermercado, tinha o escritório de contabilidade. Era ali na Praça da Bandeira. E tinha o Departamento Pessoal, que foi para onde eu fui trabalhar. Trabalhei um ano lá. Meu irmão já trabalhava lá, depois eu saí para trabalhar na Petrobras. Foi uma experiência muito boa. Eu conheci pessoas maravilhosas lá.
INGRESSO NA PETROBRAS
Saí porque fui trabalhar na Petrobras, porque seria melhor do que lá. Na época, tinha um concurso para auxiliar de escritório na Petrobras. Eu fiz o concurso, passei, continuei trabalhando ainda um tempo [na cooperativa] e depois saí. Em abril, eu fui trabalhar na Petrobras. Eu comecei a trabalhar lá [na cooperativa] em janeiro e só saí por causa da Petrobras mesmo, porque eu gostava da cooperativa. Eu ganharia mais na Petrobras e seria melhor. Antes eu trabalhava no departamento pessoal, fiquei um ano lá e eu não melhoraria mais do que aquilo, eu não ganharia mais nem ficaria num cargo melhor do que eu estava porque não tinha o que fazer. Era uma coisa pequena em termos de projeções. Aí eu fiz o concurso e vim para a Petrobras em 1968. Eu trabalhei, na verdade, um ano e pouco na cooperativa.
FRONAPE
Na Petrobras, eu fui trabalhar na Fronape. Aí, eu tive uma enorme decepção com a Petrobras. Coisa interessante, não é? Porque eu fui trabalhar na Fronape como datilógrafa. Eu achei que era pouco ser datilógrafa. Aí, falei: “que coisa impressionante Eu saí de um lugar onde eu era encarregada de um setor, ganhava bem menos do que na Petrobras, mas era outra coisa, falava com as pessoas... e aí eu fui ser datilógrafa” Não gostei, mesmo o emprego sendo bem melhor.
Eu não sei bem se eu pensava isso [sobre a Petrobras ser uma empresa que dava segurança, estabilidade]. Eu me lembro muito bem que, quando eu estava na cooperativa, tinha uma pessoa que me dizia sempre que eu deveria fazer um concurso para o Banco Central. Ela me dizia que segurança era Banco Central. Eu não me lembro. Eu pensava que iria ganhar mais e isso era muito bom porque a gente ganhava muito pouco. Eu fui fazer esse concurso, pensando em ganhar mais mesmo. Não foi pensando: “a Petrobras é linda, maravilhosa”, não. Eu acho isso da Petrobras hoje. Era um emprego seguro. Por ter feito concurso, você sabe que é seguro. Eu também sabia o que a Petrobras fazia. Nesse aspecto, sim. Não era uma ingenuidade, só para ganhar mais. Mas, sem dúvida, foi para ganhar mais mesmo. A menina falou do Banco Central e eu optei pela Petrobras.
Mas eu fiquei decepcionada por ser datilógrafa. Eu me lembro perfeitamente que uma dessas pessoas que eu falei que fez o aniversário trabalhava lá nesse setor também. Aí, acho que eu parei para pensar na vida. Então, eu levava livros para ler, porque o meu trabalho era absolutamente ser datilógrafa. Tinha tarefa, tinha lá o que datilografar, eu pegava e datilografava. Eu pensei: “não tem o que fazer aqui”, então eu lia muito. Eu lia o dia inteiro. Porque se tinha tarefa, eu fazia, acabava e depois eu lia. Ficava lá na máquina mesmo, lia e tal. Mas isso era muito engraçado
VESTIBULAR
Um dia, eu fui fazer o curso de vestibular, o pré-vestibular. Também foi algo muito interessante na minha vida. Eu conhecia pouco as coisas aqui do Rio de Janeiro e eu queria fazer um cursinho. Eu não tinha dinheiro para pagar e fui procurar uma bolsa. Eu não sabia que tinha que chegar tão cedo para conseguir a bolsa, então eu cheguei no horário. Na época, os melhores cursos de pré-vestibular eram o AESSE e um outro que – eu esqueci agora o nome – que formava o pessoal que queria fazer engenharia. Ele fazia a formação do pessoal que queria fazer engenharia e o AESSE era o pessoal que queria fazer economia. Eu queria fazer no AESSE. Quando cheguei lá, as vagas do AESSE já tinham sido preenchidas. Tinha vagas de vários outros cursinhos, mas cursinhos que eu nem sabia o nome, cursinhos pequenos que não me interessavam – eu faço sempre isso – não me interessavam e não peguei nenhuma outra bolsa. Eram as bolsas que o Ministério oferecia. Diferente de hoje isso, não é? E cheguei lá não tinha bolsa, cheguei tarde.
Aí, eu fui para o AESSE, porque eu queria falar com alguém do AESSE. Uma pessoa veio me atender e eu falei para ela isso: “olha, eu não posso pagar, mas eu queria estudar aqui, fazer o pré-vestibular. E eu vim aqui pedir uma bolsa”. Então, ela me disse: “mas as bolsas já foram concedidas, lá onde você disse que foi”. Eles davam cinco bolsas, era uma coisa assim. “Nós não damos bolsa aqui. As bolsas são oferecidas lá.” Eu falei: “pois é, mas eu vim aqui para ver se vocês me arrumam uma bolsa mesmo assim, porque eu não posso pagar, mas eu queria fazer o curso aqui.” Ela falou: “mas por que aqui?” Eu falei: “porque eu ouvi dizer que aqui é o melhor.” Ela falou: “quanto você pode pagar?” Aí, eu falei para ela que realmente o máximo que eu podia pagar era quase nada. Quase nada mesmo. Ela olhou para mim e falou: “você só pode pagar isso?” Falei: “só”. Ela falou assim: “então, você vai estudar pagando isso”. Eles eram extraordinários
Eu encontro muita coisa boa na vida Eu estudava pagando aquele mínimo e eles, numa generosidade impressionante, me davam todo o material, apostilas e tudo. E me davam de uma maneira bastante generosa. Porque a gente ia comprar as apostilas lá onde tinha a xerox. Tinha um balcão e todo mundo pagava as apostilas e depois recebia. Eles entregavam a minha apostila como se eu já tivesse pago, não me constrangiam. Eu ia lá e pegava as minhas apostilas. Aí, eu estudei lá. Fiz a faculdade, mas não honrei muito não.
ENSINO SUPERIOR
Eu entrei para a Candido Mendes, em Economia. Não honrei muito, tinha que ter passado para faculdade não paga. Eu pagava a faculdade, o que foi muito difícil, mas eu pagava porque já trabalhava. Trabalhava mesmo antes, mas aí eu já estava na Petrobras. Eu gostava muito de matemática. Olha que coisa Hoje, eu lido com o social. Até mesmo no cursinho, eu tinha uma facilidade grande com as coisas da matemática. Eu lia muito e achei que economia era uma faculdade boa. Eu gostava das coisas da economia, das coisas do país. Muito antes, eu pensava em sociologia. Depois, achei que sociologia não ia me dar futuro. Aí, eu pensei que economia desse também. Mas foi porque eu gostava mesmo. Mas, depois, eu nunca atuei como economista. Eu sempre trabalhei com coisas voltadas para o social. Sem dúvida, [a faculdade] valeu a pena pelas pessoas que eu conheci, pelos cursos que fiz, pelas matérias que estudei, pelo entendimento que eu tive. Tudo o que a gente faz serve. Eu fazia economia, eu conheci as coisas do país e as pessoas, sem dúvida nenhuma.
Para a minha formação também serviu, mesmo ligado ao social porque depois a gente analisava os projetos. A Petrobras trabalha com muito patrocínio, então, você analisa projetos. Eu trabalhava no setor que recebia os projetos – naquela época, agora é diferente – olhava-os, analisava os projetos de patrocínio, acompanhava os projetos. Então, a minha formação serviu para isso. Senão, talvez eu não tivesse condições de ver o que era melhor para a Petrobras. Nessa época de trabalhar com essa questão dos projetos, a gente não só os analisava como ia nos locais e conversava com as pessoas, com os prefeitos, com as áreas que desenvolviam os projetos. Você tem que ter uma boa formação se não você não consegue avaliar o que é bom para a Empresa. Foi muito útil. Talvez tenha sido até por conta dessa formação, que na Petrobras eu também tenha exercido algumas funções, depois da Fronape, que nunca eram aquelas que estavam de fato denominadas lá — que era da área administrativa, assistente administrativa. Sempre tinha alguma coisa a mais além do trabalho que eu fazia.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / ÁREA DE COMUNICAÇÃO
Eu saí da Fronape porque eu fui fazer esse cursinho – eu comecei falando do cursinho e parei para contar outra história – e lá eu conheci uma amiga, grande amiga até hoje, que fazia o mesmo curso de pré-vestibular. Então, numa hora lá, eu escrevendo com uma canetinha da Petrobras, ela perguntou: “Ué, você trabalha na Petrobras? Eu também trabalho”. Aí, ela perguntou onde eu trabalhava e eu disse onde trabalhava e que eu não gostava. Ela trabalhava na comunicação, que se chamava Serviço de Comunicação. Passado algum tempo, ela disse: “Aquilo que você falou, que não gostava de onde trabalha e que você queria sair de lá, é verdade?” Eu falei: “É, eu quero”. E ela: “Tem uma vaga lá. Você quer ir?” Eu falei: “Quero”. Aí, eu fui.
Mas a minha saída da Fronape foi difícil. A Fronape, naquela época, não liberava as pessoas. E essa menina tinha uma amiga – Telma, o nome dela – que trabalhava no gabinete do presidente da Petrobras e ela pediu ao chefe de gabinete. Porque não me liberaram na Fronape. Olha que coisa Eu não gostava, queria sair e não me liberavam. Então, ela pediu ao chefe de gabinete que fizesse um bilhete para o superintendente da Fronape para me liberar. Eu era uma datilógrafa, não era esse o nome do cargo, mas eu era uma datilógrafa E o chefe do gabinete do presidente da Petrobras fez um bilhete para o superintendente pedindo para me liberar
Um dia, eu estava lá sentada e chegou o superintendente. Eles eram militares. Naquela época tinha uns militares dentro da Petrobras. Aí, ele chega, pergunta o meu nome, entra na sala – do comandante Bruno – e todo mundo fica calado. “Sou eu”. Eu nem sabia que ela teria conseguido a minha transferência. Ela não me disse, só falou “Pode deixar que eu resolvo a sua transferência.” Eu não conhecia ninguém, conhecia só aquele meu quadradinho ali. E, de repente, o meu chefe, do setor em que eu trabalhava na Fronape, me chama e pergunta: “Você trabalha aqui há tanto tempo, eu tomei conhecimento de que você quer sair.” Eu fiquei pensando: “Como ele sabe?” Ele falou: “Por que você quer sair?” Eu olhei para ele: “Porque eu não gosto daqui.” Ele olhou: “Você não gosta? Mas você nunca falou” “Mas eu não gosto.” Ele se chamava Hugo. Aí, eles me liberaram. Fizeram uma reformulação e me liberaram.
Eu fui trabalhar no setor administrativo da comunicação. Passou muito tempo. Lá também o chefe era o general Barros Nunes. Mas isso foi há muito tempo, na época dos generais.
DITADURA MILITAR
Coisa marcante [na época da ditadura] é que os generais mandavam. Tinha lá dois generais: o General D`Ávila – de quem eu gostava muito, muito, muito, acho que todos gostavam dele – e o General Barros Nunes, que era o gerente – hoje se chama gerente, mas na época era superintendente – e era mais fechado. Algumas pessoas privavam da intimidade dele, mas não era o meu caso. Mas do General D´Ávila, eu gostava muito. Era uma coisa mais dura como os generais mesmo, mais fechada. Mas ali era um bom lugar para se trabalhar. As pessoas que trabalhavam nessa época, na comunicação, eram pessoas muito criativas. Era um lugar extremamente agradável de se trabalhar. Tanto que eu gostava e fiquei lá o tempo todo.
Depois, eu fui chefe do setor administrativo. Eu fui substituta da chefe do setor administrativo, e fui chefe do setor administrativo, ainda na época dos generais. Depois o General D´Ávila faleceu, o que foi muito triste para todos nós. Era uma pessoa de quem todos gostavam. E, na época que mudou, saiu o general e entrou o Shigeaki Ueki.
Foi uma coisa interessante. Eu vi algumas situações ali em que a gente realmente vê como os generais mandavam mesmo. Pude presenciar algumas situações na entrada do Shigeaki. Lembro de não ter sido agradável, para alguns dos generais, a entrada do Shigeaki – que interessante, eu falando isso aqui, imagina, eu colocando isso – e de um deles mostrando seu desagrado num telefonema para o General Golbery. Claro que eu não estava dentro da sala, mas ele falava numa altura suficiente para eu, que estava entrando na ante-sala, ouvir algumas palavras. Para a gente ver como é que era, como os generais mandavam. Disso, eu acho que ninguém sabe. Eu não ouvi o telefonema, mas a gente ouviu como aquilo era um desagrado. Era um desagrado e só podia ser pela entrada, não é? Então, a gente via como eles eram. Como mandavam Mas a gente sabia, os generais mandavam mesmo.
SAÍDA DOS GENERAIS
Mas depois também foi uma época interessante. As pessoas saíram e entraram outras. Entrou uma pessoa muito interessante, na época, nessa área de comunicação, que foi o Rabaça. As pessoas todas tinham saído e eu fiquei. É interessante, porque as pessoas eram assistentes e secretárias dos generais. Eles saíram e todos saíram. Aí, o Rabaça chegou e não tinha ninguém ali na ante-sala. Então eu fiquei ali.
Nessa época, eu era chefe do Setor Administrativo. Eu fui me sentar ali. As pessoas já tinham saído e eu fiquei. Ele nem sabia, nem me conhecia. Foi uma época também muito desagradável, quando ele chegou. Muita gente saiu dali. Não foram demitidos, mas parece que a ordem era enxugar um pouco o setor e algumas pessoas saíram dali. Foi bastante desagradável. Eu fiquei ali, atendendo os telefones, fazendo os trabalhos. Eu falei: “Meu Deus do céu, alguém tem que vir para cá, para ser secretária dele ou alguma coisa”.
Um dia – foi uma situação bastante chata – eles me pediram para datilografar uma relação de pessoas que iam sair. Não sair demitidas, mas sair daquela área de trabalho. Nós estávamos muito acostumados ali. As pessoas trabalhavam ali por anos e anos, a vida inteira. Saíam porque queriam, porque era um lugar muito bom de trabalhar. Então, as pessoas saíram, eu fiquei ali e eu vi os nomes e falei: “Meu Deus do céu, como é que esses nomes vão ser transferidos? Eu fui lá perguntar: “Desculpe eu vir aqui, mas por que essas pessoas estão na lista?” Eles deram uma explicação e tal. Eu fiquei ali, ele me botou como assistente dele. Mas era um assistente administrativo, mais para as coisas administrativas, dos documentos e aquilo tudo. Eu fiquei lá como assistente dele um ano, depois ele fez o pessoal dele e eu voltei para um dos setores. A partir daí é que eu comecei a estar mais atenta às questões sociais.
ÁREA SOCIAL
A Petrobras sempre patrocinou alguma coisa, sempre foi muito preocupada com essa questão social. Nessa época, a empresa patrocinava um projeto, não me lembro agora quando ele começou, mas era muito antigo e ainda é feito hoje, de hortas nas escolas. O que acontecia era que a Petrobras patrocinava projetos de fora. Então, tinha um grupo de professores que desenvolveram o projeto de hortas nas escolas. Tinha um projeto, como é que se chama quando você vai escolher a sua profissão? Não é profissionalizante é quando você vai fazer a escolha da sua profissão. Então, eles iam às escolas dar algumas informações sobre grande parte das profissões existentes no país. Tinha um folheto da Petrobras, um livro mesmo, falando de todas as profissões. Isso é um projeto antigo voltado para o social. Ia para as escolas por todo Brasil onde as crianças estavam na fase de querer saber o que iam fazer da vida. Eu não estava envolvida diretamente nesse trabalho, mas isso já existia na Petrobras, o Projeto de Hortas.
Havia também um projeto de palestras nas escolas. No Brasil inteiro, faziam-se palestras nas escolas falando sobre a Petrobras, primeiramente. Mas, quando alguém ia lá para falar sobre a Petrobras, havia sempre uma observação sobre o que existia lá também. Daí, esse projeto das hortas também era levado para algumas áreas. O chefe desse setor era o Antonio César, que também saiu em algumas entrevistas. Ele era o chefe desse setor – Antonio César Mangueira Cabral, meu amigo querido. Na verdade, eu trabalhava lá, conhecia esses projetos e teve uma época em que eu saía também para fazer palestras e acompanhava esse grupo que fazia o projeto das hortas, porque era patrocínio da Petrobras. A implantação era junto com esse grupo de fora, mas a gente internamente acompanhava, até para ver como é que a Petrobras estava gastando o seu dinheiro.
Um pouco mais adiante – evoluindo um pouco no tempo – a minha participação direta nesse projeto era o seguinte: havia alguns projetos sociais em que eu [viajava e] conhecia as cidades, fazia o acompanhamento pela comunicação e, quando eu chegava lá, encontrava os assessores de comunicação social – que ainda existem hoje na Petrobras, de forma diferente, são os Ascom – Assessor de Comunicação.
OS ASCOM
Hoje, eu acho que se chama diferente. Eles [os ascom] sempre mostravam um certo desagrado – estou falando mais do meu envolvimento pessoal com esses projetos. Um desagrado porque quem estava desenvolvendo o projeto era um patrocinado e era como se ele trouxesse um projeto pronto, já montadinho e colocasse lá na comunidade. É claro que essas pessoas eram experientes e o projeto devia ter flexibilidade para atender a comunidades diferentemente, porque a gente fazia no norte, no sul etc. Mas não agradava muito aos Ascom’s daquela época porque eles não podiam interagir muito no projeto.
As comunidades [contempladas eram aquelas] onde havia unidade operacional da Petrobras, os lugares junto às refinarias. Todas as unidades operacionais da Petrobras tinham projetos sociais naquela comunidade. E aí, o que aconteceu? Eu conhecia esses Ascom’s e eu via que eles não podiam interagir muito. Às vezes, eles tinham um olhar diferente daquele profissional de fora e não podiam conduzir o projeto. Então, o que aconteceu? Eu percebi isso e comecei a dar algumas sugestões para alguns projetos. Mas, eu não sei, as pessoas não aceitavam as sugestões que a gente dava. Então, eu comecei a escrever. Eu tinha que fazer um relatório, quando eu voltava dessas viagens, eu fazia um relatório desses projetos trazidos de fora que a Petrobras patrocinava.
PROGRAMA DE CRIANÇA
Esses projetos eram sempre ligados às escolas. Porque a Petrobras sempre teve uma ligação muito grande com essa parte educacional. Aí, eu comecei a dizer o que estava bom, o que não estava e dizia que eu tinha uma alternativa, mas nunca dizia o que era. Eu terminava o relatório dizendo assim: “Eu tenho uma alternativa”. Um dia, o superintendente – hoje é gerente – quis saber que alternativa era essa. Quer dizer, não está bom e tem uma alternativa? Ele quis saber. Foi quando eu apresentei a idéia do projeto que eu idealizei dentro da Petrobras, o Programa de Criança.
Eu mostrei o programa para ele e ele pediu para eu escrever. Eu escrevi e ele quis saber. Na época, tinha o chefe imediato, o chefe de divisão e depois o superintendente. Escrevi para o chefe imediato, que mostrou para o chefe de divisão. Ele leu e falou: “Vai lá você mesma defender com o superintendente”. E eu falei: “Mas eu mesma?” O chefe era meio rígido, sabe? Ele falou: “Vai lá, porque aí você mesma defende”. Aí, eu fui. Expliquei para ele o que era, ele não ficou muito simpático e falou: “Eu não gosto do nome” – Programa de Criança, ainda se chama assim até hoje. “Não gosto do nome, tem algo pejorativo que chama programa de índio. Isso parece com programa de índio.” Aí, eu falei: “Mas é isso mesmo, é Programa de Criança, porque programa de criança é estudar, programa de criança é brincar, programa de criança é aprender coisas. Programa de Criança não é trabalhar, e é isso que as crianças fazem. Então, o nome dele é Programa de Criança, porque ele vai levar para as crianças o programa delas”. Aí, ele falou: “Tá bom, gostei”. E deixou o nome.
Depois ele falou: “Faz uma circular para os superintendentes para ver quem aceita o programa”. Eu falei: “Ninguém vai aceitar”. Porque é difícil você falar disso numa circular, uma coisa que é nova na Petrobras. Os programas são sempre de fora. Alguém vem, traz os programas, você gosta, acha bonito e patrocina. Esse está saindo de dentro. As pessoas vão ficar preocupadas: “Como é que eu conduzo um programa desses? Aqui, as pessoas vêm para tratar das coisas da Petrobras”. Ele falou: “Se não vai fazer circular, então como é que faz?” Eu falei: “Eu queria ir lá, falar com os superintendentes”. E ele: “Você quer ir a todos esses lugares?” Eu falei: “É, eu gostaria de ir”. Mas eu estava falando baixinho. Ele falou: “Tá bom, vamos ver” Aí, ele permitiu que eu fosse.
Então, a gente implantou o projeto – porque tinha que ser em regiões bem diferentes para ver se dava certo – em Manaus, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, naturalmente, no Espírito Santo, em São Mateus, no Rio de Janeiro, aqui na área da Reduc [Duque de Caxias], e em Minas, em Betim. A gente pegou áreas diferentes. Eu fui conversar com as pessoas, falar com os superintendentes e tal. Eles aceitaram. Porque, na verdade, é tudo o que as pessoas querem. O brasileiro, de modo geral, é muito generoso. A gente está pronta para ajudar, todo mundo quer ajudar Mas todo mundo fica no seu lugar. Se você tem uma pessoa que diz assim: “você quer ajudar? Vem cá” Eu acho que eu só fiz isso. Eu disse: “bom, todo mundo quer fazer? Então, vamos fazer”.
O projeto tinha uma coisa básica e ele era adaptado a cada local. Foi um trabalho extremamente cansativo e eu fiquei muito preocupada, porque, imagina, era uma coisa nova na Petrobras fazer um projeto de dentro dela. E as coisas que acontecem? E as dificuldades que você tem, os problemas? Eu não podia estar lá toda hora. Aí, o chefe deixou e a gente começou o projeto...
É engraçado, porque eu estou fazendo uma coisa parecida agora. Depois de tantos anos, eu estou fazendo uma coisa muito parecida hoje. Então, eu fui lá, conversei com as unidades, conversei com as pessoas de fora, com as prefeituras, dizendo que a gente tinha um projeto social, onde a gente ia levar esporte, educação, cidadania – não me lembro agora as palavras que eu falei – e que isso ia ser tocado pela própria unidade operacional, ela ia fazer as parcerias e a sede ia dar a orientação, e as adaptações locais seriam feitas lá. A gente fez um básico, uma coisa básica.
PROGRAMA DE CRIANÇA - ESTRUTURA INICIAL
Nós sugerimos que eles fizessem alguma coisa de esporte. Nós compramos uniformes aqui no Rio – uniformes para todos esses lugares. As crianças deveriam ter idade entre nove e 14 anos, porque a gente precisava ver como funcionava para levar crianças muito pequenas. Então, era de nove a 14 anos, tinha que ter esporte e a gente comprou uniforme. O uniforme, naquela época, era a camiseta, uma bermuda e um tênis. Olha só A gente ainda comprava o tênis. Você imagina comprar tênis para criança que você nem sabe como é Mas foi muito bom, muito bom mesmo.
O local para essas atividades deveria ser o Clube dos Empregados da Petrobras, porque era um local dentro da Petrobras e tinha uma estrutura toda preparada lá. Então, tinha que haver uma integração com o clube. Eu também fui conversar com os clubes. As crianças poderiam interagir com as outras atividades do clube, mas a gente precisava ter uma observação para fazer uma avaliação dali a uns três meses para ver se ia funcionar. Não precisava ser as atividades do clube – como piscina por exemplo –, porque a gente ia pegar crianças de áreas carentes, tinha que ser pessoas que não pudessem pagar por uma atividade.
O vínculo empregatício dos professores não seria direto com a Petrobras. Nós tivemos essa preocupação, embora tivéssemos problemas depois. Mas os vínculos seriam com o clube porque aí a Petrobras pagaria direto ao clube. Se houvesse algum vínculo, seria com o clube e não com a Petrobras. E também buscamos interagir com a Prefeitura, porque a gente queria que o Poder Público estivesse interagindo nisso também. Algumas Prefeituras, inclusive, contrataram profissionais para trabalhar junto com o projeto. E o interessante é que a gente não tinha nenhum documento com a Prefeitura. Eu me lembro do meu chefe falar assim: “como você conseguiu que as Prefeituras contratassem pessoas para trabalhar no projeto, numa parceria que não tem absolutamente nada escrito?” Não tinha nada escrito. Eu até brincava: “eu tenho cara de séria, não é?” E eles fizeram.
PROGRAMA DE CRIANÇA - CRITÉRIOS
Eu não me lembro agora se tinha limite para a quantidade de crianças, mas nós estabelecemos um número porque nós tínhamos que comprar os uniformes e as coisas. Depois, cada unidade ficou gerenciando o próprio projeto. Aí, a unidade fez da forma como ela quis. A verba saía da sede, mas a unidade foi tocando, porque todo mundo se apaixonou pelo projeto.
Os critérios para a criança entrar no projeto eram a idade, ser de uma área carente e estar na escola pública, porque criança que estuda em escola particular, geralmente, tem condição de estar num trabalho dessa natureza. E as pessoas do projeto tinham que conhecer a família para saber essa questão de renda e tal. Não me lembro agora se a gente tinha um valor de renda, mas tinha alguma coisa dessa natureza, ligada a baixa renda mesmo. Mas não era uma coisa assim – como hoje os programas são, até com muito critério – de dois salários mínimos ou não sei o quê. A gente não começou com uma coisa tão rigorosa não. Porque os Ascom já conheciam, na verdade, aquelas escolas lá. Eles tinham que estar matriculados.
A gente fazia o recrutamento através da escola porque as professoras e a própria escola já conheciam também quem eram os pais, suas carências, e faziam o acompanhamento pela escola para saber a melhora que as crianças tinham. E tinham, os relatórios mostravam isso. Hoje, eu acho isso muito interessante de fazer o projeto social e de dizer que é importante que a criança esteja matriculada na escola. Eu digo isso por hoje.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS / MANAUS
A gente teve problemas? Tivemos vários. Tivemos muitos. Claro, era uma coisa nova, diferente. Nós tivemos umas coisas assim, muito tocantes. Eu me lembro de uma coisa que me comoveu profundamente. A Ascom em Manaus pegava uma área extremamente carente. E um dia, a menina [ascom] responsável pelo projeto me ligou, dizendo que a menina que era coordenadora externa, que ficava realmente atuando no projeto, tinha um problema e queria falar comigo. Ela me disse que as crianças, quando iam para o projeto, tinham que passar por uma área carente e eram assaltadas por uma gang de crianças que roubavam as coisas delas, a camisa, etc. O nome da gang era “cachorro doido”. Olha que coisa horrível Então, eu pensei: “meu Deus do céu, uma gang de crianças chamada cachorro doido” Depois eu li no jornal sobre essa gang, ela mandou algumas notícias dessas crianças. Eram crianças de sete a 21 anos. Era uma gang enorme e eles roubavam as crianças menores ou do tamanho deles. Batiam e roubavam, e pegavam camiseta e as coisas deles. E ela dizia: “o que eu vou fazer?”
Agora você imagina: eu aqui no Rio, que tinha inventado essa história, o que eu poderia dizer para ela? O que ela vai fazer lá em Manaus, numa situação dessas? Eu falei: “Meu Deus do céu” E falei para ela: “Você tem alguma sugestão?” Ela falou: “eu tenho”. “E qual é?” Ela falou assim: “colocar essas crianças dentro do projeto. Mas eu preciso da sua autorização”. Aí, quando eu digo a você que eu sou uma pessoa de muita fé e determinação, eu sou mesmo. Então eu falei: “você acha que você segura isso?” Ela falou: “eu acho”. Era ela e tinha um rapaz. Eu disse: “então bota”. E ela botou umas crianças dentro do projeto. Não todas, até porque a gang era muito grande. Botou as crianças que eram dali, daquela periferia. Eu falei: “pelo amor de Deus, você me liga toda hora para eu saber o que está acontecendo”.
Então, primeiro teve rejeição das outras crianças, teve rejeição de pais. Porque eles faziam um trabalho muito interessante: as crianças visitavam outras crianças, assim em grupinhos. Elas faziam uns trabalhos em grupo, brincadeiras, e as crianças visitavam, iam na casa uns dos outros. E as mães não queriam que aquelas crianças entrassem na casa delas. Elas tiveram várias rejeições, mas ela conduziu muito bem. E deu super certo. As crianças depois foram aceitas, foi uma coisa maravilhosa. E as crianças largaram essa gang porque elas eram pequenas. Então, a gente teve coisas assim de emocionar muito, muito, muito mesmo.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS / MINAS GERAIS
Lembro de uma vez em que eu fui visitar o programa em Minas, em Betim. Estavam até fazendo uma filmagem e a gente pediu para organizar, preparar tudo mesmo porque era para a filmagem. E eles levaram as crianças para almoçar no restaurante da unidade – ou era do clube, agora eu não me lembro bem – mas eles foram todos no restaurante. E tinha uma visita importante lá. As crianças foram na bandeja, aquela coisa de ir ao bandejão. Eu fiquei, antes de almoçar, andando assim pelo restaurante, olhando as crianças e observei que algumas bandejas tinham carne e outras não. Achei aquilo estranho e perguntei ao rapaz, ao colega que estava lá: “por que carne numas e noutras não?” Ele falou assim: “vamos lá que você vai ver porque”. Eu fui andando e ele foi perguntando às crianças, de modo que eu ouvisse: “a carne? Você já comeu?” E conduzia uma conversa. As crianças pegavam a carne – os talheres vêm sempre num saquinho plástico – e botavam a carne dentro daquele saquinho plástico para levar para casa, para os outros irmãos. E comiam sem a carne. Isso acontecia sempre que eles faziam alguma atividade e as crianças iam comer na unidade. Eles ganhavam lanche e levavam para casa. Porque nem todas as crianças podiam participar do projeto. Então, eles levavam o que ganhavam para os irmãos, para a família, para comer em casa.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS / BAHIA
Eu me lembro ainda da Bahia. Um dia nós fomos lá para fazer uma filmagem na Refinaria. A gente ia sair de lá e ia ao escritório da Petrobras que era em Salvador. Lá, eles foram almoçar no escritório. Fizemos um horário especial para que não atrapalhasse as pessoas no horário de trabalho. Viemos de ônibus. As crianças almoçaram e o que elas mais gostaram do almoço foi aquela máquina que tem refrigerante. As crianças que se serviram, porque eles deixaram que fosse assim. A comida era na bandeja e o refrigerante, eles é que se serviam. Então, eles iam e voltavam dentro do restaurante porque acharam extraordinário aquilo de botar o copo e o refrigerante cair dali de dentro.
Na volta para a unidade – íamos voltar de ônibus – a professora veio pedir se podíamos ir pela praia. “Ah, claro, podemos ir pela praia.” E sabe por que eles queriam ir pela praia? Porque eles nunca tinham ido à praia, mesmo morando a 50 minutos de Salvador. Nunca tinham ido à praia, a maioria das crianças. Foram pela praia para ver o mar. A gente desceu, as crianças pisaram na areia e a gente fez fotos das crianças na areia da praia. Parece muito simples. Por isso que eu digo: “a gente pode fazer trabalhos dessa natureza?” Pode, é muito simples, muito simples.
POESIA
Lembro também de fazer uma visita, uma vez, e as crianças estavam dentro de uma sala, porque eles tinham várias atividades, tinha reforço escolar também, cada cidade fazia ao seu modo. Então, tinha uma criança lá que eles disseram que fazia poesia. Um menino, de oito anos, nove anos talvez. Aí, eles pediram que ele mostrasse o caderno para mim e ele não quis mostrar. Eu falei: “tudo bem”. Eu conversei um pouquinho com as crianças. Elas estavam sentadinhas como numa sala de aula. A pessoa estava dando uma matéria qualquer, um reforço escolar. A gente ia e via vários tipos de atividades, porque era uma visita e a gente precisa ver como o programa acontecia. Eu falei: “não, não tem problema. Se você não quiser que eu veja o caderno, você não precisa mostrar”. Ele ficou olhando para mim. Eu fiquei lá na frente e ele ficou olhando para a minha cara assim. E, de repente, ele começou a escrever e me deu. Ele fez uma poesia para mim ali na hora e me deu o caderno para eu levar. Olha... nessas visitas todas, eu chorava.
Eu ainda devo ter a poesia, não sei se consigo localizar. O caderno não, mas a cópia da poesia. Ele fez ali. Era uma coisa ligada à felicidade, algo assim. Eu vi coisas desse tipo... Porque a gente viajava pelo Brasil todo. Por conta daqueles outros projetos que eu mencionei antes, eu fui muito no Brasil inteiro. E a idéia de fazer esse projeto foi exatamente pelo que eu vi. A Petrobras está sempre instalada em lugares muito carentes, porque, quando ela se instala, não tem nada ali. As pessoas se instalam ali para trabalhar. Começam a fazer as casas naquele lugar porque fica perto para morar, principalmente naquela época, porque as refinarias são todas antigas. Depois, aquilo se transforma numa área que não tem saneamento básico, não tem nada. Então, na verdade, a Petrobras está instalada numa área sempre carente. Não porque ela escolheu, mas é que as pessoas se aproximaram e como não é uma área urbanizada, ficou numa situação assim.
CURIOSIDADES
Eu me lembro bem, eu estava falando agora de Minas, as crianças lá jogavam peteca, porque em Minas tem isso. Os colegas lá da Petrobras jogavam peteca na hora do almoço. As crianças também jogavam. Tinha crianças – não me lembro agora onde – que o clube aceitou que elas participassem da piscina. A gente tem que considerar que hoje parece simples, mas, na época, a gente estava começando uma coisa nova de trazer crianças de fora, de uma área carente, crianças muito pobres, que vêm cheias de piolho inclusive. Lembro uma vez das crianças terem andado no ônibus da Petrobras e elas tinham muito piolho. Até que isso fosse sanado, elas iam no ônibus da Petrobras. Eu dizia: “meu Deus, as crianças têm piolho Os empregados da Petrobras vão pegar piolho” Foi muito engraçado isso. E foi uma coisa impressionante.
PETROBRAS – PROJETOS SOCIAIS
No fundo, nós estávamos atendendo a um anseio da unidade, que era o de ter um trabalho dela, mas que era da Petrobras. Todos queriam isso. A gente quer um trabalho da Petrobras porque, assim, eu brigo por ele, eu luto por ele, eu faço por ele. A gente tinha iniciativas de empregados da Petrobras em áreas carentes, iniciativas isoladas. A maioria das pessoas faz isso: sempre participa de algum projeto social. Mas a Petrobras não tinha, porque as unidades seguiam muito a sede – e fazem isso ainda hoje, eu acredito. Então, como a unidade vai desenvolver um projeto social? Não tinha isso naquela época. Hoje, fazem isso, mas naquela época não tinha. Os profissionais faziam isso isoladamente. Ou ele fazia depois do horário, ou a unidade até dispensava – agora eu não me lembro em que cidade – um pouco antes do horário para a pessoa ir lá e fazer alguma coisa, prestar algum atendimento até na área médica. E a gente, de repente, presenteou essas pessoas com um projeto interno onde ela podia realmente atuar. Podia fazer até um movimento interno dos empregados. E fizeram. Por isso que o projeto perdura até hoje.
PROGRAMA DE CRIANÇA - ASSISTÊNCIA MÉDICA
Em algumas áreas, as crianças todas passavam por avaliação médica, pelo médico da Petrobras. Então, reservou-se um determinado tempo da assistência médica – não da assistência, mas daquele médico que fica lá de plantão. Algumas unidades levaram o exame das crianças para mandar fazer fora. A unidade pagou. Não todas as unidades fizeram isso. Mas algumas delas fizeram. As crianças passaram por avaliação médica, avaliação dentária, e fizeram também exames fora.
Eu lembro também de uma criança que quebrou o braço. Avisaram: “a criança quebrou o braço” A gente passou por situações muito difíceis. Ela liga para mim: “Bené, uma criança quebrou o braço. O que a gente faz?” E eu aqui: “o que a gente faz? Mamãe, me ajuda” Bom, qual a solução que a gente dá na hora? O braço está lá, quebrado. “O que eu faço agora?” Qual seria a melhor solução? A assistência médica atende. Não é a melhor solução? Onde tem um médico correndo? Aí, eu fui lá correndo, para avisar o chefe: “olha, uma criança quebrou o braço. A gente pode mandar para a assistência médica?” “Bom, a solução é essa. Manda, pode mandar.” Aí, eu: “olha, pode mandar para a assistência médica”. “Mas você tem que mandar uma autorização.” Aí, manda um telegrama – na época não era um correio, era um telegrama, aquela comunicação interna. “Manda a autorização dizendo que paga a assistência médica.”
Então, nós fomos encontrando as soluções, porque nós estávamos em período de adaptação. A gente viu assim: “isso tem que ser tocado pela Petrobras, mas o projeto não pode ser assim, ele tem que ter uma unidade fora”, que era o que a gente queria no início, que era o clube. Alguém de fora tem que estar envolvido, só que a diretriz toda tem que ser dada pela Petrobras, porque é isso que a Petrobras quer. Quando eu digo que é isso que a Petrobras quer, era isso que cada unidade queria. A gente foi fazendo as adaptações.
PROGRAMA DE CRIANÇA – DESENVOLVIMENTO
Na verdade, dificuldades a gente não teve nenhuma. A gente teve o fato de estarmos fazendo uma coisa nova, a apreensão, o receio de não dar certo, a preocupação e aquilo: se tiver problema, eles vão trazer o problema para você. E como é que você resolve, uma vez que você disse para o gerente que isso era fácil de fazer? Porque a gente disse: “é bom de fazer”. Porque era fácil. E por que eu acho que é fácil? Eu acho que é fácil porque a gente precisa fazer. É isso que acontece hoje. É isso que acontece hoje no Brasil, eu acho. O que a gente vê de carência no país inteiro, que a televisão mostra. Naquela época eu vi essa carência grudada na Petrobras. Hoje, a gente vê a televisão mostrando muito lugar que a gente não conhece, não é? E, por que eu acho que é fácil? Porque a gente tem tudo para fazer. A gente tem a nossa boa vontade, a gente tem um coração enorme – isso é do brasileiro, esse coração enorme – a gente tem as pessoas que precisam, a gente tem as pessoas que não têm como fazer mas têm a boa vontade de trabalhar, que vão até como voluntários sem ganhar nada. E a gente tem um país rico. Eu acho que a gente tem dinheiro para fazer. Acho que a gente trabalha numa empresa rica, a gente tem um país rico e a gente tem um governo rico. Eu acredito nisso. Por isso que eu acho que é fácil fazer. Agora, eu acho que a gente também tem as dificuldades, imagina, acontece uma coisa, uma criança quebra uma perna, uma criança se machuca. Mas dificuldades nós não tivemos, eram acidentes de percurso – boa expressão que você falou.
Eu tinha que comprar o material todo aqui, porque o dinheiro era daqui da sede. Eles só tinham que tocar a coisa lá. Nós mandávamos tudo daqui. Eu comprava bola, tênis, short, camiseta, comprava todo o material, caderno. Se alguém falava: “ah, eu queria fazer isso assim, assim...”, a gente comprava aqui. Tudo era enviado para que eles tivessem toda a facilidade e pudessem procurar as soluções para os problemas que eles tinham junto às comunidades. Aos poucos, isso foi passando para lá. A sede depois transferiu as verbas para lá. Aos poucos, eles ficaram totalmente donos do projeto.
PROGRAMA DE CRIANÇA - AMPLIAÇÃO DO PROJETO
O projeto foi ampliado. Houve uma época em que tinha lugares que atendiam 700 crianças, em uma só unidade. Eu me lembro que eu recebi um cartão de Natal da Bahia, da Relam [Refinaria de Mataripe]. A menina fez um cartão de Natal, onde a frente do cartão eram as carinhas de todas as crianças – parecido até com um caderno que a Petrobras fez com as carinhas de todas as crianças – onde ela dizia que tínhamos 700 motivos para comemorar o Natal. E lá, eles fizeram diferente. A faixa etária era de 7 a 14 – antes eu disse nove, mas era de sete – e eles fizeram abaixo de sete, porque eles acharam melhor. Lá eles tinham uma casa dentro da própria unidade que estava desativada por alguma razão. Eles criaram ali, dentro da casa, um ambiente próprio para crianças abaixo de sete anos. Então, as pessoas adotaram o projeto.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Depois, eu saí do projeto, ele teve seqüência, eu mudei e tal. Eu não quis sair. Foram as circunstâncias internas da Empresa, mudanças de gerente. As coisas já estavam bem conduzidas e, assim, outras pessoas passaram a tocar o projeto. Eu fiquei extremamente triste, naturalmente, mas eu tive a oportunidade de trabalhar com outras coisas, outros projetos e ver outros lugares.
O Programa de Criança começou em 1986, 1985. Por aí. Ele continua até hoje, muito modificado, muito melhorado, são coisas lindas, maravilhosas. O da Reduc é extraordinário. Outros lugares fizeram as suas modificações. Eu mesma deixei o projeto já há muito tempo e as pessoas adotam o projeto até hoje. Eu fico com uma alegria muito grande porque ele conserva o nome. Não sei nem o que as pessoas acham do projeto hoje na Petrobras. Eu não tinha noção que ai crescer tanto assim. É muito emocionante. E estou me emocionando agora, inclusive. Muito emocionante mesmo.
MÃE DE MIL FILHOS
Eu me lembro de uma vez, eu falando com uma pessoa ligada às coisas espirituais – que eu não tinha filhos. E, um dia, eu fui numa cerimônia, e a pessoa chamou algumas pessoas – era Dia das Mães ou perto do Dia das Mães – para fazer uma homenagem, entregar uma coisa muito simbólica. E me chamou. A pessoa me conhecia e me chamou. Eu pensei: “ela se enganou, mas eu não posso dizer isso alto”. Aí, eu pensei: “bom, vou ficar esperando a oportunidade de dizer”. E ela me falou uma coisa que me tocou muito, foi extremamente maravilhosa para mim, porque aí eu falei: “mas eu não sou mãe. Eu estou aqui, mas eu não sou mãe”. E ela falou: “você é mãe de mil filhos”.
Isso me tocou profundamente porque eu sou muito voltada para as questões espirituais e ela era uma pessoa ligada às coisas espirituais. Então, quando ela disse que eu sou mãe de mil filhos, eu vi outras coisas, não só as crianças. Então, a mim, me tocou muito. E eu nunca pensei nisso. Eu procuro o sonho, realizar o sonho. Porque a minha vida foi isso. A minha vida, a vida da minha casa, a vida da minha família é realizar o sonho. A minha mãe realizou um sonho. Ela precisava que a gente estudasse. E nós estudamos. Estudamos até o ponto que ela podia nos deixar, que foi aquilo que a gente fez lá em São Mateus. Isso foi um sonho para ela. Então, a minha vida é realizar um sonho. E é isso que eu faço. Eu tenho fé, eu tenho força, eu sou guerreira. Sou mesmo. Eu estou fazendo um trabalho parecido. Depois de tantos anos, dentro da Petrobras, eu estou fazendo um trabalho parecido. Lutando com as mesmas dificuldades. Olha, parece incrível
PROJETO “DESCOBRINDO A VIDA”
Estamos fazendo um trabalho na Ilha do Governador. É outro tipo de dificuldade. A Ilha do Governador há algum tempo – vocês devem ter acompanhado nos jornais – [sofre com] a questão da segurança, bandidos e traficantes. Mas a Engenharia trabalha lá, tem obras de dutos numa área dessas. E a nossa obra parou em alguns pontos, em alguns momentos. Ficou vários dias parada por conta dos traficantes. Eles brigam entre eles – eles não têm nada contra a Petrobras nem contra empresa nenhuma – e afeta o nosso trabalho. E como aquela área estava abandonada – difícil dizer isso – mas estava abandonada, não tem nenhum projeto da Petrobras lá. Tantos projetos que a Petrobras faz e não tem nenhum lá. É na Baía da Guanabara. Então, eu fui trabalhar lá, esse gerente me chamou para trabalhar lá. Eu tenho uma coisa boa de dizer: os chefes que eu tive foram muito bons. E o chefe que eu tenho agora é um chefe parecido com aqueles lá naquela época, dos chefes que me acompanharam na vida.
PROJETO “DESCOBRINDO A VIDA” -
IMPLANTAÇÃO
Eu voltei a Petrobras na época do acidente na Baía, eu estava saindo e esse gerente me chamou para trabalhar lá. E, como era perto da Baía, eu falei: “opa Vai ser bom. O que a gente não pode fazer num ponto faz noutro”. E lá não tinha nenhum projeto. Eu falei: “temos que fazer alguma coisa”. Então eu falei para o gerente e teve uma porção de dificuldades que eu acho que não cabe falar aqui. Eu perguntei a ele se podia fazer um trabalho. Ele falou: “pode”. E aí a gente está fazendo um trabalho lá. Eu falei com cada gerente... agora eu vou me entregar aqui, mas eu vou falar. De repente é bom. Eu estou fazendo um trabalho lá que não tem nada escrito. Eu digo escrito assim: alguém mandou um projeto para o gerente, o gerente assinou embaixo dizendo “aprovo”. Não tem isso. Mas tem a aprovação de todos os gerentes da Petrobras – quer dizer, da minha área de trabalho – e os gerentes da Transpetro aprovaram.
Porque eu fui a cada um deles falar: “escuta, ninguém está fazendo nada lá. Posso fazer?” “Pode.” “Quem vai fazer?” “Não, sou eu mesma.” Eles me conhecem um pouco desse Programa de Criança, me conhecem por isso. E aí: “podemos fazer?” “Pode. Vamos lá.” “Olha, cuidado com isso, cuidado com o nome da Petrobras” “Não, mas tudo isso eu conheço. Os cuidados da Petrobras, todos eu conheço.” “Então, vamos fazer.” E a gente está fazendo. Fomos nas Empresas e o trabalho está lá.
E foi aí que a gente fez uma inscrição e um menino com onze anos disse não estar na escola. A idéia era essa: trabalhar com crianças matriculadas na escola, preferencialmente, na escola pública. Mas a gente tem crianças de onze anos que não estão na escola, na Ilha do Governador. A mesma família tem três garotos que não estão na escola. Eles foram lá e, quando eu perguntei, eles responderam: “nós não estamos na escola porque viemos morar aqui há pouco tempo e não tinha vaga.” Não sei se é verdade e o projeto começou agora, há pouco tempo. Então, o que acontece? A gente vai colocar como condição estar na escola. Mas é muito maior o risco para essa criança de 11 anos estar na rua numa área dessa de risco.
A gente tem o depoimento de um pai, num vídeo que a gente fez, onde ele fala isso: ele tem medo das crianças na rua porque elas moram em área de
confronto de traficantes com a polícia. Essa é a área onde eles moram. E a gente, que está aqui na Ilha do Governador, deixa um menino de 11 anos, o outro de 12 e outro de 10 anos na rua e não deixa entrar nesse projeto porque ele não está na escola? Não podemos fazer isso, não é? Por isso ele está no projeto. Mesmo sem estar na escola A gente não pode fazer isso. A gente tem que assumir essas coisas.
SONHO
Mas a vida não é isso? Não se realiza sonhos se não se assume riscos, eu acho. O sonho não cai do céu, a gente trabalha por ele. Na verdade, a gente trabalha a vida inteira para realizar um sonho. Na minha forma de pensar, a gente começa a trabalhar antes de nascer para realizar o sonho. Eu acho que realizar um sonho é uma vida. Você constrói a sua vida, você realiza a sua vida. A gente tem muitas dificuldades? Tem, mas é assim que a gente cresce. Então, o sonho é a realização da vida. Eu não realizo um sonho, eu realizo a minha vida. Aparentemente, eu estou realizando um sonho meu, mas não é só isso.
PROJETO “DESCOBRINDO A VIDA” - SEDE DO PROJETO
O ponto do projeto é a Associação dos Pescadores. Eles nos cederam uma sala na Associação de Pescadores. É um prédio que foi construído pela Petrobras. A Petrobras fez uma obra, eles estavam numa situação de risco – em relação à unidade da Petrobras, eles estavam em cima do duto – e a Petrobras construiu uma sede para onde eles se mudaram. Eu fui lá e pedi para eles. Falei que era importante para eles, importante para a Petrobras, importante para a comunidade se eles cedessem uma sala. E eles cederam uma sala para a gente fazer atividades.
Tem um outro comerciante local que tem um quiosque lá, com uma varanda enorme. As crianças fazem capoeira na varanda desse quiosque, porque é uma varanda grande e a Associação de Pescadores é mais escondida e a gente quer mostrar para a comunidade o que a gente está fazendo. E as crianças fazem a capoeira lá. Capoeira é uma coisa extraordinária também, porque todas as crianças podem estar juntas ao mesmo tempo. É um esporte e as crianças podem fazer, independente da idade, todas ao mesmo tempo. Se fosse futebol ou vôlei, você acaba dividindo em grupos. Por isso que a gente tem capoeira e a gente faz lá, na Ilha do Governador.
|PROJETO “DESCOBRINDO A VIDA” - PROPOSTA
O nome é Descobrindo a Vida porque a gente também está levando os colegas da Petrobras para falar das profissões. Vão pessoas de fora também. E se vocês quiserem, também podem ir, todos vocês aqui. Então, o que é? A gente leva um colega da Petrobras, um engenheiro. Ele é engenheiro da Petrobras mas a gente também quer que ele fale sobre o que ele faz na hora de lazer – tem um que pinta, tem outro que gosta de tocar. Então, a gente quer que ele fale da outra coisa que ele faz.
O que a gente quer mostrar para as crianças – tem crianças de até 16 anos lá, o que me deixou maravilhada porque eles foram se aproximando depois de terem visto, não começou com crianças dessa idade – é que eles são crianças e, embora sejam de famílias carentes, as mães também têm muita preocupação porque eles não vão para outro lugar, o universo deles é muito limitado. Então, eles não vêem muitas coisas diferentes, eles vêem muitos bandidos.
Numa reunião de mães, elas disseram que as crianças ficam presas em casa. O filho dela fica preso em casa porque ele vê muito bandido com arma na mão. Mas a gente não está dentro da favela, não, entendeu? Mas ele é da favela. Então, ela gostou muito do programa por isso: porque o filho ficava preso em casa, mas agora ele tem alguma coisa para fazer quando não está na escola. O que a gente quer é que eles vejam outras coisas. O universo dele é limitado e é limitado a coisas ruins, porque eles vêem muito bandido, aprendem muitas coisas [negativas].
Então, a gente quer que o empregado da Petrobras e outras pessoas cheguem até lá e falem do que vão fazer. O que é a música na sua vida? Então, se tem uma pessoa que é um engenheiro e, no outro horário, ele está falando de música, o que é a música na vida de uma pessoa? A música não é só aquilo que você vê lá. Quando você vê um CD tocando, quando você vê alguém tocando na televisão, o que significa a música? Por que alguém se volta para a música? Por que alguém é engenheiro e também toca? E a música, além de ser um prazer para algumas pessoas, ela é profissão. Ela é profissão para alguns. Isso é a vida, não é? Então, algumas pessoas vão falar de música, algumas pessoas vão falar de pintura, umas pessoas vão falar de mergulho – que é uma profissão da Petrobras – e mergulho é prazer para alguns.
Por isso que se chama Descobrindo a vida, porque a gente vê aquilo que é profissão e aquilo que é prazer, para que eles possam descobrir. E a idéia é que as pessoas levem informações sobre a profissão e sobre locais onde eles possam fazer algum curso de graça, tipo Senai, ou curso de baixo custo. Eles também vão visitar a empresa. Nós estamos começando agora com as mesmas dificuldades que a gente teve no início. Não tem verba. As empresas é que ajudam. Cada uma ajuda como pode – as empresas de engenharia, as empresas que trabalham para a Petrobras. Agora elas estão mais empolgadas porque agora elas já viram alguma coisa.
NOVA OPORTUNIDADE
Mas é complicado, é difícil, eu fico correndo atrás das coisas. Mas isso é um sonho. É um sonho também. Aí, eu fiquei pensando assim: a Petrobras tem projetos belíssimos, por que ali tão pertinho da empresa, na Ilha do Governador, não tem nenhum? É um pouquinho longe do Cenpes [Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo M. de Mello]. É mais perto da Transpetro. Por que não tem nenhum trabalho lá? E, por que eu, depois de aposentada, estava na sede, esse gerente que não me conhecia – uma pessoa indicou meu nome – me chamou e eu fui lá para esse lugar? Assim que eu conduzo a minha vida. Por que eu fui parar lá? Cheguei lá, algumas coisas não me agradaram, pensei em sair mas acabei ficando. Por que eu fiquei ali, num lugar desse? Eu já podia estar em casa, não é? Por que eu fiquei lá? Por isso eu digo que a vida é generosa comigo, porque me oferece isso. Ela me oferece uma oportunidade, mais uma oportunidade.
Eu acho que é oportunidade para todo mundo. Mas ela é uma oportunidade para mim principalmente. Eu tenho mais uma chance de fazer alguma coisa. E é assim que eu conduzo a minha vida. Eu faço isso e acho ótimo. Por isso que, quando eu fui chamada aqui hoje – fico tão emocionada –, acho que é um ciclo da minha vida que eu estou completando. Novamente, depois de tanto tempo de eu ter feito esse projeto das crianças, de ter trabalhado na Petrobras com vários outros projetos, de ter conhecido essas pessoas, ter conhecido essas necessidades.
GOVERNO LULA
Eu fiquei maravilhada com esse novo governo. Eu acho que essa área da Petrobras em que eu trabalho vai ser extremamente valorizada por esse Governo, que é voltado para o social. Justamente quando o Governo entrou, eu saí da sede. Eu falei: “caramba Agora que eu estou saindo”. Aí, eu fui lá para um lugar, e falei: “meu Deus do céu Eu vim para um lugar tão difícil” Depois de toda essa coisa, eu vejo assim: eu fui convidada para dar essa entrevista aqui, aí eu digo: “estou fechando um ciclo”. Porque lá nesse trabalho também, tem muita gente que vai começar a fazer agora e daí eu posso sair, eu não preciso ficar. Eu vou continuar porque algumas coisas têm que ser amarradas. Mas a verdade é essa, depois eu saio e alguém faz. E depois ele não acaba mais. Aí é possível que eu faça outro, talvez não dentro da Petrobras, talvez fora. Mas é possível. A vida é que me reserva.
TRABALHO COM CRIANÇAS
Eu acho que a minha evolução espiritual estava voltada para fazer coisas com crianças. Eu fico feliz lá porque tem garotos de 16 anos e eles não estavam lá [na proposta original]. Nós fizemos lá o trabalho de nove a 14 anos, era a nossa proposta. Nós temos crianças de cinco a 16. Nós começamos agora, em agosto. Nós temos crianças de cinco a 16. A gente não ia ter criança com menos de nove, porque a área é muito difícil de trabalhar. A gente ficou com receio, tem crianças muito pequenas, como é que essas crianças vêm?
Tinha um menino chamado Gabriel – o nome do meu sobrinho-neto. E ele ficava lá. Ele não tinha nem cinco anos quando ele estava lá. Então, o professor estava dando aula de capoeira, ele ficava do lado, fazendo os mesmos movimentos. E ele fazia com tanta atenção e com tanta perfeição - dentro naturalmente da idade dele – que eu fiquei observando. E o professor falando: “a gente não pode, a idade é nove. A gente não pode ter criança tão pequena”. E ele continuou fazendo por conta própria, porque morava muito perto. Ele ia nos dias do programa e continuava fazendo, do lado. Eu mandei chamar a mãe dele, a mãe dele veio. Eu falei para ela que não podíamos botar o filho dela. Mas ele continuou fazendo. Eu mandei chamar a mãe dele de novo. A mãe dele veio. Aí, um dia, a gente não resistiu e colocamos o menino lá dentro. E lá no programa, ele fez cinco anos.
Um dia, a gente estava distribuindo uma revistinha – comove a gente – e a menina deu uma explicação sobre a historinha da revistinha. Aí ele olha – a gente tem até uma foto dele olhando a revistinha com muita atenção – e ele diz que aquele era o presente de aniversário. Aquele dia ele estava fazendo aniversário e aquele era o presente de aniversário dele. E aí, comove a gente, porque uma criança de cinco anos -- tem tanta coisa que ela deve querer na vida de presente – recebe uma revistinha com uma historinha e ela diz que aquela revistinha era o presente de aniversário dela. Provavelmente, ele não tem muitas possibilidades de presentes. A gente então botou esse menino lá de cinco anos. Agora, a gente tem um monte de criança de cinco, seis, sete, oito anos.
Os meninos maiores também ficaram vendo a capoeira e foram se aproximando. A gente tem um menino – ele é quase cego – que olha os papéis assim. Ele quase não vê mesmo. O pai dele foi lá pedir, a mãe dele foi lá. Ele ficava ali e o pai foi lá pedir porque ele queria ficar lá. Ele tem 16 anos. Eu falei: “claro que pode” Ele sabia que era até 14 anos e falou assim: “ele fica vendo as crianças aqui e ele também quer ficar. Eu não sei o que ele vê porque ele olha as coisas tão de perto. Ele queria participar, mas será que ele pode?” Eu falei: “claro que pode” E ele foi. Eu avisei os professores e ele está lá praticando. É interessante ver como ele era desajeitado e agora como ele está, como ele gosta. E tem outro menino de 16 anos que entrou depois. E eles se dão entre eles. São crianças que estão extremamente vulneráveis. Os lugares ali são meio obscuros. Essas crianças são muito vulneráveis com essa área do tráfico. A gente vai dizer que não pode? Não podemos dizer que não. O que a gente vai fazer com isso?
PROJETO “DESCOBRINDO A VIDA”
A gente não vai falar sobre droga, porque estamos muito próximos. É muito delicado. Pelo que se ouve falar, aquela é uma área muito difícil em relação a isso. A gente percebe que tem parentes deles envolvidos, então não vamos falar. Por pior que a gente ache que um traficante seja, que uma pessoa envolvida com a droga é, essa pessoa pode ser um irmão, pode ser um pai, pode ser um tio de uma criança dessas. Não vamos falar que o tio dele faz coisa ruim, que o tio dele não é bom, que o pai dele não é. Nós não vamos falar sobre isso. Porque ele já tem tão pouco, a vida dele já é tão desagregada... Pode ser que ele seja um bom pai, pode ser que seja um bom tio independente do que ele faz. A gente vai desagregar a família? Não. Não podemos fazer isso.
Talvez outras pessoas, em outro momento, possam fazer isso. Nós estamos chegando, estamos abrindo espaço, ocupando o espaço, porque só havia coisas ruins. Não vamos acrescentar mais coisa ruim. Não posso dizer que o pai é ruim. Eu não posso dizer que o tio dele faz coisa ruim. Em outro momento, talvez outra pessoa diga. Talvez ele tenha oportunidade de ir a uma palestra em outro lugar. E terá, porque nós vamos levar. A gente quer levar essas crianças nesses projetos do Centro Cultural do Banco do Brasil, nas empresas. A gente ainda não tem condição de levar, porque tem uma outra questão, que tem a ver com a própria disciplina deles. A gente não pode levar um grupo de crianças para fora sem que a gente tenha uma certa disciplina. Tudo isso a gente está trabalhando.
É questão de tempo também. Nós queremos levá-los para ver outras coisas. Queremos levar o teatro lá, mas também queremos levá-los ao teatro para assistir a uma peça. Ao cinema. Temos pessoas que vão lá falar de computação gráfica para eles, vão falar de vídeo, uma porção de coisas. Tem um professor de ioga que eu conheço – eu o conheci em outro projeto, pela Petrobras mesmo – que foi convidado para fazer um trabalho lá. Ele é professor de ioga e eu o encontrei assim, por acaso, na rua. Ele está extremamente ocupado. Depois que eu contei para ele, sabe o que ele vai fazer lá? Dançar para as crianças. Ele vai com uma pessoa para tocar o teclado e vai dançar. Ele vai levar o filho dele.
De repente eu encontro com a pessoa, conto, pergunto se ele não quer dar alguma contribuição, ele fala: “Mas o que eu posso fazer? Eu estou tão ocupado Mas eu posso dançar para as crianças.” Tem também uma dentista que vai falar, temos um engenheiro que vai falar de mergulho, tem muita gente maravilhosa. Por isso que eu digo: “a gente pode fazer? Pode.” Não é difícil. Não é difícil, porque, no fundo, a vida não é difícil. Tem uma coisa extraordinária, eu acho que é no livro do [Carlos] Castañeda, que escreveu sobre o seu aprendizado com Don Juan, e ele fala: “a gente vai para a vida e para a luta como um guerreiro: com medo, mas com muita coragem”. É assim que a gente vai para a vida. Eu tenho medo, em todos os sentidos, porque lá é uma área perigosa. Mas a gente vai com coragem. E a Petrobras é isso, quando vai procurar petróleo em áreas profundas, quando vai procurar petróleo lá no meio do mato, lá em Urucu. Eu já fui nessas áreas todas, lá em Urucu. A vida é um desafio. E a gente tem sempre que vencer, porque a gente só pode vencer. Não é? A única opção é vencer.
GASODUTO BRASIL-BOLÍVIA
Eu trabalhei nos quadros fixos da Petrobras até 1995. Ainda estava trabalhando
lá quando a Petrobras estava desenvolvendo um trabalho, começando essa questão do relacionamento [com comunidade], que é uma coisa que a Petrobras faz desde muitos e muitos anos atrás, muito antes de eu estar lá. Ela estava começando esse trabalho de relacionamento por conta do Gasoduto Brasil-Bolívia. Porque o gasoduto é extremamente importante, passa lá pelo Pantanal, por aquelas Prefeituras todas. Isso é um trabalho que a Petrobras faz em todas as obras dela, tem relação com as Prefeituras, com as pessoas, porque as refinarias são fixas, mas os oleodutos vão passando por várias áreas. Então, passa nos municípios, passa em propriedades particulares. A Petrobras faz esse trabalho há muito tempo. Eu acompanhei um grupo de pessoas da engenharia, na área lá de Mato Grosso, em Campo Grande, falando naqueles municípios todos, onde o gasoduto ia passar. Isso foi antes ainda da audiência pública. Depois, outras pessoas da engenharia foram e eu nem estava mais lá. Você tem que fazer o contato. A Petrobras não pode correr o risco de que o poder público – eu não digo só a Prefeitura e o Prefeito, mas também a Câmara dos Deputados e os vereadores – seja contra uma obra dessas. Essa obra tem um custo extraordinário, não só em termos financeiros, mas também de desenvolvimento do país. Então não pode correr o risco de que, de repente, isso seja dificultado por um grupo da população.
Hoje, a Petrobras faz isso de forma extraordinária, porque já faz isso com muita antecedência. Já naquela época fazia também, mas um pouco menos. Então, a gente foi, antes da obra, para falar com a Prefeitura; eu e mais um monte de pessoas, eu tive o privilégio de fazer parte desse grupo. Algumas pessoas falaram com Prefeituras, outras falaram com proprietários, outras falaram com a Secretaria de Meio Ambiente, até porque o gasoduto ia passar no Pantanal. Eu fiz parte de um grupo que foi para conversar com Prefeituras e em algumas rádios em cada Município, convidar a população, avisar que ia ter a Audiência Pública, para que essas pessoas pudessem participar e dar a sua opinião, porque isso é uma coisa aberta. Então, eu fui bem no comecinho. Depois outras pessoas foram, fizeram isso com mais intensidade, teve Audiência Pública e tal. Logo que eu saí, eu estava nesse trabalho. Então eu permaneci trabalhando na Petrobras, fazendo esse trabalho - prestando serviço, no caso - e depois saí.
ENERGIA PARA ÁREAS CARENTES
Nessa época, a Petrobras tinha um trabalho muito bom, muito interessante. Não era um projeto da Petrobras, era um projeto do Ministério das Minas e Energia, que era levar iluminação a algumas áreas. O Governo até está fazendo alguma coisa parecida agora. Era levar iluminação a algumas áreas que não tinham iluminação convencional. Eles não gostavam que chamassem de alternativa, era chamado de “não convencional”. Era iluminação solar, eólica. Era um projeto no Brasil inteiro e quem patrocinava, quem comprava os equipamentos eram as Empresas Públicas: Petrobras, Furnas e outras. Era uma parceria junto com a Concessionária de Energia Elétrica e as Prefeituras. A Petrobras comprava os equipamentos, o material.
O que a gente achou, na época, lá no setor – nessa época, o setor se chamava Relacionamentos com a Comunidade – foi que, ao invés da Petrobras dar só dinheiro, a verba, era bom que a gente fosse ao local, conhecesse essa comunidade, fizesse alguma coisa. Então, conheci também lugares extraordinários. Aliás, agora, recentemente – esqueci o nome – uma ilha que acho que estava pegando fogo, alguma coisa assim, lá em Santa Catarina, Paraná – alguma coisa assim, agora eu não me lembro, desculpa mas não lembro, Superagüi ou ... Lá era uma ilha e os pescadores pescavam para comer. Quando uma embarcação estava perto do Continente e chegava na ilha, eles pescavam para que o pescado fosse para o Continente. Fora isso, eles não pescavam porque não tinha como o peixe ir para o Continente. Assim, a chegada desses equipamentos lá proporcionou uma fábrica de gelo. Eles podiam armazenar o peixe e, quando o barco chegava, eles mandavam para o Continente.
Nós fomos num outro lugar chamado Boa Sorte, lá em Mato Grosso, e não tinha nada, absolutamente nada, nada. O equipamento foi instalado na escola e eles puderam ter uma geladeira para acondicionar vacinas para que, quando o pessoal da campanha de vacinação chegasse, tivesse vacinas estocadas e deixassem algumas estocadas lá para outras épocas, porque não tinha condição. Botavam nos centros comunitários... As pessoas vendo televisão pela primeira vez: vi uma foto de uma pessoa vendo pela primeira vez a imagem da televisão. Extraordinário
Então, esse projeto existiu. Eu fiquei trabalhando no início e depois esse projeto foi para a Eletrobrás, eu acho. Por que eu fiquei lá? Porque eu tinha feito os contatos com várias prefeituras e o projeto foi interrompido. Aí, eu me aposentei. Depois, era para retomar os contatos. E como pode uma outra pessoa fazer? Então, a gerente me chamou para que eu retomasse os contatos para a gente fechar a parte da Petrobras e transferir o projeto para a Eletrobrás. Eu voltei só para fechar e transferir.
ACIDENTE NA BAÍA DE GUANABARA
Depois eu fui chamada quando houve o acidente na Baía de Guanabara, em 2000, aquele acidente que foi horrível, foi feio, foi difícil, foi triste e muitas comunidades foram afetadas. E estou até hoje, de 2000 até hoje. Olha quanto tempo
A minha chefe – esse setor se chamava Relação com a Comunidade – era Lia Blower Passos e era chefe do setor. Eu tinha trabalhado muito tempo com ela com essa questão de relacionamento com a comunidade. Então, a Petrobras recebeu muitos voluntários, muitas pessoas para trabalhar e ela me chamou para ajudar. Chamou todo mundo. Ela me localizou e me chamou para trabalhar também e eu fui. E fiquei, fiz contatos com pessoas, trabalhando com todo mundo do grupo. Só que depois as coisas foram acabando. Aqueles contatos iniciais, todas as pessoas da Petrobras foram lá para fora, para as comunidades falar, os gerentes e tal. E aquilo acabou. Só que sobrou muita coisa. Aliás desse acidente, tem coisa até hoje. E esse relacionamento? Como fica essa comunidade que foi contatada e agora todo mundo foi embora? Então, ela me pediu que permanecesse fazendo esse contato com as pessoas. Então, muitas pessoas da comunidade me conheciam por isso, porque eu continuei indo lá. Alguém falava uma coisa ou falava mal da Petrobras... Passei muitos constrangimentos, pessoas brigando com a Petrobras e eu ouvindo aquilo como se estivessem brigando comigo. Elas falavam e depois pediam desculpas: “Não é com você, é com a Petrobras.” E eu fiquei, fiquei, fiquei.
Depois, eu fui para a engenharia, em 2002, já estava quase terminando. A Petrobras firmou muitos convênios, muitos contratos, fez muitos projetos, de educação ambiental, tentando minimizar o problema das pessoas. Eu atuei nesses projetos, ajudei a selecioná-los, fiz parte de uma comissão representando minha gerente, porque a representante da comissão era ela, até porque eu era de fora. Atuei muito nas comunidades.
Tem uma coisa que é muito importante, e a Lia prestou muita atenção nisso: é que depois desse caos que foi o acidente, você não pode largar as pessoas para lá. As pessoas precisam falar, mesmo que elas queiram só falar mal, tem que ter alguém para ouvir. E eu fiz esse papel. Eu ia lá, as pessoas ligavam, todas tinham o telefone – o telefone celular que a Petrobras cedeu para que eu ficasse lá – e as pessoas ligavam: “ah, eu queria falar não sei o quê... A senhora pode vir aqui hoje?” “Posso.” E eu ia lá. Às vezes, era só para falar mal e ou para dizer uma coisa que era de fácil solução, e às vezes, pediam alguma coisa. “Tem solução?” “Tem.” Se não tem, a gente dizia que não tinha. A orientação que a Petrobras me deu foi essa. Não pode, não pode. Mas a gente precisa, porque a pessoa não pode se sentir desamparada.
Vocês imaginem Paquetá. Quase todo mundo conhece a Ilha de Paquetá. Então, o que era Paquetá na época do acidente? Era uma Ilha cercada de óleo por todo os lados. Imaginem as pessoas Eu vi coisas impressionantes Na época, tinha uma antropóloga fazendo o trabalho dela lá. Impressionante Impressionante E, para mim, foi um aprendizado, uma coisa extraordinária ter ido a Paquetá. Eles formaram uma comissão na ilha, com pessoas incríveis. A comissão era formada por engenheiros, pela antropóloga, por uma pessoa que estava fazendo doutorado, outra não sei o quê, um camelô, um ambulante. E eles [as pessoas da ilha] não diziam quem eles eram. Difícil também de lidar. A gente queria saber – isso desde os gerentes que foram lá inicialmente, as primeiras conversas foram com os gerentes, depois as pessoas foram saindo, porque o gerente não podia estar todo dia, a grande preocupação tinha acabado. E se queria saber: “quem é você na Comissão, quem é você aqui em Paquetá?” Eles não diziam. Ele era morador de Paquetá, representante da comunidade na Comissão. Então, você não sabia quem eram as pessoas.
Depois, com a convivência que eu tive lá, eu sabia que um era engenheiro que fez mestrado no exterior, o outro era não sei o quê, o outro era camelô. Você sabia a diferença pela conversa, mas você não sabia quem as pessoas eram. Difícil de lidar. Difícil também porque muitas coisas aconteceram, para muitas coisas a Petrobras disse não e a gente teve que dizer lá para as pessoas. Foi uma coisa muito interessante esse acidente em termos do trabalho que eu fiz, me deu muita experiência lidar com as pessoas e lidar com a comunidade.
ENGENHARIA
Quando eu fui para a engenharia, eu fui para lá imaginando que, de repente –área de obras, né – a gente pode fazer alguma coisa a mais. Mas a gente não pode fazer não. Agora é que eu estou fazendo, depois de tanto tempo, esse trabalho da Ilha do Governador, porque tinha uma outra empresa fazendo e, aí, a gente não pode fazer porque era outra empresa, coisas internas. Não pude fazer e fiz agora.
LAZER
O lazer está um pouco prejudicado. Na verdade, pelo fato de eu estar trabalhando e os amigos da mesma época têm viajando. Às vezes, eles me chamam para ir junto, mas eu não vou porque estou trabalhando. Mas eu também sou muito assim, de ficar em casa mesmo. E, hoje, tem uma coisa extraordinária acontecendo. Hoje é o dia da festa de Natal, do almoço de Natal do grupo de colegas com quem eu trabalhei – eu vou daqui a pouco, eu achei ótimo do horário terminar – na Comunicação. Todas as pessoas que trabalharam na Comunicação da Petrobras, nós nos reunimos uma vez por mês, para almoçar juntos. Nem sempre eu vou, alguns falam à beça e tal. E é assim, no mesmo lugar sempre. A gente recebe, no início do ano, uma carta dizendo todos os dias, inclusive o dia da festa. Em janeiro, a gente já recebe os dias de todo o ano e o local, para ser sempre no mesmo local, assim não tem erro. De repente troca...
Hoje é diferente, porque hoje é a festa de Natal. É lá na Tijuca. Então, o almoço de Natal do grupo é hoje, vai todo mundo. Hoje é dia oito de dezembro e hoje é dia de Nossa Senhora da Conceição. Eu tenho sempre isso. Você já viu? É o dia do almoço, eu marquei e não me lembrei, já tinha marcado... Fiquei assim... Não posso desmarcar, não é?
TERAPIAS ALTERNATIVAS
Outras coisas que eu faço é o seguinte – talvez seja por isso que estou falando que hoje talvez seja um dia de eu virar uma página – eu sou muito voltada para as coisas espirituais, as coisas da pessoa, do ser humano. Eu acho que a gente precisa cuidar da gente por inteiro. Eu aprendi isso num momento de dificuldade. Eu sempre achei, mas eu nunca tive tanta convicção, nunca parei para pensar. Mas num momento de dificuldade, eu vi que eu precisava conhecer alguns cantos escuros que a gente sempre tem. Aí, eu comecei a fazer arte terapia, fiz o curso de arte terapia, fiz outros cursos ligados a florais, e passei a lidar com isso. Inclusive, trabalhava com outras pessoas num atendimento, com um grupo de pessoas. Depois, foi quando a Petrobras me chamou de novo, depois do acidente. Aí, eu interrompi. Fazia as duas coisas ao mesmo tempo, mas depois não deu mais. Como eu achei que tinha alguma coisa interessante na Petrobras que eu pudesse fazer, eu interrompi lá. Talvez agora seja o momento de eu retornar para lá. Então, eu lido com essas coisas de arte terapia, de florais, pintura.
Inclusive, estou fazendo um trabalho com as crianças lá, agora. Eu mesma estou atuando com as crianças nessa coisa. Aquilo de você, através da expressão artística, conseguir botar para fora – vamos chamar assim – trazer à tona algumas questões suas e de forma suave. Porque, às vezes, você faz um desenho e nem imagina o que aquilo quer dizer. Aí, você tem oportunidade de se expressar, não pela palavra, não de outra forma, mas através de um desenho, tirar do subconsciente algumas coisas que, às vezes, atrapalham a vida. Eu gosto disso e acho que tinha que gostar mesmo, porque eu estou sempre lidando com gente Tinha que gostar dessa coisa.
Eu acho que a gente precisa aprender a lidar com os medos. Não só eu acho, as pessoas acham, os profissionais da área acham isso. Aprender a lidar com os medos, aprender a lidar com as dificuldades. E a gente só faz isso quando a gente se conhece. E uma maneira boa da gente se conhecer é essa, lidando com pessoas. As pessoas são sempre um espelho. Se a gente olha uma pessoa, e vê dificuldades nela, talvez a gente esteja vendo as nossas próprias dificuldades, a gente sempre aprende. Essas coisas, que são chamadas de alternativas e que eu lido com elas agora, tratam disso, da gente tentar melhorar, tentar evoluir e tentar ser uma pessoa melhor. Melhor para a gente mesmo. Às vezes, a gente fica em casa com tantos rancores, se preocupando com uma pessoa que fez isso, fez aquilo. Se eu tentar melhorar, vai ser melhor para mim. E o lazer está um pouco prejudicado porque eu estou trabalhando muito.
ATIVIDADES MANUAIS
Eu faço umas coisinhas. Eu faço um trabalho com as mãos também. Eu tenho umas coisinhas, umas máscaras que eu faço, pequenininhas, tudo em miniatura. Elas são bonitinhas. Eu faço umas máscaras, às vezes eu desenho também, mas nada na tela nem nada, desenho.
PROJETOS / SONHOS
Um sonho que eu gostaria de realizar... Eu nem sei. Eu fico pensando assim: eu acho que o caminho todo que eu tenho na vida, durante toda a minha trajetória – eu não pensava isso antes, são coisas que a gente vai descobrindo ao longo da vida – a gente está sempre buscando alguma coisa. Você faz um trabalho agora, você melhora, você estuda, você lê, você conhece alguém que tem alguma coisa para dizer, você procura e você está sempre procurando melhorar. Eu acho que o meu sonho é encontrar o verdadeiro caminho. Isso, realmente, é muito forte na minha vida. E o que é o verdadeiro caminho, eu também não sei. Eu acho que é sempre buscando mesmo.
Eu estava falando aqui, com uma pessoa aqui dentro, que eu nasci no interior e por isso sempre achei que morar no Rio de Janeiro não era estar na minha casa, que eu não estava no meu lugar. Eu achei que eu ia voltar para casa. Isso me emociona muito, profundamente, porque eu vejo que eu não estou falando da minha casa que eu moro, de alvenaria. Isso é extraordinário para mim mesmo. Isso é um sonho mesmo. Talvez seja o grande sonho da vida. Porque eu pensava sempre em voltar para casa: “eu vou voltar para São Mateus.” A minha família veio toda para cá e eu pensava em voltar para casa. Um dia eu me dei conta, até por começar a lidar com essas coisas espirituais, de o que é o voltar para casa. É muito maior do que a minha cidade. E talvez o meu sonho seja esse, voltar para casa.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS
Eu gostei muito porque vocês são generosas, porque permitem que a gente fale isso tudo. Mexeu comigo. Eu fiquei muito comovida de lembrar de coisas e até por ter oportunidade de dizer as coisas que disse. E fico agradecida, muito agradecida a vocês, por serem generosas assim, e a Petrobras, por ter me dado a oportunidade de ter falado da minha trajetória... Porque eu acho que a minha mãe e o meu tio, que viveram uma vida muito difícil na minha cidade – meu tio veio para Vitória a pé, garoto –, tinham histórias fantásticas, maravilhosas da vida deles e meu tio contava para nós, para mim, para o meu irmão, para a minha irmã, para os meus primos. Tenho um primo, o filho dele mais velho, que sempre quis gravar as histórias e nunca teve coragem porque a gente só se deu conta das maravilhas das histórias dele quando a gente já estava mais velho. Daí, quando a gente estava mais velho, meu tio estava ainda mais velho que nós e meu primo mais velho – chama-se Winston – tinha receios de que no dia que começasse a gravar essas histórias o meu tio morresse, e nunca gravou.
Então, ele gostava de contar as coisas para nós – minha mãe também gosta de contar e eu também – e, de certa forma, eu resgato uma coisa que nós nunca conseguimos fazer, a minha família nunca conseguiu fazer, embora eu não tenha contado as histórias deles. Mas, de certa forma, eu resgato no momento em que a minha história vai ficar gravada. Eu resgato a minha família. Então, eu agradeço por isso a uma Empresa da qual eu sempre digo – embora eu tenha dito algumas coisas da Petrobras – e sempre disse: “eu sou apaixonada pela Petrobras”.
Então eu tive a oportunidade também disso, dentro da Petrobras. Mesmo que não tenha um andamento ou outro, mas só pelo fato de eu ter tido a oportunidade, simbolicamente – a vida é um simbolismo – nesse momento eu estou resgatando muita coisa. Por isso, eu digo: o meu sonho é voltar para casa.Recolher