Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Vasco Praça
Entrevistado por Márcia Ruiz e Fernanda Prado
Paracatu, 06/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV08_ Vasco Praça
Transcrito por Claudia Lucena
P/1 – Boa tarde, Seu Vasco.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu gostaria de agradecer, em nome da Kinross e do Museu da Pessoa, a sua participação e por ter nos recebido aqui na sua casa e também por participar do projeto, muito obrigada.
R – Sempre às ordens.
P/1 – Eu queria, pra gente dar início à entrevista, que o senhor falasse o seu nome, local e data de nascimento.
R – Vasco Praça, nascido em Pirapora, vindo com seis meses pra Paracatu, né, portanto eu considero mais paracatuense do que piraporense, e depois fui morar em Brasília, né, voltando novamente pra Paracatu em 63.
P/1 – Qual foi a data do seu nascimento?
R – 04 de agosto de 1937.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Mário Monteiro da Fonseca Praça, ele é português, nascido em Barqueiros do Douro, província da Régua, Portugal, e minha mãe, Maria Luísa Carneiro Praça, nascida em Paracatu, na Praça Cristo Rei.
P/1 – O senhor sabe por que o seu pai veio pro Brasil e quando que ele veio?
R – Meu pai era filho de produtores de vinho, a região dele é Barqueiros do Douro, fabricava vinho do Porto e, com a ascensão de Salazar, que mandou em Portugal muito tempo, que era o primeiro ministro de Portugal, houve uma reforma agrária e eles viviam, moravam num sítio, e a família era muito grande, com essa divisão, ele preferiu vir pro Brasil. Veio pra cá com 14 anos de idade, junto com uma família de vizinhos lá, que mais tarde foram industriais famosos no Rio de Janeiro, fazendo aquele brim Triunfador, sabe? É um brim caqui que ficou famoso. Ele foi morar no Vasco da Gama e lá ele nadou e remou, né, e foi campeão dez vezes lá na Lagoa Rodrigo de Freitas. Depois, então, dos 18, 19 anos, veio pra essa região vender mercadoria, como se fosse um mascate. No caso dele era mais um vendedor maior, sabe? E morou aqui muito tempo, no Brasil, em Paracatu, casou duas vezes aqui, a primeira mulher dele, ela é até, vamos dizer, tia de minha mãe, da mesma família, Paracatu era muito pequena. Depois voltou a viajar, né, teve uma época que foi comerciante em Paracatu e depois voltou a viajar.
P/1 – Então vamos voltar um pouquinho. O senhor sabe em que época, o senhor falou que ele veio com 14 anos, que ano era isso mais ou menos?
R – Eles calculavam muito assim: antes e depois da gripe espanhola, né, da Revolução Espanhola, que subiu aquele outro ditador espanhol, eu não sei, precisar muito, não.
P/1 – Não tem problema. Aí o senhor falou que ele veio com pessoas amigas e foi pro Rio, ele foi atleta pelo Vasco.
R – É.
P/1 – E ele morava aonde? Ele só veio com esses vizinhos amigos, não veio com familiar nenhum?
R – Ele, esse pessoal morava sempre ali no Centro do Rio, né, Rua do Ouvidor, aquele Centro do Rio. Está até passando uma novela, esses dias, que fala sobre a Estudantina, ali foi o Rio antigo, aqueles arcos... Então era naquela região.
P/1 – Região da Lapa.
R – Exato, região da Lapa.
P/1 – Ele foi atleta, mas ele trabalhava também ou não?
R – Ele, quando, com essa idade e como ele revelou como atleta, ele ficou quase exclusivamente nadando, remando. Depois, foi ajudar esse senhor, que chamava Serra, e arranjou representação e veio pra região de Paracatu.
P/1 – Ele vendia o quê? Ele representava o que, o senhor sabe?
R – Ele representava ferragem, quando eu contei aquele negócio sobre enxada pra você, é porque ele tinha um mostruário, 11 malas que vinham numa caminhonete e se abria, mostrava pro comerciante e o comerciante escolhia isso, fazia o pedido e vinha depois as coisas. Mas antes ele teve uma fase, logo que ele saiu do Vasco da Gama, que ele vinha pra cá de mula, era tropa, tropeiro. Ele viajou muito de tropa de burro, mula, até aqui, porque não tinha estrada, né?
P/1 – Ele vinha nessas tropas vendendo essas coisas, o senhor falou que tinha enxada, tinha serrote.
R – Canivete, toda essa variedade de ferramenta. Ele vendia o mostruário completo.
P/1 – Essas ferramentas vinham da onde? Elas eram produzidas aonde?
R – Corneta eu acho que era alemã e Solingen eu acho que era inglesa ou vice-versa. Naquela época era a briga entre a Alemanha e a Inglaterra, começou a abrir o mercado mundial. Então, era a briga dos dois e nós não fabricávamos nada, tudo vinha importado.
P/1 – E a sua mãe? Aí o senhor falou que o seu pai era de origem portuguesa, veio pra cá, os pais dele ficaram em Portugal, ele não veio com a família.
R – Não, não veio ninguém.
P/1 – E por parte da sua mãe, a família era daqui de Paracatu?
R – Minha mãe era descendente de uma família que chamava Porto Paranhos, você ouviu falar demais no ministro que deu o nome Itamaraty, Aparecida Paranhos, que era essa família Porto, sabe, que veio pra Paracatu e esses portugueses da família Porto ficaram muito ricos, sabe, depois é que foi acabando tudo, dividindo.
P/1 – Então a sua mãe nasceu aqui em Paracatu?
R – Nasceu em Paracatu.
P/1 – Por parte de mãe, a origem também era portuguesa?
R – Portuguesa.
P/1 – O senhor sabe como é que eles se conheceram, o seu pai e sua mãe, como é que eles começaram a namorar?
R – No caso de minha mãe, como meu pai já tinha sido casado com uma tia dela, o namoro vem daí, a convivência vem daí, porque a minha avó era irmã da senhora de meu pai.
P/1 – Então ele, antes de casar com a sua mãe, ele foi casado com a tia dela?
R – Com a tia dela, que era dessa mesma família.
P/1 – Essa tia veio a falecer? Como é que foi isso?
R – Ela faleceu no segundo parto dela, de eclampsia.
P/1 – E aí então, quando ela veio a falecer, seu pai já tinha dois filhos? O bebê também morreu ou não, nesse parto?
R – O bebê morreu também, ficou um filho só.
P/1 – Qual que era o nome dele?
R – Ricardo.
P/1 – E aí logo em seguida ele casou-se com a sua mãe ou não?
R – Não, não foi logo em seguida, não, teve um tempo.
P/1 – E aí vocês são em quantos irmãos desse casamento?
R – Do segundo casamento, nós somos seis.
P/1 – E o senhor está nessa escadinha como? É um dos primeiros?
R – Eu sou, no segundo casamento, eu sou o terceiro.
P/1 – Conta uma coisa pra mim, como é que era, onde vocês moravam em Paracatu com os seus pais? Eu queria que o senhor contasse um pouquinho como é que foi a sua infância.
R – Nós morávamos ali na Praça Cristo Rei, ali tinha uma igreja antiga, chamava Igreja do Amparo. Aqui em Paracatu tinha três igrejas mais importantes, a Matriz, que era a igreja dos brancos, o Rosário, que é a igreja dos pretos, e o Amparo, que era a igreja dos pardos, essa igreja, a porta dela quase que dava em frente lá em casa, sabe? Então era uma rua estreitinha. Esse avô meu, bisavô, que chama Ricardo Serafim da Costa Porto, construiu diversas casas em volta dele, então nós moramos a vida inteira numa casa que foi construção desse bisavô, moramos até hoje lá, tem uma casa até hoje lá, nossa.
P/1 – Como é que era essa casa? Tinha vários parentes em volta, pelo o que o senhor está falando, o seu bisavô construiu várias casas, então tinha vários tios, primos que moravam perto?
R – É, eu depois, já na terceira ou quarta geração, nós tínhamos diversos primos que brincavam ali na praça, principalmente depois que derrubou a igreja. A igreja muito velha, sem conservar, acabou sendo derrubada e nós fazíamos um campo de futebol lá, na terra mesmo e era aquela brincadeira de jogar futebol. Daí uns tempos veio aquela igreja que tem lá, a Igreja Presbiteriana, se não me engano, que construiu aquela igreja, a própria construção era um lugar de brinquedo pra gente ficar brincando, os primos todos, né? Então nós morávamos quase todo mundo colado, tem a casa lá, que, se derrubasse a parede, era só passar uma pra outra.
P/1 – Do que o senhor gostava de brincar quando era menino?
R – O que usava muito aqui em Paracatu era ir jogar futebol, as peladas nesse largo, e ir pra Praia do Vigário, que era uma praia famosa aqui, que foi, que morou um padre, é a razão da praia ser Praia do Vigário, e a gente tinha uma verdadeira loucura pra chegar fim de semana e ir pra Praia do Vigário e outro córrego que passava no fundo, que chamava Córrego das Meninas, sabe, então era essa a distração nossa. Cinema, começou então a adaptar esse teatro a um cinema e esse cinema, a gente, a loucura era ver, assistir aqueles filmes de cowboy, contra os índios, no Texas, naquela região dos Estados Unidos, então a gente tinha loucura pra com esse tipo de filme. E tem até um caso interessante desse filme, que tinha um amigo nosso chamado Zama e esse teatro tinha três pavimentos, os pobres ficavam mais em cima, no terceiro, que nós chamávamos de torrinha, e ele falava muito alto, e um dia chamaram o pessoal pra ir no cinema, como se fosse um filme faroeste. De repente, o filme era um melodrama tremendo, e ele gritou lá de cima: “Ah, se eu soubesse, não tinha vindo, porque beijo por beijo eu dou em Venina lá em casa” [risos], ele ficou revoltado de não ter passado um filme de cowboy, né, era aquele drama, né?
P/1 – Me fala uma coisa, Seu Vasco, o senhor falou que a igreja foi, ela acabou derrubada, porque ela não tinha conservação e tal. Como é que eram os casarios do entorno? Eram casas que foram construídas no século passado, ou seja, como é que era?
R – Diversas delas ainda estão até lá no local, tem uma que era aonde que morava o filho dele, que ficou com a maior parte da herança, o nome da família. Essa casa ainda existe lá, sabe, no largo, é um lugar até que tem muita casa antiga ainda.
P/2 – O senhor contou também da cidade aonde o senhor nasceu, que foi Pirapora, que é a primeira cidade do Rio São Francisco, nessa época então, quando o senhor era menino, como é que chegavam as coisas em Paracatu, as mercadorias?
R – Chegavam assim: tinha a Central do Brasil, chegava em Pirapora, quer dizer, Pirapora ficou numa logística fabulosa naquele tempo, era a última cidade da estrada de ferro e o primeiro porto do São Francisco. Pirapora não tinha problema de estrada, não tinha rodovia, mas estrada de ferro tinha. Então ia pra Pirapora e pegava o Rio São Francisco e voltava pelo Paracatu, é razão da pronúncia paracatuense ser muito nordestino, não sei de você já prestou atenção.
P/1 – Não.
R – Nós falamos muito parecido com o nordestino, com o tempo foi desaparecendo, né, mas...
P/1 – Que barcos que passavam pelo rio?
R – Era aquele tipo de embarcação que você alimentava por carvão, né, e tinha aquela... aquela manobrando lá atrás, que tocava esses barcos. Esses barcos vieram primeiro pra o Amazonas e depois veio pro São Francisco e foi criada, naquele tempo, uma autarquia, que chama Comissão do Vale do São Francisco, então a Comissão do Vale do São Francisco que tinha esses vapores, né?
P/1 – Então o senhor colocou essa coisa do abastecimento, que era feito através de vapores, isso até por conta da cidade aonde o senhor nasceu, que trazia coisas ou pela estrada de ferro ou através dos vapores, e como é que era abastecida Paracatu naquela época? Como é que chegavam as coisas aqui?
R – Uai, pelo Rio Paracatu, por esse Porto do Buriti.
P/1 – Mas os vapores que chegavam aqui eram os mesmos que chegavam lá?
R – Não, desembarcava lá em Pirapora, tinha aquele tanto de construção no cais e descarregava e depois punha no Paracatuzinho e vinha pro Porto Buriti. Tinha uma família, Pinto, um baixinho, até que vai muito na cooperativa, é vivo até hoje, é mais velho do que eu.
P/1 – O Seu Ildeu?
R – Ildeu, aquele Ildeu era motorista de caminhão, sabe, o pai dele tinha um caminhão naquele tempo, era um Ford 1930, mais ou menos, e os dois, né, eles são dois irmãos, que eram muito parecidos, o Valfrido morreu agora há pouco tempo, e eles carregavam o caminhão lá e vinham e descarregavam em Paracatu, saíam entregando no comércio.
P/1 – Que tipo de mercadoria que vinha naquela época, Seu Vasco?
R – O principal daquela época era querosene, gasolina quase não usava, porque não tinha carro, sal e o resto Paracatu, por exemplo, banha, banha de porco, aqui fabricava, carne aqui fabricava, né? Então era mais ou menos o sal e o querosene.
P/1 – Me diz uma coisa, Seu Vasco, o senhor falou que o senhor nasceu em Pirapora, eu fiquei pensando, por que que o senhor nasceu lá?
R – Porque a região que o meu pai viajava era o oeste mineiro, que fazia peão em Patos, aí adoeceu um viajante na zona do São Francisco e ele passou a substituir. O rapaz demorou a ficar bom, ele viajou lá um ano, mais ou menos, em São Francisco, Januária, Manga, né, Pirapora, Montes Claros.
P/1 – E aí o senhor acabou nascendo.
R – Lá.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouquinho como é que era o cotidiano dentro da sua casa, o senhor falou que o senhor saía pra brincar, pra jogar futebol na praça, que onde antes tinha a igreja, mas como é que era a alimentação, como era sentar na mesa na sua casa?
R – Nós éramos diferentes um pouco do parcatuense, porque nós fomos acostumados a até criança beber vinho, sabe, que meu pai foi criado dentro de uma vinícola. Então, quando ele chegava das viagens, era muita mortadela, muito presunto, então era diferente de Paracatu, do pessoal de Paracatu. Às vezes, quando eu ia pra tomar café, durante a escola, tinha o lanche, que a gente tinha que levar e todo mundo ficava doido pra pegar um pedaço do meu lanche, era presunto, mortadela, esse negócio. Nós fomos um pouco criados diferente, né, porque tanto minha mãe tinha uma tradição longe de portugueses e meu pai era português, né? Uma coisa que eu usava muito lá em casa era que aquele sistema de sentar na mesa toda a família junta e eu sempre com aquele respeito muito grande por velho, né, apesar dele ser uma pessoa muito dócil, sabe, mas a gente tinha aquela tradição, de viver com ele e naquele entra e sai dos primos, né? Tinha uma prima que era filha do chefão lá do Porto, importante, que vivia tudo assim, um entrando na casa do outro, a porta não fechava naquela época, né? Eu, até minha idade de 14, 15 anos, a gente saía pra boemia e voltava e ia entrando em casa, porque não fechava a porta, não tinha ladrão naquela época, né?
P/1 – Qual foi a primeira escola que o senhor frequentou?
R – É aonde que é a Casa da Cultura, sabe? Essa escola era uma escola de formação de professoras, em princípio, sabe, e depois que passou a ser classe anexa, a classe anexa é porque nós aprendíamos com as professoras aprendendo, sabe, nós estudávamos, então essa escola formou um tanto de professoras lindas, fabulosas, aqui, sabe, então foi desse sistema que a gente estudou.
P/1 – Como é que era a escola? Conta um pouquinho do cotidiano e qual foi, o que o senhor aprendeu na escola, conta um pouquinho pra gente.
R – A escola, o que eu aprendi, o que eu mais impressionava é uma professora chamada Márcia Roriz Macedo, ela dava aula de História e de Geografia e, quando ela falava assim o espartano, ela chegava a crescer, aquela luta de Esparta, que Esparta não tinha muro pra se defender, era o peito... Ela falava isso com um entusiasmo, uma coisa louca, e com uma facilidade tremenda de transferir o que ela sabia pra nós. Então todo aluno de Dona Márcia sabe bem História Geral e nós sabíamos pouca História Brasileira, mas a História Geral, o Egito, a Grécia, esses países, principalmente sobre César, sobre Alexandre, a gente aprendia muito isso.
P/1 – O senhor estudava de manhã ou à tarde?
R – Eu, por bem dizer, não estudava, porque eu já, aos 11 anos, eu fui trabalhar com caixeiro viajante, como caixeirinho, do comércio, então, eu não tinha tempo de estudar, além de tudo, a gente tinha uma loja, construiu umas vitrines e naquele tempo não tinha vitrine em Paracatu, e essas vitrines ficavam abertas à noite e nós precisava de ficar lá vigiando a vitrine e ao mesmo tempo aproveitando e vendendo à noite. Domingo a gente ia pra vitrine, então estudava muito pouco.
P/1 – Essa loja, esse armazém, de quem que era? Era do seu pai?
R – Não, essa loja era de dois sócios, que chamavam, um Álvaro da Silva Neiva, que tinha o apelido de Criolo, porque era moreninho escuro, e o outro, Pimentel, que era mais claro, que era coisa lá. Esse prédio eles reformaram e ele está até caindo, estragando, ali na Rua Goiás, até a prefeitura pintou do lado da Rua Goiás, não sei se você já viu umas casas antigas e do lado de cá as paredes já estão caindo, ali foi uma construção até recente, mas sem conservação está acabando.
P/2 – Eu queria voltar um pouquinho pra época da sua escola, como foi a formatura da sua turma, de Ginásio?
R – Ia diminuindo ao passo que ia chegando os últimos anos e nós acabamos formando 26. Desses 26, nós fomos pra esse teatro e tinha o orador da turma, como uma formatura de universitário, os diretores da escola, naquele tempo era Doutor Moacir Silveira Santos que era o diretor, e as famílias embaixo, na plateia, assistindo, vibrando. Na hora que chamava um lá, palmas, né, e tal, porque era uma coisa importantíssima pra nós, né? Isso era tão importante que aqui tinha um alfaiate que chamava Bastos, ele teve tanta encomenda de terno que ele todo ano ele ia pra essa Festa da Lapa, não sei se você já ouviu falar, em Vazantes (MG) tem uma romaria que chama Festa da Lapa, e ele, juntos com os pinguços daqui, era tudo aquela turma de malandro, porque o pessoal aqui bebia muito, não tinha o que fazer e lá tinha a alfaiataria num beco, esse beco chamava Beco do Cisco, sabe, e todo mundo passava lá, que ligava uma parte da cidade à outra: “Oi, Bastos, como é? Você vai à Lapa?”, ele já enfeado, ele era meio sistemático, ele expôs um cartaz lá de todo o tamanho: “Esse ano Bastos não vai à Lapa”, pra acabar com a conversa, né?
P/2 – E pra dar conta de fazer os ternos?
R – É, pra dar conta de fazer os ternos, porque ele não tinha nem ajudante, era só, e a gente naquela sensação de medo do terno não sair pronto, e adulando ele pra fazer o terno.
P/1 – O senhor falou que começou, na verdade, o senhor começou a trabalhar aos 11 anos.
R – É.
P/1 – O senhor estava como caixeiro também, o senhor viajava junto com o seu pai, era isso?
R – Não, eu fui trabalhar cedo desse jeito porque o meu pai teve um negócio, uma água no joelho e não aguentou andar durante seis, oito meses e minha mãe, que era prima desse pessoal da loja, pediu pra arranjar um emprego pra ajudar na despesa de casa. Então eu fui trabalhar por causa disso... E a vida, apesar dessas dificuldades todas, me deu uma oportunidade tremenda, eu já assisti desfile de moda no Copacabana Palace com 17 anos, sabe, quando o Brasil começou a desenvolver nessa parte de tecidos, fazer organdi, coisa, eu fui pro Copa assistir desfile, né? Aquela beleza, o Copacabana, era da Família Guinle, do Rio, a família mais importante e um hotel lindo, com piscina interna, uma pérgola linda do Copa, né? Então mesmo assim, a vida, pelo avesso, por quê? Porque eu, lá na loja, era o único que tinha Ginásio, então o Criolo Pimentel me mandou pra lá porque, por pior que fosse, eu pelo menos já tinha Ginásio, né?
P/1 – Essa loja, ela vendia tecidos, é isso?
R – Ela vendia de agulha, de tudo, era uma loja perfeita, sabe, você, agulha, botão, né, nós tínhamos como se fosse, assim, um livro de renda guipir, né, então a gente aprendia esse negócio, lese, cetim duchesse, tudo isso nós aprendíamos lá, a loja foi, talvez, um banho de civilização pra gente.
P/1 – Como é que foi trabalhar como balconista, o senhor sendo um homem? Quem ia comprar, quem eram os clientes?
R – Quem comprava era o Criolo e Pimentel, quando eram tecidos populares, coisa mais popular comprava em Belo Horizonte, quando já é mais fino, né, comprava no Rio ou em São Paulo, né?
P/1 – Então a compra pra loja era feita por esse Criolo.
R – É, pelos dois sócios.
P/1 – Mas quem eram as clientes da loja?
R – Nós começamos com esses tecidos mais finos, então nós pegamos a elite de Paracatu. No princípio, esses tecidos que a Bangu, que era uma fábrica do Bairro Bangu lá no Rio, e a Nova América e a América Fabril lá em São Paulo, os tecidos eram lindos, sabe, a tricolina era uma beleza e tudo, o estampado e tal, então nós começamos também a saber o que que era bonito, o que que era feio, né? Assim, aí veio a Valisere... Nós começamos a vender calcinha pra mulher, coisa que aquilo todo mundo assustou, nós púnhamos as caixas no balcão, porque a gente às vezes tinha vergonha de abrir a caixa e mostrar a calcinha. Então aquelas calças lindas, da Valisere, aquelas bacanas. Assim, Modes, eu lembro até o preço que vendia Modess, gravei na minha cabeça, que nós tínhamos uma vergonha de vender Modes tremenda, a gente punha no balcão e punha lá: “28”, 28, agora se era real ou cruzeiro, o que que era eu não sei.
P/1 – Então, a elite, as mulheres da elite parcatuense chegavam e elas ficavam à vontade em pedir as coisas pro senhor? Como é que era?
R – Eu tinha uma diferença com outros, porque eu tinha colega do Ginásio, que a família era mais socialmente mais elevada, eu tinha um pouquinho mais facilidade, então era muito comum. A primeira hidroelétrica que teve aqui, as meninas que trabalhavam lá vinham me falar assim: “Vasquinho, olhe, tal, isso”, e aí eu chegava com a calcinha, punha assim, nem olhava, elas que escolhiam o número, o tipo e tudo. Isso era naquele tempo, porque usava muito, primeiro, antes da Valisere e dessas firmas de nylon, de jérsei, lançarem essas calcinhas, era muito comum a gente vender o tecido de cretone, cretone é o que faz lençol – não sei se vocês conhecem – ou morim. Toda mulher tinha alguém que fazia uma calcinha pra ela em casa, então era aquele morim e cretone e aí que começou a beleza do Valisere, a mesma coisa com sutiã, né?
P/1 – Conta um pouquinho, o senhor falou que foi trabalhar, o senhor lembra quanto foi o seu primeiro salário, quanto que o senhor ganhou e o que o senhor fez com ele?
R – Nós, na Casa Criolo, nós não ganhávamos pouco não, porque lá tinha um esquema, o salário era quase zero, mas nós tínhamos comissão e, como era a loja que mais vendia, a comissão ajudava. Agora, não tinha 13º, não tinha horário de serviço, não tinha nada, era uma escravidão mesmo. A gente, aliás, nem pensava nisso, esse nome “escravidão”, porque pra gente era uma beleza trabalhar, porque sem renda era pior ainda, né?
P/1 – O seu salário o senhor dava todo em casa?
R – Tinha, assim, primeiro pagar o armazém, passava, tinha um tal Zotti André, que tocava sax também, que tinha uma vendinha lá e essa venda era no caminho lá de casa, então eu chegava lá, recebia, mas nós tínhamos uma vantagem, que nós recebíamos todo sábado, sabe, eles chamavam a gente sete, oito horas da noite e somavam a comissão e o salário e pagavam pra gente, sabe, então primeiro pagava a despesa de casa.
P/1 – Então o senhor já passava, esse armazém era um secos e molhados?
R – Era.
P/1 – Quem era o dono desse secos e molhados?
R – Zotti André, você vê um sobrado lá na Rua Goiás caindo, a loja dele é aonde tem aquele restaurante, o armazém dele.
P/1 – Ah, então é aonde é o Alecrim hoje?
R – É aonde é o Alecrim hoje.
P/1 – Como é que era a cidade nessa época que o senhor estava trabalhando como balconista, com 11, 12, 13 anos, como é que era a cidade? Tinha muito carro, como é que as pessoas se locomoviam?
R – O primeiro carro que chegou aqui, o Ford, você deve conhecer mais do que elas, é Ford 29, sabe, aquele que tem os faróis pro lado de fora, que era fabricado nos Estados Unidos por Henry Ford, que foi o iniciante da indústria automobilística no mundo, então era a coisa. Tinham dois carros aqui só, um do tal Romualdo Ulhôa e o outro eu não sei de quem era, assim, eu não sei na cabeça, ele trouxe esse carro pra cá, que ele era neto, não, como é que é? A mulher dele era neta desse parente nosso ricaço, então ele teve dinheiro pra comprar esse carro dessa herança lá, sabe?
P/1 – As ruas, como é que eram, de terra?
R – As ruas eram todas de pedra e nós tínhamos uma desvantagem aqui em Paracatu, que não era como as outras cidades, que faziam o paralelepípedo, aqui era pedra redonda, sabe, uma dificuldade tremenda pra andar. Uma vez eu arranjei uma namorada de Pirapora aqui em Paracatu, a hora que a gente estava saindo do clube, o clube era ali aonde que é a Câmara dos Vereadores, subindo pra minha casa e ela de salto e nós brigamos lá na festa, e ela não quis pegar no meu braço pra mim ajudar, a hora que ela começou a cair, na mesma hora [risos] acabou a briga!
P/1 – O senhor teve que ajudar?
R – Eu tive que ajudar. Então, quando chovia, a água criava um rio dentro da cidade, porque as ruas eram meio tortas pra dentro e até ali aonde que tem o Largo da Jaqueira e desembocava num córrego ali, ali era o ponto final, nós não tínhamos asfalto em parte nenhuma aqui, né?
P/1 – Como é que era o senhor nessa fase, como é que era juventude? O que o senhor fazia pra se divertir? O senhor falou pra gente: “Ah, eu saía na noite e voltava, a porta estava aberta” e tal. O que o senhor fazia? Tinha bailes, como é que era?
R – Tinha baile demais aqui, sabe, porque aqui usava muito, assim, Festa do Divino, não sei se vocês têm costume de Festa do Divino, a hora que acaba aquele negócio de esmola, guardo o dinheiro e tudo, começava a hora dançante. Nós chamávamos de hora dançante, então dançava a noite, então nós ficávamos torcendo pra ter umas festas. Depois, nós do comércio organizamos um clube, que nós mesmos limpávamos o chão, fazíamos tudo pra dançar à noite com as meninas e depois veio o Jóquei Clube. O Jóquei Clube era uma beleza. Logo que a gente teve algum dinheiro ficamos sócios do Jóquei Clube. E nós tínhamos dificuldade, que o pessoal do carteado, os homens daqui eram muito perdidos pra jogar, atrapalhava a gente, que a gente fazia barulho na festa, atrapalhava o jogo deles, então havia uma rivalidade. Saiu num jornal aqui na época de um português que casou com uma moça daqui e nós chamando atenção dos diretores do Jóquei Clube pra não transformar o Jóquei Clube em cassino e tal e metendo o pau no negócio, o que criou um problema pras nossas famílias terrível, sabe, que as nossas famílias não sabiam daquela reportagem... E nós tivemos a revolta da sociedade, contra a gente, porque a sociedade era jogadora, né?
P/1 – Como é que era? O senhor falou do Jóquei Clube, o senhor montou uma associação dos comerciantes?
R – Não, esse não é o Jóquei Clube.
P/1 – Não, eu sei.
R – Esse, vamos dizer, era um clube de gente pobre, mais pobre, né?
P/1 – Quem que frequentava, no Jóquei Clube, por exemplo, quem frequentava? Era aberto pra qualquer pessoa?
R – Não, no Jóquei Clube não, era muito fechado, era a elite de Paracatu, né? E então nós, pra aprender a dançar, nós íamos pra zona, que chamava aqui puxa-faca, na Rua do Piolho e aí as mulheres que vinham de Patos [de Minas, MG], de Uberlândia [MG] e tudo eram ótimas dançarinas e nos ensinavam a dançar. Quando nós chegávamos no clube, as moças ficavam doidas pra dançar com a gente, porque nós éramos bons de dança, aquele negócio. Então, a gente aprendeu dançar tango, com essas mulheres, que umas vinham de São Paulo, vinham do Rio. E elas aprenderam dançar tango, dançavam bolero, a paixão nossa era bolero. A gente era doido por dançar bolero. E depois veio a influência cubana, da América Central, pra rumba. Eu estou vendo até agora na Argentina, tem um sujeito fazendo um sucesso tremendo com uma música tipo rumba, então aí a gente era bom no negócio. Já Pirapora, quando eu ia lá, sabe, era diferente, porque lá tinha as rumbeiras mesmo, sabe, as baianas que vinham nos vapores, que ficavam lá, eram ótimas dançarinas, como é até hoje, né?
P/1 – Então quer dizer que pra aprender a dançar bem os homens tinham que ir pra região da zona?
R – Da zona.
P/1 – E elas ensinavam, mas, assim, dançava junto, aí tinha que tomar alguma coisa também, né?
R – A gente bebia normalmente, as mulheres da zona bebiam também. As mulheres da sociedade não bebiam quase, né, mas as da zona bebiam demais e aquela rua conhecida como a Rua do Piolho, porque naquele tempo deu uma epidemia de piolho, sabe, e ficava uma no colo na outra tirando piolho. [Risos]
P/1 – Me fala uma coisa, Seu Vasco, o senhor falou que dançava, como é que era a festa? Tinha uma separação da festa dos brancos com os negros?
R – Tinha, aqui tem um nome, Saca-rolha, o Saca-rolha é ali no Santana. Esse nome, saca-rolha, começou porque lançou, naquele tempo, que pegou no carnaval, uma música que: “Saca-rolha, saca-rolha” e tal.
P/1 – Uma marchinha de carnaval.
R – Marchinha de carnaval que era o auge e naquele tempo a gente dançava mais marcha do que samba, a gente dançava pouco samba, nós viemos a aprender um pouco samba depois da beleza das escolas de samba do Rio mas, no mais, era marchinha. Então, nesse Saca-rolha, tinha um tal de Luís Dario, um pretão papudo, ele tocava sanfona e cantava, né, que é pai de Dario Maravilha, um jogador de futebol daqui. E nós descíamos pra dançar pra lá quando não tinha festa no Jóquei Clube.
P/1 – Como é que era o Saca-rolha? Como é que vocês entravam? Vocês conseguiam entrar numa boa assim?
R – Nós éramos abraçados, acatados lá, porque a gente tinha mais dinheiro que eles, né, eles precisavam de dinheiro pra sobreviver, então a gente sentava lá, fazia aquela mesona e pagava pros negros, tal, convivia muito bem e doido com as negrinhas, né?
P/1 – Por quê? Elas dançavam bem também?
R – Elas dançavam bem também, elas, tinha uma tal Segal, uma velha aqui que tinha umas seis, cada uma dançava melhor do que a outra.
P/1 – Então ia pra lá pra dançar também, né?
R – É.
P/1 – O senhor trabalhou como balconista nessa loja até os 16 anos e aí o que o senhor foi fazer depois?
R – Veio um tio meu que era de Pirapora, tio e padrinho, precisando de uma pessoa, pra ir pra Brasília e ninguém topava ir pra Brasília, aí, como ele tinha muita força sobre minha mãe, porque ele ajudou um pouco criar minha mãe, né, minha mãe logo me obrigou a ir pra Brasília, pro Núcleo Bandeirante, trabalhar com ele, né?
P/2 – O que tinha em Brasília?
R – Em Brasília, nessa época, devia ter mais ou menos 12 mil habitantes, Israel Pinheiro não aceitou ter zona lá, então nós íamos pra Louisiana, a distração era só as mulheres de Louisiana, a não ser, depois veio uma tal Josinda, muito bonita, que ficou famosa e pôs uma casa de mulher na divisa de Brasília com Louisiana, né? Lá era só trabalho, trabalhava, porque lá em Brasília, quando as firmas, as empreiteiras, que construíram os ministérios, os palácios, paravam, corriam pro Núcleo Bandeirante pra comprar, alimentar e tudo, então a gente não parava, não, trabalhava o dia inteiro, esses dias que nós saíamos pra Louisiana era uma dificuldade.
P/2 – Como é que foi ver Brasília se tornando Brasília, quer dizer, aquele campo aberto, no meio de um retão, virando a capital?
R – Quase ninguém, em Paracatu, acreditou, sabe, portanto que nós não ganhamos dinheiro com Brasília, eu falo nós, os ricos, os fazendeiros, porque eles não acreditavam que Juscelino [Kubitschek] tocava aquilo, né, fazer uma capital assim, ninguém acreditava naquilo, então foram poucos que compraram um ou dois lotes. Depois que eu morei em Brasília, eu fiquei conhecendo três pessoas que compraram lote em Brasília de Paracatu, já de Anápolis (GO) compraram demais, sabe, então nós ficamos vendo e tudo e Juscelino, ele tinha um, você olhava pra ele assim, você acreditava nele, sabe, apesar da gente pichar muito o Estado de Minas. Tinha um jornal em Belo Horizonte, o Binômio, que falava muito dele por causa das mulheres, por causa de ser dançarino, porque, quando ele construiu a Pampulha, ele era um dos grandes dançarinos lá da Pampulha e, como a mulher dele era de uma casta muito mais alta do que a dele, não acompanhava ele nessas farras, e parece que até gostava, né? Então aqui em Paracatu, quando ele veio aqui, a primeira coisa que ele pediu a um médico que foi colega dele de universidade: “Me arranja umas moças pra eu dançar, que eu não aguento aqui, eu estou doido pra dançar”, dançou a noite inteira aqui em Paracatu, sabe, era um espírito jovem mesmo, sabe? E a gente lá em Brasília, a hora que ele chegava na Avenida Central, no Núcleo Bandeirante, a gente saía pra abraçar e aquele negócio, como ele teve uma fazendinha aqui perto, aqui perto de Paracatu, ele tinha muita aproximação comigo lá no armazém, por causa da pinga de Paracatu, que naquela época Paracatu fabricava uma pinga chamada Creolinha, derivada da rapadura, que era um estouro, todo mundo era doido com essa pinga e eu vinha aqui, comprava, levava pra lá, então essa turma que dirigiu Brasília no princípio da Novacap [Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil] passava muito lá em casa pra comprar essa pinga Creolinha.
P/1 – O senhor falou que nessa época Brasília tinha 11 mil habitantes só.
R – É.
P/1 – Quem fornecia alimento, que fornecia comida, as empreiteiras traziam de onde o material?
R – Nós, os comerciantes lá de Brasília, eu mesmo, com o meu tio, a primeira coisa que nós fizemos foi comprar um caminhão pra ir pra Anápolis, que Anápolis era um centro abastecedor fabuloso, e esse caminhão, por incrível que pareça, chamava Marta Rocha, sabe? Você lembra dessa miss que foi miss Brasil? Marta Rocha, que linda, né? Então a gente ia de caminhão pra Anápolis, passando por Pirenópolis, você conhece essa região, não? E ali tinha uma ponte que tem até hoje, a gente passava naquela ponte com o caminhão carregado, morto de medo pra chegar em Anápolis, carregar de arroz. Anápolis era cheio de máquina de arroz, sabe, um absurdo de máquina de arroz, então nós carregávamos lá arroz, batata, cebola, tinha as casas especializadas nisso, porque Anápolis também teve essa sorte, era final de ferrovia, sabe? Lá conseguia buscar em Uberlândia, Araguari, em Goiânia e Anápolis era mais comercial do que Goiânia. Goiânia era a capital, mas Anápolis tinha a força do dinheiro, aqueles sírio-libaneses, foram tudo pra Anápolis.
P/1 – E aí vocês traziam essas coisas todas.
R – Punha no armazém. Vamos dizer, a firma que construiu o congresso, aquele prédio mais alto lá e o congresso, chamava Companhia Nacional, então ela pedia, assim, no caso, tinha vez que eu chegava com o caminhão, já passava tudo pra lá, eles tinham, mil e quinhentos, dois mil empregados, era um consumo monstruoso. Quem fez o Alvorada, a Rabelo, era também assim, era menos um pouco que a Nacional, mas o consumo era monstruoso.
P/1 – Qual foi o impacto da construção de Brasília pra Paracatu?
R – No passar a rodovia aqui, ficou aqui, veio pra aqui uma firma que chamava Ester, uma construtora e esse Ester já empregou, vamos dizer, 200, 300 filhos de Paracatu, então melhorou a situação financeira daqui, casamentos, bons casamentos com engenheiros de obras, foi uma beleza pra Paracatu.
P/2 – Qual que era o nome do armazém lá em Brasília?
R – Pirapora.
P/2 – Armazém Pirapora.
R – Porque o meu tio morava em Pirapora, né?
P/1 – A construção da estrada, da BR-040, ela se deu mais ou menos na mesma época da construção de Brasília ou não?
R – Ele inaugurou tudo junto, quando ele inaugurou Brasília, a rodovia já estava pronta e depois ele inaugurou a Belém-Brasília, até o trecho de Imperatriz, no Maranhão, onde esse goiano morreu, Bernardo Sayão.
P/1 – Esse Bernardo Sayão, o que ele era?
R – Ele era um engenheiro e ficou conhecido lá em Goiás e foi indicado pra Juscelino por Pedro Ludovico, que era de família tradicional em Goiás, porque ele construiu uma ponte ligando uma cidade chamada Ceres a Rialma e foi num instante, aquele negócio e o Pedro Ludovico, que era pai do Mauro Borges, que naquela época já era governador de Goiás, né, indicou pra Juscelino.
P/1 – Pra ele ser um dos construtores?
R – É, pra ele tomar conta dessa parte da Belém-Brasília.
P/1 – O senhor ficou com o Armazém Pirapora junto com o seu tio até que ano?
R – Sessenta e três.
P/1 – E aí por que que o senhor saiu? Por que o senhor desistiu?
R – Bem, sempre as mulheres atrapalhando, né? Ele tinha uma mulher, que do outro lado também era aparentada com a gente, de um gênio terrível e eu, assim, não era maduro pra aguentar aquilo e tal e uma que eu construí a loja e o meu apartamento em cima e ela veio morar também aí, virou um inferno minha vida, né? Aí eu disse: “Não, vou embora”. Tinha muita coragem, né, porque já tinha ido pra Brasília menino, eu precisei de emancipar, eu não sei se vocês conhecem esse termo, era pra poder assinar cheque, né?
P/1 – O seu pai emancipou o senhor?
R – É, eu fui emancipado com 17 anos.
P/1 – O senhor voltou pra Paracatu depois dessa confusão com a sua tia aí, com o seu tio ou o que o senhor foi fazer daí?
R – Não, aí eu peguei, né, vendi uma parte da coisa e eu tinha um amigo no Rio, que era de Paracatu e muito meu amigo, que morava lá em Copacabana, eu acabei aquele negócio, fui pro Rio de Janeiro e lá gostei demais. Ele trabalhava pra uma senhora que era dona, foi a presidente do BNH, Banco Nacional de Habitação, e tinha um secretário que era daqui também e ele trabalhava com esse secretário da presidente do BNH. Então vivemos lá, né, eu fui conhecer o Rio, conhecer em volta, coisa que a gente não tinha tido tempo de viver e fiquei lá muito tempo.
P/1 – O senhor foi fazer o que no Rio, o senhor foi trabalhar com o quê?
R – Não, eu fui gastar dinheiro mesmo.
P/1 – [Risos] O senhor ficou quanto tempo no Rio gastando dinheiro?
R – Oito meses.
P/1 – O que o senhor fez pra gastar o dinheiro? Conta pra gente.
R – Não, eu não gastei tudo, não, mas eu conheci lá as melhores coisas do Rio, as coisas mais importantes do Rio, as boates mais fabulosas bebendo whisky importado. Nessa época eu já tinha aprendido a ter paladar, a gostar de whisky, porque em Brasília tinha muita venda de whisky de contrabando, que vinha pelo aeroporto. Então a gente frequentava o Brasília Palace também, que é um hotel, então a gente começou a ter gosto pelo prazer, né?
P/1 – Que boates eram essas? Qual era o nome dessas boates?
R – A mais importante era a do Sacha, sabe, um francês que tocava piano, era a coisa e depois teve uma famosíssima do Sargentelli, Sargentelli e suas mulatas, ele dava um show conversando sobre o Rio de Janeiro, aqueles negócios e as mulatas requebrando, tocando, dançando samba. Era um show, essa boate ficava ali perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
P/1 – O senhor dançava também nessa época, dançou muito no Rio ou não?
R – Nós dançávamos lá no Centro do Rio, porque essas, no Sacha a gente podia dançar, mas no Sargentelli a gente só assistia o show das mulatas, né?
P/1 – O senhor morava aonde no Rio, nessa época?
R – Copacabana, Belford Roxo com Barata Ribeiro, é a saída do túnel do Botafogo, né?
P/1 – O senhor morava sozinho lá?
R – Não, eu morava era super apertado, a gente não fazia questão, dormir era... Era uma quitinete, um dos rapazes trabalhava pra o Banco Nacional, que era de Magalhães Pinto, um milionário mineiro que foi pro Rio, e o Quincas, dormia os três lá nessa quitinete.
P/2 – E quando foi a hora de voltar?
R – Foi na época, também muito gostosa, que começou aquele Borba, El Grego, que o Onassis começou a ter aquele amor com a mulher no Kennedy e a gente aplaudia as músicas gregas quebrando prato, eu não sei se você já viu aquilo, enchia lá de prato quebrado.
P/1 – Quando o senhor voltou, quando chegou o momento de voltar e por que o senhor voltou?
R – Eu voltei pra vir dirigir a cooperativa, um dos donos da cooperativa, o que vendeu pra cooperativa, me conhecia lá em Brasília como comerciante e me indicou pro presidente da cooperativa.
P/1 – Então vamos contar um pouquinho, a cooperativa, como ela surge e como é que o senhor vem. Conta pra gente um pouquinho, se o senhor sabe, como é que fundou a cooperativa e porque que surgiu a cooperativa, conta um pouquinho pra gente.
R – Estava na época que veio a revolução, 1964 e tal, e nós tínhamos um deputado aqui de Paracatu chamado Jorge Vargas e Magalhães tinha fundado o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, então Jorge sugeriu pra o Wladimir, o primeiro presidente, a pedir um empréstimo no banco, empréstimo industrial, porque lá em Brasília estava faltando leite, lá não tinha uma bacia leiteira e uma bacia leiteira não faz de um dia pro outro, é um negócio de dez, 20 anos, pra você ter, criar a vaca, vaca que dá leite e tal, aquele negócio todo. Nessa época, teve também uma coisa que incentivou muito, porque Afonso Arinos de Melo Franco era senador e tinha dado um diploma, uma medalha pra Che Guevara aqui no Brasil, na época da Revolução Cubana, esse Afonso Arinos a gente já conhecia, era daqui, né, um dia chegou lá onde nós estávamos vendendo leite e virou assim: “Ô, Vasco, como é que eu faço, minhas netas e tal”, ele boa pinta, o cabelo branquinho, né: “Como é que eu faço?”, “Não, excelência, eu mando entregar pro senhor e tal”. E o que fiz? Ele morava naqueles, nas quadras de Brasília, né, num daqueles prédios lá na 305, então nós vimos que o próprio senador da república estava com dificuldade pra o neto beber leite, então nós então incentivamos a abrir essa cooperativa e começar a mandar leite pra Brasília.
P/1 – E aí o senhor é convidado pra assumir da cooperativa?
R – Não, a gerência geral, eu mandava tanto lá em Brasília como aqui.
P/1 – Quem fazia parte da cooperativa e o que tinha de abastecimento? Tinha muita coisa que se produzia aqui?
R – Nós começamos a fazer exposições pra mostrar ao fazendeiro que estava acostumado só com o gado de corte, o gado pé duro, vagabundo, que dava um litro de leite, aquele negócio, e a gente, por ter viajado, acompanhado algumas experiências da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], a gente já sabia o que que é o gado de leite, tal, começamos então a incentivar o fazendeiro. Foi quase uma catequese isso, um negócio difícil. O fazendeiro reagia mal porque às vezes o gado holandês é mais sensível, ele comprava, de repente morria, aquele negócio todo, até adaptar, virar o girolando e começar a expandir o leite. Nós trazíamos de fora tudo pro fazendeiro, ração, nós não tínhamos fábrica de ração nessa época, trazia todo o maquinário e trazia também uma coisa que chamava ordenhadeira, uma máquina que você roda e tira o creme, separa o creme do leite, pra ele vender também o creme pra fazer manteiga, com isso nós fomos incentivando, mudando a cabeça do fazendeiro. Começamos com mil litros, 500 litros, chegava na seca, não tinha leite, os compradores de Brasília ficavam com raiva da gente, não entendiam o negócio direito, sabe, e aí fomos criando, né, até essa pujança que é hoje a cooperativa.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, o senhor estava lá no Rio, o senhor falou que tinha uma pessoa da cooperativa que conhecia o senhor e chamou pro senhor vir ser gerente geral. O que era ser gerente geral na cooperativa? Quando o senhor chegou aqui, o que Paracatu produzia, além do leite? A cooperativa mexia com plantação de alguma coisa? Como foi isso?
R – A produção de cereais aqui, nós estávamos muito atrasados, muito sem técnica. Nós não tínhamos desenvolvido essa parte, não tinha quase trator, arado, quase nada disso, então quase tudo a gente trazia de fora. Aí começamos a incentivar, abrimos um projeto agrícola, que na beira do Paracatu, não sei se você já foi por lá, Entre-ribeiros, você nunca ouviu falar?
P/1 – Já, já ouvi falar.
R – Que é uma monstruosidade a produção e então começamos a trazer até gente de fora, principalmente esses que nós chamamos vulgarmente loteiro, é a pessoa humilde, que a gente arranjava dinheiro pra eles e pra eles começarem a tocar as lavouras, e eles foram pra uma região muito difícil, porque lá chove muito pouco, a região de Entre-ribeiros, aí até chegar ao pivô central, aquele negócio pra irrigar e a produção melhorar, deu muita dor de cabeça, sabe?
P/1 – Quando o senhor volta pra Paracatu, como é que estava Paracatu? O senhor contou pra gente que Brasília, com a abertura da estrada veio uma empresa, que tinha dado uma melhorada na cidade. Como era a cidade quando o senhor voltou? O que o senhor encontrou?
R – Antes disso, nós tivemos um azar tremendo, a energia de Paracatu, a hidroelétrica antiga pifou, não aguentou mais a cidade, porque nós éramos dois mil habitantes, passamos pra 12, 15, 20, aí a luz não aguentou. Por sorte, o pai de minha mulher é um fazendeirão simples de tudo, mas com um espírito também fabuloso, constrói uma hidroelétrica lá na Batalha, não sei se você conhece lá, é um lugar espetacular, lindo pra ver, onde tem essas cachoeiras, que o povo vai lá muito e conseguiu fazer a hidroelétrica. Porque as indústrias daqui não iam pra frente porque ficavam sem luz, nem máquina de arroz aqui, pra limpar o arroz, pra tirar a casca, tinha dificuldade pra trabalhar, serraria não tinha, as serras não serravam, porque não tinha energia e com isso houve essa explosão que melhorou Paracatu.
P/2 – Qual que é a importância então da gente pensar no trabalho cooperado, de se juntar os produtores do agronegócio pra conseguir melhor qualidade, pra conseguir melhores preços, pra conseguir ser comercializado em outras cidades?
R – A cooperativa, ela vem de uma ideia inglesa, estava entre a Alemanha e a Inglaterra e naquele tempo a Inglaterra estava aumentando muito, mas muito capitalista, então inventaram esse sistema cooperativista, que é um neutro entre o comunismo, o socialismo e o capitalismo. Nós estamos no meio deles, nós somos uma clava pra não ter o revanchismo do capital exagerado e do esquerdismo exagerado. Então na cooperativa o sujeito aprende a gostar da cooperativa, que é dele, que ele é sócio e no sistema da cooperativa, principalmente a de Paracatu aqui, o sujeito que tira um litro de leite tem o mesmo voto do sujeito que tira cem litros, duzentos litros, mil litros, 10 mil litros, sabe? Então é um negócio que é uma igualdade mesmo, não adianta e, na cooperativa, o que você produz, você pode comprar lá mesmo, com prazo, com produto bom, com tudo certinho. E começamos a trazer engenheiro agrônomo, veterinário, que aqui precisava do veterinário, o gado morria, os cavalos morriam, não tinha ninguém que entendia do animal, então foi com a cooperativa que veio o boom dos técnicos agrícolas.
P/2 – Trabalhando na cooperativa, o senhor passou também a trabalhar com agronegócio mais diretamente?
R – Eu fui, toda vida eu fui muito mais da linha de leite, de queijo, leite, coisa, porque essa parte, quando ela começou, eu já estava em Brasília, então eu fiquei uns tempos em Brasília, distribuindo leite, que era a coisa mais difícil que tinha, sabe, você distribuir em Taguatinga, Gama, aquelas cidades-satélites todas, em volta de Brasília. Eu acompanhei essa coisa um pouco de longe, sabe, e eu tinha, assim, uma certa até defesa do loteiro, porque o loteiro, ele queria só dele, ele ainda não tinha o espírito cooperativista, ele queria tirar da cooperativa, sabe, ele não pensava em produzir, ele pensava em levar as vantagens nos financiamentos, nos empréstimos de dinheiro e não na parte de produção e às vezes, quando produzia, entregava pra outra firma, pra não pagar o que devia na cooperativa. Até que eles voltaram a sentir que o cooperado não é isso, que o produtor não é isso, demorou muito tempo.
P/1 – Esse processo de mostrar, de compreensão e até de passar um entendimento maior desses pequenos agricultores, a cooperativa trouxe alguém de fora pra ajudar? Por exemplo, vocês fizeram alguma associação com a comunidade japonesa, conta um pouquinho pra gente como é que foi esse projeto.
R – Nós tivemos aqui também uma experiência japonesa, que nunca chegou aos pés da experiência brasileira, a experiência paracatuense, os japoneses ficavam aqui no Mundo Novo, numa outra região, quase todos eles fracassaram, por falta exatamente de uma cooperativa do nível da nossa. Eles ficaram sozinhos, sabe, eles não tiveram, não foram amparados, não tinha limite de crédito, então eles ficaram no princípio só, no meio, não desenvolveram. O primeiro a desenvolver nessa região, que comprou depois as terras, foi o prefeito hoje de Paracatu, o Condé, que é um grande produtor de soja e pegou uma parte que chove mais que aqui e produz muito e ensinou alguns gaúchos ou paranaenses que vieram pra cá, e ensinou nós paracatuenses a mexer muito com pivô.
P/1 – Como é que era o senhor, nessa época, o senhor falou que trazia equipamentos, trazia os veterinários, tal, toda essa coisa de equipar a produção do leite e mesmo da agricultura, esses equipamentos vinham da onde? Como chegaram aqui em Paracatu?
R – A parte desses equipamentos que era da indústria não era dos Estados Unidos, era tudo europeia, era da Suíça, Suécia, Inglaterra, sabe, então esses aparelhos em geral eram de aço inoxidável, um negócio muito fino, que no Brasil não produzia nem os Estados Unidos preocupou em produzir. Aí veio depois essa máquina... porque o leite nós vendíamos em garrafa, era uma garrafa de tampa, como se fosse uma cerveja, com a tampa mais larga, aí veio o leite em pacote, esse leite em pacote, eu tinha um alemão que eu conheci nessas idas e visitas lá em São Paulo, esse alemão: “Seu Vasco, essa máquina de empacotar, de engarrafar é muito cara e parece que vem coisa nova aí da França”, né? Ele me ensinou então a comprar uma máquina francesa, que chamava Prepac e que tinha uns holandeses lá no Paraná, lá em Curitiba, que já estavam fazendo o filme, o filme plástico, então essa embalagem primeiro, a que veio do leite, é aquele leite de barriga mole, eu não sei se vocês conhecem, né?
P/2 – De saquinho.
R – É, saquinho mole, depois é que veio essa embalagem mais sofisticada, que conserva mais tempo o leite que é americana. O americano já começou a expandir nessa parte, nessa tecnologia, até o problema da embalagem de queijo já foi uma invasão do americano mais técnica, porque o queijo tem uma película, que parece que é uma película dele mesmo e aquilo conserva o queijo, que chama Cryovac, é um plástico, um tipo plástico que conserva o queijo.
P/1 – Quando o senhor volta pra cá pra Paracatu, que foi mais ou menos pra tomar conta da cooperativa, como o senhor começou a trabalhar com leite, com gado e onde o senhor veio morar?
R – Eu tinha comprado, nessa época, essas terrinhas aqui e, até pra provar que nós tínhamos que melhorar o gado, eu ganhei até concurso de melhor produtor de leite naquela época, a vaca que dava mais leite, porque nessas viagens eu comprei, em São Paulo, numa cidadezinha que chama Casa Branca, vacas de melhor qualidade e trouxe pra cá, pus aqui, dei muita cabeçada, mas ensinei muita gente a mexer com gado leiteiro. Nessa época, não foi só eu, não, diversas pessoas aqui, nós tivemos um diretor chamado Honório Mundim, que fantástico, um homem humilde, mas de uma capacidade tremenda e gostava muito de ensinar, de produzir, sabe, nos ajudou demais, porque, até antes de Honório, o Vladimir era um advogado, voava longe, não sabia nada, sabe, entrou nisso porque ele era um político, ex-prefeito e achou um caminho pra, vamos dizer, crescer politicamente, o que não deu certo até, porque não é fácil você misturar política com cooperativa, não, não é, o negócio é difícil/ Esse Honório ajudou demais, sabe, ia comigo, nós íamos pra São Paulo, ia pra Belo Horizonte, ia pra diversas cidades, Araxá (MG), Ibiá (MG), aprender tanto a ver as máquinas modernas que estavam entrando no mercado como o gado que estava entrando no mercado.
P/1 – Fala uma coisa pra gente, Seu Vasco, o senhor falou um pouco dessa experiência que foi nipo-brasileira, com essa colônia japonesa, Entre-ribeiros surge mais ou menos na mesma época, não é isso?
R – Um pouquinho depois.
P/1 – Qual que era a diferença, na verdade, aqui eram plantações de grande escala, o que era a diferença de um pra outro?
R – Aí já tem muita influência do antigo Ministro da Agricultura, que tinha sido Secretário da Agricultura em Minas, que eu estou esquecendo o nome dele.
P/1 – Não tem problema se o senhor não lembrar.
R – Um monstro, que começou a fazer um pouco de reforma agrária no Estado de Minas, fez ali em João Pinheiro (MG) e tal, aqui a uns cem quilômetros daqui, Alysson Paulinelli, que é um verdadeiro cientista, sabe, é super respeitado até pelos japoneses. Esse Alysson Paulinelli, há pouco tempo eu vi ele na televisão, uma entrevista dele, é um crânio e um homem que acreditou no cerrado. Ele que foi o primeiro camarada que teve essa ideia do cerrado, porque o cerrado não produzia nada, pra te dizer, Cristalina (GO), hoje é uma das maiores produtoras de soja do Brasil, meu sogro, quando o meu filho nasceu, eu levei ele em Brasília pra conhecer o neto e ele passou aqui em Cristalina, disse: “Olha, Vasquinho, essas terras aqui não dá nada, não teve a erosão quaternária, quinzenária”, ele entendia desse negócio, sabe: “Isso aqui não produz nada”. E de fato eu tinha tido uma experiência, quando eu tive armazém, eu fui em Cristalina com esse caminhão Marta Rocha e não consegui comprar um saco de nada, quer dizer, aquela região toda, que é um dos maiores munícipios de Goiás, não produzia nada, hoje é o maior produtor de soja do Brasil, então pra você ver o que que é a ideia desse Alysson Paulinelli. Foi ele que começou financiar, obrigar o governo, e na época da revolução, dos governos militares, ele teve até uma briga com Delfim Neto, eu ainda lembro até de uma frase que ele: “Entre eu e vossa excelência tem um abismo intransponível”, sabe, porque o Delfim só pensava em dinheiro e ele queria dinheiro pra financiar o agricultor e tudo, então os dois entraram em choque e ele pediu demissão do governo.
P/1 – Como é que conseguiu desenvolver essa área em termos de agricultura, pra ser o maior produtor, como o senhor falou, Cristalina? Que técnica que foi usada? O que trouxe essa melhora pra essa região pra produzir tanto?
R – A primeira coisa foi a recuperação do cerrado jogando calcário, porque ela é pobre em calcário, então juntou calcário, adubo e água, porque, como lá chove muito, Cristalina é melhor de chuva que Paracatu e o que não chove, os rios são perenes, os córregos são perenes, então vem o pivô central.
P/1 – Aí faz o processo de irrigação?
R – De irrigação.
P/1 – O senhor, durante esse tempo todo que a gente falou de Paracatu, acabei não perguntando nada da mineradora. Como é que a mineradora chegou aqui? O senhor lembra disso?
R – Esse Morro do Ouro, ele tem ouro e todo mundo sabe desde o Império. Quando, antes da mineração, eu era menino e tinha um tio que gostava muito de matar pato e lá toda vida tinha pato e ele ia matar pato, naquele tempo era um esporte normal, então os escravos furaram aqueles buracões pra pôr a água pra eles poderem lavar a piçarra e separar o ouro, mas era um, dois, eles não tinham técnica nem máquina pra isso, né? O milagre da Kinross foi trazer máquina no negócio, porque eu acho, eu não sei, eu não tenho certeza, mas vamos dizer, eu só vejo ouro em piçarra aqui no Morro do Ouro e outra coisa, só tem ouro em Paracatu aqui no Morro do Ouro, uma coisa que você não vê ninguém tirar ouro, a não ser no Morro do Ouro. Aqui, a lagoa... Você vai ver aí que aqui começou com ouro, né, tem uma descrição sobre isso, começou com o ouro porque é o ouro de aluvião, que chove lá e desce pra cá, então esses córregos todos são afluentes e nascente lá do Morro do Ouro, então aí veio a mudança da técnica, né?
P/1 – O senhor chegou a ver alguns garimpeiros, quando pequeno, quando jovem?
R – Aqui na lagoa era cheio deles, graças a Deus eles foram embora, mas porque era uma coisa, se a Kinross não é um céu aberto, mas o garimpeiro é mil vezes pior, porque ele não tem quem fiscalize ele, você vê o que eles jogavam de mercúrio nesse correguinho meu aí, ó, sabe, porque eles não tinham: porque é meu que eles não chegavam aqui e ia batear. Você conhece o sistema de batear, né?
P/2 – Conta pra gente.
R – O garimpeiro entra no córrego e começa a puxar o cascalho e jogar num caixotão e esse caixote tem um feltro em cima dele e aí ele vai lavando o cascalho com enxada, puxando, tirando o grosso, o cascalho grosso e vai ficando, como o ouro é mais pesado, ele agrega a esse feltro, a esse pano. Aí você vai lavar ele na bateia, você tira aquele panão, pesado, põe na bateia, limpa ali, roda e tal. Aí você vai depois batear, você vai rodar a bateia, no rodar, o ouro fica embaixo, o esmeril, que é preto, sobe, sabe, aí, no caso do garimpeiro, ele chegava lá e punha o mercúrio, o mercúrio abraça o ouro, cola com o ouro, então ele separa da areia e do esmeril, esmeril é o ferro, ele separa. Fica junto com o mercúrio só o ouro, aí ele põe num vidrinho e vendia.
P/1 – O senhor chegou a achar alguma pedrinha?
R – Não, aí tem demais, isso aí é só batear. Você não vai, talvez, tirar a quantidade pra sua sobrevivência, mas pra, assim, se eu deixar aqui, eu arranjo 50 pessoas na mesma hora pra batear, às vezes. Agora, a exclusividade da pesquisa, da extração a Kinross é que tem.
P/1 – Esse processo que eles usavam de uma forma artesanal prejudicava muito aqui, o senhor falou que contaminou todo o córrego com mercúrio.
R – Exato, vamos dizer, como com o tempo, as enchentes vão levando... Por exemplo, vamos dizer, deve ter 40 anos que ninguém bateia aqui, pelo menos que eu sei, né, às vezes escondido tem, de vez em quando eu vejo um por ali e tal. Mas o pior de batear e tirar ouro é o mercúrio. Eu assisti uma palestra uma vez, em Brasília, de uma baía lá no Japão, que eles mexiam com tinta de pintar casa e essa tinta tem às vezes um pouco de mercúrio e o mercúrio caiu na baía lá, a deformação das pessoas, o peixe deforma, a pessoa, às vezes nascia uma criança sem braço, por causa da influência do mercúrio.
P/1 – O senhor, quando volta aqui pra Paracatu, foi assumir a gerência geral da cooperativa e começou também a criar gado, depois que o senhor saiu da cooperativa, o senhor ficou fazendo o quê? O senhor ficou quanto tempo na cooperativa como gerente geral e o que que o senhor foi fazer depois?
R – Ah, eu fiquei muitos anos lá, devo ter ficado uns 15 anos, e depois saí, eles me pediram pra voltar, eu voltei. Naquela época, eu já agreguei, pra diminuir custo, a venda da cooperativa, que eu vendia, do leite que eu vendia, do queijo, junto com a Leco, lá de São Paulo, com a Vigor, que está na JBS agora. A JBS comprou elas duas, que era monstra de firma, eu fico besta de ver o tanto de dinheiro pra comprar a Swift, a JBE, né, é um negócio.
P/1 – Como é que se deu essa coisa da cooperativa de também montar o supermercado? Isso foi em que época?
R – Quase toda a cooperativa tem que ter o supermercado, sabe, porque, como o fazendeiro vende o leite com 30 dias, ele não tem dinheiro no mesmo dia, acaba 30, 40 dias, ele não tem, então ele tem que ter alguém que forneça a ele, porque ele não tem capital pra se sustentar, ele tem que comprar a ração, a ração pra dar ao gado, o gado não come quase só capim, ele tem que comer ração.
P/1 – Então a cooperativa na verdade monta o supermercado pra abastecer esses próprios...
R – Cooperados e para diminuir custo, vende pra todo mundo, sabe, hoje pode vender pra quem não é cooperado, é claro que é um tipo de venda diferente, uma lança o crédito e a despesa lança no débito, chega no fim do mês, faz a conta, paga a diferença.
P/1 – Eu queria que o senhor falasse um pouquinho pra gente qual foi a transformação da cidade depois do surgimento da mineradora também. O que que aconteceu com o surgimento da primeira planta, quando vem a empresa já com um processo de extração mais tecnológico?
R – Eu fui uma vez almoçar com o Gilberto lá na Kinross, eu e Vasquinho e mais uma pessoa, a dona do restaurante chegou com a relação e falou no ouvido dele, tinha almoçado no restaurante esse dia 4.120 pessoas, eu guardei até o número. O que você pensa que é pra uma cidade como Paracatu 4.120 pessoas, fora carreteiro, fora outras coisas, empregos indiretos, que tem, você já pensou? Vamos dizer, corta a Kinross de uma hora pra outra, o que que nós vamos fazer, são famílias, né, é 4.120 famílias, o que que nós vamos fazer com esse povo? Vai ser ladrão que Deus me livre, não vai poder nem sair na rua. Então são essas coisas que tem que pesar na balança friamente. Você não pode só falar mal da Kinross ou só falar bem, nós temos que ver, né? Aqui em casa veio uma época uns índios equatorianos, peruanos, que sopraram no ouvido deles que a Kinross, naquele tempo eu acho que era RPM [Rio Paracatu Mineração], que pegava as mulheres dos peões, aquele negócio, aquele rolo todo, então tem essa mensagem ruim, que falam mal, que nunca aconteceu isso em Paracatu e eu acho que nunca vai acontecer lá e os benefícios e os malefícios, que a gente tem que ver. Aqui, pra mim, foi benefício, sabe, porque ele me ajudou pôr asfalto nas ruas todas do povoado, me ajudou pôr água, me ajudou pôr esgoto, me ajudou fazer essa praça aí, que até quando eu estava na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] eu lembrava dessa praça, você vê que eu desejava tanto essa praça, que é uma diversão pras famílias aqui.
P/1 – Então aqui perto da sua propriedade tem um município, tem um povoado?
R – Um povoado, não é município, é povoado, é um bairrinho, né?
P/1 – Quantas pessoas moram lá, o senhor sabe?
R – Não, assim, precisamente não, mas é mais de mil pessoas.
P/1 – As terras da Kinross fazem divisa aqui com as terras aqui da Água Santa?
R – Fazem.
P/1 – Aqui tem a barragem aqui perto, é isso?
R – Aquela barragem que você viu, né, aí desce, a saia da barragem é toda da Kinross.
P/1 – Vamos falar um pouquinho, hoje, em termos de abastecimento, que o senhor estava comentando com a gente: “Olha, uma vez eu peguei o caminhão, fui até...”.
R – Anápolis.
P/1 – “Anápolis, não encontrei nada”.
R – Não, até Cristalina, em Anápolis eu encontrava tudo.
P/1 – O que que mudou hoje nessa região em termos de Paracatu, em termos de abastecimento? Hoje, quais são as grandes produções que tem aqui hoje?
R – Nós estamos recebendo, Vasquinho até falou comigo, quase 300 mil litros de leite/dia, né, se você multiplicar isso por mês e por ano, é um absurdo. O que que nós fazemos com isso? Industrializamos, pra fazer manteiga, queijo e mandamos o leite pra Brasília, uma parte nós mandamos pra uma indústria da Cemil [Cooperativa Central Mineira de Laticínios Ltda], que nós somos os donos, também somos donos, que lá são cinco, cooperativas de cinco indústrias, então isso ajuda, né? Acho que nós ensinamos aquele homem da roça, esses loteiros que vieram de fora, esses que vieram de reforma agrária, que não tinham cultura nenhuma, aqui não veio ninguém doutor, ninguém que tivesse Ginásio, é quase semianalfabeto, nós ensinamos muito, às vezes ajudamos muito a ir pras universidades, às vezes damos bolsa de estudos, nós ajudamos a APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], que é um negócio em Paracatu, igual eu nunca vi, pegar 400, 500 excepcionais e tratar e ensinar. Então tudo isso tem que ter o apoio da cooperativa, da Kinross e de outras indústrias, né?
P/1 – O senhor casou quando? Como é que o senhor conheceu sua esposa? Conta pra gente.
R – Ah, foi num carnaval... Eu toda vida gostei muito de festa, teve um carnaval, namoramos e casamos daí uns três anos.
P/1 – Mas aqui em Paracatu mesmo, o carnaval foi aqui em Paracatu?
R – Carnaval aqui mesmo, porque o carnaval daqui era um show, ainda é bom, né?
P/1 – Como é que era esse carnaval? Conta pra gente.
R – O carnaval lá do Jóquei Clube era um carnaval assim: a gente tinha um tal Pé-de-pato aqui que tocava trombone, que chamava Pé-de-pato porque ele tinha um reumatismo e andava meio com o pé parecendo de pato e ele animava o carnaval e nós éramos amigos dele. Ele era amigo lá da zona, na época, eu fui compadre de uma mulher que ele tinha lá, a tal de Irene, ele é pai de um rapaz hoje, que trabalha lá na Kinross, que chama Ditinho, Benedito das quantas lá, que é casado com uma moça da cooperativa, a Daniela. Então, era uma gostosura o carnaval, nós fazíamos carnaval de rua, fazia bloco, tudo isso a gente fazia. Eu, quando fui pra Brasília, que não podia vir aqui, eu chegava a adoecer, porque às vezes eu não podia sair lá da cidade pra vir pra cá, chegava a adoecer, então era um senhor carnaval.
P/1 – O senhor está falando das festas que tinham, que outras festas tinham? Por exemplo, participava da Caretagem, o senhor também?
R – Não, a Caretagem mais é onda, nem aqui na lagoa tem Caretagem, sabe, é mais é onda. Houve aqui, a gente não considera que teve quilombola aqui, sabe, porque onde é a questão, né? Eles estão em Brasília, porque eles eram extrativistas, eles sabiam tirar ouro e esse ouro que eu estou falando. Aí Cristalina teve uma grande descoberta na época da guerra da Alemanha, em 40, 37, 38, 40, e usava muito cristal pra aparelho de precisão, tal e coisa e o cristal valia um absurdo lá no Japão, nos Estados Unidos e tal, então eles foram pra lá. Depois teve o boom de Brasília, eles foram pra lá, quer dizer, eu não conheço, assim, eu nunca vi um aqui, sabe, assim, a região deles, aonde que eles moravam, eu vi, às vezes, quando a gente passava pra estudar em Belo Horizonte, a gente passava no Rio Paracatu, como não tinha ponte, porque sem Juscelino não tinha nada, não tinha ponte. A gente passava dentro de uma balsa, o caminhão entrava, como não tinha ônibus, a gente subia na carroceria e passava pra Patos, pra Belo Horizonte, pra ir estudar e lá tinha os negros, em volta do rio lá, uma meia dúzia no máximo.
P/1 – E aí o senhor conheceu sua esposa nesse baile de carnaval e ela era de que família? Era família daqui de Paracatu?
R – Ela era da família mais importante daqui, que é o Botelho Adjuto ou Adjuto Botelho, sabe, e conhecemos e namoramos e casamos.
P/1 – Vocês tiveram filhos?
R – Teve.
P/1 – Quantos filhos?
R – É Vasquinho, que foi o prefeito aqui, e duas moças, uma mora em Rondônia, que é a Luciana, e outra mora em Brasília, trabalha na APAE, no SEBRAE [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa].
P/1 – Ele faz o que no SEBRAE?
R – Ela, né?
P/1 – Ah, é ela, uma moça, como é que é o nome dela?
R – É Lilian.
P/1 – É Lilian, o sobrenome é Lilian... ?
R – Botelho Praça.
P/1 – O rapaz que está em Rondônia, é uma moça em Rondônia?
R – Uma moça em Rondônia, Luciana Botelho, é mais ou menos Botelho Praça também.
P/1 – Elas fizeram, elas estudaram?
R – Estudaram.
P/1 – Fizeram o quê?
R – Lilian é engenheira agrônoma, Luciana é psicóloga.
P/1 – E o Vasquinho, ele estudou o que, ele fez o quê?
R – Ele fez Zootecnia em Goiás.
P/1 – E aí ele foi prefeito aqui em Paracatu?
R – É, foi, dois mandatos.
P/1 – Em que ano foi, o senhor sabe?
R – Olha, vamos diminuir aqui, ele, o Condé substituiu ele. O Condé ficou quatro, mas, não, o Condé ficou, é, quatro mais dois, seis, 2015 menos seis, 2010, 2011, 2010.
P/1 – Hoje ele é presidente da cooperativa?
R – Hoje ele é presidente da cooperativa pela segunda vez.
P/1 – Ele também produz, ele também se envolve com produção, ele também tem uma fazenda de gado?
R – Ele é fornecedor de leite.
P/1 – Ele tem uma fazenda de gado também?
R – É.
P/1 – O senhor tem netos também ou não?
R – Tenho, eu tenho dois, uma menina e um rapaz, e com Luciana, lá em Rondônia, tem uma e Lilian tem gêmeos, um casal de gêmeos.
P/1 – Hoje o que senhor faz? Conta pra gente, o senhor, hoje, eu sei que o senhor vai na cooperativa todo dia, o que o senhor faz na cooperativa?
R – Não, eu só vou na cooperativa na época da exposição, como eu gosto muito de festa, eles me pedem pra organizar a exposição daqui.
P/1 – Essa exposição acontece quando?
R – Essa experiência de exposição, porque, quando eu morava em Brasília, eu era de uma associação lá que chamava Associação do Criadores do Planalto e lá eu aprendi. Eu aprendi e fui e fiz exposição lá uns cinco ou seis anos.
P/1 – E aí o senhor agora toma conta dessa exposição que acontece em Paracatu, em que época que acontece?
R – Em agosto, do dia dois ao dia seis.
P/1 – É uma exposição de gado também e cavalos também ou só gado?
R – Gado e cavalo.
P/1 – O que o senhor gosta de fazer na sua hora livre, agora que o senhor está mais sossegado, o que o senhor gosta de fazer?
R – Eu passei agora uns seis meses, que como eu fui operado do coração e depois eu fiz cinco pontes no coração e depois pus dois stents, então eu tenho as fases mais difíceis, agora eu estou numa fase linda, uma beleza, estou ótimo, então eu vou ajudar Vasquinho ou vou ajudar ele lá na cooperativa.
P/1 – O senhor teve esse problema do coração quando? Que ano que foi isso?
R – Eu tinha 60 anos, já tem uns 20 anos, né?
P/1 – Que o senhor fez as pontes de safena?
R – É, na época primeira que eu fiz, não punha stent, abria o peito e tirava da perna, punha, emendava, então na época que eu fiz, só o presidente da Rússia tinha posto cinco [risos], eu fui junto com ele campeão de coisa. Eu estava no parque de exposição em Brasília, comecei a sentir enjoado, meio tonto, e veio logo aquela dor insuportável, que você não aguenta, se morrer, você acha é ótimo e fui pro Santa Lúcia, tinha um amigo lá, um médico chamado André Esteves, que já pegou e me pôs lá e fez logo a operação, fiquei lá uns quatro dias na UTI e depois no quarto e fiquei bom.
P/1 – Agora, o senhor estava falando que agora o senhor está numa fase boa, né?
R – É.
P/1 – Então agora o senhor ajuda, mas o senhor ajuda ele na cooperativa e ajuda ele na fazenda também?
R – Às vezes ajudo.
P/2 – Qual que é o trabalho da fazenda que é mais bacana de se fazer?
R – Ele, no caso dele, é doido é com cavalo, mas o cavalo não dá uma renda imediata. O cavalo, a renda é demorada e o mais é gado de leite mesmo, tirar leite e vender pra cooperativa.
P/1 – E o senhor faz o que quando o senhor vai lá pra ajudar? O senhor olha, supervisiona os empregados?
R – Eu olho os vaqueiros e, né?
P/1 – Ele cria que tipo de cavalo, qual é a raça que ele cria?
R – Campolina.
P/1 – Ele vende o plantel ou ele vende o cruzamento, o que ele faz?
R – Ele vende as crias, né?
P/1 – Ah, ele vende as crias, então tá.
R – Nós vendemos até uma égua pra Gilberto, que diz ele que a égua está cada vez melhor, que vai ser uma campeã, não sei se é verdade, mas ele está entusiasmado.
P/1 – Quando ele vende, vende pra competição as éguas dele, também vai pra competição?
R – Vai pra julgamento.
P/1 – Julgamento, participa dos concursos.
R – É.
P/1 – Então tá, eu queria que o senhor falasse um pouquinho pra gente, qual é a importância, né, da Kinross promover um projeto com base nessa memória oral, ou seja, ouvir as pessoas contando essas histórias, qual que é a importância disso?
R – Eu acho muito importante ela ouvir as pessoas, mas eu acho que falta um pouco, outro dia eu vi até um repórter aí criticando o Temer, disse que o Temer não sabe vender, sabe, eu acho às vezes que a Kinross não sabe vender. Eu acho que ela precisava de explanar mais sobre o que eles fazem e porque o que eles fazem, sabe, assim pra tirar... A esquerda é muito punitiva, ela gosta muito de criticar e sem arranjar solução. É o mesmo caso, se parasse a Kinross, o que que nós íamos fazer com essas famílias, né? Eu já enfrentei isso lá em Brasília, época que a Sedalive parou de existir e depois teve que voltar, pela pressão do povo. Aonde que o sujeito vai ficar, aonde que ele vai morar? É muito difícil pra solucionar, então eu queria que fosse mais em palestra, que a Kinross tivesse um líder com mais oratória, com mais vivência no meio da sociedade mais humilde, sabe, porque às vezes reunir só uma cupulazinha, fica difícil você explicar, né? Então, a pessoa que trabalha na Kinross, como esse Ditinho mesmo, um menino ótimo, ser mais educado pra, quando sentar junto com as firmas: “Ó, nós vamos fazer isso” e falar: “Nós”, não: “A Kinross”, sabe, pra encher isso de orgulho, o que eles fazem, né? Assim, essa menina trabalha lá na época da exposição, nós trabalhamos juntos e ela comunica muito bem, essa Daniela, sabe, é muito alegre, sabe, é dessas moças sem essas frescurinhas, que tem quem não sabe sair bem de uma cantada, né? Porque tem mulher que a cantada ela acha ruim, que não sabe sair dessa coisa. Então, ela é uma menina viva, sabe mexer com os cooperados e tudo. Nós precisamos de pessoas lá na cooperativa, mais pessoas dessas, sabe, eu também reclamo da falta dessas pessoas, sabe, a pessoa que pode chegar uma senhora de idade no supermercado, pergunta uma coisa, ela: “É ali”, né, não, vai, leva a pessoa lá, mostra aquele negócio, tal, ser mais carinhoso com as pessoas, né?
P/1 – Obrigada.
R – Esse, eu acho que isso falta um pouquinho na Kinross.
P/1 – Isso que o senhor colocou dessa coisa da comunicação, o senhor acha que um projeto de memória, em que ele está escutando uma parte dessa sociedade paracatuense, ajudar a contar essa história, o senhor acha que não poderia fazer com que eles se comunicassem melhor?
R – Ah, é claro, uai, é claro. Você perguntou como é que nós melhoramos o gado e tudo, isso tudo foi ouvindo. Você não impõe na cabeça de ninguém de uma hora pra outra, você tem que convidá-lo pra ir numa reunião lá no Paraná, leva outros cooperados, que não seja só a diretoria, sabe, eu estou falando uma coisa pra que a pessoa veja aquilo, ouve, né, essas dificuldades, né? Você está vendo aí o Brasil, o crescimento da produção agrícola, né, é 30% maior do que tudo no Brasil, quer dizer que, se não fosse a agricultura, se não fosse essa técnica que nós temos hoje, essa produção que nós temos hoje, tira 30% de produção do PIB [Produto Interno Bruto], que rolo que ia ser isso, que desgraça que estava o país/ Então, eu acho que nós precisamos ser humildes pra ouvir as pessoas, mas também perder aquele tempo de contar, sabe? Uma vez tinha um presidente da cooperativa, Alberto Lavoisier, ele tinha um cunhado, os dois herdaram de uma família importante em Lisboa e ele falou assim: “Não, lá na casa de meu sogro, o único que serve pra ser político é Pereirinha, que ele às vezes pega na enxada junto com os outros lá, fica duas horas conversando com aquele pessoal humilde e tal”. Então, o povo gosta muito disso, de ser ouvido, de falar, de fazer reunião com professoras que espalham o conhecimento, que as professoram tenham mais conhecimento da vida, das dificuldades, de uma administração, né? Às vezes eu fico aqui junto com Vasquinho tentando arranjar uma solução e nós dois perdemos às vezes noite, pra arranjar uma solução de uma coisa que não é fácil arranjar. Nós estamos na seca, o cooperado tem que fazer silos, mas ele está apertado, porque a produção dele caiu por causa da seca, aí fica aquela coisa, você empresta o dinheiro, você adianta o dinheiro ou não adianta ou vai lá pra ensinar ele fazer os silos, vigiar, ver se ele está fazendo mesmo, né, porque às vezes ele pega o dinheiro, né, paga conta e larga pra lá e amanhã é outro problema, né? Então essas coisas, eu acho que essa sondagem de opinião é muito importante.
P/1 – Então tá.
FINAL DA ENTREVISTA
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