Programa Conte Sua História
Entrevista de Fábio Miranda de Moura
Entrevistadores: P/1 Marina Izidoro e P/2 Eduardo Alves
São Paulo, 27 de junho de 2017
Entrevista número PCSH_HV598
P/1 – Fábio, queria que você se apresentasse. Qual o seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Fábio Miranda de Moura. Eu nasci em 11 de setembro de 1978 e hoje eu moro no Jardim Nakamura.
P/1 – Os nomes dos seus pais quais são?
R – José Gerson de Moura e Neli Miranda de Moura.
P/1 – O que os seus pais faziam?
R – O meu pai é aposentado como salva-vidas, deve ter uns 37 anos de profissão. Hoje, ele atua ainda como salva-vidas. Ele se aposentou mas continua exercendo a função ainda. Minha mãe trabalhou um período como doméstica, na casa das pessoas, e hoje ela está em casa, cuida dos netos.
P/1 – E você nasceu onde?
R - Eu nasci no Jardim Nakamura, nasci nesse bairro.
P/1 – E seus pais se conheceram...
R – Meu pai é de Sergipe e minha mãe é de Minas Gerais, Tiradentes. Eles se conheceram aqui em São Paulo mesmo. Minha mãe veio para cá muito nova, acho que com 15 anos de idade. E ela morava num bairro muito próximo, que é o Jardim Ângela. Meu pai já morava no Jardim Nakamura. Como eles se conheceram eu não tenho ideia, mas acho que foi através de amigos, uma coisa assim, mas já estão há muito tempos juntos já.
P/1 – Quais as lembranças que você tem da sua infância?
R - Bem, às vezes as pessoas falam: “Ah, de onde você é?”. Eu nasci, cresci e sobrevivi no Jardim Ângela. Hoje eu tenho assim um prazer imenso, um grande orgulho de viver nesse lugar, mas a minha infância não foi uma coisa muito assim de falar: “Ah, você tem uma boa recordação”, porque foi uma época que a gente viu muita coisa ruim acontecendo, mas assim um resgate que eu tenho da minha infância são as brincadeiras, porque quando a gente mudou para essa casa, que a gente mora hoje, era um terreno muito grande, muito grande, muito grande... E a casa tinha apenas três cômodos. Era muito pequena, meu pai comprou do meu tio, na época. Eu me lembro que até meu pai vendeu um carro, que era um Chevette que meu pai tinha, e comprou esse terreno. A gente morava até entanto de aluguel, numa casinha bem pequenininha, acho que eram dois ou três cômodos. Eu me lembro que eu dormia numa caixa... De pequenininho a gente ficava dentro de uma caixa de papelão, né, eu e meu irmão. E, aí, quando a gente mudou pra lá, então imagina, era um terreno muito grande, era assim nosso parque de diversão, que até entanto a rua não era acessível, porque a questão da violência era muito forte, a criminalidade, assassinato, né, então eu falo que a rua pra mim era só o buraco do bloco. Era o buraco que eu via do portão, porque a gente não tinha acesso à rua, porque acontecia muita coisa ruim. Mas, assim, da minha infância, que eu tenho muita recordação eram as brincadeiras no quintal, né, eu me divertia ali.
P/1 – Você disse que mudou para essa nova casa, você tem recordação da anterior?
R – Muito pouca, porque eu era muito molequinho, a gente era muito novo. Quando eu mudei para essa casa que a gente mora acho que eu tinha 7 ou 8 anos. Então, esse período que eu morava nessa outra casa, que a gente morava de aluguel, eu era muito criancinha ainda, né.
P/1 – E como era essa casa? O que você lembra dela? Ela tinha quintal...
R – Era um terreno muito grande, porém com muitas casas de aluguel. Tinha muita gente que morava ali. E a gente morava numa casa muito pequena, a gente não tem recordação nenhuma de fotografia porque se perdeu tudo. Eu lembro que era uma casa assim escura, uma sala assim meio escura, não tinha muita ventilação, né, o quintal era meio compartilhado com outras pessoas, então a gente não tinha muito acesso às brincadeiras. Por exemplo, a escola que eu estudava era de frente a essa casa, tipo atravessava a rua e já estava na escola, mas a gente não tinha muitas brincadeiras, ficava muito ali trancado dentro de casa, vivia muito dentro de casa.
P/1 – E você já tinha os outros irmãos?
R – Nessa casa, nascemos lá eu e o Cláudio, que é meu irmão mais velho. E as minhas irmãs, a Valéria e a Mônica nasceram nessa casa. Ah não, a Valéria também estava naquela casa. A Mônica, a caçula, nasceu nessa casa nova, que a gente mora atualmente.
P/1 – Quando você mudou para essa casa, qual foi a sensação que você teve?
R – Eu acho que foi uma coisa mais de liberdade, porque até entanto a gente não tinha muito espaço, né? A gente vivia num terreno, que é um terreno compartilhado, a gente não tinha muita opção de brincadeira. O dono dessa casa era muito bravo, a gente morria de medo dele. E ele tinha só filha mulher. As minhas brincadeiras mesmo era quando a gente ia para a escola, eu me divertia com a molecada e tal, mas quando a gente mudou para essa casa eu me vi num parque de diversão, porque era uma casa que tinha um terreno e o terreno era meio em declive, assim, então imagina a gente se divertia demais, né? E era um terreno que tinha muito mato, tinha uma vegetação, então eu vivia catando grilo, catando bicho, né, fazia várias coisas ali. E, com o passar dos anos, depois que a coisa começou a se tornar um pouco mais acessível, fui me tornando mais adolescente, a gente passou a ter mais acesso à rua. Mas é aquela coisa, né, com muito cuidado porque na década de 90 a violência era muito grande. Esse bairro que a gente mora, o Jardim Ângela, foi considerado pela ONU o lugar mais perigoso do mundo. Isso foi comprovado, então hoje, graças a Deus, eu tenho um filho de 7 anos e tenho uma sobrinha de 15 que não viram nada daquilo que eu vi naquela época.
P/1 – O que você viu?
R – Muita coisa ruim. Então, quando a gente era pequeno, a gente começou a se envolver com a música, né? Nessa época e tal, a gente saía para fazer show, e lá tinha aquela coisa: a gente não podia frequentar outro bairro, porque tinha aquela coisa de rivalidade entre os bairros. Por mais que a gente não fizesse parte desse movimento, mas existia essa rivalidade, a questão da violência, do tráfico e tal. E uma das ferramentas de locomoção da gente era a música, porque a gente começou a criar um grupo musical na época, que era o Poesia do Samba, então a gente não tinha cachê, mas, por exemplo: “Ah, venham tocar na nossa comunidade, na nossa quermesse.” “Tudo bem, a gente vai, mas a gente pode levar nosso pessoal daqui pra lá? A gente não cobra nada, mas a gente quer levar a nossa galera daqui pra lá.” Foi aí que a gente começou a quebrar essas barreiras. Mas chegou momentos de a gente estar vindo à noite, tipo de um show que a gente ia tocar, e a gente chegar lá na rua de casa e ver duas ou três pessoas assassinadas. Chegou situações de a gente estar indo tocar, tipo num bairro próximo… A gente tinha uma Kombi na época, meu pai comprou uma Kombi, que andava mais empurrada que por conta própria. Tipo, o volante não tinha uma folga, né, tinha féria. Então, imagina, a gente andava naquela Kombi empurrando pra cima e pra baixo, mas tinha bairro que a gente tocava que a gente ia a pé, botava o instrumento nas costas e aquela galera, tipo 15, 20, 30 pessoas e vamos lá acompanhar o show dos meninos da banda. E chegou situação de a gente estar num grupo de pessoas andando, né, pra tocar num bairro próximo, e ter uma pessoa caminhando junto com a gente, e chegar um cara puxar esse cara pela camiseta e dar três, quatro tiros no cara na nossa frente... E a gente tudo criança vendo tudo aquilo... Então, foi uma época, assim, muito difícil, que eu falo: “Eu cresci, nasci e sobrevivi nesse lugar.” Por mais que a gente seguiu sempre um caminho diferenciado, um caminho do bem, né... Meu pai sempre falou: “Nunca faça mal pra ninguém, sempre tenta ajudar, se você não ajudar também não atrapalha.” Então, meu pai sempre disse isso pra gente: “Sempre faça as coisas do jeito certo, porque se eu estou aqui até hoje é porque eu fiz tudo do jeito certo, então eu quero que vocês sejam seguidores disso.” Então, a gente sempre buscou o caminho do bem, né? Muitos amigos meus, infelizmente, não estão aqui hoje pra contar uma história, né, que nem eu estou tendo essa oportunidade de estar aqui contando um pouco da minha história. Mas muitos deles seguiram um caminho... Alguns, né, não fazem mais parte desse plano que a gente vive aqui. Então, eu perdi muito amigo com essa questão da violência...
P/1 – E como é que era conviver com o medo?
R – Bem, até hoje a gente vive com medo, né, mas hoje a gente tem essa coisa da tranquilidade, né? Hoje, eu vivo num bairro que é referência mundialmente, virou referência hoje em São Paulo, mas naquela época era difícil, a gente estava tocando, né, ficava tipo imaginando que alguma coisa ia acontecer. Ainda mais que a gente passava por essas situações de ter visto, chegava a situações que, por exemplo, a gente via uma pessoa sendo assassinada na frente e a gente querer parar de tocar, a gente estava com medo, né, só que é aquela coisa: “Vamos lá, nós temos objetivo, nosso sonho…” A gente sempre teve essa coisa, né, às vezes as pessoas falavam assim: “Ah, mas esse lugar aqui não presta, esse lugar é o lugar mais perigoso do mundo... eu vou embora daqui”. Muita gente foi embora de lá, mas a gente chegou a uma conclusão que o problema não é o lugar, né? E o grande propósito nosso foi mudar esse lugar sem mudar daqui... Então, foi o grande objetivo que a gente teve: “A gente vai mudar esse lugar sem mudar daqui.” Então, a gente começou a buscar referências, começou a envolver as pessoas. A gente viu que tinha essa coisa de atrair, né, com a questão da música, essa coisa de quebrar barreiras, de atravessar de um lugar para o outro, e disse: “Não, a ferramenta que a gente vai usar vai ser a música.” Então, a gente veio apostando muito nisso, mas, falar que a gente tinha medo, a gente tinha muito medo.
P/1 – O seu pai é músico também?
R – Meu pai é músico, toca violão.
P/1 – Fala um pouco dessa...
R – O meu pai é uma pessoa fantástica. É um grande inspirador, tanto ele quanto minha mãe também, são duas pessoas que realmente... Eu sou o que sou hoje devido a eles, né, toda inspiração, todo ensinamento... Eles são os maiores investidores da minha vida, então veio muito deles. E a gente teve uma relação, assim, muito livre. Meu pai sempre falou: “Oh, esse é o caminho certo e esse é o caminho errado e tem o caminho do meio. O caminho do meio você vai focar nele. Não existe o certo e o errado, você que vai escolher seu caminho, mas eu estou te passando porque a forma de se viver é dessa forma”. E aí a influência dele da música foi assim: ele tocava, a gente era tudo pequenininho na época, meu pai escutava muito chorinho, muito Pixinguinha, Waldir Azevedo, no vinil, né? Tipo ficava rolando aquele vinil ali e ele ficava escutando. E a gente tinha duas tendências musicais, porque na época, na década de 70, 80, tinha a soul music, né, a black music rolando, a música preta brasileira, Tim Maia, aí vinha Kool & The Gang, James Brown, Michael Jackson… Então, a gente tinha essas duas vertentes musicais: a gente escutava chorinho em casa, e meu tio, do lado, fazendo os bailes nostalgia, os bailes black. Então, a gente cresceu ouvindo essas duas vertentes musicais. E aí essa questão do instrumento sempre foi influenciada por ele. Ele começava a tocar, largava o violão e a gente pequenininho ficava olhando e a gente começou a brincar com o instrumento. Uma brincadeira que depois começou a virar uma profissão.
P/1 – E ele que ensinou vocês a tocar...
R – Ele nos influenciou na música, que acho que a música já veio na veia, já veio fluindo ali. Ele nunca parou pra ensinar a gente a tocar, porque ele trabalhava, tinha toda a questão dele dar suporte financeiramente pra gente, mas a música ele tinha como hobby, então sempre tinha instrumento em casa. E aí o Cláudio veio nessa vertente musical primeiro, que era até engraçado: meu pai escutava muito chorinho e pra tocar chorinho é difícil, é uma música que você tinha que tirar os solos e tal e a gente tinha uma dinâmica que a gente colocava o dedo... O Cláudio, como ele era mais velho, meu pai comprou um cavaquinho e deu pra ele de presente. Então, pra tirar as músicas, eu colocava o dedo em cima do vinil pra baixar a rotação do disco pra ele poder ouvir o solo e tirar. Então, eu ficava com o dedo em cima do vinil, aí baixava a rotação, que os solos do Waldir Azevedo eram uma coisa muito rápida, né, então eu ficava segurando, aí ele: “Volta…” (som de disco em rotação inversa), eu voltava o disco: “Segura, vai devagar...” E a gente foi crescendo assim, trabalhando muito essa questão do ouvido, né? Meu pai não tem formação nenhuma na música, ele é autodidata. Então, a gente vem nesse mesmo seguimento com ele. E aí, com o passar dos anos, a gente foi se aprofundando na música, eu vim a tocar contrabaixo com 16 anos e descobri realmente essa vertente musical, essa paixão pelo contrabaixo.
P/1 – O Cláudio toca...
R – O Cláudio toca (pausa)... Tudo. Ele toca acho que mais de 40 instrumentos, totalmente autodidata. E eu também me identifiquei com o contrabaixo, foi o instrumento que quando eu comecei a tocar eu me identifiquei muito com ele e eu aprendi na marra também, chorando, porque até entanto eu gostava muito de tocar violão mas eu não tinha essa paixão pelo contrabaixo. Então, tem um amigo nosso que chamava Dado Damião, ele faleceu, foi uma das pessoas que me deu o caminho do contrabaixo. E me ensinava, né, eu chorava pra aprender. O contrabaixo é diferente do violão. É um instrumento que tem uma pegada mais forte e a corda machucava muito os dedos. E tinha um momento que eu começava a chorar. Eu não quero aprender, não quero aprender... E ele: “Vamos lá que você precisa aprender pelo menos cinco músicas pra pode tocar com o grupo”. Foi aí que eu comecei a ter essa paixão pelo contrabaixo.
P/1 – E o conjunto musical como é que surgiu?
R – A banda... vou falar da Essência, que na época chamava Poesia do Samba, que a gente veio nessa vertente do samba inicialmente, né, depois a gente teve essa fusão para o Poesia Samba Soul, que é hoje. A banda surgiu numa brincadeira dos amigos. A gente tinha um grupo chamado Grupo da Amizade, que juntava uma galera pra comemorar o aniversário, que até entanto não dava pra fazer aniversário individual que era muito caro, então a gente juntava um grupo de amigos e comemorava o aniversário coletivo. Então, a gente fazia brincadeiras Tinha aquela dança da vassoura, né, tipo que dançava com a vassoura e tal. Como o Claudio começou a entrar na música, começou a surgir proposta de ele acompanhar uma galera pra tocar. A gente não tinha condições de comprar instrumento na época e eu acho que desde pequeno eu já tinha essa coisa do maker, né, de fazer as coisas e tal. Aí eu falei: “Ah, vamos fazer uns instrumentos, a gente pode confeccionar uns instrumentos de brincadeira”, mas eram uns instrumentos que já tinham uma sonoridade. Então, eu pegava latinhas de goiaba, cortava, pegava a tampinha amassava e fazia um pandeirinho. Pegava umas latas de leite ninho, cortava, pegava um pedaço de plástico de saco de arroz, esticava e fazia um tantamzinho, e aí a gente começou a brincar com esses instrumentos. Só que essa brincadeira começou a se tornar uma coisa muito séria. O Cláudio começou a entrar muito nessa parte de harmonia, de tocar. E ele era de menor na época e começava a acompanhar alguns grupos e aí começou a virar uma coisa meio séria. E teve um amigo nosso que foi numa casa de show e falaram: “Quem tem uma banda aqui que quer tocar, a casa está dando oportunidade para as bandas tocarem”, ele pegou e levantou a mão: “Ah, eu tenho um grupo”. Ele não tinha grupo nenhum, a gente não era uma banda. Ele falou: “Ah, eu tenho.” “Então, daqui a cinco dias vocês já têm uma data aqui na casa.” Ele chegou apavorado e falou: “Gente, eu fechei uma data numa casa de show e a gente vai tocar.” Eu falei: “Mas, como?, a gente não tem nem instrumento, a gente tem instrumento de brincadeira”. O Cláudio tinha um cavaquinho lá e eu falei: “De que forma a gente vai fazer? A gente não tem nem o nome da banda”. E nessa época eu não tocava, eu era novinho, aí ele falou: “Como a gente vai fazer, não sei o quê, não sei o quê... Ah, vamos fazer uma rifa, vamos comprar os instrumentos”. Aí a gente fez uma rifa lá, coletiva, rolou e essa coisa de jogar para o universo, coisa que eu carrego muito com isso. Quando você almeja alguma coisa que você tem o foco daquilo... Eu tenho aquilo por que eu quero ter ou por que eu preciso? Porque eu preciso…. Quando você joga para o universo uma hora ou outra você vai tropeçar no instrumento, você vai achar. E foi o que aconteceu: a gente fez uma rifa e de repente a gente tinha os instrumentos. E fomos lá tocar, não tinha carro, todo mundo no ônibus, né, mas, pera aí: “Como é o nome? Que nome que a gente vai dar para o grupo? A gente vai chegar lá, a mulher vai perguntar o nome do grupo, né? Como que vai fazer?” Aí tinha uma música que a gente gostava muito que chamava Poesia, que era de um compositor chamado Chocolate. “Ah, a gente gosta de tocar essa música, vamos colocar Poesia do Samba e aí ficou. A gente chegou nesse dia lá, fez a apresentação e foi super-legal, a mulher: “Nossa, que banda magnífica.” Mal ela sabia que a gente não tinha nem ensaiado, né, que os instrumentos a gente estava estreando aquele dia. E de lá pra cá a gente viu que tinha esse potencial pra música, né? Então esse grupo ele ficou durante, né, a gente começou a fazer isso aí na década de 90, mais ou menos, que começou a surgir essa coisa mais profissional pra tocar. Então, a gente começou a tocar, a fazer bastante show, começou a circular, a banda começou a fazer bastante show e a gente fez uma viagem para o Nordeste também, uma turnê durante um mês e aí a gente ficou até acho que 99, que a galera começou a ser pai e aí tinha essa obrigação de trabalhar e foi meio que desmembrando. Eu lembro que, quando chegou em 2010, só tinha eu e o Cláudio na banda. A gente formava uma dupla, né? E o samba estava naquela coisa de fusão, de mudança... E o samba não estava tão em evidência mais. Começou a entrar a coisa do pagode e eu comecei a estudar numa escola gospel também, comecei a gostar de tocar groove, tocar funk, música instrumental e eu cheguei para o Cláudio e falei: “Vamos unir a nossa essência, que é do samba, e vamos unir as nossas influências agora que é a soul music, black music, que era Tim Maia, era Jorge Ben, vamos unir isso e ver no que dá. Aí eu falei, vamos chamar Poesia, Samba, Soul, que é a música tradicional. E eu falei: “Cláudio, mas só tem nós dois, vamos buscar alguns músicos”. A gente começou a buscar uma galera e, de repente, a gente tinha essa banda formada, que começou em 2010. Só que nosso grande foco foi tocar música autoral. Então, desde 2010 para cá, a banda já tem um bom tempo, a gente só toca música autoral. Só que dessa formação inicial a gente tem três pessoas, que é eu, o Cláudio e o Paulo.
P/1 – E são quantos hoje?
R – A banda hoje ela... a estrutura da banda são cinco pessoas: eu, o Paulo, o Cláudio, o Pikeno e a Hellen. E tem um discípulo nosso agora que é o Luís, que é um pequenininho, que na época era muito jovem, era uma criança, acompanhava a gente, hoje ele é um dos percussionistas, toca percussão na banda junto com o Pikeno. Então, somo cinco mais nosso prodígio.
P/1 – E vocês compõem?
R – Eu acho que composição é um dom. Acho que Deus limitou isso na gente. E hoje qual é que é a ideia da banda: trabalhar com os compositores locais. Então tudo o que a gente grava hoje são de compositores da região mesmo. A gente gravou um disco agora, que a gente chegou a gravar um DVD de 25 anos já tem... esse disco foi gravado em 2015, a gente gravou um disco inteiro só de um cara, chamado Woodyh Oliveira, que é um compositor local, dali, um cara que, tipo, se você chega na casa dele... tem cadernos e cadernos de composição e ninguém nunca tinha gravado nada dele e quando a gente pegou aquilo a gente disse: “Nossa Woodyh isso é maravilhoso, cara.” E a gente gravou um disco inteiro só com música dele.
P/1 – E a banda, então, conta um pouco da trajetória dela. Ela tem...
R – A banda está indo pra 28 anos. Desde aquela primeira formação como Poesia do Samba até hoje, a gente está indo para 28 anos de formação.
P/1 – E os integrantes têm outras atividades?
R – Hoje, uma boa parte da galera que está na banda vive da banda e vive da arte e cultura. Então, a gente começou com a banda, depois a gente começou a ver que a gente conseguia ter essa possibilidade de entreter as pessoas, de ter as pessoas mais junto e potencializar o sonhos, né? Quando foi em 2010, que surgiu o Poesia Samba Soul, a gente teve essa ideia de montar, né, um estúdio. Que, até entanto, a gente ensaiava na garagem, depois a garagem já não era mais ensaio, era show, e aí a gente falou: “Então vamos montar um estúdio pra gente poder ter nosso espaço pra ensaiar”. E aí a gente montou um estúdio, três salinhas muito pequenininhas, muito simplesinho mesmo, com casca de ovo na época, só que a gente viu que não era só a gente que precisava. A gente começou a dar aula de música para os jovens, as crianças e esse jovens começaram a formar bandas, que também não tinham lugar para ensaiar. Tinha uma demanda, a gente formou os músicos, deu aula pra molecada, que começou a formar banda e a gente falou: “Caramba, não é só a gente”. A gente começou a abrir espaço que era só nosso para as bandas poderem ensaiar também... E começou a crescer muito, né, começaram a se formar mais bandas, aquele acesso. Quando teve a fusão do vinil para o CD, que a gente chegou a gravar três “vinil” na época, a gente conseguiu gravar um CD, quer dizer nosso estúdio não era um estúdio totalmente para uma gravação. Meu pai vendeu um carro que ele tinha na época – ele tinha um Santana Quantum – ele vendeu pra gente poder gravar esse CD. Foi o primeiro CD que a gente gravou como Poesia do Samba ainda, na época. E aí a gente começou a montar o estúdio e o estúdio começou a ter uma proporção muito grande e essas três salas que atendiam três, quatro bandas chegou uma hora que estava atendendo todas as bandas da região. E quando foi em 2010 a gente teve esse propósito, falamos assim: “Não, um dia a gente vai ter um estúdio que nem aquele estúdio que a gente gravou nosso vinil naquela época, um estúdio super, né, cheio de tecnologia”. Só que a gente falou assim: “Esse espaço vai ser diferenciado, porque, até entanto, quando a gente era moleque, a gente ia gravar nos estúdios, o cara entrava, apertava o rec e saía da sala, né: “Que importância tem esse monte de moleque aí, que futuro isso aí vai ter, não vai ter futuro nenhum”. Ele estava pensando só na grana que a gente estava pagando. Então, quando a gente pensou em montar um estúdio, ia ser totalmente diferente, a gente ia ter respeito pela música, olhar no olho das pessoas e ser um espaço para a realização de sonhos. Porque, quando você fala de um músico que entra num estúdio para gravar, é o sonho dele, né? Então, a gente falou: “Esse espaço vai ser diferenciado. O cara quando sentar no sofá do estúdio ele vai se sentir como se estivesse sentando no sofá da casa dele”. E hoje realmente é isso. O estúdio que a gente tem lá está totalmente... são 8 salas, um estúdio que trabalha 32 canais digital. Então tem sala da bateria, sala da voz, sala A, sala B, sala audiovisual. É um espaço em que a pessoa entra e se sente à vontade, né, porque a gente já vem nesse conceito de mudar esse respeito pela música, pelos sonhos das pessoas.
P/2 – Onde fica o estúdio?
R – O Estúdio está situado hoje no Jardim Nakamura, onde a gente tem a sede e aí eu falo que é instituto e morada, porque hoje a sede do instituto é no lugar onde a gente mora. Então eu falo pras pessoas: “Gente, abriu a nossa zona de conforto hoje”. Por exemplo, o quintal da minha casa é a minha oficina hoje com o Projeto Periferia Sustentável, a cozinha da minha cunhada, que é a cozinha do meu irmão, hoje é o Projeto Vegearte, que é o projeto de alimentação saudável, né? Onde hoje é o estúdio é a casa que era do meu pai. Essa casa, inicialmente, quando eu falei que quando a gente foi morar lá que eram três cômodos, essa casa hoje é onde é o estúdio, onde surgiu tudo. Então meu pai cedeu a casa dele, a gente montou o estúdio. Hoje, a gente tem um estúdio muito grande lá, situado dentro do Instituto. Então, todos esses projetos que tem hoje lá acontecem no lugar onde a gente mora.
P/1 – Fala um pouco do Instituto e de como ele surgiu.
R – Bem, o Instituto Favela da Paz surgiu em 2010, dessa fusão do Poesia Samba Soul, né? O Cláudio foi fazer uma viagem, a convite de um amigo nosso, chamado Marcelo Cavalcante. O Cláudio passou por um processo de empreendedores e a ideia é assim, o processo final desse... era como se fosse um concurso, ia receber um financiamento para a realização de um projeto. E o nosso sonho desse processo do Cláudio, que foi um processo de um ano, de um processo de formação, e quem chegasse entre os dez ganharia o financiamento... E o nosso sonho ali, nosso objetivo, era construir um estúdio, que, até entanto, a gente não tinha um espaço, a gente tinha as salinhas ali. E eram mil empreendedores. Nesse período, eu também trabalhava fora, eu trabalhava na floricultura. Então o Cláudio passou por um processo de mil empreendedores e conseguiu chegar entre os dez, né, e aí, desses dez, cinco iam ganhar o financiamento… E o Cláudio não conseguiu ganhar esse financiamento, e o nosso propósito era montar um estúdio, né? Foi até uma história bem engraçada, porque, nesse processo, na banca avaliadora lá tinha um grupo de pessoas que ia avaliar os projetos e tal e essa pessoa chegou para o Cláudio e perguntou: “Mas qual que é o seu sonho, qual é o seu projeto.” Ele falou assim: “Ah, eu quero montar um estúdio na comunidade onde eu moro. E a mulher questionou: “Mas, como assim, você quer montar um estúdio num lugar onde as pessoas estão passando fome?”. Como você vai manter um estúdio hoje dentro de uma favela, de que forma você vai fazer isso?”. Ele falou: “Não, realmente eu tenho potencial para isso, eu acredito muito nisso, eu tenho certeza que vai dar certo.” E ele não ganhou. E aí ficou aquela coisa, né, pô, caramba, né, e aí ele conheceu essa pessoa, chamada Marcelo Cavalcante, que era um dos diretores desse projeto e aí ele continuou com o contato, né, e falou: “Olha, Cláudio, eu quero muito, eu gostei muito do seu projeto, eu vi que você é uma pessoa muito batalhadora, o projeto que vocês têm, a banda e tal, e eu quero te ajudar”. E continuou mantendo contato. E quando foi em 2009 o Marcelo chegou para o Cláudio e falou: “Cláudio, eu tenho uma viagem pra fora do país, numa comunidade chamada Tamera, que eu não sei como que é também, que eu nunca fui lá, mas eu vou financiar sua viagem pra lá. E o Cláudio foi, sem falar inglês, sem falar espanhol, sem falar nada numa comunidade no Sul de Portugal, numa comunidade alemã. Foi o primeiro brasileiro a pisar nessa comunidade. Ele ficou quatro meses lá. E, aí, nessa volta dele, né, aí ele voltou pra lá e depois ele foi fazer uma viagem pra Colômbia, numa comunidade, San José de Apartadó, que é uma comunidade que foi massacrada na década de 90 pelos paramilitares, né? E o Cláudio foi lá pra dar um suporte para essa comunidade. E lá chamava Comunidade de Paz. E quando o Cláudio voltou para cá, a gente voltou com muito conhecimento, um conhecimento muito grande, com muitos contatos e tal. E a gente já vinha empreendendo, desenvolvendo projetos, só que até oficialmente a gente não tinha um instituto, não tinha uma organização documentada e tal... Foi aí que surgiu a ideia da gente montar o Instituto Favela da Paz, para essa questão de recursos, igual, às vezes, a gente recebia algumas doações de fora do país que a gente não conseguia receber porque a gente não tinha nada regulamentado. Então, foi a ideia que a gente teve de montar o Instituto Favela da Paz. Por que Favela da Paz? Porque naquela época o lugar era massacrado, era considerado o lugar mais violento do mundo e, com o passar dos anos, isso foi mudando... Por quê? Questão cultural, projetos, organizações, as pessoas se entregando mais pelas causas, pelos dons que elas tinham... Então essa realidade foi mudando. Então aquele lugar, que era um lugar violento, começou a ser um lugar de paz. Então a gente falou assim: “Esse lugar vai se chamar Favela da Paz”. Então, foi daí que surgiu o instituto, o Instituto Favela da Paz.
P/1 – E essa relação com essa comunidade lá em Portugal? Fala um pouco mais sobre esse período que vocês estiveram lá.
R – Foi muito legal, né? Hoje, a gente tem uma relação muito forte com essa organização, uma relação de família mesmo, né? Hoje, eu falo que eu sou de Tamera, eles falam que são do Instituto Favela da Paz. Porque foi uma relação muito forte, porque quando o Cláudio foi pra lá, em 2009, ele ficou quatro meses. Foi o primeiro brasileiro que vem de uma comunidade, uma área totalmente de conflito naquela época, a pisar nesse lugar. Então, de lá pra cá, a gente começou a viajar sempre pra lá, pra fazer trocas de experiências, pra fazer processo de formação. E eu pisei lá em 2010. Foi a primeira vez que eu fui lá. Foi aí que eu me identifiquei como um músico funcional, né, que realmente eu tinha despertado o conhecimento para desenvolver tecnologias, ter essa vertente de energias renováveis, então eu me reconheci lá, nesse lugar. E, de lá pra cá, a gente está sempre viajando, né? De 2009 pra cá, a gente está sempre participando de congressos, né, a gente vai lá pra fazer vivências, pra fazer palestra, pra fazer muita música também. A gente faz parte hoje de um projeto chamado Campus Global, que é um projeto dessa organização Tamera, são vários projetos no mundo inteiro, que são projetos que estão vivendo nessas áreas de conflito e que desenvolvem projetos sociais. Então a gente tem projetos interligados no Quênia, tem na Palestina, nos Estados Unidos, na Colômbia, no Peru, no México. É uma rede de projetos que se encontra uma vez por ano. Em 2015, foi (trecho inaudível – 29:19) essa organização, a gente encontra essa galera todinha pra poder debater assuntos, né, de que forma eu hoje desenvolvo projetos de tecnologia dentro da favela, de que forma que eu posso contribuir com o meu conhecimento lá no México, com o projeto do México, de que forma que o projeto lá da África, que trabalha com permacultura, eu posso trazer um pouco desse essência pra cá. Então é uma troca de vários projetos ligados no mundo inteiro e é legal que esse projeto tem as reuniões via skype, a gente está sempre se conectando um com o outro pra ter essa troca, né, de experiência entre os projetos. Então, essa relação que a gente tem com essa organização hoje é muito forte. Virou uma coisa meio de família mesmo.
P/2 – Fala um pouco pra gente o que é ser músico funcional e de onde surgiu esse nome.
R – Então, essa coisa do músico funcional foi depois que eu vim dessa viagem. De criança, eu sempre gostei de mexer com as coisas, né, então meu brinquedo nunca quebrava, meu brinquedo era igual ao do meu amigo mas o meu era diferente, porque quando quebrava não tinha aquela coisa de jogar fora. Eu dava um jeito de arrumar, fazia um bracinho, arrumava, fazia uma rodinha e tal. Então, eu tinha sempre essa vertente de mexer com as coisas, de olhar como é que é isso aqui por dentro, né? Aí, desmontava para ter o simples prazer de desmontar e olhar por dentro. Então, quando eu, eu sempre tive essa coisa de mexer, de querer arrumar as coisas. Tipo, quebrado só é quebrado pra mim a partir do momento que eu vou tentar arrumar, depois se tiver quebrado eu vou dar uma solução pra ele. E quando eu fiz essa viagem em 2010 eu me identifiquei muito com essa questão sustentável, né, energia solar, né, a gente pode transformar o lixo orgânico numa fonte de energia totalmente auto-renovável com biogás. Então, quando eu fui pra lá, eu tive esse start né? E foi bem legal que quando eu participava das palestras eu ia conversar com o cara que estava palestrando, falando sobre biodigestão, eu falava: “Nossa, que inteligente que ele é, né, supertécnico e tal”. E eu perguntava assim por cara: “Nossa, mas que legal, gostei muito da sua palestra, me identifiquei muito, mas, né, é muito técnico, tem que ser uma pessoa... qual é a sua profissão?” O cara falava: “Sou marceneiro”. O cara é marceneiro, né? Eu ficava com aquilo na cabeça, foi aí que aquilo começou a me mexer por dentro, né, a mão começava a coçar assim já, aí, beleza, assisti outra palestra, o cara falando sobre energia fotovoltaica, sistema de captação de água da chuva, sistema de lago, né, eu falei: “Vou perguntar, não custa nada, vamos ver se é coincidência mesmo. Qual é a sua profissão?” O cara: “Dirijo o carrinho elétrico aqui, eu sei lá, não faço nada voltado com muita tecnologia”. E eu falei: “Não, eu também quero ser uma pessoa assim. Eu quero ser um músico funcional, que vai desenvolver tecnologia.” Então, quando eu voltei em 2010, eu voltei disposto a isso, né. Ter essa minha vertente de músico, que é a coisa que realmente me alimenta, o meu propósito maior hoje é a música, porque é a música que me leva para esses caminhos, né? Então, eu falei: “Eu quero ser um músico funcional e eu vou desenvolver tecnologias, eu vou desenvolver coisas funcionais, que vão trazer…” Porque é assim, se é funcional, se funciona pra mim vai funcionar pra você, vai funcionar pra todo mundo, né, criar uma solução hoje pra gente viver uma vida totalmente sustentável, sabendo que a gente vive num país totalmente tropical, a gente tem um sol disponível o tempo todo, por que a gente não pode usar a energia do sol pra poder, né, gerar energia elétrica? Então, quando eu voltei, eu voltei disposto a isso, a ser um músico funcional.
P/1 – E aí fala então dos projetos... Você disse que o primeiro projeto foi o biodigestor, não é isso?
R – Isso, em 2013. A minha primeira viagem foi em 2010. Quando eu voltei dessa viagem, eu comecei a desenvolver projetinhos pequenos, plaquinhas e coisinhas pequenas. Aí, a gente tinha um encontro que chamava Campus Global, que caiu juntamente com o projeto que é o Instituto Elos, que tinha o jogo Oasis. Então, a gente tinha um grupo, acho que umas 50 pessoas, de todas as etnias, gente do mundo inteiro, de organizações, e, dentro desse processo do Campus Global, a gente queria implementar um biodigestor. Então surgiu essa ideia de montar um biodigestor ali, na comunidade mesmo. Então, a gente se juntou com um grupo de pessoas, com esse pessoal da organização Tamera, um grande amigo, que já faleceu, que é o Paulo Mellett. Até entanto, eu tinha esse processo, eu tinha participado de algumas oficinas de biodigestão, mas eu não tinha ainda feito um biodigestor. Então, foi um processo de 15 dias. A gente construiu o biodigestor e lá colocou o sistema pra funcionar. O pessoal da organização foi embora, acabou o evento, fiquei eu e o Paulo Mellett com esse projeto. O sistema tinha que funcionar, tinha que ser funcional, então eu fiquei junto com o Paulo fazendo várias trocas, fazendo vários experimentos, medindo o PH, vendo essa questão da matéria orgânica e tal, trabalhando o sistema para ele realmente funcionar, porque, até entanto, ele não estava funcionando. E o Paulo veio a falecer, então eu fiquei com esse projeto na mão, eu falei: “caramba, eu tenho que manter a chama desse projeto acesa e eu tenho que realmente tornar isso aqui funcional. Foi depositada uma energia, todo um conhecimento e ele tem que funcionar”. Foi aí que eu fui cada vez mais inserindo a palavra funcional dentro de mim. Então, em 2013, eu comecei a trabalhar nesse projeto, que foi esse biodigestor, e comecei a fazer modificações. Fui modificando, né, porque, até entanto, um projeto feito lá em Portugal, aqui é um outro clima, um outro recurso, eu tive que adaptar esse sistema para esse espaço. E o sistema começou a dar resposta, resposta, até que chegou um momento que estava funcionando 100%. Então, foi aí que eu comecei a ganhar muita experiência com o sistema de biodigestor. E eu fui migrando... biodigestor, depois eu migrei para energia solar, depois eu pulei para o sistema de captação de água da chuva, depois eu percebi que não só esse processo da biodigestão, que é a produção do gás metano, a gente também tem um segundo produto, que é o biofertilizante, né, que funciona com um biofertilizante natural para as plantas, e eu falei: “Não, porque não um sistema…” Eu moro hoje num lugar que eu não tenho um espaço com terra pra plantar e eu quero muito ter essa coisa de produzir meu próprio alimento, né? Por que não ter a procedência do que eu estou comendo, por que ter um alimento totalmente orgânico, que vai ter um benefício pro meu corpo? E, é aquela coisa, o meu biodigestor se alimenta de matéria orgânica, então quanto mais orgânico, quanto mais natural, mais gás eu tenho e mais biofertilizante eu tenho, de uma forma totalmente orgânica. Eu falei: “Vou produzir meu próprio alimento”. Então eu percebi que esse nutriente, que sai ali desse processo da biodigestão, ele era rico em nutrientes, então o que eu fiz: “Já que eu não tenho espaço pra plantar, de terra, eu vou fazer um sistema vertical”. Então eu criei um sistema de bioponia verticalmente na parede, onde eu cultivo ali hortaliças, alface, cebolinha, salsinha... E eu tenho um alimento totalmente orgânico, eu tenho um alimento totalmente saudável, eu consigo acelerar o processo de crescimento dessa planta e na parede... É para aquela coisa: “Ah, eu não tenho tempo pra plantar”. Eu tenho um sistema que funciona com energia solar, uma bomba, com timer digital, que programa as 24 horas de funcionamento da bomba, quer dizer, o tempo já acabou. “Ah, mas eu não tenho espaço. Você tem parede? Então faz um sistema vertical.” Foi aí que veio a palavra funcional, né, trazendo funções para as coisas.
P/1 – E Ele está funcionando hoje?
R – Está. Eu tenho uma produção muito grande lá, de alface, cebolinha... Ah, eu adoro alface, tipo eu gosto assim, ah é tão engraçado… Às vezes eu não janto muito à noite, né, essa questão de ter esse equilíbrio do organismo e tal, às vezes eu gosto de fazer um lanchinho natural... É tão engraçado: eu abro a porta da minha casa, estico o braço e colho alface…
P/2 – E essa tecnologia você disponibiliza para a comunidade, por exemplo? Vocês têm como ensinar…
R – Hoje, com esse projeto que eu intitulei de Periferia Sustentável, eu venho trabalhando esses projetos: biodigestão, energia solar, captação de água da chuva, e também esse uso consciente da água. Porque eu não tenho como não falar que a água hoje é o bem mais precioso do ser humano, né? Então, eu venho com essa questão do uso consciente da água, porque o dia que acabar a água acho que não tem propósito de vida nenhum no mundo, né? Então por que não usar a água hoje de uma forma consciente, sabendo que uma descarga hoje tem de seis a nove litros. Então imagina, né, um estúdio que a gente tem lá que recebe de 30 a 40 pessoas por semana, imagina todo mundo dando descarga o tempo todo, jogando essa água potável fora. Por que não usar essa água, canalizar e usar na descarga? Então, eu tenho esse projeto também, que a gente tem essa consciência de usar a água de um nível mais consciente. Então, eu abri um curso, começou agora nesse ano de 2017, em fevereiro, que é a ideia de criar multiplicadores, que não seja só eu desenvolvendo tecnologia, que não seja só eu fazendo isso. Da mesma forma que eu consegui potencializar isso dentro de mim, que eu sou um músico funcional, que eu tenho capacidade de desenvolver um projeto, todo mundo tem hoje, todo mundo tem um dom. Basta realmente buscar esse dom. E buscar de que forma? Tendo acesso a isso. Então eu abri um curso agora, que começou em fevereiro, eu abri as inscrições em janeiro. Em janeiro, eu já tinha uma quantidade muito grande de pessoas inscritas e eu falei assim: “Bem, eu tenho, sei lá, acho que cento e poucas inscrições e não vou selecionar ninguém”. Eu mandei um e-mail pra todo mundo e falei assim: “Oh, o curso está disponível para todos”. E eu falei assim: “Vamos ver quem tem mesmo esse interesse de vir. E começou a vir a galera, a vir a galera. Hoje, a gente tem um grupo, o espaço não acomoda muita gente, mas a gente tem um grupo de 15 pessoas. Eu tenho desde jovens, senhoras, senhor de idade, ali, atuando hoje como multiplicadores disso. Então, a gente começou com um curso, passando por todos os temas, desde biodigestão até captação de água da chuva, potencializando essas pessoas, fazendo essa tecnologia de uma forma mais funcional, de uma forma mais simples, de uma abordagem mais simples. E a ideia agora é a gente começar com implementação. A gente vai pegar essa galera que já está potencializada, que está todo mundo ali -- “Eu sou hoje uma costureira funcional, eu sou um marceneiro funcional”, porque não é só aquela profissão, ele tem um pouco além daquilo --, e começar com implementação. Implementar sistemas nas casas dessas pessoas, em alguns lugares específicos, que comece a multiplicar isso cada vez mais.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho também da maleta, que é…
R – Ah, a maleta solar. A maleta solar é bem bacana. Eu comecei um processo... Eu sou falante assim, mas eu não era assim não. Eu era uma pessoa muito tímida e aí surgiu uma oportunidade com uma história bem bacana. Eu fui convidado para um evento chamado Juyce, em Santa Catarina, um evento muito grande, para jovens, startups. Eu fui convidado por um amigo chamado Zé Nívio. Ele falou: “Fábio eu vou fazer uma palestra lá em Santa Catarina”. Mas eu falei: “Zé, fazer palestras? Eu tenho vergonha de falar pra muitas pessoas”. Mas aí ele falou: “Não é pra pouquinhas pessoas”. “Pouquinha”, eu falei, “tipo duas, três pessoas?” Ele falou: “Não, 300 pessoas”. Eu falei: “Ah, não vou não…” Sabe quando a mão começa a suar, eu falei: “Meu Deus do céu como é que eu vou fazer em Santa Catarina, eu não conheço ninguém... Vamo embora encarar esse desafio.” E aí eu comecei a ensaiar e era um formato meio TEDx, eu tinha que falar todos esses projetos que eu desenvolvi em 15 minutos... Aí eu falei: “Mas como eu vou falar sobre biodigestão em 15 minutos?” E aí eu comecei a ensaiar isso, eu falei: “Então beleza, eu vou fazer a palestra pra você.” E ele ficava sentado e eu: “Meu nome é Fábio Miranda, meu nome é Fábio Miranda…” E não saía disso. Eu falei: “Quer saber de uma coisa: no dia, eu vou chegar lá, são só 300 pessoas, eu vou fazer de conta que é pra 30, não pra 3 pessoas.” Só que lá era um espaço muito grande, era como se fosse um centro de exposições, que tinha uns blocos que dividia, cada bloco tinha um palestrante. Eu sei que no dia esses caras, eles quiseram sacanear comigo, eles tiraram os blocos, não eram 300 pessoas, eram 1.500 pessoas... Eu falei: “Meu Deus!” Na hora que eu cheguei, minha mão assim até suava... Eu falei: “Como é que eu vou fazer agora... Bem, eu vou continuar imaginando que são 300 pessoas, que são três pessoas.” E de lá pra cá eu vi que eu tinha esse potencial de passar informação, né, e eu comecei a palestrar. Desde lá não parei: escolas e organizações, fazendo palestra para sexto, sétimo, oitavo ano… E comecei realmente a trazer essa forma, né, de passar essa tecnologia pras pessoas adiante. Só que, até entanto, está a grande dificuldade: de que forma eu vou falar e não vou mostrar pras pessoas. Então, quando eu ia falar de sistema de captação de energia solar tinha essa coisa, né? As meninas falavam: “Tio, mas o que é uma placa solar? Mas o que é uma bateria estacionária, que você fala; o que é um controlador de carga…” Eu falei: “Meu Deus do céu, de que forma eu vou fazer o olho dessa molecada brilhar, de que forma eu vou trazer essa inspiração pra eles.” Eu falei assim: “E se eu fizer um sistema portátil?” Aí eu pensei: se eu pegar uma caixa, colocar um monte de coisa dentro e abrir essa caixa e falar: “Olha, gente, isso aqui é uma ba…” Mas aí eu falei: “Isso não vai dar certo, né?” Aí eu arrumei uma caixa, era uma caixa muito grande, era um trambolho, né, e não funcionou. Aí eu pensei, né, Gato Félix: tipo aquelas coisas de abrir a maleta e arrancar um monte de coisa de dentro, tudo bugiganga, e eu falei: “Acho que vou fazer uma mala, que eu posso pegar aqui de um lado, pego baterias de outro, o painel boto debaixo do braço e bora correr com isso aí pra cima e pra baixo.” E eu comecei a ter essa ideia, né, só que eu tinha essa ideia na cabeça, mas de que forma que eu vou fazer uma mala, tinha toda uma questão eletrônica e tal e eu pensei: “Acho que eu vou pedir para algum técnico de eletrônica fazer um desenho pra mim, mas o que vai adiantar: eu sei ler nota, sei ler partitura, de que forma eu vou ler um mapa eletrônico?” É a mesma coisa de eu catar uma escrita em hebraico e virar de ponta cabeça. Eu falei: “Não, eu vou fazer meu próprio mapa eletrônico”. Peguei um caderno e comecei a desenhar: “Ah, mas que símbolo é o diodo? Não importa, o diodo é pra mim mesmo, vou colocar do meu jeito.” E eu comecei a desenhar esse projeto que eu tinha na minha cabeça. Quando eu olhei praquilo eu pensei: “Nossa, eu tenho um projeto aqui.” E eu comecei a buscar o que eu tinha de material em casa. Fui ao estúdio, tinha uma maleta de microfone ali, eu disse: “De quem é essa mala?” “Ah, essa maleta está aí.” “Posso usar?” Peguei a maleta e falei: “Nossa, que legal, eu posso carregar comigo.” E eu fui seguindo esse conceito que eu tinha, desse meu mapa mental, né, dessa maleta, e comecei a desenvolver. E era engraçado que quando eu comecei a montar a maleta eu olhava assim, na hora de fazer o teste, né, pra ver se ia dar certo ou não… Eu nunca colocava o fio de uma vez só, eu colocava e dava uma encostadinha, porque se eu ligasse errado eu ia queimar os componentes e aconteceu, também, várias vezes. Uma vez eu coloquei até fogo nela... E aí na hora que eu colocava assim eu falava: “Uau, tá funcionando”. Aí eu pegava meu caderno e olhava assim: ‘Mas como? Como está funcionando isso, de que forma…” Às vezes, eu nem sabia de que forma... É essa coisa da intuição também, que era muito forte, né? Uma coisa que eu carrego muito comigo é essa questão da intuição. Eu vou seguindo ali, né, se a mão coça: vai, que vai dar certo. E eu fui acreditando nisso. Chegou um momento que eu abri a maleta, na hora que eu liguei na bateria acendeu tudo. Eu falei: “Uau!, realmente foi possível.” Daí que eu comecei com a coisa da maleta. Daí eu comecei a levar pras escolas e a molecada ficava louca, né? Eu faço todo um suspense, eu falo da maleta, vou mostrando as fotos e a maleta está fechada. Quando eu mostro a foto da maleta, que eu abro, a molecada não acredita. E aí eu tenho uma coisa que eu carrego muito comigo, que é essa coisa do impossível... Até entanto, quando eu dizia para as pessoas: “Eu vou fazer uma maleta: Ah, você é louco, isso não vai dar certo não, é super difícil, você não tem conhecimento de eletrônica, mas de que forma você vai fazer isso, não vai dar certo, não vai dar certo”. E aí eu levo a inspiração dos grandes mestres, né? O Albert Einstein tem uma frase que fala assim: “O impossível existe até que alguém duvide e prove o contrário.” Então, eu venho carregando isso comigo. Cada vez mais eu duvido do impossível. As pessoas falam assim, mas o problema, ah eu tenho um problema. O problema é a solução para uma coisa positiva. O problema é um problema até o momento que eu acredito que ele é um problema pra mim. Então, com a maleta eu não tive problema nenhum. Eu sempre encarei que seria possível, que eu ia conseguir, até conseguir.
P/1 – E conta da experiência da Rocinha, né…
R – Ah, foi bem legal. Eu fui pra fazer uma palestra lá na Favela da Rocinha, a convite da Rute Andrade. A Rute é esposa do Paulo Mellett Esqueci, um grande amigo meu, que foi um grande mestre pra mim, também. Tem um outro mestre também chamado Lee Campbel (?), que é um alemão... São as pessoas que realmente me potencializam, né? E o Paulo está num plano superior aí. Às vezes eu preciso acessar ele, eu digo: “Meu amigo, me dê uma luz: qual é a quantidade de biofertilizante que eu coloco.” Aí a intuição vai e manda... E a Rute é uma pessoa que sempre me apoiou, ainda mais porque eu sou meio que um discípulo do Paulo. Então, ela fala: “Fábio, nós vamos ter uma vivência lá na Favela da Rocinha e tal, quero levar você pra apresentar sua maleta pras pessoas num centro cultural, né, pra essa coisa da inspiração das pessoas.” Eu falei: “Tudo bem, vamos lá.” E o grande desafio foi subir, porque a Favela da Rocinha é um subidão íngreme, as pessoas sobem de moto-táxi. Então, imagina, né, eu estava com a maleta, a bateria e uma mochila nas costas. Não tinha como o moto-taxi me subir com isso e eu falei: “Bora lá.” Fui subindo, subindo, quando eu comecei a subir a Rocinha estava de dia, tava sol. Quando eu cheguei lá em cima, já não tinha sol mais, só que eu estava com a minha maleta totalmente carregada. Aí a gente chegou no centro cultural, tava a maior galera e tal, só tinha uma tomada, uma briga pra todo mundo carregar o celular e eu falei: “Rute, o que está acontecendo?” -- “Não, é que tem uma tomada só e o pessoal está num revezamento pra poder carregar o celular.” Eu falei: “Ah, é?” Aí eu botei a maleta na hora da palestra e falei: “Galera, quem quer carregar celular aqui? Cadê a listinha?” -- “Ah, está aqui, está aqui.” Aí eu: “Seus problemas acabaram.” Abri a maleta e falei assim: “Oh, energia livre, barata e de graça, pode carregar o celular à vontade.” E aí tem uma foto bem legal que está lá, né: vários carregadores de celular, computador ligado na maleta, carregando. Isso já era finalzinho da tarde e não tinha sol, mas eu tinha a maleta carregada. E foi uma experiência muito muito bacana, foi muito legal.
P/1 – E conta pra gente um pouquinho da história dessa camiseta, desse personagem.
R – Esse personagem a gente intitula ele de músico funcional. Esse foi um presente que eu ganhei de um grande amigo chamado Zé Nívio, que é um cartunista, músico, compositor, também, de uma das músicas que foi muito sucesso na década de 90, e ele foi visitar o projeto e aí ele foi pra visitar o estúdio, para uma questão de uma gravação de uma composição dele e tal. E ele subiu pra conhecer o Periferia Sustentável. E eu comecei a conversar com ele, mostrando pra ele, falando super-empolgado, que ele estava ali todo atencioso. Só que chegou um momento que eu estava conversando com ele e ele estava bem assim, né, tipo olhando pra lá, e eu imaginando: “Será que ele está prestando atenção no que eu estou falando?” Aí chegou um momento que ele falou assim: “Fábio, você faz palestras nas escolas, mas de que forma que você aborda as crianças hoje.” Eu disse: “Ah, eu tento falar a linguagem deles, uma forma mais simples, mostrar que realmente é possível e tal.” Ele disse: “E se a gente fizesse um personagem? Uma historinha que a gente conseguisse ilustrar tudo isso que você faz aqui numa revista?” De repente, sei lá, eu tenho uma frase lá num bunner que está escrito: “Seja sustentável, seja funcional”. Ele falou: “Por que a gente não faz um músico funcional, né, um personagem?” Eu falei: “Legal a ideia, muito bacana.” E ele foi com isso pra casa dele e, às vezes, ele perguntava: “Fábio, como é que funciona aquele biodigestor lá?” E eu achava que era curiosidade dele, né, e comecei a explicar pra ele: “Ah, é assim o processo, né, matéria orgânica, bactéria, bactéria anaeróbica..” E aquilo foi ficando registrado ali, nessa conversa, e ele só estava “tramitando”. Ele já estava criando a revista. E quando foi setembro do ano passado, que foi a data do meu aniversário, 11/09, ele foi lá pra curtir um evento que a gente faz, que é um evento chamado “Samba na Dois”, que acontece todo segundo domingo do mês. É um samba de comunidade, que a gente faz ali, e ele foi lá, né, ele era um dos convidados e ele chegou, no meio do meu aniversário, abriu a mochila e me deu a revistinha, toda ilustrada, já com esse personagem, o músico funcional, e pra mim foi um presente, muito, muito grande. E a ideia agora com esse projeto é a gente fazer a circulação nas escolas, nas organizações e mostrar essa forma ilustrativa de uma vida totalmente autossustentável.
P/2 – Voltando a sua veia musical, você comentou que trabalhava, por volta de 2010, e ajudava em casa. E também trabalhava na banda. O que você já fez na vida, além de músico até esse período.
R – Inicialmente, lembro quando eu era criança, muito, muito criança, trabalhava na feira. Trabalhei na feira. A mãe da minha madrinha tinha uma banquinha na feira.vEla vendia várias coisinhas. Brinquedinhos, eu lembro que eram coisinhas bem da época mesmo. Era uma banquinha bem pequenininha. Eu ajudava ela montar. Ela tirava a banquinha de dentro de um saco assim. E eu ajudava ela ali. Só que todo o dinheiro que eu ganhava, que não era muito, eu comprava tudo em brinquedo na feira. Eu já chegava sem dinheiro em casa. Comprava tudo de brinquedinho e tal. Eu lembro assim que, inicialmente, eu comecei com isso. Depois, com o passar do tempo, eu trabalhei como pegador de bolinha. Que, até entanto, meu pai trabalhava num clube. Ele era salva-vidas de um clube. E a gente trabalhou no tênis na época. O Cláudio começou, inicialmente, a trabalhar lá e, depois, foi levando. Boa parte dos meus amigos hoje trabalhou de pegador de bolinha. E eu fiquei um bom tempo trabalhando como pegador de bolinha. O Cláudio até chegou a ser rebatedor, disputou campeonato e tudo, mas eu nem tanto. Eu não tinha tanto essa vida do esporte. E depois eu trabalhei como tio de perua. De perua escolar. Trabalhei com um amigo, um grande amigo, o Evandro. Trabalhei durante um bom tempo de perua escolar. Eu lembro que uma vez, a gente foi numa festa que tinha ali no Brooklin, acho que era My Fest, uma dessas festas tradicionais que tinham ali. E aí eu fui com ele e a gente foi para curtir a festa. E aí a gente passou na frente de um floricultura, ah, eu trabalhei numa floricultura também nesses tempos atrás. Eu trabalhei numa floricultura. Eu trabalhava mais com a questão de montagem de jardim e tal. E aí a gente foi curtir essa festa e tal, mas tinha um anúncio na floricultura. O Evandro falou vai lá, você já trabalhou numa floricultura, vai lá ver, de repente… Porque eu trabalhava sem registro com o Evandro. Ele era um super-amigo meu. Vai lá de repente é uma oportunidade legal pra você. “Mas eu trabalho com você, você é meu amigo, vou te deixar na mão?” Aí ele disse: “Vai lá, vai lá.” Eu não queria ir, mas ele insistiu. Fiquei pensando: “Poxa, vou deixar o Evandro na mão?” Bom, mas pensei: “Quem sabe, né? Eu nem sei se eles vão me contratar.” Peguei e entrei. Entrei na loja estava o Marcelo e a Valéria. Hoje, são grandes amigos meus hoje. O Marcelo falou: “Você já trabalhou em Floricultura, né?” Eu disse que trabalhei por um tempo. Eu estava querendo ir e não ir ao mesmo tempo. Bom, deixei meu contato. Passou um tempo e essa pessoa me ligou: “Fábio, a gente gostou muito de você aqui e queremos fazer uma experiência com você por aqui.” E aí eles me chamaram para trabalhar lá. Aí, liguei para o meu amigo Evandro e falei: “Evandro, eles me chamaram para trabalhar lá, mas é só uma experiência. Eu vou lá só para ver. Se eu não gostar, eu volto para trabalhar com você.” Eu não queria deixar ele na mão. Ele é um super-amigo. Só que, té entanto, eu entrei lá e me dei super-bem nessa empresa. Chama Tulipa Flores. Eles já fecharam a loja. Ali eu criei uma relação muito grande, eu tinha acabado de tirar a carteira de motorista, então eu ia trabalhar na floricultura e ia fazer entrega. E eu não tinha experiência de rodar em São Paulo. E não tinha essa facilidade de GPS. Era tudo no Guia. E aí, minha primeira entrega, ele disse: “Oh, Fábio, você sabe dirigir, você é habilitado? Você conhece, sabe andar em São Paulo?” Pensei: “Pô, eu nunca tinha saído do Jardim Ângela.” -- “Não, eu sei, sim, rodar em São Paulo.” -- “Ah, então, tem uma entrega na Rua Girassol.” Eu lembro o nome da rua até hoje: “Na Rua Girassol e tal, tem um Guia, você sabe onde que é?” Eu estava em fase de experiência. Se eu falasse para ele que não sabia onde é que era, eu pensei: ele vai me mandar embora. Eu disse: “Ah, eu sei onde é que é, sim.” Mas eu não tinha a mínima ideia. Quando eu entrei no carro, que eu saí na esquina, eu pensei: “Meu Deus do céu…” Aí começou a gelar a mão. Quando eu peguei no guia, eu não sabia nem olhar no guia. Eu só via um monte de página que ligava uma com a outra… Aí eu peguei, parei num posto de gasolina e fui num taxista e disse: “Moço, me ajuda, hoje é meu primeiro dia de emprego, eu não sei rodar em São Paulo”. Expliquei toda a situação para ele. Nossa, só faltou o cara me pegar no colo e me levar lá. Ele me ensinou a mexer no Guia. Falou: “Oh, a rua é essa aqui.” Aí ele dobrou as páginas, fez as orelhinhas nas páginas: “E vai seguindo…” Foi dali que eu comecei a rodar em São Paulo. Nessa empresa eu fiquei durante dez anos. Então, eu aprendi muita coisa, muita coisa nessa relação com as pessoas, no atendimento com o público e tal. Criei uma relação muito forte de amizade com as pessoas dali. Aí, quando foi o período de 2010, eu já estava com essa coisa: fazendo música e trabalhava lá ao mesmo tempo. Às vezes, tinha muita situação que eu não podia estar, porque eu tinha esse compromisso de trabalhar e tal. E o Marcelo e a Valéria, que eram meu chefes na época, não entendiam muito bem. Eu falava: “Eu tenho um show muito importante hoje, eu preciso sair.” E eles falavam: “Não, vai lá Marcelo”. Mas tinha situação que não tinha como. Tem muita coisa que eu perdi na música porque eu não podia acompanhar. Só que aí chegou o momento que eu estava totalmente com a minha cabeça… era só música, era só projeto social. Eu queria estar lá. Eu saía para trabalhar de manhã, mas estava com a cabeça “meio atordoada”. Aí, então, pensei: “Eu realmente preciso fazer por mim.” Aí eu cheguei para os meus pais e falei: “Oh, realmente, para mim já não dá mais. Para mim, não faz mais sentido eu sair de manhã e trabalhar e com a minha cabeça aqui. Eu preciso mudar, eu quero fazer alguma coisa para mim.” Aí meu pai falou: “Eu não criei filho para o sistema. Faça o que te faça feliz. Com o que que você é feliz?” Falei: “Olha, pai, eu gosto de música. Eu quero fazer música.” -- “Bom, então tudo bem eu vou te apoiar na música.” Aí cheguei no outro dia e pedi minhas contas. Até entanto, foi difícil porque eu gostava deles. Falei: “Olha, Marcelo, surgiu uma oportunidade, eu preciso fazer uma viagem para fora do país. Eu quero viver da música, eu acho que esse tempo todo que eu to aqui na floricultura, esses dez anos, eu pude contribuir muito para o meu crescimento. Sou muito grato por tudo que aprendi aqui, mas eu quero viver da música. Eu quero fazer o que realmente me faz feliz.” E aí eu saí e, de lá para cá, eu não parei. Sou muito feliz em tudo que eu faço. Se for para eu levantar seis horas da manhã, cinco horas da manhã, para fazer o que eu to fazendo hoje, eu faço com o maior orgulho porque realmente é o que eu gosto de fazer.
P/2 – E como é sua carreira hoje? Você contou sobre algumas participações importantes. Fala um pouco pra a gente desses marcos na sua carreira musical.
R – Bem, hoje eu tenho uma frase que a música me levou ao mundo. Eu já tive a oportunidade de viajar para mais de 13 países: turnê na Alemanha, estivemos em Israel, Palestina Suíça, Portugal, Espanha. Até perdi as contas. A gente já foi para muito lugar já. E tudo isso através da música. Então, hoje a gente tem uma banda. Até triste de falar isso hoje, mas a gente não toca muito no Brasil, mas a gente toca muito lá fora. Mas é uma banda que tem um conhecimento muito grande. Hoje, não é só uma banda, mas é uma banda que tem um instituto. Hoje, a gente faz totalmente o caminho inverso. Então, geralmente quando as pessoas tentam chegar em algum lugar, que tem aquele status, resolvem fazer alguma coisa. Não, a gente já vem fazendo desde o início.
Uma coisa que as pessoas almejam muito nas carreiras artísticas é a fama. “Ah, eu quero ser famoso.” Eu nunca almejei ser famoso. Porque a fama é uma coisa passageira. O que eu sempre busquei na minha vida foi o reconhecimento daquilo que eu faço. Porque a fama, ela vem. É uma felicidade muito curta. Chega um momento que acaba. E aí? Então, o reconhecimento é para a vida toda. Então, é uma coisa que a gente sempre buscou, desde a música. É realmente o reconhecimento. É o reconhecimento daquilo que a gente tá fazendo com a banda. Hoje eu tenho muito orgulho em falar que eu sou músico de profissão e atuo como músico, e como músico funcional. Então, hoje, esse projeto que eu atuo, o projeto Periferia Sustentável, tem crescido muito, ele virou um ponto de referência dentro de São Paulo. Participando de várias séries, está para sair vários documentários sobre a banda. Recentemente, gravei uma matéria com o National Geografic que também está para sair agora em setembro de 2017. E assim: tem crescido muito cada vez mais, seguindo a intuição, jogando muito para o universo, deixando as coisas acontecerem muito de uma forma natural.
P/2 – Tem uma música que marcou a sua vida?
R – Tem uma música. A vida da gente é uma trajetória musical. Porque se você pensa: “Ah, lembrei de uma coisa do passado, você tem aquela música. Um momento de tristeza, você tem aquela música.” Então, a música é presente na nossa vida, mas uma música que marca muito assim para mim é uma música da banda chamada “Não morra na ilusão”.
P/1 – Você pode falar a letra?
R – Bem, eu não sou cantor. Eu sou contrabaixista, mas tem uma frase, uma frase que eu gosto muito que fala assim, é uma composição de um cara chamado Capote MC.
Siga na conduta
não queira disputa
Reza quem tem fé
Quem tem coragem luta
Então é uma frase que me impacta muito.
P/1: Você tem um filho?
R – Sim, eu chamo ele de “O carinha”.
P/1 – Fale um pouco dele.
R – Bom, o Guilherme, tem 7 anos. Ele é um grande inspirador para mim. E um dos meus grandes mestres também. Porque eu aprendo muito com ele também. A todo momento, 24 horas por dia, ele está me ensinando a ser sempre melhor e ser uma pessoa diferente.
P/1 – Você é casado?
R – Eu sou casado. Eu tenho uma esposa, ela chama Luciana Oliveira. É uma pessoa que me incentiva muito e que me apoia muito, muito, muito mesmo. Imagina, uma pessoa casada com um cara que é músico, louco, desenvolve tecnologias e mexe com biodigestor, energia solar… Esse monte de coisa, e ela sempre me apoia. Está sempre presente em tudo que eu faço. Geralmente, eu vou desenvolver um projeto, um curso, uma oficina, ela está lá. Está me apoiando. Hoje ela trabalha externamente. Ela trabalha num consultório dentário, como auxiliar de um dentista, mas todos os finais de semana, todas as atividades que eu tenho ela está sempre presente, sempre me apoiando.
P/2 – Quais são seus planos para o futuro?
R – Hoje eu vou falar de um sonho, de um projeto coletivo. Que hoje eu não tenho aquela coisa do eu. Hoje eu sempre uso o nós. Hoje aqui nós somos nós. Então, hoje, com o propósito que nós temos hoje como Instituto, como banda, como pessoas e tal, é pegar todos esses projetos todas essas coisas que a gente desenvolve e ter um espaço apropriado para isso. Porque, até entanto, hoje a gente fala Instituto Favela da Paz, mas é Instituto e Morada Favela da Paz. Todos os projetos que a gente desenvolve, desde arte cultura até energias renováveis acontece hoje no lugar onde a gente mora. A casa do meu pai virou o estúdio, a cozinha do meu irmão hoje é uma cozinha comunitária. O quintal da minha casa hoje é a oficina, é o lugar onde eu dou os cursos, desenvolvo os projetos. Então, o nosso grande objetivo agora é a construção do Centro Cultural. Com essas viagens, com todas essas coisas que a gente anda fazendo, a gente conseguiu comprar um terreno ali no Jardim Nakamura mesmo, fica dez minutos de onde a gente mora. Então, a ideia é construir um Centro Cultural e Educacional também, porque a gente acredita muito que, hoje, as crianças e os jovens são a perspectiva do futuro. E se a gente conseguir trazer hoje uma forma, uma vivência que hoje, assim, o jovem pode ser aquilo que ele quer. Ele pode descobrir seus dons? Onde que ele vai descobrir isso? Onde que hoje as pessoas têm oportunidade de fazer o que gosta? Para você chegar hoje para qualquer pessoa e falar: “O que você gosta de fazer?” -- “Ah, sei lá, Fábio, eu gosto de andar de bicicleta.” -- “Ah, não tenho tempo.” Como é que você vai descobrir o seu dom se você não tem tempo para isso? Então, a ideia do Centro Cultural hoje é que as pessoas realmente descubram seus sonhos. Que tem espaço para ela fazer o que ela gosta. O jovem quando entra, a criança quando entrar... Imagina um centro cultural onde você vai ter arte, cultura, tecnologia, alimentação saudável, tudo isso. No momento que ele entrar ali dentro, ele vai se identificar com o que ele gosta de fazer. Então, o Centro Cultural hoje, o nosso grande e maior objetivo hoje é a construção do Centro Cultural. Já foi dado o “start”, já começamos com o projeto. Já foi dado um pontapé inicial. São 16 meses para ele estar pronto. Tem menos agora, 14, já passaram alguns meses. Então, a gente conseguiu comprar o terreno, a gente tem o apoio hoje de alguns parceiros. A gente já tem todo o projeto arquitetônico desse prédio catalogado. Escritura, tudo certinho. Aí, esse prédio já vem com o certificado LIDE, porque assim a gente quer um espaço que já vem totalmente sustentável, que já vem enquadrado para que a gente possa receber o certificado. A gente tem uma empresa, que é a IMC Brasil, que dá esse certificado aqui no brasil. Que dá esse selo. E esse é o nosso grande objetivo para o futuro. Eu falo presente, porque já começou.
P/1 – De onde você acha que veio essa inspiração para vocês fazerem todas essas atividades que vocês fazem hoje? Você consegue identificar?
R – Bem, acho que a grande inspiração, o grande motivo de transformar esse lugar foi aquela frase que eu falei. Mudar esse lugar, sem mudar a gente daqui. A gente acreditava muito que ali tinha um potencial muito grande. Que o problema que a gente tinha naquela época, problema não, uma solução para alguma coisa positiva, foi transformar aquele lugar. Então, foi isso mesmo transformar aquele lugar de muita inspiração que veio para a gente, que veio daquele lugar, vem da música também. Porque se não fosse a música também não tinha tantas oportunidades que a vida me deu hoje, de viajar para vários países, de hoje ser uma pessoa que desenvolve tecnologias. As pessoas que eu tenho, os amigos que eu tenho, o filho que eu tenho, a esposa que eu tenho, os pais que eu tenho, a música realmente foi a grande veia para isso. Então a inspiração vem realmente da música. Porque o dia que eu não fizer música, não faz sentido nenhum fazer mais o que eu to fazendo.
P/1 – O teu filho mora lá no jardim Ângela com você. Quer dizer, ele convive ali. Como você imagina o teu filho crescendo, o que imagina daquele lugar para ele no futuro?
R – Bem, eu vejo aquele lugar ali como um lugar de transformação, mesmo porque não só os nossos filhos que estão ali, o meu, o da minha irmã, o do meu irmão. Eu fui ver, eu fui ter o contato com energias renováveis em 2010. O meu filho tem 7 anos hoje e ele sabe o que é um biodigestor. Qual é o funcionamento de uma placa fotovoltaica, uma placa solar. Ele vai te falar. Só que ele vai falar da forma dele. Uma forma muito mais simples, com um nível de consciência maior que o meu. Tem uma história muito engraçada, eu tenho uma plaquinha pequenininha que eu deixo lá e motorzinho ligado com uma hélice. Então eles recebem direto a luz do sol. Esse motorzinho funcionava com uma hélice. Ele estava sentado ali do lado, ele ficava assim: colocava a mão no painel e tirava. A hélice parava de girar porque ele estava tampando a corrente elétrica, a luz do sol. Eu estava na janela olhando, falei assim: “Bem, não custa nada eu perguntar pra ele: ‘Gui o que você está fazendo aí?’” -- “Oh, pai, quando eu coloco a mão na frente do painel, para de produzir energia elétrica e ai o motor para de funcionar. Olha, você está vendo?” Eu nunca falei isso pra ele. Eu recebo muita gente, estou falando disso o tempo todo, ele está sempre ao meu redor. Eu falo para as pessoas e ele vai captando isso aos poucos. E não só ele, como todas as crianças que vivem em torno dali do Instituto. Por exemplo, às vezes, passo pelo corredor de casa, tenho que passar pulando a molecada, porque é um lugar que eles se sentem à vontade. É como meu filho fala: “É um lugar maneiro.” Tem música, tem tecnologia, tem alimentação, tem aquilo, aquilo outro. A gente tá desenvolvendo vários projetos. Tem um projeto de percussão com a criançada aos sábados. É que começou um projeto com os adultos e as crianças vieram e tomaram conta. Então, o projeto de percussão com crianças... E, nesse Centro Cultural que a gente tá para construir, lá a gente vai ter uma sala de musicalização infantil para criança de 2 até 7 anos, num espaço, numa sala que você veja um espaço de musicalização infantil pra realmente trazer a questão da inspiração, porque na escola não tem isso.
P/2 – Dentro do Instituto, quais ações você realiza para a comunidade?
R – São vários projetos: a gente tem o estúdio de música, hoje que trabalha com os artistas locais, a gente tem uma produtora chamada reação sonora, que, até entanto, uma pessoa que entra no estúdio para gravar hoje, um artista, uma banda que seja, ele tem um sonho. Depois daquilo gravado, de que forma ele vai manipular isso aí, de que forma ele vai levar para a mídia? Ele precisa de uma representação jurídica, de que forma ele vai fazer isso? Então, a gente abriu a produtora para isso. A gente tem um projeto Vegearte, que é um projeto que ele veio dessa vivência nessa organização em Tamera, que a gente foi pra lá. Era uma comunidade vegana, então imagina, nós totalmente carnívoros, aí chega lá aquele super-banquete, aquela comida maravilhosa, sem carne. Então, a gente passou quatro meses, a gente viajava para lá, a viagem mais curta que a gente fez foi um mês. A gente tá indo viajar agora e fica dois meses lá. Então, quando a Hellen veio, a gente começou a reeducar a nossa alimentação. De que forma a gente pode comer menos carne, sabendo que com 1kg de carne você faz um feira? Qual que é o processo disso? De que forma que a gente pode abranger isso na comunidade. De que forma a gente pode trazer uma alimentação saudável para as crianças? Que, até entanto, elas não sabem o que é uma rúcula, o que é um alface. O alface ele sabe porque a mãe obriga ele comer. Então o projeto Vegearte surgiu através disso. Através dessa experiência que a gente teve que mudou a nossa alimentação e começou um projeto com as crianças, com a molecadinha fazendo ali, e o diferencial está ali, quando eles acabam, eles querem comer porque foi eles que prepararam. Então foi um projeto que começou ali. Social e hoje é um projeto que empreende. Começou ali nas crianças e hoje passou para as senhoras, ali, naqueles temperos especiais que elas tinham. Hoje, eles fazem eventos especiais. Fazem coffee break, brunch para empresas, pela galera que passou pela qualificação. Hoje, eles recebem para estar nas empresas. A galera que passou pelo Vegearte agora trabalha para fazer um coffee break um brunch para empresas e está sendo remunerado por uma alimentação saudável. Então, Vegearte, o projeto de percussão, um projeto de musicalização infantil com as crianças, têm o Semana 2, que acontece em todo segundo domingo do mês, nessa rua, onde foi dita como a mais perigosa do mundo, mais violenta... Hoje, tem um evento que acontece todo segundo domingo do mês, que a gente fecha a rua e consegue colocar 300, 400 pessoas nessa rua e que a comunidade em si se mobiliza para poder fazer o evento. Tem bastante atividades lá. Tem um projeto de jovens lá que chama Sonhos Livres, que vê essa coisa, né. Tipo o jovem pode ser o que ele quiser. Ele sonha com isso. É um projeto que a gente potencializa o jovem para ele ser o que quiser, ele quer ser um fotógrafo, ele tem um estúdio lá para mexer com isso. “Ah, eu quero mexer com áudio”, então tem um estúdio lá que a gente dá um curso de áudio. “Queria mexer com tecnologia”, bora para o Periferia Sustentável. Então chama Sonhos Livres. Eles articulam entre eles várias ações. É bem bacana.
P/1 – E nesses projetos todos, quantas pessoas estão envolvidas?
R – Hoje o Instituto Favela da Paz tem o Núcleo de Pessoas, a gente tem a base, que é a banda Poesia Samba Soul, as pessoas que são os colaboradores. As pessoas que estão ali mais presentes. Então, de Núcleo hoje, de Instituto, acho que temos dez pessoas. Se eu for contar no montante, entre todos os projeto, a gente tem lá, vou chutar, mas acho que umas 60-80 pessoas. Todos colaboradores.
P/1 – E atinge quantas pessoas?
R – Então, você acredita que sempre tenho essa pergunta. E eu comecei esse ano a mensurar isso. Porque a gente vem fazendo isso desde 89, né? Então, vamos pensar no projeto que a gente mais abrange pessoas, que é o semana 2, que a gente consegue colocar 600 pessoas na rua. E é uma roda de samba totalmente diferenciada. Porque a gente trabalha tanto essa questão do empoderamento da comunidade, a gente também tem essa coisa, a gente monta o stand, com as barrinhas locais para as pessoas exporem seus produtos, seu artesanato, sua comida, que também cria essa economia local, que já fica ali dentro do bairro. É muita gente. A gente fala que a nossa casa nunca está vazia. Hoje mesmo, estou vindo para cá e tinha um grupo de pessoas de Araçariguama, que vem de um projeto de permacultura lá e que foi visitar o Instituto. E a gente lá, né? E, às vezes, está o maior silêncio. Me sinto até estranho. É um lugar que circula muita gente. E é a nossa casa.
P/1 – A escola, acho que a gente não abordou isso ainda. Como é que foi a tua vida escolar? Você teve algum professor que foi inspirador?
R – Ah, eu tenho uma história muito legal. A escola que meu filho estuda, minha sobrinha estuda, foi a escola que eu estudei. E foi assim, foi onde eu tive, minha nata de amigos. Eu entrei lá do 2º ao 8º oitavo ano. Fica na rua onde eu moro. Para você ter ideia, eu entrava na escola às 9h, eu saia de casa 8h53. Tipo a escola era bem próximo. Então foi um espaço que eu tive muita inspiração, muitos amigos. Boa parte dos amigos da época moravam na rua, estudaram comigo. E eu tenho uma história bem legal: quando eu comecei nesse processo de ser palestrante, fazer palestras, recebi muito convite para fazer palestras para professores. Professor de química, de biologia... Porque, como hoje eu abordo tema na área sustentável, então, eu fazia palestras para professores e alunos. E aí teve uma vez que fui convidado para fazer palestras num colégio ali próximo. E era só para professores, professores de química, biologia, matemática. A sala do professor. A Batcaverna. A sala do professor, onde todo aluno quer pisar, a sala dos professores é aquela coisa meio secreta. Entrei e falei: “Nossa, eu estou dentro da sala dos professores. Que legal!” Me senti super. Bom, aí, quando entrei e olhei no canto, falei para mim mesmo: “Ué, a Maria josé, minha professora de história.” Fiquei olhando, pensei: “Será?” A reconheci porque ela era uma professora muito séria na época. Ela era muito centrada. Eu gostava de ir pra escola, mas não gostava de copiar matéria. Tinha aquela coisa, o professor gostava de dar visto no caderno. Aí você era obrigado a copiar porque o professor ia ver o caderno. Ele queria ver no caderno para, então, dar nota. Eu nunca tinha nota. Porque, quando o professor começava a escrever, ele perguntava: “Você não vai copiar a matéria?” Eu dizia: “Ah, professora, eu não vou copiar porque a Senhora está escrevendo e eu estou lendo. Estou memorizando e o que eu achar que é importante para mim, depois, na prova, eu vou lembrar. Porque se eu só escrever, estou simplesmente decorando. Estou lendo o que a senhora está escrevendo, estou memorizando.” Então, eu sempre tinha um problema muito sério com esse negócio de copiar matéria. E a professora Maria José, eu tinha um problema maior ainda. Que ela tinha uma caneta especial, que era uma caneta de tinteiro. E o visto dela era muito fácil de fazer. Até hoje, se eu pegar um lápis, eu consigo fazer o visto dela, mas ela tinha essa caneta especial, que ninguém conseguia falsificar o visto dela. Aí tinha uma amiga minha, que gostava muito de mim, e ela copiava a matéria para mim. Ela copiava pra ela, e depois ela fazia pra mim. Só a de história. E os outros professores já sabiam que eu tinha essa coisa de não copiar a matéria, mas o que era necessário eu fazia. Mas na aula de história você era obrigado a copiar. Era muita coisa. Então ela fazia pra mim. Então eu chegava lá, todo bonitinho, entregava o caderno pra ela, ela olhava para mim e falava: “Que letra bonita, né?” Eu pensava, letra de mulher, né? Aí eu dizia: “É professora, tem que caprichar na letra, né?” Bom, eu acho que ela descobriu. E aí eu cheguei para dar palestra nessa escola e na hora que eu entrei, vi ela sentada. Nossa a Professora Maria José, minha professora de História. E aí ela ficava olhando para mim, palestrando, falando sobre tecnologia. Aí ela chegou perto de mim e falou assim: “Você é o Fabio, né?” -- “Sim, e você é a Professora Maria José, né?” Aí, ela disse: “Estava lembrando de você quando era criança.” Ela falou: “Nossa, que legal ver que pessoa você se transformou; era um moleque tímido, hoje está aqui palestrando, falando.” Aí falei pra ela: “Sabe professora, sabe qual é a melhor parte, a sensação mais legal: hoje eu estou aqui, na sala dos professores, falando e a senhora está sentada, me ouvindo, ouvindo minha palestra. Só que antes era o contrário. A Senhora dava aula e eu escutava.” E aí foi uma sensação tão legal, ela ficou tão feliz quando ela me viu. Aí eu fui fazer uma palestra nessa escola de novo e ela estava lá, para assistir pela segunda vez a mesma palestra. Então, isso me trouxe como se fosse um túnel do tempo, uma recordação muito boa, né? De realmente ter essa coisa do “ao mestre com carinho”. Que, até entanto, eu sentava para poder assistir a aula dela. Aquele dia foi totalmente um caminho inverso. Ela estava sentada nas sala dos professores ouvindo uma palestra minha.
P/2 – E você já ouviu alguma coisa nessas suas palestras que te marcou muito, que foi uma dica importante, ou um aprendizado?
R – Eu tenho uma história bem legal. Eu fui, uma vez, fazer uma palestra numa escola da prefeitura que era para alunos do 4º ano, então 7, 8 anos. Aí levei toda aquela coisa, levo o Biogás e sua chama, ai mostro a maleta e tal. A molecada fica louca. Aí teve um menino que veio conversar comigo. Ele chegou para mim e falou assim: “Oh tio, nossa, você é um cientista, eu sou assim que nem você. Eu faço umas coisinhas em casa assim, pego um motorzinho, eu faço umas coisas, mas só que eu mostro pra minha mãe e ela fala pra eu parar com nesses negócios, que não tem nada a ver. Mas eu vi que realmente eu posso ser que nem você.” Quer dizer, aquilo me tocou muito. Pensei: “Caramba, como é que realmente eu estou aqui?” Aquele dia, pra mim, se eu tivesse um caché assim, pra mim não tinha significado algum. Só que que ele veio falar pra mim. Eu saí tão feliz naquele dia. Eu pensei, realmente eu consegui potencializar esse sonho nele. Até entanto, ele me via como cientista, eu sou um músico, acho que ele nem captou isso, mas quando ele me via ali, ele pensava ele é um cientista: “Nossa que legal, eu quero ser que nem você. Eu faço umas coisinhas, mas minha mãe fala que é tudo besteira”. Eu disse: “Não, continue fazendo suas coisinhas que um dia você vai ser um cientista que nem eu.” Nossa, aquele moleque ficou tão feliz. Depois eu sai dali, naquele dia eu disse: “Não, minha proposta é isso. Realmente eu vim para fazer isso.”
P/2 – Teve algum momento que você pensou em desistir? Alguma dificuldade que você enfrentou?
R: Eu acho que, quando eu tive esse start que eu tinha que fazer essa entrega para o mundo, que eu queria contribuir realmente para um mundo melhor, para uma vida melhor, para mim, eu acho que nunca pensei em desistir. Nunca, acho que nunca mesmo. Eu sempre fui dessa coisa, do objetivo mesmo. Ter foco, seguir a intuição, seguir mesmo. Sempre sabendo que o problema nunca é um problema, é a solução para alguma coisa. Então, pensar em desistir, acho que nunca, nunca.
P/1: Você falou da importância dos seus pais nessa coisa toda, porque vocês são, é, uma família inteira envolvida nisso, então fala um pouco sobre eles.
R: Bem, meus pais, acho que assim: eles são muito especiais. São pessoas queridas por todo mundo, Todo mundo gosta dos meus pais. Minha casa vive cheia de pessoas. Eu acho que... Eu falo: meus pais são meus grandes investidores. Ah, mas falam: “Quem investiu em vocês?” Eu falo: “Meus pais que investiram em mim.” Eu tenho muito orgulho mesmo deles. Eu acho muito feliz, quando eu levanto de manhã... Que nem eu falo: a minha oficina lá é meu espaço, né, aí, quando eu levanto de manhã, minha mãe está lá organizando minhas coisas, varrendo... Aí ela fala que é porque vem um grupo de pessoas, tem que deixar o espaço arrumadinho, bonitinho, para quando vier um grupo eles vão ver a oficina organizada. “Ah, mãe, às vezes, está bagunçado, às vezes é bom também, né.” Mas às vezes eles complicam. Minha mãe, às vezes...Transborda felicidade e orgulho na gente. Eles são pessoas fantásticas. São pessoas assim, eles são muito especiais. Muito especiais mesmo.
P1/: Que recordação você tem deles assim, na tua infância? Como é que eram as brincadeiras, eles estavam sempre envolvidos com vocês?
R: Bem, o meu pai, por esse fato dele querer um bem maior com a gente, ele trabalhava muito, tipo meu pai trabalha de... quando ele... ele trabalha de segunda, segunda não, de terça à domingo. Feriado. Então, eu via meu pai mais no fim de semana, às vezes, à noite, quando ele chegava do serviço. Ele é salva-vida, né, a piscina não fecha. Então, ele sempre teve assim com a gente, sempre teve presente. Que até hoje ele é presente, né. Uma grande coisa que ele acompanhou muito foi quando a gente começou a entrar nessa vida de música. Meu pai era músico, então o sonho dele era ser músico, mas devido a ele vir para São Paulo, tipo, veio para cá sem profissão, sem nada, começou a fazer curso de bombeiro, formou em salva-vidas, então, nunca teve tempo para realmente fazer aquilo que ele gostava de fazer, que era -- o quê? -- tocar música. Então, o olho dele brilhou quando ele viu que a gente começou a ir para essa vertente da música. Ele falou: realmente meu caminho está sendo seguido, na música. Então, quando a gente começou a se envolver com a música, ele viu que realmente ele estava concretizando o sonho dele. E aí a gente foi muito mais além disso, como empreendedores sociais, como realmente quem está fazendo uma transformação.
P/1: Ele tem uma atuação também ali na comunidade?
R: Tem, meu pai hoje, ele é uma liderança comunitária. Hoje ele também... a gente fala que hoje a gente tem a mentoria dos nossos projetos. Ele é um dos nossos mentores. Qualquer tipo de decisão que a gente vai tomar, qualquer coisa que seja do tipo de uma aprovação, a gente consulta ele: “Oh, pai, de repente, a gente tá querendo fazer isso. Fazer isso aqui, oh, um Centro Cultural, o que você acha?” A gente tem sempre esse respaldo dele. Então, ele é um dos mentores do projeto. Tanto ele como a minha mãe, minha mãe já... Imagina, minha mãe é um coração com perna, minha mãe é isso. Posso chegar agora lá e: “Mãe: to com fome”. Por mais que a gente, eu moro no mesmo lugar, mas tenho minha casa, moro com a minha esposa, se eu chegar a qualquer hora e: “Mãe, queria comer uma polentinha assim e tal...” - pode ser qualquer hora, ela vai fazer.
P/1: Puxando um pouquinho só para essa questão da música: você falou que a banda toca só músicas autorais?
R: Sim, hoje a gente toca músicas autorais.
P/1: E a composição é...
R: Hoje a gente não tem... Ninguém da banda compõe. Só produção musical mesmo. Então, a gente dá preferência em gravar o que: os artistas locais, as composições locais, porque é a realidade que a gente vive. É isso. É a realidade hoje de um compositor local hoje é a mesma que eu vivo. Então, a ideia da gente, quando a gente começou com essa coisa de gravar música autoral, é que a gente gravasse músicas que a gente usasse compositores da nossa região. Até entanto, a gente gravou um DVD recentemente de 25 anos, que a gente escolheu uma pessoa e gravou o disco inteiro só com música dele.
P/1: Gostaria que você dissesse se faltou alguma coisa que você gostaria de acrescentar na sua trajetória, enfim, que a gente não perguntou.
R: Bem, eu acho que uma coisa que, mas vocês perguntaram -- mas qual é a sua religião hoje, né? Então, acho que, assim, hoje eu não tenho religião alguma, eu acredito que assim, nós todos temos um espírito. Então, de um tempo para cá, eu vim me descobrindo cada vez mais como um ser, como um ser de luz, nós somos pura energia, então venho me dedicando cada vez mais… Com isso trouxe, a gente fala uma calmaria, um raciocínio muito mais lógico, comecei com processo de meditação, trazendo essa paz interior para dentro de mim e realmente isso tem me dado um conforto muito grande, né? Eu não sigo religião, eu sigo a minha intuição e a minha questão espiritual cada vez mais. Então, de um tempo para cá eu comecei muito essa coisa de meditação, meditando, trazendo essa coisa do espírito. Desenvolvendo uma oriental, é tai chi chuan, quer dizer: é um músico funcional, que pratica artes marciais, ou artes orientais. Então, eu vim muito nessa veia também. Meio que uma coisa que está trazendo uma evolução muito grande para mim também.
P/1: Você tem alguém que te inspire, algum mestre?
R: Bem, eu vim descobrir isso, é que a gente tem dois processos: ou a gente aprende pelo amor, ou pela dor. Então, eu fui uma pessoa que, quer dizer, não sou mais, mas eu era uma pessoa que queria salvar o mundo. Fazer tudo ao mesmo tempo, só que a gente tem que pensar que o nosso corpo não é uma máquina. Chega uma hora que a gente vai ter um desgaste. Um momento da minha vida que eu estava tendo muitas dores. Era dor no joelho, dor aqui, dor aqui, porque eu queria fazer um monte de coisa ao mesmo tempo e não dava. A demanda que a gente tem no organismo... Chegou o momento que eu tinha muita dor no joelho, eu tinha dor aqui, dor ali, e chegou um processo na minha vida que eu comecei a ter um start, né, que eu consegui, eu tinha que mudar isso de um jeito ou de outro. Então, quando eu fui buscar essa coisa da meditação, eu entrei num processo muito profundo, de buscar essa coisa interna. Aí eu comecei a desenvolver uma técnica, mais voltada para o tai chi chuan. De que forma eu não sei... Foi uma coisa que começou a evoluir, chegou um momento que eu comecei a fazer alongamentos, que começou a me fazer super bem. De que forma eu fui fazer isso? Uma conexão espiritual muito forte. Então eu comecei a desenvolver movimentos que... chegou um momento que eu já estava fazendo movimentos de tai chi chuan. Comecei a ter habilidade com a espada, habilidade com o leque. E começou a evoluir cada vez mais. Então, uma conexão muito forte. Como explicar isso? Eu não tenho ideia... Simplesmente sinto.
P/1: E a a bike também?
R: A bicicleta é a minha paixão eterna, né. Em casa, minha esposa fala, o dia que você entrar com uma bicicleta aqui, você vai dormir lá fora. Eu acho que eu devo ter, no total, 11 bicicletas. Eu tenho as clássicas, desde, tipo, a Caloi Extra Large, Monareta. Eu tenho 5 bicicletas clássicas e tenho mais 5 bicicletas que eu tenho do projeto, que é um projeto que eu tenho chamado BMX Factory. Que é um projeto que a gente trabalha com essa coisa do esporte, difusão do esporte BMX, sabendo que, na década de 70 e 80, o BMX foi muito forte aqui no Brasil. E BMX tem uma grande demanda de pilotos hoje, grandes pilotos de referência hoje no Brasil que estão levando essa vertente do esporte. Então, eu uni duas coisas: a paixão pela bike e a paixão pela BMX. E desenvolvi um projeto hoje que a gente ensina a molecada a superar os desafios, né. Que ele sabe que ele tem uma rampa que ele tem que passar. Então, essa coisa: difundir o esporte tem uma questão mais de movimento com o corpo também, né. Que a molecada hoje, cada vez mais digital, cada vez mais ali, esquece que a gente tem que movimentar o nosso corpo também.
P1/ E você contou que você montou sua primeira bike... Como é que foi a história?
R: Bem, eu a... bom, eu não tive bicicleta. Na época, eu tinha uma bicicleta que era de um amigo meu, que era uma Caloi Extra large, uma bicicleta super famosa na época, e super cara, né. E aí que chegou um tempo que eu não tinha mais essa bike. E o tempo foi passando, comecei a trabalhar, fazer outras coisas e eu me desliguei um pouco dessa coisa da bike. Ai eu falei: “Não, um dia eu vou voltar a andar de bicicleta, eu quero ter a minha BMX, eu quero ter a minha caloi extra large”, a tão sonhada bicicleta da década de 80. E realmente eu fui ter ela agora, demorei dois anos para montar. Em duas, três semanas que eu montei e tá lá penduradinha na parede, é como se fosse uma relíquia pra mim. E eu voltei a ter essa coisa de voltar a andar de bicicleta. E até então eu comprei uma bicicleta, eu montei uma BMX, super moderna e tal, e comecei a andar na rua com essa bicicleta. Ia para escola para poder treinar as manobras e tal, e começou a despertar o interesse da molecada. “Nossa, tio, que bike legal, dá para fazer manobras.” Aí eu ensinava a fazer e eles começavam a andar, andar, andar, e eu já não conseguia praticar mais. Ai falei, como que eu vou praticar um esporte, sendo que eu tó dando assistência para a molecada? Falei: “Vou comprar mais uma bike”. Aí comprei uma bike usada e fui montando e descia com as duas: “Essa é a de vocês e essa é a minha.” E a gente vai fazer uma troca. Só que chegou o momento que eu não andava nem em uma e nem na outra: “Preciso de mais bicicleta”.
Um dia, à noite, 4h da manhã, eu tava com essa coisa maquinando na minha cabeça, eu sentei e comecei a escrever um projeto. Aí eu pensei: “BMX Factory, fábrica, fabricando BMX, fabricando BMX…” E eu pensei, tem a coisa das rampas, que tem passar, os obstáculos… Aí eu pensei: “Por que não: vencendo desafios? Então é isso, o slogan do projeto é vencendo desafios.” Então, eu comecei a montar esse projeto e aí eu fui buscar, como eu não tinha muito braço, eu era iniciante no BMX, eu disse, eu preciso buscar realmente uma pessoa que tem mais técnica do que eu para ensinar a molecada. Então eu fui buscar os pilotos locais. Aí eu vi que tinha uma grande demanda de pilotos de BMX na época e não tinha tanto espaço. Aí eu comecei a articular essa galera, eu comecei a trazer eles para o projeto e chegou um momento que tinha um projeto acontecendo com rampas grandes, pilotos pulando para lá e para cá, com DJ articulando e o projeto cresceu muito. A gente fez muitas apresentações com o projeto. E hoje eu coloquei ele num formato um pouco mais menor, um pouco mais itinerante, porque até entanto era um projeto que me deu muito custo, né. Que tinha as pistas, tinha que carregar e tal. E é um projeto que, às vezes, eu conseguia circular com cachê, às vezes, não. O próprio Instituto apoiava a iniciativa, mas chegou o momento que eu reduzi o projeto. Aí eu tenho às pistas pequenininhas, que a molecada entra e eu levo dois, três pilotos para falar de experiência da vida deles: que que o esporte, que que o BMX trouxe de benefício para eles? qual que é a função hoje do BMX?, sabendo que é um projeto que, pro esporte hoje de cunho olímpico, né. Então, o trabalho com pilotos regionais, piloto campeão paulista e outros que são referências hoje no BMX.
P/2: Ele é itinerante. Você leva ele para outras comunidades?
R: Outras comunidades, outras escolas, outras organizações. A gente chegou a circular muito lá nos CEUs também com o projeto. Já fiz também quadras de escolas também, levo o projeto, é bem bacana.
P/2: Você levou para apresentar, para a turma participar? O que acontece?
R: Eu já cheguei a fazer dentro de escolas, no horário de intervalo, na hora do pátio, a molecada ali. A gente articula com o diretor, monta uma mini estrutura, que aí a gente monta uma rampinha pequenininha, que eu vou até de cobaia, que os pilotos tem que pular por cima de mim, né. Então, a gente faz no pátio da escola, levo às bikes, aí eu apresento o que é uma bike BMX. Então, por que BMX é diferente de uma bike convencional para uma bicicleta de modalidade? Quais são as vertentes do BMX hoje? A gente tem o BMX street, o Dirth, o Flat… Qual a diferença dessa difusão do esporte? Conta essa linha do tempo desde a década de 70 até agora e leva sempre um piloto, né, para realmente falar sua experiência do esporte, o que o BMX traz de benefício para a vida, que que o BMX impacta na vida dele, e trazer como referência para a molecada.
P/1: Você se diverte com tudo isso que você faz?
R: Eu, eu sou muito feliz com o que eu faço. Muito, muito feliz. Tanto quando eu to na música, eu to desenvolvendo projetos de energias renováveis, quando eu to com o BMX. Então, para mim, uma coisa que eu gosto de fazer, de estar ali atuando sempre e conectado com as pessoas, né.
P/1: E como você vê essa sua conexão entre todas essas áreas que, aparentemente, são a música, os projetos, a bike. Onde é que tudo isso se junta?
R: Eu acho que tudo tá conectado, né? Eu acho que tudo está realizado com um dom, com um sonho, com uma vontade de fazer alguma coisa. Quando eu hoje, por exemplo, falo do Instituto, a gente atua em todas as áreas, desde arte e cultura até energias renováveis. Então, é um… Eu acho que tudo tem que estar conectado. Conectado uma coisa com a outra. Não tem como. Hoje a música me inspira a ser um cara sustentável, da mesma forma que um cara sustentável se inspira na música também. Então, eu acho que tudo é uma rede. Que nem eu falo, por exemplo, todos os projetos que a gente desenvolve hoje lá de energias renováveis, ele está ligado a um curso, a um projeto. Um apoia o outro. Então, por exemplo, hoje com o Instituto, o projeto que eu desenvolvo, que é o Periferia Sustentável, ou até mesmo a banda, as pessoas falam: “Como é que o projeto é financiado?” O Instituto auto, ele mesmo se financia. Geralmente, quando eu faço uma palestra, que eu consigo ter uma remuneração por isso, de repente, uma exposição, de uma organização, ou uma, alguma rede que consegue encontrar alguma palestra minha, 10% daquilo que eu ganho eu dou para o Instituto. Para quê? Não importa, que seja para apoiar um novo projeto, que seja para apoiar, de repente, a vinda do Adriano, que é um super amigo nosso, um parceiro do Instituto que mora lá na Zona Leste. Às vezes, ele precisa de transporte, essa grana é para isso. Financiar a vinda dele até aqui. Então, o Instituto tem essa coisa de se auto ajudar. Um projeto vai apoiando o outro. Então por isso que eu acho que tá tudo ligado com a outra.
P/1: E como foi contar a sua história?
R: Nossa, para mim foi tão legal. Porque, quando eu falo, quando eu tive o dom da fala, porque até então eu não falava nada. E para mim, o dia de amanhã vai ser diferente. Porque isso aqui para mim, porque assim, eu to aqui contando a minha história, isso tá me trazendo uma paz tão grande, me potencializando tanto que amanhã eu tenho vontade de fazer muito mais ainda. Então, cada vez mais que eu conto a minha história, que eu falo da minha experiência de vida, vou ganhando mais força para cada vez fazer mais e querer sempre mais e nunca desistir.
E as pessoas falam: “Nossa, você vai no museu, né? Você vai virar, né…” Não, é que geralmente tem a... é que a gente fala que tem o museu, onde está as obras de arte criada pelas pessoas, mas o Museu da Pessoa é a pessoa, é a história da pessoa, a minha obra de arte é realmente a que eu tô fazendo aqui agora, que vai ficar o meu legado para sempre.
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