IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Mônica da Silva Paula. Nasci em Duque de Caxias, no dia 16 de junho de 1975. FAMÍLIA Minha avó, por parte de pai, era dona de casa. Meu avô era pedreiro. Eles se chamavam Therezinha e Darilde. Não cheguei a conhecer bem os meus avós maternos, porq...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Mônica da Silva Paula. Nasci em Duque de Caxias, no dia 16 de junho de 1975.
FAMÍLIA Minha avó, por parte de pai, era dona de casa. Meu avô era pedreiro. Eles se chamavam Therezinha e Darilde. Não cheguei a conhecer bem os meus avós maternos, porque eles moravam em Minas Gerais. Não tive muito contato com eles. Sei que o meu avô era lavrador e minha avó era dona de casa. Minha mãe se chama Vicentina Helena da Silva Paula e trabalha como cozinheira. Meu pai se chama Jusen dos Santos de Paula. Acredito que esteja trabalhando como mecânico.
INFÂNCIA Passei minha infância morando com minha mãe e meu pai, em Campos Elíseos, além dos meus seis irmãos, dos vizinhos, da comunidade, de todo mundo. Na escala dos seis filhos, sou a segunda. Vou fazer 30 anos e o mais novo está com 18 anos.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Campos Elíseos sempre teve um aspecto muito rural, apesar de se caracterizar como um pólo de indústrias, com a Reduc e outras firmas. Minha infância foi, na medida do possível, muito boa. Brincava muito, me divertia, tinha vários amigos. Brincava de tudo Outro dia, estava relembrando estas brincadeiras de infância com meu marido. Brincava de amarelinha, de pique-lata, de pique-lateiro, de pique-bandeira, de queimado. Nós subíamos em todos os morros de Campos Elíseos para brincar e descíamos sentadas num papelão, era muito bom Aquele morro todo gramadinho Até brincava com meus irmãos, com os mais próximos da minha idade, mas tinha muitos colegas na rua também. Brincava mais com os meninos. Soltava pipa, jogava bola.
Não tem diferença entre pique-lata e pique-lateiro. Pique-lateiro é um tipo de pique-esconde, só que, ao invés de esconder o rosto no poste ou no muro do vizinho, colocávamos uma lata no meio da rua para ser o posto da pessoa que deve procurar. Se ela visse alguém, tinha que chutar esta lata ou quem chegássemos primeiro chutava a lata. É só uma variação onde, ao invés de se usar o muro da vizinha, se usa uma lata. Nossa casa era um pouco confusa. Tinha muita criança e minha mãe vivia sempre muito nervosa por cuidar de tantos filhos. Meu pai trabalhava e, geralmente, não ficava em casa. Meu relacionamento com minha mãe era bom, mas, com meu pai, nem tanto. Não tínhamos uma boa afinidade. Já com minha mãe, tenho até hoje. Com a minha mãe é assim, pelo cuidar, por tudo. Meu pai era muito severo.
RELIGIÃO Não posso dizer que nossa educação, dentro de casa, tenha sido religiosa. Minha mãe ia à missa, mas eu detestava ir, pois achava que o padre falava demais. Eu dormia, acordava, e o padre continuava falando. Preferia ir brincar na rua. Mas minha mãe nunca foi muito religiosa. Só ia à missa e levava os filhos. É meio cansativo para uma criança que está querendo pular, brincar, ficar sentada escutando a missa ou em um culto.
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Estudei até a terceira série, com bolsa, numa escola particular em Campos Elíseos, o Instituto Guarani. Depois, passei para a rede pública. Estudei no Monteiro Lobato durante a quarta série. Continuei na rede pública, estudando no Colégio Adelina Castro. Destas escolas, só não existe mais a primeira em que estudei. Estudei no Colégio Adelina Castro até o segundo grau, depois fiz um concurso e passei para o Colégio Roberto Silveira, onde fiz o segundo grau, o curso de Formação de Professores.
Sempre gostei de estudar. Para mim, não era sacrifício nenhum ir para a escola. Apesar da educação ser muito frágil e dos professores não serem bem preparados, tinham muita boa vontade. Meu período escolar não foi uma coisa tão ruim. Quando entrei na escola, já era alfabetizada. Quem me alfabetizou foi minha irmã e minha tia, brincando no quintal de casa. Brincávamos de escolinha e, como minha tia e minha irmã eram mais velhas do que eu e já estavam na escola, passavam o que aprendiam para mim. Eu fazia as vogais, o alfabeto e fui alfabetizada assim. Já entrei na primeira série sabendo ler e escrever. Tanto que não tive tantas dificuldades em função disso, porque quando se entra numa escola sabendo ler e escrever, já tem dez passos à frente. Quando você entra sem saber ler e escrever é mais complicado.
FAMILIA Meus irmãos também estudaram em escola pública. Meus tios estudaram na mesma escola que estudei. Acredito que minha irmã abaixo de mim deve ter estudado uns dois anos em escola particular, mas, depois, só em escolas públicas mesmo.
Essa minha tia cresceu junto da gente, no mesmo quintal. Era um quintal onde tinha a casa do meu avô, a casa da minha tia, da tia mais velha que tinha casado, a casa do meu pai e a casa de uma outra moça, que morava ao lado. Nossa diferença de idade não é muito grande. Minha irmã vai fazer 34 anos, meu tio deve ter 37, minha tia deve ter uns 39 ou 40 anos. Tive uma proximidade grande com minha família por parte de pai. Com a família da minha mãe não tive muitos contatos. Só quando comecei a trabalhar é que passei a ir a Minas Gerais para visitá-los. Eles não vêm ao Rio de Janeiro, porque dizem que é muito violento. Mas, na última vez em que estive lá, vi uma briga de foice e perguntei se aquilo não era violência. A única diferença é que no Rio de Janeiro dão tiros. Ninguém briga de foice aqui no Rio, mas a violência é a mesma. Ele falou: “-Isso é bobagem de vizinho.” Um quase arrancou a cabeça do outro com a foice, mas aquilo não era violência
Minha mãe vai sempre lá. Em março, deve ir de novo. Ela costuma ir duas vezes no ano. Quando fui a Minas Gerais pela primeira vez, já tinha 19 ou 20 anos e fui sozinha. Depois, fui com minha irmã, que passou uns tempos por lá. Já faz um bom tempo que não vou por falta de tempo e de “tempo”.
ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO Gostava um pouquinho de Matemática. Gostava muito de História e de Geografia. Português e Matemática eram uma coisa meio... Só “descendo com muita farinha”.
Da escola particular para a pública, senti alguma diferença no ensino. Mudou, por exemplo, o número de crianças em sala de aula. Na escola particular, tinha um número muito menor. Na escola pública, esse número cresceu assustadoramente. A própria estrutura da escola era diferente, na questão de materiais pedagógicos, de materiais de Educação Física, de ter uma quadra de esportes. A única escola em Campos Elíseos que tem quadra é a Adelina Castro, que já existe a mais de 50 anos. O restante das escolas não tem uma quadra para as crianças brincarem. A escola em que estudei, por exemplo, a Monteiro Lobato, era uma casinha, com aquelas telhas antigas. Tinha, no máximo, umas cinco, seis salas de aula. Tinha até um espaço para brincar, mas nunca teve quadra. Agora, colocaram prédios, meteram muro na escola, parece mais uma prisão, mas, quadra para as crianças brincarem, para correrem na hora do recreio, não tem. O espaço é mínimo, muito pequeno. A maioria das escolas de Campos Elíseos é assim. Até hoje não conseguiram resolver esta questão da recreação, numa escola pequena como essa. Principalmente, quando a criança é muito agitada. Porque é um problema recrear em grupos. Você divide em grupos, coloca a primeira série, depois a segunda série e por aí vai. Enquanto uns gritam no pátio, outros tentam estudar na sala. Não era assim no período em que estudei, porque tinha um número menor de crianças. Hoje o Colégio Monteiro Lobato deve estar com umas 1500 crianças. Quando estudei, devia ter umas 500 ou menos. Era um universo muito menor de crianças. Com essa política de “toda criança na escola”, não estruturam como deviam, apenas enfiaram as crianças nas escolas e o resto é resto. Tem turmas de 40, 50 alunos para uma professora alfabetizar, ensinar. Para dar conta de tudo isso é complicado. Geralmente, durante o recreio, brincávamos das mesmas brincadeiras de casa. Era pique-bandeira, queimado, porque ainda existia um pequeno espaço para fazer isso. Hoje, para a geração dessas crianças, apesar de Campos Elíseos ainda ter uma característica meio rural e ultrapassada, já chegou o computador, o vídeo-game. As crianças não brincam mais disso. Dificilmente, você vê uma criança brincar de pique-esconde, de amarelinha, de pique-bandeira. Essas brincadeiras ficaram meio perdidas. Você vê uma criança brincando num vídeo-game com jogos muito violentos. Acho que, antigamente, a brincadeira era mais valorizada, você podia brincar mais, ser mais criança, você tinha um pouco mais de liberdade para fazer isso, as coisas eram menos violentas. Na escola, geralmente, os amigos eram os mesmos da rua. Não saíamos de Campos Elíseos para estudar, então, não tínhamos universos muito diferentes.
Isso só passou a ser diferente quando fui estudar em Duque de Caxias, no Colégio Roberto Silveira. Existia um universo maior de pessoas. Já estava com 16 ou 17 anos quando fui para lá. Quando comecei a estudar no Colégio Roberto Silveira, ainda trabalhava no Programa de Iniciação ao Trabalho, da Reduc.
PROGRAMA DE CRIANÇA Antes de participar do Programa de Iniciação ao Trabalho, participei do Programa de Criança, que surgiu em Campos Elíseos em 1989, através de um professor de Educação Física, chamado Ricardo. Na época em que começou, não tinha nem ônibus para nos levar da praça de Campos Elíseos para o clube. Como a distância não era muito grande, íamos a pé. Só depois colocaram um ônibus e a coisa começou a ter uma proporção maior. Já chegaram a ter quase 1000 crianças no Programa de Criança. Fiquei sabendo desse Programa através das próprias crianças da rua.
Na época, esse Programa tinha coral, Educação Física e balé. O que me chamou a atenção foi ter coisas que não tinham na escola. Todas as crianças queriam participar do Programa de Criança. Acredito que foi isso que fez o Programa ficar enorme. O Programa pedia responsáveis para inscreverem as crianças. Todos os meus irmãos, tirando a que nasceu antes de mim, participaram do Programa. Eu, Adriana, a Kelly, a Patrícia, o Wesley, o Wellington, entramos por período. Não foi todo mundo ao mesmo tempo, até pela diferença de idade. De dois em dois anos, minha mãe teve filhos. Foi uma escadinha. O último a participar foi meu irmão Wellington, que participou quando eu já trabalhava no Programa. Em especial, minha mãe sempre nos incentivou muito.
Campos Elíseos é um bairro que deveria ser o melhor lugar de Duque de Caxias para se viver. Eu não entendo por quê não é, uma vez que Caxias é a segunda arrecadação do Estado já que as empresas que possibilitam isso para Caxias estão instaladas em Campos Elíseos. Não consigo entender essa matemática do poder público. Campos Elíseos é um lugar carente. O Programa de Criança é conhecido, porque só existe ele. Apesar de todas essas empresas, só existe ele. Hoje, algumas outras empresas estão fazendo alguma coisa, apoiando um projeto ali, fazendo uma história aqui.
Quando entrei, tinha uns 14 ou 15 de idade. Fiz todas as oficinas. Fiz Educação Física, fiz coral, embora não gostasse muito, porque nunca fui muito boa para cantar. E fiz balé, que também não era muito o meu forte, já que não gostava de dançar. Ficava mais na atividade física mesmo. Fazia vôlei, basquete, futebol de salão. Isso já se encaixava mais no meu espírito. O Programa tinha monitor. Professor mesmo só tinha o que o coordenador, o professor de dança, que era o Maurício, e a professora de coral, a Rosângela. A atividade física era realizada por alunos preparados pelo professor Maurício. Eram alunos mais velhos que a gente, com seus 15, 16, 17 anos, da própria comunidade. Quem ficava no Programa de manhã, ia para a escola na parte da tarde. Quem ficava de tarde, já tinha ido para a escola na parte da manhã. Não lembro se todas as crianças iam todos os dias. Na época em que entrei, ia em dois dias da semana.
FAMÍLIA / TRABALHO O professor Ricardo cogitou de eu ser uma dessas lideranças, mas não quis. Tinha outras coisas para fazer. Além de ir para o Programa, estudava, tinha que ajudar minha mãe em casa. Sempre fiz “bicos”, arrumava casa para ganhar um dinheirinho, lavava roupa. Como era a segunda irmã mais velha, achava que tinha essa responsabilidade de ajudar a minha mãe. E, principalmente, depois que meu pai saiu de casa, tive essa responsabilidade muito mais acentuada. Quando ele saiu de casa, eu tinha 16 anos. E cheguei a ajudar financeiramente. Em tudo o que podia, eu ajudava. Logo depois que meu pai saiu de casa, minha mãe arrumou um trabalho e as coisas ficaram melhores. Mas, para ela trabalhar, alguém tinha que ajudar na casa, tomando conta das crianças menores. Fui chamada para trabalhar no final de 1996, mas só comecei a trabalhar em janeiro de 1997. Na época em que comecei no Programa, foi como recreadora.
PROGRAMA DE INICIAÇÃO AO TRABALHO Eu tinha o Curso Normal e já tinha trabalhado com a Fátima Romualdo da Silva, que é coordenadora técnica do Programa hoje, no PIT [Programa de Iniciação ao Trabalho], da Reduc. A maioria dos adolescentes que cursavam o PIT não tinha escolaridade compatível com a idade. Por exemplo, aos 15 anos, estavam na quarta série. No PIT, apenas eu e mais uns três ou quatro, de 50, 60 adolescentes, fazíamos o segundo grau. Na época em que a Reduc queria implantar esse Projeto, chamaram a maioria dos adolescentes que já tinham participado do Programa de Criança, inclusive aqueles que orientavam. Foi a partir daí que começou a ter professores de Educação Física no Programa, porque eles tiveram a possibilidade de avançar um pouco mais. No Programa de Iniciação do Trabalho, passei a ir trabalhar todos os dias. Estudava na parte da tarde, no Colégio Roberto Silveira, e, na parte da manhã, ia para lá.
A gente fez um curso de dois meses na Funabem [Fundação Nacional do Bem Estar do Menor] que, agora é o CEI [Centro de Educação Integral]. Este curso foi sobre relações de trabalho e práticas administrativas do dia-a-dia.
TRABALHO NA ÁREA ADMINISTRATIVA Em seguida, comecei a trabalhar na área administrativa. Atendia telefone, digitava cartas, passava fax, basicamente um serviço de office-boy. Os outros adolescentes que entraram também faziam a mesma coisa. Tinha um grupo que ficava na parte da manhã e o outro que ficava de tarde. Ficamos distribuídos em vários setores. O setor em que trabalhei nem existe mais. Tínhamos um orientador que, na época, chamávamos de “padrinho”. E tinha o orientador do setor, que dava as coordenadas para o nosso trabalho. Recebíamos meio salário mínimo para estar vivenciando aquelas experiências. Em meu trabalho na área administrativa, aprendi a ser muito organizada, a ser certinha com os horários, com tudo. Agora, teve gente que seguiu essa história da área administrativa mais a fundo. Depois que saiu de lá, por exemplo, trabalhou de office-boy. Nessa perspectiva, segui um caminho completamente diferente do que trabalhar numa área administrativa. O trabalho me deu uma dimensão das responsabilidades que eu tinha que ter. De repente, deixei de ser aquela criança irresponsável, que brincava o tempo todo, para ser uma adolescente mais responsável, com outros horizontes. A vida não é só Campos Elíseos, é maior.
Para permanecer no Projeto, tínhamos que estar estudando. Apesar de terem muitos adolescentes com baixa escolaridade, havia um acompanhamento da nossa freqüência, das nossas notas. Conciliar esse trabalho com o resto da minha vida não atrapalhou, até porque aprendi a ser organizada. Eu não tinha fim de semana, só estudava. Fim de semana era para estudar, para fazer trabalho, porque já estava fazendo o segundo grau com a Formação de Professores. Na época em que estava trabalhando, aproveitava as férias para fazer o estágio.
CONFLITOS NO TRABALHO No convívio com as outras pessoas do trabalho, com pessoas adultas, tive alguns conflitos. Não gosto de ficar “puxando o saco” dos outros, de ficar dando balinha, de ser chamada de “a coitadinha”. Na Refinaria, por exemplo, tinha essa visão do “coitadinho da comunidade que veio para cá”. Eu tinha muito conflito em função disso, mas, se não me tratassem assim, era as mil maravilhas. Tive conflitos em função da perspectiva de ficarem esperando que eu fizesse uma coisa que não ia fazer. Apesar de ser adolescente e não ter a postura que tenho hoje, já tinha isso muito bem resolvido na minha cabeça. Mesmo não conseguindo estabelecer isso tão claramente, já tinha essa perspectiva. No setor em que trabalhei, inclusive, me indispus com o sub-chefe. Foi uma coisa muito desagradável, mas já estava no meu limite. Tive que explicar que meu nome era Mônica e que, jamais, além de não ter tempo nem dinheiro, ia ficar comprando balinha para levar para ele.
Jamais ia ficar de “paparicação”, porque não paparico nem minha mãe. Depois que tive essa conversa, ele mudou. Nesse dia, chorei muito. Choro muito, adoro chorar. E tive que explicar que meu nome era Mônica, porque ele me chamava pelo nome de outra menina que fazia o Programa. Eu trabalhava de manhã e essa outra menina, de tarde. Ela não tinha as características que tenho. Sou meio grossa, não gosto de “meios dedos” comigo. Ela era mais meiga e levava balinha para eles. Então, disse para ele que meu nome era Mônica e não era o nome da “bonita”, que estava junto comigo, estagiando no setor. Disse que não admitia aquele tipo de coisa, que não tinha tempo, nem dinheiro para ficar levando balinhas para eles e que, para eu respeitá-lo, não precisava fazer isso. Ele ficou meio ofendido, mas, depois, melhorou. Passamos a ter uma convivência melhor.
ENSINO MÉDIO Fazia estágio em escola pública, particular e estadual. Fazia o curso de Formação de Professores. Além de 15 matérias, tinha que fazer o estágio supervisionado. Era por isso que não tinha fim de semana. Os professores acham que só temos a matéria deles, que não temos matéria de mais ninguém. Todo mundo passava trabalho para fazer, para entregar na outra semana. Além disso, tinha o estágio onde tínhamos que dar aula. Era uma correria sem fim.
PROGRAMA DE INICIAÇÃO AO TRABALHO - PIT Fiquei uns dois anos e 11 meses no PIT. Na época, não tinha rodízio para mudar de setor, o que foi uma perda para os adolescentes. Se tivesse rodízio, teríamos aprendido muito mais. O setor em que fiquei era maravilhoso. Gostava muito das pessoas, apesar de ter alguns conflitos, mas acho que perdemos nesse aspecto. Nesse último Programa de Iniciação ao Trabalho, do ano passado, fizeram este rodízio. Os adolescentes ficavam três meses num setor, depois iam para outro e assim por diante. O setor onde trabalhei dava suporte para os outros setores. Saí do PIT por causa da idade. Um mês antes de completar 18 anos temos que sair. Para começar, podíamos entrar a partir dos 15 anos. Saímos, porque não existe uma proposta de contratação da Reduc. A Reduc faz parte do sistema Petrobras. Para trabalhar na Reduc, como empregado, tem que fazer concurso. Na época, alguns adolescentes conseguiram trabalhar em firmas terceirizadas da Reduc. Alguns adolescentes ficaram, porque tiveram sorte de ficar ou alguém arrumou a vaga para ele. Como eu não era uma pessoa que tivesse uma afinidade maior com ninguém e estava fazendo outras coisas, fui terminar meu segundo grau, já que estava em sua fase final, faltando seis meses para terminar. Têm pessoas que participaram do PIT e que se tornaram, por exemplo, professor de dança, uma coisa que não tem muito a ver com a área administrativa. Eu fui para o lado da educação, outros para o telemarketing, outros morreram por terem se envolvido com a marginalidade. Acho que o Programa já está em sua segunda geração. Receber meio salário mínimo foi complicado, porque tinha que ajudar em casa. Minha sorte é que sempre fui uma pessoa que nunca ligou para coisas materiais. Por exemplo, nunca dei importância para marcas. Minha mãe sempre me criou assim: “se vai me vestir está bom, se vai me calçar está bom”. Nunca tivemos muitos recursos e ficar imaginando demais era um complicador. Tenho amigos que se envolveram no crime, porque queriam alcançar algo que suas pernas não alcançavam. É complicado morar numa comunidade desprovida de recursos. E é complicado ver a sua família sem os recursos adequados para criar sete filhos. Não ter acesso a lazer, a várias coisas que um adolescente precisa. Ter acesso a meio salário mínimo é complicado. Você começa a imaginar um monte de coisas que pode fazer com aquilo, mas tem a outra parte da história. Tem o seu irmão que, se você tiver, ele não vai ter, tem a sua mãe que está precisando também e que vai te ver comprando. Ao invés de comprar só para mim e deixar os meus outros irmãos sem nada, eu dava o dinheiro para a minha mãe, porque sabia que ela arranjaria um jeito de dar para todo mundo. Compro aquilo que meu dinheiro dá. Sou simples, não gosto de muitas histórias. Isso foi muito bom para mim, ter essa visão do simples, do “o que você pode fazer”, porque se eu botar minha perna muito lá na frente, posso cair.
JUVENTUDE Comecei a sair com 18 anos de idade. Quando comecei a sair, já tinha terminado o segundo grau. Nesse tempo, não tinha tempo de sair, fazia uma coisa ou fazia outra. Meu objetivo era terminar bem o segundo grau, porque ainda perdi um ano. Fiquei no Colégio Adelina Castro durante um ano, fazendo o primeiro ano do segundo grau. Perdi um ano, fiz quatro matérias. Como o ensino estava muito ruim em Campos Elíseos, parti para Duque de Caxias.
Na época em que tinha 18 anos, o que estava em alta no Rio de Janeiro era o funk, que, por sinal, eu gostava muito. Ia para todos os bailes de comunidade no Rio de Janeiro. Ia no Borel, no Salgueiro, no Chapéu Mangueira, na Cidade Alta. Ia com minhas amigas de infância, com quem tenho contato até hoje. São pessoas que adoro, que já têm filhos e que vivem me cobrando quando vou ter também. Explico para elas que, depois que terminar meu doutorado, vou pensar em ter um filho. Filho é uma coisa que não está muito na minha vida hoje. Então, nós curtíamos bailes e feiras da comunidade. Em Duque de Caxias, tinha uma feira tradicional. Já faz um tempo que ela não acontece. Nosso último prefeito descaracterizou essa feira da comunidade, que acontecia no bairro 25 de Agosto, na entrada principal da Rua Brigadeiro Lima e Silva. A feira começava na parte de baixo da rua e terminava em cima, perto da estação. Íamos muito para lá, porque tinha comida típica e tudo que se possa imaginar. Tinha vários palcos com pessoas se apresentando. Também íamos muito nas festas de rua. Já no baile funk, dançava, mas não era aquela coisa: “Nossa, como ela está dançando” Ia mais, porque as meninas iam. Elas me chamavam e eu ia e gostava. As músicas, de uma forma ou de outra, representavam a população de baixa renda, os anseios dessa juventude. Gostava em função disso. Dava para dar uma paquerada. Fui muito namoradeira, mas só a partir dos 17 anos. Eu me achava o “patinho feio”, achava que nunca ia conseguir um namorado. Sempre me achei muito feia. Comecei a me achar mais bonita a partir dos 18 anos de idade. Hoje, me acho linda, já tenho todo um processo de identidade muito bem resolvida. Para mim, ser negra é lindo. Só não tenho cabelo porque não gosto de pentear. Já usei trança, já tirei trança, já usei cabelo grande. Agora, estou careca, porque é mais prático. Acordo, passo a toalha e pronto Estou meio sem tempo e resolvi optar pela praticidade do “sem cabelo”. Na hora em que achei que não era mais o “patinho feio”, comecei a namorar bastante. A gente fazia disputa de quem estava namorando mais. Era uma coisa meio engraçada, porque tinha listinha e tudo. Era muito maneiro. Números Nunca consegui bater recordes, mas ficava bem perto delas.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Quando saí do PIT fui procurar trabalho. Passei dois anos procurando trabalho sem encontrar. Procurava todos os trabalhos que pudessem aparecer, sem medo de ser feliz De doméstica, servente, em departamento de pessoal, área administrativa. Como já estava formada no curso de Formação de Professores, também procurei na área. Mas o que acontece com o jovem da Baixada Fluminense é que temos um “fator passagem”. A passagem é muito cara. De Campos Elíseos para a Central do Brasil, de ônibus, se gasta três reais. Para arrumar um trabalho pela Zona Sul, por exemplo, tem que pegar outro ônibus e soma mais um real e sessenta centavos. Por exemplo, tenho um amigo que mora em Magé. A passagem da Central do Brasil até Magé é cinco reais e dez centavos. Empregador nenhum paga uma passagem tão alta. O fator “dificuldade de emprego” para o jovem na Baixada Fluminense é o preço alto da passagem. E era complicado arrumar trabalho por ali, porque Duque de Caxias e a Baixada Fluminense em si, sempre teve uma característica de “cidade dormitório”. As pessoas trabalhavam em outro lugar e só vinham para casa para dormir. Hoje, ainda existe um pouco dessa característica, mas está menor em função da expansão econômica de Duque de Caxias, em função de um pólo que está sendo construído, da movimentação do comércio. Hoje é mais fácil arrumar um trabalho em Duque de Caxias. Eu e uma amiga, a Viviane, passamos dois anos procurando trabalho. Ela arrumou trabalho primeiro e continuei procurando. Para procurar trabalho é complicado, porque você tem o “fator passagem”. Se você não trabalha, você não tem dinheiro para ir procurar. A gente tinha acesso ao trem, porque a estação de Campos Elíseos é bem próxima de onde moro. Ia procurar trabalho de trem. Saltava na Central do Brasil e ia até o Largo da Carioca andando. No Largo da Carioca tinha anúncio de jornal. Procurava ali pela cidade, porque na Zona Sul era mais complicado, teria mais uma outra passagem, de ida
e de volta para a Central do Brasil. Geralmente, procurava trabalho pelo centro da cidade. Passei dois anos procurando um trabalho e não consegui, mas não fiquei sem trabalhar. Estava sempre fazendo “bico”, lavando roupa, arrumando casa. Ali pela minha vizinhança mesmo. Minha mãe trabalhava numa firma de cozinha em Botafogo. Esta firma precisava de alguém para lavar a roupa e eu fazia isso. Ia em Botafogo, pegava a roupa, levava para casa, lavava, passava e levava de volta. Passei um bom período fazendo isso. Já devia ter os meus 20 ou 21 anos de idade. Sempre fiz isso para ter dinheiro para ir procurar trabalho.
REFORMULAÇÃO DO PROGRAMA DE CRIANÇA Nesse período, procurando trabalho, tinha um amigo que foi também da primeira turma do PIT, o Mayco Costa Soares. Ele trabalhava no Programa de Criança, junto com o professor Ricardo. Era professor de balé. Nesse momento, Cláudia del Souza, Gerente de Comunicação da Reduc, estava tentando dar uma “nova cara” para o Programa de Criança. Ela queria dar essa “cara nova” para o Programa de Criança, porque ele tinha um viés muito voltado para a área de Educação Física.
Ela chamou a Fátima Romualdo, que já tinha sido coordenadora do PIT, para traçar esse novo perfil do Programa. Na época, eu tinha uma ligação com a Fátima Romualdo, em função da identificação do seu trabalho, da crítica que ela estabelecia, da forma como ela conduzia seu trabalho. Ela não via os adolescentes que estavam ali como “coitadinhos”. Seu trabalho era dar uma opção a eles, estabelecendo um tipo de relação para que os adolescentes conseguissem ver o mundo de forma diferente. Seu trabalho de coordenação do PIT é diferencial em função de seu aspecto pedagógico e psicológico. Ela desenvolvia estratégias para convivermos nesse novo mundo. Tínhamos uma reunião semanal ou mensal com a Fátima Romualdo, não me lembro bem. Tinha reuniões de avaliação e reuniões para falarmos individualmente sobre nossos problemas. Tínhamos essa abertura para ir conversar com a Fátima Romualdo.
FAMÍLIA Nessa época, tive uma crise familiar, quando meu pai foi embora. Nessa história, eu fui o pivô da bagunça que aconteceu na vida dele, porque não agüentava mais aquela situação. Ele bebia, queria matar todo mundo, infernizava a nossa vida e eu estava no limite. Em Campos Elíseos, estavam instalando uma boca de fumo e eu não sabia disso, até porque não tinha tempo de ficar sabendo das notícias de Campos Elíseos. Eu tinha ido até a delegacia, porque, naquele dia em especial, meu pai tinha “enchido o pote” e queria matar todo mundo. Ninguém quis me atender na delegacia e falei para o policial: “- Vocês estão esperando ele matar todo mundo para irem fazer alguma coisa?” O policial me chamou de abusada E respondi: “-Estou vindo denunciar uma pessoa que está querendo matar todo mundo em casa e vocês não vão fazer nada?” Eles perguntaram a minha idade e respondi que tinha 16 anos. Como eu era menor de idade, falaram para eu chamar a minha mãe, porque não poderia fazer a denúncia. Voltei em casa, “enchi o saco” da minha mãe e ela foi. Os policiais foram lá e deu um “ti-ti-ti” danado, porque o bandido queria saber quem tinha chamado a polícia. O bandido mandou me chamar. Eu tinha acabado de chegar da escola. Foi uma confusão geral Os bandidos soltaram fogos. Pegaram um bandido que estava vendendo drogas. Foi uma coisa de outro mundo. Pensei: “Pronto Estou morta, fui eu quem chamou a polícia.” Fui falar com o bandido, que olhou para mim e perguntou se havia sido eu quem tinha chamado a polícia. Respondi: “Foi, por quê?” “Porque quero saber por que você chamou a polícia.” E eu disse que havia chamado a polícia, porque meu pai bebeu e queria matar todo mundo, porque eu não poderia ficar de braços cruzados, vendo ele matar todo mundo. O bandido retrucou: “Você podia ter vindo falar com a gente. Nós cuidamos da comunidade.” E eu falei: “Então, vocês estão cuidando muito mal da comunidade, porque deixam um palhaço desses ficar fazendo isso com uma mulher e com um monte de crianças.” O bandido me olhou e pensei: “Pronto Agora vou levar um tiro na cara. Ele falou: “E o que você acha que a gente deve fazer com ele?” Respondi que fizessem o que quisessem. Na comunidade não pode ter briga, porque, tendo isso, a polícia automaticamente vai para lá e acaba com o movimento deles. Foi isso que fiz, mas sem saber disso. Quando ele me perguntou, falei que não sabia da boca de fumo. Meu pai passou a noite inteira na cadeia. Minha família “caiu de pau” em cima de mim, falaram que eu era desnaturada. Não tive medo do bandido. Bandido ou não bandido, eu falava o que pensava. E o bandido falou: “Então quer dizer que não interessa o que vamos fazer com seu pai?” Respondi que não. Ele olhou dentro do meu olho e falou: “E se a gente o matasse?” Eu disse que, por mim, tanto faz. Matar ou não matar, não fazia a menor diferença. Ele mandou chamar minha mãe, que chorou e pediu para eles não fazerem isso. Daí, botaram ele para fora da comunidade. Foi o dia mais feliz da minha vida Soltei fogos e tudo. Me livrei de um problema. Meu pai foi expulso da comunidade pelo próprio bandido. Ele foi na minha casa, chamou meu pai e ele não apareceu. O bandido falou: “Ele não está em casa”, mas eu disse que estava sim. Fui lá e chamei meu pai, que falou que não ia. Voltei dizendo: “Meu pai falou que não tem homem aqui para botar ele para fora não.” O bandido ficou muito nervoso, deu um tiro para o alto, entrou e tirou ele da casa. As crianças choravam e eu, em pânico dele desistir de botar meu pai para fora. Mandei as crianças pararem de chorar: “Se o bandido vir vocês chorando e desistir de botar nosso pai para fora, vou “enfiar a porrada” em vocês” Pararam de chorar e botaram ele para fora. No outro dia, minha mãe foi comigo na Fátima Romualdo, que era psicóloga da Reduc. Cheguei lá, cruzei os braços e fiquei olhando para a Fátima. Minha mãe contou toda a história para ela, que olhou para mim e disse: “Olha, muito bem Gostei muito da sua atitude Se fosse eu, faria a mesma coisa.” Ela era uma pessoa que estava engajada e conhecia nossa realidade. Não fazia aquele trabalho psicológico de culpa, de arrependimento. Tínhamos essa ligação em função deste episódio. Estávamos sempre conversando. Ela sabia que eu tinha feito o Curso Normal, então, quando foi chamada para reestruturar o Programa, perguntou ao Mayco por mim.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Depois desse episódio, ainda estava procurando emprego. Em novembro de 1996, ela me convidou para trabalhar no Programa de Criança como recreadora. O Programa de Criança foi meu primeiro emprego. Fui contratada pelo CEPE Caxias, porque, para o Programa ser realizado, apesar de ser implantado pela Petrobras, tinha que ter convênio com alguma instituição. Como o PIT, que não era feito pela Petrobras, mas por uma instituição conveniada, que repassava nosso pagamento. Comecei a trabalhar no Programa de Criança em 1997.
REESTRUTURAÇÃO DO PROGRAMA DE CRIANÇA O Programa de Criança passou a ser pensado como um projeto sócio-educativo e cultural. Foram acrescentadas atividades de capoeira, de capoeira de Angola. Foi contratado um professor de capoeira, não tinham mais tantos professores de Educação Física. Começaram atividades de cultura popular. Logo depois, deixou de ter balé para ter cultura popular. O Programa de Criança teve que fazer muita pesquisa de campo para descobrir qual comunidade iria atender, para descobrir o perfil sócio-econômico desta comunidade, como essa comunidade pensava, com o quê essa comunidade se divertia. Junto com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional surge a questão da Educação Física nas escolas. Já não era tão importante ter somente Educação Física no Programa.
O Programa começou a ser pensado com base em duas leis: o Estatuto da Criança e do Adolescente, aprovado em 1990, e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996. Ele também foi pensado com base nas diretrizes da Empresa, do que ela apontava para fazer o Programa. Procuramos respeitar a realidade da comunidade onde a unidade está inserida, porque existem vários Programas de Criança pelo Brasil, só que cada um tem características diferentes, procurando se adequar às realidades do local que está atendendo. O Programa de Criança da Reduc, que foi um dos primeiros Programas a nível de Brasil, quando começou a acontecer, teve este viés de cultura popular. É isso o que caracteriza especialmente o Programa da Reduc, a cultura popular e a educação social.
“BOI DA UNIÃO” O Programa é desenvolvido com base na cultura popular de Campos Elíseos. Lá existe um “boi” a mais de 30 anos, que sai todo carnaval. É um “boi” carnavalesco. A origem do “boi pintadinho” começou a ser trabalhada pelo Programa. A cultura nordestina era também presente, porque Campos Elíseos é um local composto por negros e nordestinos, por imigrantes de outras partes do país, principalmente do Nordeste. Hoje, quem faz a manutenção do “boi” é a Dona Diná e temos uma parceria com ela, com as escolas e com Associação de Moradores, para colocar o “Boi da União” na rua. Botar o “boi” na rua é complicado. Quem faz essa parte de botar o “boi” na rua sou eu. Tenho que reunir as instituições e discutir como isso será feito. Geralmente, é na época do Dia do Folclore. No ano passado, não fizemos em agosto em função de eleição. Tivemos que fazer no dia 27 de novembro. Tínhamos um professor de cultura popular, o Wallen Rocha, que é coreógrafo da Companhia Folclórica da UFRJ. Ele foi trabalhar cultura popular com as crianças do Programa de Criança. Duque de Caxias é um lugar rico em cultura popular, muito rico musicalmente, as pessoas são muito musicais. Campos Elíseos já teve uma escola de samba, que desfilou na Avenida Rio Branco. Seu nome era Unidos de Campos Elíseos. Lembro disso, porque, na época do carnaval, minha mãe levava a gente para ver essas coisas. Tinha muito medo do “boi”, mas tinha vontade de ir vê-lo. Quando o “boi” passava, me escondia debaixo da saia da minha mãe ou embaixo de qualquer coisa, mas queira vê-lo Era muito bom ver o “boi”. Hoje não tenho mais medo. Quando ia ver o “boi” até chorava O “Boi da União” começa com o professor Wallen Rocha indo às escolas na época do folclore. Ele constatou que o que predomina é basicamente “É o tchan”, músicas americanas, sertanejas e Xuxa. Ele viu de tudo, menos a própria cultura popular. Começamos a trabalhar isso com as escolas. Por que fazer festa de halloween? Por que não trabalhar o Brasil? Começamos a discutir com as escolas uma forma de se buscar isso. Começamos a falar do “boi” da Dona Diná. Muitas escolas, apesar de próximas à casa da Dona Diná, nunca tinham ouvido falar dele. Daí, passamos a entender todo processo da escola, da Associação de Moradores, do “boi” em Campos Elíseos. Organizamos o desfile do “boi”, que ainda nem tinha nome. Em uma reunião os professores, foi proposto o “Boi da União”, para que ele fosse a representação de todo o processo político, pedagógico, de aprendizagem. Uma escola queria apresentar o maracatu, outra, o frevo. Wallen Rocha preparava algumas crianças do Programa para irem até as escolas ajudar os professores a fazerem isso. As crianças confeccionaram as cavalinhas, o “boi”, porque cada escola tinha um. Uma escola apresentou um “boi” de mamão, outra, o “boi bumbá”. Foi um processo de integração entre as escolas, o Programa de Criança da Petrobras e a comunidade. Estamos descobrindo o que Campos Elíseos tem de melhor, que é sua cultura popular.
Além de estarmos no dia-a-dia do Programa de Criança, participamos de fóruns, encontros, cursos. Nossa equipe é composta por uma psicóloga, que é nossa coordenadora técnica, uma assistente social, por mim, que sou educadora social, por uma professora de cultura afro, uma de cultura-popular, especificamente para a parte nordestina, uma professora de coral, um de orquestra, porque temos instrumento de sopro. Temos ainda duas pessoas para conduzir as crianças no ônibus, para trazê-las da comunidade e levá-las ao clube CEPE Caxias, o Clube dos Empregados da Petrobras, que fica ao lado da Refinaria. Temos duas pessoas para conduzir as crianças no ônibus, darem banho e uma copeira, que é a pessoa que serve a comida. Temos mil atividades mil, além de estarmos à frente do Programa. E temos essa parte do “boi” que todos participam.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Entrei em 1997 como recreadora e fiz um curso de dois anos em nível de pós-graduação em Direitos Sociais pela Universidade Popular da Baixada, que era uma ONG de Duque de Caxias. Logo depois passei a ser Educadora Social. Temos essa parte que aborda questões de raízes do Brasil, da cultura popular e temos uma outra parte que é a de Educação Social, onde abordamos questões relacionadas a crianças e adolescentes. Essa parte de Educação Social, quem faz sou eu.
COTIDIANO DE TRABALHO Discutimos ações, estamos revendo o Programa, temos reuniões diárias, que acontecem geralmente das 10 horas ao meio dia. Estamos sempre discutindo questões do Programa e questões da comunidade.
PROGRAMA DE CRIANÇA A principal demanda da comunidade é pela inscrição e pela participação das crianças no Programa. Temos 300 crianças participando. Só que, em função de ser o único programa desse nível em Campos Elíseos, o número de vagas é pequeno. Em julho de 2001, abrimos inscrições. Foram quase 500 crianças inscritas, mas só tínhamos 20 vagas. Existe um tempo de permanência no Programa que é de dois anos. Só que é assim: não é pelo ano de aniversário que contamos. O ano letivo do Programa começa em março e termina em dezembro. Uma criança que entra em março e vai até dezembro fez um ano de Programa. No próximo ano, ficando de março a dezembro, é mais um ano de Programa, então ela completa dois anos e tem que sair. E temos um corte no meio do ano, que é para dar possibilidade para outras crianças entrarem. Por exemplo: de março a junho são seis meses letivos. Atendemos crianças de 7 a 15 anos de idade no Programa. Estas crianças têm que estar em horário alternado ao da escola. Trabalho por faixa etária, pois em Educação Social, não dá para misturar todo mundo. Tentei fazer isso uma vez, mas não deu certo. Em determinadas atividades dá para fazer. Por exemplo, no jongo, temos crianças das diversas faixas etárias, desde os 7 até os 15 anos. A capoeira também, embora não esteja mais tão presente no Programa. As crianças até fazem capoeira, porque a professora de jongo pratica capoeira. Mas ela tem trabalhado mais com jongo e com outras danças afros. Temos o cuidado de perceber essa questão das faixas etárias. Em compensação, a criança pode fazer duas atividades, porque está lá duas vezes por semana. Ela vai na terça e quinta ou na quarta e na sexta. A criança passa por todas as atividades e escolhe se quer fazer jongo, coral, orquestra. Ela pode fazer até duas atividades por semana, sendo que a parte de Educação Social é destinada a todas as crianças, independente de quererem ou não participar. Faz parte dos nossos princípios elas terem que participar. Têm umas crianças mais resistentes, mas depois de uma longa e cuidadosa conversa acabam aceitando. O trabalho de Educação Social visa discutir a situação da criança e do adolescente. Fazendo uma retrospectiva histórica, desde a colonização até os dias de hoje, discutimos com as crianças formas de mudar os comportamentos dos professores, dos pais e da comunidade. O Programa acredita que não é possível educar através da violência, então buscamos estar junto dessa criança e de sua família refletindo isso.
Também temos reuniões com os responsáveis. Não há nada que façamos que os pais não saibam. Estamos num clube que é freqüentado pelas mais diversas pessoas e, tanto nós como a Empresa, temos responsabilidades com aquelas crianças. Por exemplo, uma criança não vai ao banheiro sozinha, não toma banho sozinha, não fica circulando pelo clube sozinha. Sempre tem um responsável, um professor por perto. No ônibus, a criança não fica de pé. Existem regras de convivência. Esse trabalho tem mudado as relações da família com a criança, da criança com a comunidade e com a escola. Além dessa parte específica da Educação Social que é feita com a criança, existe um trabalho com a família,
por meio das reuniões. Geralmente, são reuniões mensais, feitas pela assistente social, pela Fátima Romualdo, e por mim. De vez em quando, toda a equipe participa.
Quando tem um caso específico, a assistente social faz uma visita à família. Não fazemos clínica no Programa. Todo e qualquer atendimento, seja físico ou psicológico, encaminhamos para os recursos públicos, médico, acompanhamento psicológico, por exemplo. Fazemos um atendimento, identificamos, encaminhamos e acompanhamos passo a passo o que está acontecendo.
PARCERIA COM O CONSELHO TUTELAR Temos uma parceria com o Conselho Tutelar, além da comunidade, da família e da Associação de Moradores. O Conselho Tutelar não existia até 1990. Passou a existir com a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi implementado em Duque de Caxias em 1996. Logo em seguida, passamos a ter esta parceria. A partir da reestruturação do Programa, esta parceria com o Conselho Tutelar do Primeiro Distrito foi iniciada. É uma questão legal. Quem trabalha com criança e adolescente, seja o trabalho que for, tem que prestar contas para o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e para o Conselho Tutelar. Até porque não podemos fazer as coisas da nossa cabeça e achar que estamos fazendo tudo lindo e maravilhoso. Têm pessoas que fiscalizam, que acompanham. O Programa de Criança é inscrito no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Todo ano, eles nos visitam. Isso é uma coisa bem amarrada, porque é essencial para quem trabalha com crianças e adolescentes ter a parceria do Conselho Tutelar. Porque quando se identifica um caso de violência contra a criança ou o adolescente, o Conselho Tutelar é a primeira grande parceria. Ele atende e distribui para os órgãos competentes. E faz essa parte da Educação Social que é importante, porque as escolas ainda não compreenderam o real sentido do Estatuto da Criança e do Adolescente, nem o real sentido do Conselho Tutelar. Então, usam o Conselho Tutelar como um instrumento de terror. Por exemplo, se existe uma criança muito bagunceira, falam para a mãe da criança que vão entregá-la para o Conselho Tutelar. Esta mãe fica achando que o Conselho Tutelar vai acabar com sua vida, vai colocar seu filho numa instituição. O Conselho Tutelar não tem poder para isso Esse trabalho de Educação Social procura explicar isso para as crianças. Além dessa retomada histórica que fazemos através da situação da criança no Brasil – dessa relação da infância com os fatos históricos do país e com o próprio Brasil –, também orientamos sobre esse “terrorismo” que as escolas fazem com o Conselho Tutelar. Isso não existe. O Conselho Tutelar tem poder para várias coisas, menos para tirar o filho das pessoas. Já fizemos alguns encontros das escolas com o Conselho Tutelar, mas este é um caminhar muito lento e difícil. E esse caminhar é lento, porque também tudo muda. Muda o diretor, os professores e, daí, temos que começar tudo de novo. O Programa de Criança tem esse papel de resgatar a cultura das pessoas de Campos Elíseos. Tem um papel de política mesmo. Não o político partidário, mas o do ato político, do pensamento político, da cidadania. De se ver enquanto um sujeito de direitos, uma pessoa que pode estar exigindo seus direitos. E falo isso para aquele professor que joga o apagador na cabeça do aluno. Ele não pode fazer isso, porque o aluno tem que ser respeitado. Ele pode ser pobre, pode não ter dinheiro, mas é uma criança, um adolescente, um sujeito em desenvolvimento e existe uma lei para protegê-lo.
ENSINO SUPERIOR - PEDAGOGIA Em 2002, voltei a estudar. Antes de 2002, fiz dois processos seletivos para a UERJ, mas não passei, por vários motivos. Pela minha formação básica em escola pública, não tinha como “encarar” um vestibular de uma universidade pública. Em 2002, fiz vestibular para a Universidade Estácio de Sá. Só que, quando fiz isso, já estava com o objetivo de ficar lá por pouco tempo e fazer uma prova de transferência. Fiquei lá em 2002 e, no segundo semestre de 2003, fiz a prova de transferência para a UFRJ. O Programa de Criança e a comunidade de Bom Retiro tinham uma parceria com o Instituto de Psicologia da UFRJ, para discutir algumas coisas para Campos Elíseos. Abriu o processo seletivo e, como eu já estava na Praia Vermelha mesmo, fui até a Faculdade de Educação, peguei todas as informações, fiz a inscrição, estudei e fui fazer a prova. Eram só sete vagas. Esta prova foi em julho. Cheguei e sentei. Começou a chegar gente e a sala ficou lotada. O professor perguntou quem iria fazer a prova de transferência e 90% da turma levantou a mão. Pensei que não ia passar Fiquei calma, respirei fundo. O professor escreveu as questões no quadro de giz. Eram questões sobre a Escola Nova e sobre Paulo Freire. Estava tudo fresquinho na minha cabeça Fiz a prova, fiz um rascunho e escrevi. Só que eu olhava para o lado e via as pessoas escrevendo duas páginas, sendo que a minha questão tinha ficado pequena. Como não ia ficar enchendo lingüiça, entreguei a prova. Fiz a prova numa terça-feira. Nesse dia, nem fui trabalhar. Na sexta-feira, liguei para saber o resultado e falaram que eu havia passado. Desliguei o telefone e fiquei olhando para a Fátima, para a equipe. Respirei fundo, comecei a chorar, e falei: “Passei” Foi uma festa geral. Não acreditava que tinha passado Estou estudando na UFRJ agora.
FACULDADE DE PEDAGOGIA Estou fazendo faculdade de Pedagogia. Não sei quando vou me formar, porque não estou no período. Faço matérias do sexto, do sétimo período. Está uma bagunça E trabalho Estar cursando essa faculdade fez muita diferença em meu trabalho. Fez diferença em todos os aspectos. Principalmente na questão da Educação Social, de estar conhecendo historicamente as coisas. Leio muito, tenho diversas matérias e estou fazendo Educação Infantil. Em minha monografia, estou estudando o “Boi da União”. Estou lendo muito, porque, além das matérias que estou fazendo, tenho que ler para a monografia. Meu professor é muito rígido e tenho que “andar no miudinho” com ele. Estou sempre apresentando alguma coisa. E a diferença para a Universidade Estácio de Sá é muito grande, principalmente na questão de organização. Minha vida ficou mais bagunçada Teve um momento em que falei: “O que estou fazendo aqui? Quero voltar correndo para a Estácio de Sá, porque isso aqui é uma bagunça total” Mas, com o tempo, me adaptei. Órgão público funciona muito devagar. Para tudo o que você precisa tem um processo. Não agüento mais ver processo na minha frente A faculdade, geralmente, é na parte da noite. Estou pegando matérias em um horário que dê para estudar e trabalhar.
PROGRAMA DE CRIANÇA No Programa de Criança, trabalhamos de terça a sexta, das sete e meia até as quatro e meia da tarde. São dois turnos de crianças, manhã e tarde. Trabalhamos no CEPE – Clube dos Funcionários da Petrobras – de Caxias, onde as crianças comem, tomam banho... Trabalho com crianças de 7 a 15 anos de idade. Faço uma divisão de trabalho. Crianças entre 7 e 9, dos 10 aos 12, e dos 13 aos 15 anos.
Trabalho com a parte de Educação Social. A parte do “boi” é mais trabalhada dentro das escolas. Nos trabalhos de confecção, arrumação, de roupas, de dança, nós só acompanhamos. Quando a escola precisa de um suporte, vamos lá. O professor Wallen Rocha, dava esse apoio técnico para as escolas. Comigo, não ia “rolar” muito, não ia conseguir dançar o maracatu. Também providenciávamos a parte de pesquisa, xerox, essas coisas. Em reuniões, mandávamos transporte.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL É completamente diferente ter participado do Programa de Criança e, agora, estar trabalhando nele. É melhor. Vejo essa minha trajetória como uma coisa muito boa em minha vida. Tudo o que passei e tudo o que aconteceu de bom e ruim não foi à toa. Temos os caminhos, as oportunidades, as pessoas escolhem seus próprios caminhos, fazem e constroem seu próprio destino. Eu construí o meu. E é dessa forma que vou continuar construindo. Ainda pretendo fazer mestrado e doutorado. Pretendo realizar outras coisas em minha vida. Só não pretendo ter filhos por enquanto, mas o resto...
CASAMENTO Casei duas vezes. A primeira vez não deu certo. Fiquei casada durante quatro anos, mas não deu muito certo, porque eu queria “andar” e ele queria “parar”. Nossa história ficou incompatível. Eu queria estudar, realizar outras coisas e ele queria ter filhos, queria “parar”. Então, “desandou o caldo”. Agora, estou casada de novo. Já vai fazer três anos e, por enquanto, está indo bem. Enquanto ele estiver caminhando comigo, vai. No momento em que ele quiser “parar” e eu quiser continuar, ele fica para trás. Até onde quero ir, não sei. Por enquanto, estou pensando no doutorado.
PROGRAMA DE CRIANÇA Nossas expectativas são de retomar nosso trabalho com a comunidade, com os pais, as crianças. Já pensei em algumas modificações para o processo do Projeto do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. Vamos tentar mexer, interferir, cutucar essa comunidade, essas crianças. Tentar provocar um movimento de mudança de atitudes, da forma de ver o mundo.
Estou no Programa desde 1997 e já vejo mudanças na comunidade. Ela recebe bem o Programa. Muito bem. Todo ano é muito diferente do outro, principalmente, porque entram crianças novas. Apesar de estarmos trabalhando quase sempre as mesmas coisas, as situações e as reações são diferentes. Têm responsáveis que absorvem bem o trabalho. Tem responsável que não, que não vê o trabalho com bons olhos. Mas, depois de todo um caminhar junto com este responsável, de discussão, mostrando as atividades, mostrando como é importante essas crianças terem a oportunidade de ser sujeitos da sua história, eles ficam mais tranqüilos e passam a gostar do Programa. A demanda da comunidade era, principalmente, por mais vagas no Programa. Antigamente a comunidade e a Reduc tinham uma relação paternalista e complicada. Se alguém se machucasse, por exemplo, ia na Reduc e conseguia um carro para levá-la ao hospital. Era a “mãe” Reduc. Essa relação foi um pouco complicada para cortar, porque eles também acham que a Petrobras é responsável pelo esgoto, pela água encanada, pela iluminação e por aí vai. E tem alguns políticos que reforçam essa idéia. Através do nosso trabalho, estamos mostrando que não é assim. Paga-se impostos para que Campos Elíseos seja um pouco melhor. A Petrobras já realiza um trabalho de responsabilidade social na comunidade. Pelo que eu saiba, é a única que faz um processo desses. Têm outras empresas que estão fazendo projetos, mas não investem tanto.
LAZER Gosto de ir em pagode. De vez em quando, vou a alguns shows. Uma pessoa que estuda não tem muito tempo para ficar sassaricando. De vez em quando, vou à Lapa, ao Disco Voador, em Marechal Hermes. Mas não saio muito. Saio uma, duas vezes por mês. Saio com o meu marido. O nome dele é Mário Luiz Gomes da Silva Júnior. Saio com ele, mas, de vez em quando, saio com as amigas também. Ele também sai sozinho. Temos uma relação bem legal.
PROJETOS FUTUROS Outro sonho que vou realizar, que já determinei, é o de construir uma casa para a minha mãe. Ela tem uma casa, mas está meio “baleada”. Quero construir uma casa melhor para ela. Hoje ela está morando com meus dois irmãos, porque o resto da família já seguiu seu destino. Uns casaram, descasaram, moram sozinhos, com os filhos.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Achei muito bom participar. Tem que haver mais projetos como esse, porque tantas coisas estão sendo perdidas... As brincadeiras, por exemplo. Não vejo mais as crianças brincarem do que eu brincava. Muita coisa se perde, porque não se registra. Existe a importância de se registrar.Recolher